2 O INSTITUO DA MEDIAÇÃO
2.1 Breve análise dos métodos de resolução de conflito
O convívio social gera conflitos de modo que esse é tão antigo quanto a humanidade (UNESP, 2016). Em virtude da necessidade de pacificação social surgiram diversos modos de resolução de conflitos, os quais podem ser divididos em: autotutela, ou autodefesa; autocomposição e a heterocomposição.
A autotutela (ou autodefesa) é a forma pela qual uma das partes, por meio da força, soluciona o conflito pela submissão da outra parte. Esse método, em regra, é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio. (FARACO, 2014). Nesse sentido:
A autotutela (ou autodefesa) é a forma mais primitiva de solução dos conflitos, na qual há o emprego da força por uma das partes, e a submissão da parte contrária. A força pode ser entendida em diversas modalidades: física, moral, econômica, social, política, cultural, filosófica, etc. Atualmente, em regra, a autotutela é vedada pelo ordenamento jurídico, sendo considerada crime, conforme preleciona o artigo 345 do Código Penal Brasileiro (CP). (FARACO, 2014).
Quando o conflito é solucionado através da intervenção de um agente exterior à relação conflituosa original ocorre a heterocomposição. (SENA, 2007). Por outro lado, quando as partes resolvem o conflito através do consenso, sem o emprego da força, utiliza-se da autocomposição. (FARACO, 2014). Conforme o exposto:
Os mecanismos de solução de conflitos dividem-se em meios heterocompositivos e autocompositivos: aqueles são prestados através de terceiros, seja pela tutela jurisdicional (juiz ou tribunal) ou por um árbitro; nestes as próprias partes constroem a solução para os seus conflitos, através do consenso direto (negociação); com a ajuda de um terceiro interveniente e facilitador (conciliação), ou com o apoio de um terceiro assistente e facilitador (mediação). (NUNES, 2016, p. 39)
A junção dos sistemas hetero e autocompositivos forma o sistema multiportas, que se complementa e permite ao cidadão a escolha do que mais se adequa à solução do conflito. (NUNES, 2016, p.38).
A negociação se desenvolve por meio “consenso direto pelas pessoas, ou de seus representantes, com ou sem a intervenção de terceiros, através do diálogo e de mecanismos de argumentação”. (NUNES, 2016, p. 39). Essa negociação deve ser integrativa, ou seja, gerar ganhos mútuos. (NUNES, 2016).
Já a conciliação “busca a obtenção de um acordo com a intervenção direta de um terceiro, neutro ao conflito, que faz o papel de intermediário entre as partes” (NUNES, 2016, p.39).
Dentre as três formas autocompositivas de solução de conflitos ganha destaque, nesse trabalho, a mediação. Segundo a lei 13.140/2015, a mediação é a “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” (Lei de Mediação, 1º, parágrafo único).
Por fim, é importante observar que o diálogo é o grande esteio do sistema autocompositivo e pode levar a negociações integrativas, possibilitando soluções inteligentes para os conflitos da vida. (NUNES, 2016, p.39.)
2.2 A mediação no ordenamento jurídico brasileiro
O método adversarial de resolução de conflitos (ou método heterocompositivo) é tradicionalmente adotado pelo ordenamento jurídico pátrio. Nesse mecanismo, a pessoa entra em uma luta na qual a satisfação de seus interesses somente virá pela vitória. (NUNES, 2016, p.26). Em decorrência disso ocorrem “desgastes emocionais, enfraquecimento da relação social, culpabilização, estigmatização, ressentimentos, custos desnecessários e soluções tardias” (NUNES, 2016, p.26).
Em virtude dessa batalha judicial, surge, na parte vencida, uma insatisfação e inquietude que a leva novamente ao judiciário, gerando longos processos e decisões muitas vezes não cumpridas. Essa insatisfação gerada em uma das partes, quando não em ambas, fomenta a crise enfrentada pelo Sistema Judiciário Brasileiro. Segundo Nunes (2016, p. 26):
A nossa jurisdição estatal está mergulhada numa imensa crise em razão do volume de processos, de inúmeros problemas estruturais, lentidão na prestação jurisdicional, descrédito, insatisfação das partes, duelos intermináveis e dificuldades de eficácia das decisões judiciais.
Também:
Ainda que a Constituição Federal, conforme artigo 5º, inciso LXXVIII, assegure a todos uma razoável duração para o processo judicial, este ideal é ainda uma visão distante da realidade brasileira, em especial num tempo marcado por uma cultura exacerbada de litigância, onde o elevado número de processos judiciais, aliado à morosidade do Sistema, tem abarrotado os tribunais. (...)
Portanto, o estimulo ao uso de medidas alternativas de solução de conflitos, seja via arbitragem, conciliação ou mediação torna-se urgente, o que deveria ocorrer concomitante com o desenvolvimento de uma cultura de paz, que deve fincar suas raízes desde a mais tenra idade, com reflexos transformadores, inclusive, nos currículos dos cursos de direito, onde atualmente viceja e se promove a litigância e beligerância, em vez da conciliação, mediação e arbitragem. (MARQUES FILHO, 2016).
Nesse cenário, surgiu a necessidade de estímulo da cultura do diálogo e dos métodos alternativos de solução de conflitos para desafogar o judiciário e buscar métodos mais adequados de satisfação de conflitos.
Apesar de os métodos alternativos serem milenares nas sociedades orientais, não são tradicionalmente adotados nos ocidentais. No entanto, começaram a reaparecer e serem incentivadas, inclusive por organismos internacionais, em razão das dificuldades do Estado em cuidar da prestação jurisdicional. (NUNES, 2016, p.32)
Assim, o sistema autocompositivo surge como uma alternativa para a crise enfrentada pelo judiciário devido à sua essência democrática (NUNES, 2016, p.33). Isso decorre do fato de que, segundo Nunes (2016, p. 34) essa forma de resolução possibilita ganhos mútuos através de soluções elaboradas pelas próprias partes por meio de recursos transdisciplinares e o empoderamento pessoal.
Nunes afirma que (2016, p. 33) “ diante desta realidade que demanda uma Justiça de qualidade, mais harmonizadora, em tempo razoável, a mediação (re)surge num modelo flexível à disposição da população e como política pública para a resolução dos mais diversos conflitos.”
Seguindo essa tendência, a Resolução do CNJ 125/2010 foi elaborada, ampliando o sistema multiportas. Segundo Nunes (2016, p.35):
O Poder Judiciário passou a criar políticas públicas para o tratamento adequado dos conflitos de interesses, a incentivar programas e ações de incentivo à autocomposição de litígios, à criação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e cidadania (CEJUSCS) e a disseminar uma cultura do diálogo, da pacificação social e a incentivar os tribunais a se organizarem e planejarem programas de autocomposição.
O CPC/15, diferente do anterior, deu destaque às formas consensuais, ao diálogo processual, ao negócio jurídico processual e a autocomposição. (NUNES, 2016, p.35).
Por fim, ocorreu o marco legal da mediação com a elaboração da Lei 13.140/15. Segundo o caput ao art.1º dessa lei a mediação surge “como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública”.
A legislação não estabeleceu, e nem indicou, nenhum modelo específico de mediação a ser desenvolvido, seja na mediação judicial ou extrajudicial. A lei também não impôs ritos ou regras rígidas quanto as fases da mediação, devendo, assim, obedecer a necessidade de cada caso e da orientação do mediador. (NUNES, 2016, p.55). Assim, a mediação é um instituto amplo e flexível de modo a se adequar ao caso em concreto.
No entanto, a legislação “prevê diversas formas de mediação como a extrajudicial, pré-processual, processual, on-line, além de outras mais atípicas, que nem são mediações propriamente ditas, mas meios autocompositivos, como a transação por adesão” (NUNES, 2016, p.74)
Compilando o estabelecido no CPC/15, na Lei de Mediação, na Res. 125 do CNJ é possível extrai-se que a mediação é guiada pelos seguintes princípios: independência; imparcialidade; autonomia de vontade das partes; oralidade; mediação on-line; informalidade; decisão informada; isonomia das partes; busca do consenso; boa-fé; voluntariedade e princípio da confidencialidade. (NUNES, 2016, p. 58 a 63).
O princípio da confidencialidade apareceu em destaque no CPC e na Lei de Mediação e estabelece toda informação relativa ao processo de mediação será confidencial em relação a terceiros, salvo exceções estabelecidas em lei. A fim de compreensão, segue o art. 30 da Lei de Mediação:
Art. 30. Toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação será confidencial em relação a terceiros, não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou judicial salvo se as partes expressamente decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação.
§ 1o O dever de confidencialidade aplica-se ao mediador, às partes, a seus prepostos, advogados, assessores técnicos e a outras pessoas de sua confiança que tenham, direta ou indiretamente, participado do procedimento de mediação, alcançando:
I - declaração, opinião, sugestão, promessa ou proposta formulada por uma parte à outra na busca de entendimento para o conflito;
II - reconhecimento de fato por qualquer das partes no curso do procedimento de mediação;
III - manifestação de aceitação de proposta de acordo apresentada pelo mediador;
IV - documento preparado unicamente para os fins do procedimento de mediação.
§ 2o A prova apresentada em desacordo com o disposto neste artigo não será admitida em processo arbitral ou judicial.
§ 3o Não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação relativa à ocorrência de crime de ação pública.
§ 4o A regra da confidencialidade não afasta o dever de as pessoas discriminadas no caput prestarem informações à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos seus servidores a obrigação de manterem sigilo das informações compartilhadas nos termos do art. 198 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.
O art. 3º da LM estabelece que “pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis e sobre direitos indisponíveis que admitam transação”.
Segundo Nunes (2016, p.66-67), os direitos disponíveis são patrimoniais, sobre os quais as pessoas podem deles dispor e transacionar livremente, de forma plena. Importante notar que a LM estabelece, expressamente, que as mediações das relações de trabalho devem ser regidas por lei própria.
Já os direitos patrimoniais indisponíveis são aqueles sobre os quais o titular não pode dispor, em razão do interesse ou finalidade pública, tais como a dignidade da pessoa humana, dentre outros. Alguns desses direitos, apesar de serem indisponíveis, podem ser transacionados, como as questões de família. (NUNES, 2016, p.67)
Importante afirmar que os absolutamente incapazes; as pessoas incapazes relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer, à exemplo dos ébrios eventuais; e as pessoas que não puderem exprimir sua vontade não pode realizar diretamente uma mediação. (NUNES, 2016, p. 67). No entanto, essas pessoas podem participar de mediações desde que devidamente representadas pelos seus representantes legais, tutores ou curadores. (NUNES, 2016, p. 67).
Por fim, cabe esclarecer que apesar de a LM não diferenciar a mediação da conciliação, o NCPC diferencia os dois institutos. (NUNES, 2016, p. 52). Segundo esse Código, é recomendável que a conciliação seja utilizada apenas para reações ocasionais, nas quais os vínculos entre as pessoas inexistam ou sejam esporádicos. (NUNES, 2016, p. 52).
Por outro lado, segundo o mesmo dispositivo, a mediação é recomendada para os casos que envolvam relações continuadas, nos quais os casos são complexos e que dependam da manutenção dos laços existentes entre as partes do conflito, como nas relações familiares e de vizinhança. (NUNES, 2016, p. 52).
3 A MEDIAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA
3.1 Breves considerações acerca da evolução da família no ordenamento jurídico brasileiro e os novos conflitos
As relações familiares são dinâmicas e complexas, se transmudam rapidamente, acompanhando alterações culturais e sociais. Novos paradigmas familiares surgiram, e com eles novas formas de conflitos.
As sucessivas modificações na estrutura familiar trouxeram conflitos ainda não previstos pelo ordenamento jurídico, desafiando o Direito à se modificar para acompanhar essa nova realidade. Além disso, tornou alguns conflitos, como os decorrentes do divórcio e da ações alimentícias mais frequentes, o que também exigiu uma maior demanda do judiciário brasileiro.
O legislador não consegue acompanhar a realidade social nem contemplar as inquietações da família contemporânea. A sociedade evolui, transforma-se rompe com tradições e amarras, o que gera a necessidade de oxigenação das leis. (DIAS, 2014, p.31).
Para contribuir na reorganização desse núcleo tão valoroso para a sociedade, surge como alternativa, a mediação, a qual através do diálogo entre os envolvidos auxilia nesse processo de reorganização da vida familiar, acompanhando também sua evolução histórica perante a sociedade.
A mediação, como forma de solução de conflitos, encontrou no Direito das Famílias um dos seus mais expressivos campos de aplicação, devido à complexidade, a transdisciplinaridade e a multidimensionalidade das relações familiares.
No ordenamento jurídico brasileiro, a entidade familiar teve como marco histórico legislativo a promulgação do Código Civil de 1916. Contudo, à época, consagrava-se o poder patriarcal, sobretudo na pessoa do marido, conforme o artigo 233 do CC/1916:
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal.
Compete-lhe:
I. A representação legal da família.
II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial (arts. 178, § 9º, nº I, c, 274, 289, nº I, e 311).
III. direito de fixar e mudar o domicílio da família (arts. 46 e 233, nº IV). (Vide Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 1919).
IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal (arts. 231, nº II, 242, nº VII, 243 a 245, nº II, e 247, nº III).
V. Prover à manutenção da família, guardada a disposição do art. 277.
Além da concentração do poder na figura masculina, foram também marcos da austeridade adotada pelo legislador a indissolubilidade do matrimônio, a capacidade relativa mulher, a distinção notória entre os filhos legítimos e ilegítimos, naturais e adotivos, bem como a divisão de bens na sucessão hereditária, que excluía os filhos adotados, e a guarda, que ligava-se à noção de culpa do cônjuge, ao passo que era concedida àquele que não concorreu para a dissolução do casamento (BARRETO, 2013).
No decorrer do século XX, importantes mudanças impactaram o direito pátrio, advindas do cenário mundial, através da Declaração Universal de Direito Humanos, de 1948, e do Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, que culminaram no reconhecimento interno de direitos e garantias fundamentais quando promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988).
A entidade familiar, núcleo da sociedade, merecedora de ampla proteção estatal, passou a ter status constitucional, com conceitos altamente ampliados, já que à luz dos tratados internacionais, dos quais o país é signatário, a dignidade da pessoa humana passou a ser o liame do texto constitucional, característica latente em um Estado Democrático de Direito.
Assim, entidade família abarca, sob o prisma da CRFB/88, a união estável entre homens e mulheres, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, e a união entre pessoas do mesmo sexo, já que é vedada a recusa da autoridade competente à celebração do casamento ou conversão de união estável em casamento destes (BRASIL, 1988).
Posteriormente, o Código Civil de 2002, em consonância ao novo ordenamento jurídico inaugurado pela CRFB/88, instituiu e separou os direitos pessoais e patrimoniais da família:
Desde logo enfatiza a igualdade dos cônjuges (art. 1.511), materializando a paridade no exercício da sociedade conjugal, redundando no poder familiar, e proíbe a interferência das pessoas jurídicos de direito público na comunhão de vida instituída pelo casamento (art. 1.513), além de disciplinar o regime do casamento religioso e seus efeitos (GONÇALVES, 2012, p. 36).
Apesar dos contornos expansivos e de receber maior proteção estatal, a entidade familiar não deixou de ser uma instituição conflituosa.
Isto porque se discutem direitos inerentes à família e seus componentes, como o próprio divórcio, os poderes a serem exercidos sobre os filhos - denominado poder familiar - bem como a divisão dos bens de família e obrigações decorrentes da dissolução do matrimônio.
Os conflitos, por si só, fazem parte da dinâmica familiar, devido à complexidade da relação em comento. O cotidiano e as desavenças são realidades sociais que marcam as famílias, auxiliam no crescimento, confiança, respeito e percepção mútuas, desde que bem administrados (PRUDENTE, 2008).
Assim, a resolução de conflitos familiares, em qualquer âmbito, deve ser dotada de técnicas adequadas que busquem a convergência e satisfação dos interesses, sobretudo à luz do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, caso haja direitos a estes inerentes em jogo (BRASIL, 1990).
Para tanto, no atual ordenamento jurídico, e sob a égide do CPC/15, instituído pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015, a mediação e a conciliação foram os meios escolhidos pelo legislador para dirimir os conflitos familiares, conforme se verá.
3.2 A mediação como alternativa de solução de conflitos no direito de família
O CPC/15, em sua nova dogmática principiológica, visando à aplicação do ordenamento jurídico ao caso concreto, à luz dos valores e normas fundamentais constitucionais, estabeleceu em seu artigo 694 a solução consensual de conflitos familiares através da mediação e a conciliação:
Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação (BRASIL, 2015).
Entretanto, a distinção entre mediação e conciliação faz-se necessária, vez que se tratam de institutos diversos.
A mediação pode ser entendida como um princípio, uma conduta que permite desenvolver a personalidade, que capacita a conquista de liberdade interna do ser humano e a igualdade que todo ser merece perante o outro, ao passo que assegura o sentimento de pertença ao gênero humano (BARBOSA, 2004).
Em contrapartida, a conciliação caracteriza-se, conforme o CPC/15, como solução "para os conflitos que envolvam apenas relações ocasionais, nas quais o vínculo de convivência entre as pessoas inexiste ou se tornara apenas esporádico em razão de algum fato ou incidente" (NUNES, 2016).
Neste passo, a conciliação demonstra-se binária, pois apresenta, ao final, um julgamento, com exclusão ou renúncia de um direito, enquanto a mediação possui caráter ternário, já que promove a inclusão de ideias, através da dinâmica de comunicação e afasta o julgamento (BARBOSA, 2006).
Em remonta ao dispositivo do CPC/15, depreende-se a interdisciplinaridade como medida necessária da mediação, já que é dever do juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento.
Tal entendimento decorre do fato de o legislador optar pela comediação, em que "serão os próprios mediadores cadastrados, em revezamento, mas aproveitando-se as formações interdisciplinares, que levarão mais qualidade às sessões de mediação. [...] Em suma: abordar adequadamente os problemas e dilemas e gerenciá-los melhor" (NUNES, 2016, p. 69).
Esclarece Barbosa (2007, p. 133) acerca da mediação interdisciplinar:
A mediação é um método que se vale de técnicas de comunicação, adequada par a escuta qualificada, prestando-se, com muita eficiência, a concretizar o princípio constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana e de proteção do Estado. Como se trata de uma linguagem, qualquer profissional pode se habilitar para obter uma formação. Com a mediação, as ciências humanas fazem irrupção nas relações jurídicas, pois trata de um conhecimento interdisciplinar a serviço do acesso à, assim, os saberes das diferentes disciplinas - direito, psicanálise, psicologia, sociologia, filosofia etc. - conduzem a uma complementaridade da pratica social, função e objetivo desta nobre linguagem, permitindo implementar os paradigmas da pós-modernidade.
Um claro exemplo da interdisciplinaridade é pontuado por Duri e Silva (2016), ao exporem que a atuação de profissionais da Psicologia ao Direito possibilita amplamente, aos sujeitos envolvidos, alcançarem a composição em conjunto, sem intervenção judicial.
Contudo, alertam para a mera tecnização das ciências envolvidas, qualquer que sejam elas, uma vez que tal conduta não permite o amplo conhecimento das relações humanas, que são complexas.
Nunes (2016), por sua vez, apresenta o termo transdisciplinaridade, caracterizado por uma abordagem transversal entre as diversas disciplinas, isto é, um cruzamento entre os saberes:
O mediador eficiente deverá ter esse olhar ampliado e ,ora juntar as disciplinas, ora analisá-las em separado, e deve afastar-se do paradigma cartesiano/newtoniano e da visão mecanicista de causa e efeito, das lógicas binárias do certo e errado, perdedor e ganhador, culpado e inocente, e trazer para a autocomposição o pensamento integrador, com uma visão de sistemas interconectados, com percepção de totalidade e particularidade, de sustentabilidade, de tela e de redes [...] o que deverá fazer através de uma mente sempre aberta, uma aptidão constante para o diálogo e aquisição de conhecimentos diversos [...] (NUNES, 2016, p. 130).
Logo, a técnica binária se encontra superada ao excluir o terceiro mediador, enquanto a ternária o inclui como sujeito ativo da dinâmica, pois se envolve no conflito, com distância suficiente para não tomar para si o drama dos mediados, razão pela qual o conhecimento amplo do conflito humano, na dinâmica familiar e seus sistemas, é fundamental e deve ser preparada e aprimorada (BARBOSA, 2006).
No que diz respeito à efetividade da mediação, Moreira (2014) constata que tal instituto demonstrou ser a melhor alternativa para manter ou reatar os laços familiares, já que propicia a capacidade humana de aprendizagem e de resolver conflitos, através do diálogo construtivo.
Quanto às criança e adolescentes, a mediação através do diálogo é eficaz, na medida em que protege o direito à restauração da convivência e permite o desenvolvimento psíquico dos infantes, ao passo que, quanto aos pais, vincula-os à relação parental através da participação e construção desta, mediante o diálogo, pois assumem papel importante na efetivação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes (MOREIRA, 2014).
Arremata Vasconcelos (2008) que o restabelecimento das relações entre as partes, seja por vínculo familiar ou pessoal, através do sistema mediatório, obteve maior probabilidade de cumprimento espontâneo dos acordos firmados.
Assim, ante ao exposto, por ora, "a mediação como comportamento e como método viabilizam a realização dos paradigmas pós-modernos, aprimora a prestação jurisdicional e garante a realização do princípio da proteção do Estado" (BARBOSA, 2007, p. 137).
3.3 Os benefícios da aplicação da mediação no Direito de Família
Os litígios familiares são questões complexas e que dificilmente são solucionados de maneira eficaz por meio do método tradicional de solução de conflitos. Isso se dá em decorrência de a resolução adversarial do conflito trabalhar a lógica, a razão, tratando o conflito como um fenômeno jurídico. (NUNES, 2016).
No entanto, em decorrência dos multifacetados aspectos que constituem as relações familiares, é necessário um mecanismo mais adequado capaz de preservar esses laços afetivos, transformando a competição e os desgastes emocionais em cooperação mútua de forma a reestabelecer a harmonia e o equilíbrio entre as pessoas. (NUNES, 2016). Nesse sentido, Nunes (2016, p.130), explica:
Nos processos autocompositivos é possível ir mais fundo na análise do conflito e ele precisa ser visto com toda a complexidade intrínseca à vida humana e social, com interação interdisciplinar, a exigir a interconexão de saberes e análises referentes à identificação das emoções e da razão; do passado, presente e futuro; dos sentimentos e das necessidades, entre outros.
Nesse contexto, as formas de autocomposição de conflitos, em especial a mediação, por sua essência democrática e carácter multi, inter e transdisciplinar demonstram aptidão para solucionar esses conflitos familiares de forma mais eficaz e completa ao estimular a autogestão e o diálogo entre as partes conflitantes, trazendo assim, inúmeros benefícios quando comparados aos métodos adversariais de resolução de conflitos
Apesar da resistência dos juristas e profissionais de direito tradicionalistas em aplicar os métodos autocompositivos, esses vêm apresentando diversos benefícios. É possível citar, dentre os mais relevantes, o desafogamento do Poder Judiciário, ao mostrar-se um método eficiente, de efeitos imediatos e de baixo custo. (BRINCKER, 2013).
Nesse sentido, Lôbo (2012, p.49-50), afirma que as decisões tomadas em sede de mediação são “mais duradouras que as decisões judiciais, pois estas não encerram o conflito”. Isso decorre das negociações integrativas realizadas no curso da mediação, a qual possibilita que as pessoas envolvidas cheguem a um acordo satisfatório que fornece ganhos mútuos, inexistindo parte vencida, o que evita o retorno recorrente ao judiciário, portanto, sendo mais efetivo em relação àquele engendrado por advogados e juiz ou à decisão judicial.
Outro aspecto importante da mediação é a questão do atendimento interdisciplinar, que dá um tratamento mais adequado aos conflitos familiares, se permitindo a análise dos vários ângulos do problema, de forma a possibilitar a abordagem mais adequada e eficaz das questões controvertidas.
Assim, ao se utilizar de métodos transdisciplinares e “o diálogo simples, a cooperação responsável, a colaboração solidária, a autogestão dos problemas, a participação ativa e, sobretudo, a liberdade” (NUNES, 2016, p.34) permite uma análise complexa do problema e estimula o diálogo, levando a negociações integrativas e possibilita soluções inteligentes para os conflitos da vida baseados na autonomia da vontade das partes. (NUNES, 2016, p.39).
É válido ressaltar que a mediação proporciona um maior respeito à autonomia das partes e uma maior aplicabilidade ao princípio da Mínima Intervenção Estatal que norteiam o Direito de Família. Nesse sentido:
Um importante ponto da mediação é o seu respeito pela autonomia das partes; trata-se de uma característica admirável principalmente quando se fala de Mediação Familiar, por significar um claro respeito pelo princípio da Mínima Intervenção Estatal que norteia o Direito de Família, preservando a autonomia, a liberdade e a dignidade dos membros envolvidos nas controvérsias familiares. (CARVALHO; SALME; ANGELUCI; 2014, p. 7)
Ademais, observa-se que a mediação, em conjunto com os outros métodos autocompositivos, constituem instrumentos de efetivação do direito fundamental do acesso à justiça. Assim, explica Amaral (2008, p. 145):
Os mecanismos alternativos de solução de controvérsias constituem relevantes instrumentos de cidadania para a consolidação do Estado Democrático de Direito,possibilitando um efetivo acesso do cidadão à Justiça, uma vez que têm custos baixos, são mais céleres, além do fato de que a execução dos acordos ser mais cumprida do que nos processos tradicionais.
Por fim, diante dos inúmeros benefícios proporcionados pela aplicação da mediação, é perceptível que essa, é um meio alternativo mais eficaz e adequado a solução dos litígios familiares, pois atribui às partes a responsabilidade de resolução da mesma, através do empoderamento pessoal, comprometendo-os a deixar de fora suas mágoas, desilusões e rancor, para que juntos construam uma solução que trará ganhos mútuos. Além disso, a mediação é mais célere e acarreta menos gastos ao Estado.