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Parcerias público-privadas:

as realidades de um sonho

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Agenda 23/12/2004 às 00:00

             

             

             

             

            b) Primeira Carteira de Projetos PPP do Governo Lula

            O Governo Federal elaborou uma 1ª carteira de projetos PPP que totaliza R$13 bilhões em investimentos, nas áreas de transporte, recursos hídricos e irrigação. Espera-se que o setor privado invista de 70 a 80% desse total, com as primeiras licitações ocorrendo nos primeiros seis meses de 2004.

            O ministro do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Guido Mantega, calcula que já no início de 2004 será possível fechar os quatro primeiros grandes contratos de parceria no setor de transporte.

            O presidente Lula apresentou o modelo de PPP em Dubai durante a viagem para o Oriente Médio no início de dezembro de 2003 e o ministro Mantega voltou a apresentá-lo em Washington.

            Segundo Lula, "Agora é só apresentar projetos como o PPP para que os empresários brasileiros e internacionais se sintam atraídos para investimentos", afirmou Lula, prevendo uso de "recursos do orçamento, do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica (Federal)." O Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Corporación Andina de Fomento e o BNDES firmaram um compromisso para financiar até US$ 1 bilhão em projetos no modelo PPP.

            Abaixo segue uma tabela (8) mostrando setores e valores de investimentos de interesse do governo no Plano Plurianual - PPA 2004-2007. Os números devem servir como uma idéia da ordem de grandeza, uma vez que há variações que dependem de estudos setoriais e das premissas e metodologias adotadas.

            TABELA 1 – VALORES DE INVESTIMENTOS PPP

             

            Setor

            Investimento (R$ bi)

            Saneamento/Habitação

            66,6

            Energia

            31,65

            Transportes

            10,69 (sem considerar 5 bi para manutenção)

            Infra-estrutura hídrica

            3,91

            Aeroportos

            3,16

            Total

            116,01

             

            Nas duas próximas páginas apresentam-se os quadros de projetos transportes (rodovias, ferrovias e portos) e irrigação previstos pelo governo federal para cada uma das regiões do Brasil, expostos na I Carteira de Projetos de PPP (9), divulgada no site do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em 24 de fevereiro de 2004, onde o valor de transportes totalizam R$ 10,4 bilhões e não os R$ 10,7 bilhões do estudo do jornal Valor Econômico, acima ilustrado.

            Outro fato que corrobora a não exatidão dos valores: a versão em inglês da I Carteira de Projetos de PPP (PPP – I Projects Portfolio), em 25 de fevereiro de 2004 mostra valores diferentes da versão portuguesa, sendo que na totalização, esta versão, a portuguesa, traz R$ 13,067 bilhões enquanto a inglesa, R$ 13,685 bilhões; logo, R$ 618 milhões de diferença!

            FIGURA 3 – I CARTEIRA DE PROJETOS PPP

            FIGURA 3 – I CARTEIRA DE PROJETOS PPP (CONTINUAÇÃO)

            

            Como exemplo, abaixo segue o consolidado de informações, onde o governo federal expressa os aspectos que leva em conta para considerar um projeto.

            Assim, é importante realçar a preocupação com os benefícios sócio-econômicos.

            FIGURA 4 – CONSOLIDADO DE INFORMAÇÕES DE PROJETO PPP

            

             

            c) Outras experiências brasileiras em PPP

            Realçam, nos dias em que esta monografia é escrita, as ações executivas e legislativas dos estados de Minas Gerais e de São Paulo no que tange a uma busca de estruturação de parceria público-privada nos moldes entendidos pelo governo federal.

            A seguir serão apresentados os principais pontos da Lei mineira e do Projeto de Lei de São Paulo.

            d) As leis mineira e a paulista de regulamentação de parcerias

            O governo mineiro antecipou-se na questão da obtenção de uma legislação de PPP, quando em 25 de novembro de 2003, a Assembléia Legislativa deste estado aprovou o Projeto de Lei 889/2003, que se transformou na Lei nº 14.868. Posteriormente também foi implantado o Fundo PPP pela Lei no 14.869.

            O Poder Executivo do Estado de São Paulo, no dia 06 de novembro de 2003, submeteu à Assembléia Legislativa seu Projeto de Lei no 1.141/2003, que tramita nessa casa.

            Apesar dos pontos de semelhança entre os dois projetos estaduais, no concerne à preocupação com eficiência, respeito a direitos e interesses dos destinatários dos serviços e dos agentes privados, à universalização do acesso a bens e serviços essenciais, à responsabilidade fiscal e mesmo `a arquitetura dos negócios, onde:

            QUADRO 1 – COMPARATIVO DE LEGISLAÇÕES

             

 

 

            Minas Gerais

            São Paulo

            Conselho Gestor

            CGP – Conselho Gestor de PPP, vinculado ao governador (presidido pelo governador)

            Conselho Gestor PPP vinculado ao governador (controlado por este)

            Ente Contratante

            Governo por meio da Unidade PPP da Secretaria de Desenvolvimento Econômico – com quadro profissional contratado

            CPP – Cia Paulista de Parcerias (gestão) – sem quadro próprio de pessoal

            Seleção dos Projetos

            Conselho

            Conselho

             

            Há uma importante diferença entre as legislações estaduais:

            Enquanto na mineira, os contratos de parceria devem reger-se pelo regime de concessão e permissão, de acordo com as exigências da Lei de Licitações e Contratos, o projeto paulista nem mesmo cita a palavra concessão.

            Lei Mineira:

            Art. 12 - Os instrumentos de parceria público-privada previstos no art. 11 desta Lei reger-se-ão pelas normas gerais do regime de concessão e permissão de serviços públicos e de licitações e contratos e atenderão às seguintes exigências:

            Projeto de Lei Paulista:

            Art. 8º - Os contratos de parceria público-privada reger-se-ão pelo disposto nesta lei e pelas normas gerais sobre licitações e contratos administrativos e deverão estabelecer:

            Este ponto indica uma busca de maior independência do projeto paulista aos pontos considerados imobilizadores dos regimes contratuais de concessão e permissão, alinhando-se ao projeto federal, que – de forma intermediária – estabelece em seu art. 13 o "regime de parceria" e deixa sem eficácia todos os dispositivos legais que o contrariam:

            Projeto de Lei Federal:

            Art. 17 - Aplica-se às parcerias público-privadas o disposto na Lei nº 8.666, de 1993, e, no caso de concessões e permissões de serviços públicos, o disposto na Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e na Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, no que não contrariar esta Lei.

            Outros interessantes aspectos poderiam ser explorados nas comparações dos textos legais de que visam regulamentar as PPP, mas que, por extravasarem o âmbito desta monografia, resta como oportunidade para futuros estudos.

            Por buscar compatibilizar-se com o edifício legal vigente, a lei de PPP mineira é pragmática e tem o condão de viabilizar alguns projetos antes de outros estados e, mesmo, de antecipar-se às iniciativas federais na atração de parceiros e captação de recursos, sabidamente limitados.

            Deve ser observado que é competência privativa da União legislar sobre normas gerais de contratação e de licitação, em todas as esferas administrativas, como se depreende do art. 22, inc. XXVII, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional 19/1998:

            Art. 22. (*) Compete privativamente à União legislar sobre:

            XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;

            A competência privativa caracteriza-se por ser, em regra, indelegável, segundo entendimento do Protocolo nº : 14399/2003 – PGJ-MP/PR, do Ministério Público do Paraná:

            O parágrafo único do artigo 22, da Carta Magna, abre a única exceção, estabelecendo que a autorização aos Estados para legislarem sobre as matérias de competência reservada à União pode derivar unicamente de lei complementar. Assim, somente com a concordância do quorum qualificado exigido para a aprovação da lei complementar, pode a União passar aos Estados parcela do poder que lhe outorga a Constituição de normalizar sobre as importantes questões arroladas nos incisos do citado artigo 22.

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            Neste caso, apenas com previsão legal, por Lei Complementar, poderão Estados e Municípios legislarem sobre contratos da administração com parceiros privados. Tal autorização para as PPP não existe na legislação brasileira, o que tornará sem efeito as leis de PPP estaduais e municipais, por sua inconstitucionalidade, quando solicitado à intervenção o Supremo Tribunal Federal.

            e) As possibilidades de PPP no âmbito municipal

            A adoção de PPP na esfera municipal se insere no mesmo contexto restrição de recursos da Administração Pública para investimentos em ofertas de serviços públicos. Neste sentido, a seguir será exposto um quadro das condições de arrecadação frente às demandas municipais, o que permitirá uma contextualização das possibilidades de adoção das PPP no âmbito municipal, considerando-se a definição da agenda pública, o modelo municipal de PPP e a oportunidade de uma agência de fomento de projetos de parceria.

            f) Aspectos Importantes sobre a Tributação e as Demandas Municipais

            A seguir serão tratados em alguns tópicos aspectos importantes sobre a tributação, como principal fonte de receita da Administração Pública, possibilitando ao Estado a propulsão da oferta de bens e serviços públicos, e, de outro lado, as demandas crescentes por bens e serviços públicos.

            g) O problema do orçamento municipal: demandas municipais:

            As demandas dos cidadãos, confundidas com as demandas municipais, uma vez que – fundamentalmente é neste espaço geográfico que ele reside, produz, reproduz, circula, desenvolve sua condição humana, sua obra pessoal, suas relações sociais e afetivas, enfim sua realização humana. Na medida em que aceitamos que o governo municipal cumpre uma função administrativa, entendida como "o dever de o Estado atender ao interesse público, satisfazendo o comando decorrente dos atos normativos" (ROSA, 2002) e que o interesse do cidadão pode-se confundir com o interesse público, na comunidade em que ele desenvolve sua vida pessoal, social e econômica, entende-se ser dever do governo municipal conhecer, prever, organizar, comandar e controlar as ações tomadas no sentido da satisfação das necessidades de infra-estruturas e de serviços, sejam esses, implícitos ou explícitos, atuais ou futuros. Tais necessidades configuram o que assumido aqui por demandas públicas, já filtradas das não escolhas, conforme posto por OFFE (1984).

            O orçamento municipal é condicionado pelas receitas tributárias, que tem mudado seu perfil de composição ao longo da história recente, com ênfase interessante para o período posterior à promulgação da Constituição de 1988, que deu uma nova dinâmica ao federalismo brasileiro, à medida em que consolidou em seu desenho marcantes traços de interesses regionalistas, florescendo o debate acerca da distribuição de competências entre os entes federados, face ao aumento de participação dos Estados e Municípios nas receitas federais. Em seus estudos, BOVO (1999, p. 90) defende que o aumento da participação dos Municípios nas receitas federais veio acompanhado de um especial incremento dos gastos nas políticas sociais, porque, segundo este mestre:

            "...1 – os Municípios foram forçados a assumir programas que deveriam ser de responsabilidade do governo federal, desde que diversas obras e serviços deixaram de ser executados pela União. Entre 1908 e 1992, enquanto os gastos federais na área social mantiveram-se em torno de US$ 38 bilhões, nos Estados este montante passou de US$ 16 para US$ 20,9 bilhões e, nos Municípios, de US$7,2 para US$ 13 bilhões;

            2 – os Municípios passaram a utilizar uma parcela cada vez maior das receitas próprias com gastos sociais, pois os Estados e a União reduziram os repasses de recursos conveniados especialmente para as áreas de educação e saúde;

            3 – como os governos municipais estão mais próximos da população e, portanto, sofrem diretamente as pressões pela execução das políticas públicas, o agravamento das carências sociais implicou em um aumento da demanda por serviços públicos."

            Cabe lembrar que o Brasil apresenta desigualdades regionais de todas as ordens, desde qualidades de demandas até capacidade pública de administração do equacionamento das fontes de receita e das ofertas de bens e serviços públicos.

            Os municípios brasileiros apresentam diversidades gritantes, mesmo em nível regional ou estadual, demandando soluções específicas, caso a caso. REZENDE (1994) afirma que o "grande desafio [do sistema tributário brasileiro] consiste em conciliar o máximo de descentralização com uma adequada capacidade de redução das desigualdades regionais", não resolvidos pela Carta de 1988.

            A receita dos municípios cresceu, de modo geral, devido ao incremento nas transferências do governo central, afrouxando o vínculo de responsabilidade entre cidadão que contribui e a Administração, criando um ambiente propício para irresponsabilidade e para o desperdício dos recursos disponibilizados. Isto associado à falta de dados confiáveis e atualizados sobre as condições e demandas específicas locais, à ausência de coordenação dos órgãos das três esferas de governo (BOVO, 1999) e à inexistência de definição de responsabilidades entre cada ente federado, alteram de forma significativa o enfrentamento da questão da escassez dos recursos que visam atender as demandas sociais. Estamos claramente diante de problemas de ordem racional, que devem ser essencialmente enfrentados por qualquer matiz ideológico de políticas que busquem solucionar, de modo honesto, o atendimento às demandas sociais.

            O aumento das demandas municipais, muito além das carências na educação e na saúde, tem sido dinamizado pelas novas necessidades e formas de exclusão social e econômica, oriundas da globalização das comunicações e informações e da escassez de recursos, desafiando a capacidade de gestão municipal no fornecimento de bens e serviços públicos, que deve ser orientada na busca da máxima eficiência, entendida como a minimização dos custos e a maximização dos benefícios resultantes da atividade estatal.

            i - Demandas Públicas e Serviços Públicos:

            A capacidade governativa de todas as esferas da Administração Pública brasileira encontra-se bastante prejudicada pela infra-estrutura econômica. Na falta recursos econômicos e gerenciais, as políticas públicas não têm a eficácia de resolver os problemas da sociedade. Não se pode esquecer que a carência e dificuldade de permeabilizar gestões pautadas pela eficiência na administração de recursos, por sua tecnicidade inerente, esbarra no modelo democrático de fazer política brasileiro.

            As inovações de gestão visíveis no momento atual tangem a duas tendências, quais sejam, o ativismo democrático e o empreendedorismo, sendo que a busca de estímulos à participação ampla de agentes econômicos numa gestão compartilhada com o poder público, para buscar satisfazer as demandas sociais, tem dado a tônica ao atual Projeto de Lei da Parceria Público Privado da União e das iniciativas de outros membros da Federação.

            ii - Fontes de receitas tributárias de renda do município:

            A CF/88 estabeleceu as fontes de receitas tributárias dos municípios:

            Art. 156 - Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

            I - propriedade predial e territorial urbana;

            II - transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

            III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no Art. 155, II, definidos em lei complementar;

            IV - (Revogado pela EC n.º 3-1993).

            Além das receitas tributárias, pode o município auferir receitas através da exploração econômica de serviços prestados aos cidadãos, como saneamento básico, coleta e processamento do lixo, prestação de serviços de telecomunicações, energia elétrica, administração de estradas de rodagem, entre outros.

            As administrações municipais (10) mantêm uma forte dependência das transferências, constitucionais ou voluntárias, dos governos federal e estadual. As receitas tributária próprias dos municípios originam-se do Imposto sobre a Prestação de Serviços (ISS), do imposto sobre a propriedade territorial urbana (IPTU), do imposto sobre a transmissão, intervivos, de bens imóveis (ITBI), das taxas e das contribuições de melhorias.

            A arrecadação própria dos municípios representou, em 1997, cerca de 30% de sua receita líquida disponível. A grande representatividade das transferências de outras esferas de governo pode conduzir a um sub-aproveitamento das bases tributárias próprias. Com grande parte da receita já garantida pelas transferências, não haveria motivação à impopular tarefa de exigir o rigoroso cumprimento das obrigações tributárias.

            Portanto, uma forte dependência das transferências dos governos federal e estadual aos municípios deveria na verdade contribuir para ações empreendedoras das Administrações municipais. Talvez agora, com um cenário de liquidez escassa, haja interesse maior de se equacionar melhor as fontes e forma de obtenção de recursos, além das pressões políticas expressas nas negociações da reforma tributária em discussão no Congresso Nacional.

            iii - Soluções políticas e econômicas às questões da receita municipal

            a. A falência da Administração Pública

            Chega-se a comentar, em alguns círculos de atores políticos e econômicos (BERNAREGGI, 1990) a possibilidade da falência da Administração Pública, decorrente das crescentes e cada vez mais sofisticadas demandas sociais, frente a um Estado sem recursos e com sua capacidade tradicional de obtenção de receitas exaurida.

            A elevação das alíquotas ou criação de novos tributos, a despeito da criatividade dos tecnocratas dos governos, parecem próximas ao seu limite real, pois a sociedade parece não ter como pagar mais ao Estado.

            Estudos do governo federal, mostrando a decidida tomada de recursos privados, pelo Estado, com uma fatia – hoje – já superior aos 35,9%. (11) (BERNAREGGI, op. cit.).

            b. A Reforma tributária

            Há uma possível correlação da dívida líquida do setor público com a participação tributária do governo no PIB. O problema é que tal dívida não resultou de investimentos importantes, mas sim de um quadro de agravamento da insolvência financeira, colocando a economia do país numa situação de busca de créditos internacionais em condições desfavoráveis, piorando a situação das contas correntes e poucos benefícios puderam chegar até os cidadãos.

            iv - A reforma tributária e seu impacto no município

            A reforma tributária em curso no Congresso Nacional, sem consultar diretamente o contribuinte, pessoa física ou jurídica, tem causado profundas discussões nos mais diversos setores da sociedade e, mesmo no seio do Estado (12), uma vez que há uma forte tendência de que a reconfiguração distributiva das receitas fiscais acabe por aumentar a participação do Estado na apropriação da riqueza nacional.

            A classe trabalhadora tem tido forte redução de renda, como atesta estudo do Bacen (13), indicando a queda importante do custo unitário do trabalho, em julho de 2003, na marca de US$ 50.

            Isto aprofunda os problemas de capacidade de consumo, com conseqüências recessivas às empresas que sobrevivem do mercado nacional. O trabalhador tem sua cesta de consumo alterada, aumentando a participação percentual dos itens de necessidades básicas, atinentes à alimentação, moradia, saúde, vestuário e transporte, espremendo ou eliminando gastos com educação, atividades de lazer e de cultura, entre outros.

            O governo federal, em sua estratégia arrecadatória, marcada pela premência e pragmatismo (14), "fatiando" a Reforma Tributária, tem buscado garantir suas receitas. Na recente edição da Medida Provisória n° 135, de 30 de outubro de 2003, alterando alíquotas da Cofins, um tributo federal, claramente afeta a vida econômica dos municípios, onde as atividades das empresas, cujas receitas integram a base de cálculo desse tributo, são exercidas. Como todo tributo, concorre com a renda e com o salário disponível para dinamizar o consumo, mobilizar a poupança e revigorar o investimento. Assim, maior o tributo, menor a renda e o salário para compor a demanda agregada. Apesar das evidências, o governo federal continua afirmando o contrário, como é de tradição no Brasil:

            Mudança trará diminuição da carga, garante Fazenda

            A mudança de tributação da Cofins, que deixará de ser cumulativa e passará a incidir sobre o valor agregado a partir de fevereiro de 2004, vai representar uma redução da carga tributária sobre a produção nacional, garantiu ontem o secretário de política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa. Essa redução será compensada pelo aumento da tributação dos bens e serviços importados. (Jornal Valor Econômico Ano 4 - Nº 881 - 1º Caderno, de 5 de novembro de 2003)

            No mesmo sentido, a manutenção da alíquota de 27,5%, que também comprime o salário líquido da classe trabalhadora, contribuindo para queda de vendas e de produção, uma vez que não há espaço para a sonegação para o trabalhador registrado.

            Classe média paga mais IR com manutenção de alíquota de 27,5% (Folha On Line: 21/10/2003 - 19h39)

            O dinheiro arrecadado pelo governo não tem sido usado com eficiência, nem com eficácia. As demandas sociais não têm sido atendidas, de longe passam por um mínimo razoável, o que torna a gana tributária geradora de maiores desigualdades e de pobreza, quantificável, aplicando-se uma Análise de Lorenz.

            A distribuição funcional da renda indica a sua repartição entre os fatores de produção, principalmente entre o trabalho e o capital.

            De forma inversa, a arrecadação tributária que deveria ser um instrumento da política distributiva, frente ao sorvedouro dos gastos públicos, empobrece a população, em sua renda disponível e na oferta de equipamentos e serviços públicos.

            Na esfera empresarial, a já freqüente a sonegação fiscal deve ser ampliada, corroborando a Curva de Lafer (ad tempora), isto porque as alíquotas marginais dos impostos, até um certo valor, podem manter uma correspondência direta com o montante dos tributos arrecadados pelo governo. No entanto, após um dado valor limite de alíquota marginal, a alíquota máxima, qualquer incremento de alíquota significará perda de receita tributária. Isto se dá pelo estímulo à sonegação fiscal e ao desestímulo das atividades produtivas.

            v - Participação da Iniciativa Privada

            Busca-se, já há algum tempo, atrair a iniciativa privada para compor com o Estado na realização de seus projetos, seja na forma de empreendedorismo público ou de ativismo estatal, reformando a Lei de Licitações, atualizando a Lei de Concessões, estabelecendo as agências reguladoras e, agora, criando-se nas esferas federal e estadual, legislações que permitam estimular as parcerias público-privado (PPP).

            vi - A Questão da Parceria Público-Privado: aspectos

            Alguns aspectos atinentes à parceria público-privado (PPP) merecem destaque, principalmente quanto à capacidade de endividamento do setor público em parcerias de projetos de envergadura, quando deve assumir algumas despesas, como valor do projeto proposto (a idéia), shadow tolls e outras, frente aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim, aspectos da accountability da Administração Pública devem ser profissionalmente trabalhados, sendo ações de envergadura de Estado e não de governos, uma vez que os prazos de maturação e de contratação são bastantes superiores aos mandatos executivos.

            vii - O modelo de PPP municipal

            A Prefeitura Municipal de São Paulo vem anunciando o que propala "a primeira modalidade de PPP do Brasil para urbanizar favelas", com os projetos de urbanização das favelas Heliópolis e Paraisópolis (15).

            A proposta foi elaborada pela Prefeitura, com o acompanhamento do SECOVI (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo), da ABECIP (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) e da APEOP (Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas).

            A modalidade de PPP proposta por esta municipalidade trata-se de uma concessão, que não deixa de ser pragmática e criativa, como consta das informações de seu Plano Diretor recentemente aprovado e de declarações da prefeita Marta Suplicy e de seu Secretário da Habitação e de Desenvolvimento Urbano, Paulo Teixeira, acerca da formulação dos negócios veiculadas na imprensa.

            No Plano Diretor estabelece a concessão, a proposição do projeto e o risco da exploração:

            Art. 239

- O Poder Executivo fica autorizado a delegar, mediante licitação, à empresa, isoladamente, ou a conjunto de empresas, em consórcio, a realização de obras de urbanização ou de reurbanização de região da Cidade, inclusive loteamento, reloteamento, demolição, reconstrução e incorporação de conjuntos de edificações para implementação de diretrizes do Plano Diretor Estratégico.

            § 1º - A empresa concessionária obterá sua remuneração mediante exploração, por sua conta e risco, dos terrenos e edificações destinados a usos privados que resultarem da obra realizada, da renda derivada da exploração de espaços públicos, nos termos que forem fixados no respectivo edital de licitação e contrato de concessão urbanística.

            § 2º - A empresa concessionária ficará responsável pelo pagamento, por sua conta e risco, das indenizações devidas em decorrência das desapropriações e pela aquisição dos imóveis que forem necessários à realização das obras concedidas, inclusive o pagamento do preço de imóvel no exercício do direito de preempção pela Prefeitura ou o recebimento de imóveis que forem doados por seus proprietários para viabilização financeira do seu aproveitamento, nos termos do artigo 46 da Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, cabendo-lhe também a elaboração dos respectivos projetos básico e executivo, o gerenciamento e a execução das obras objeto da concessão urbanística.

            Adicionalmente, a empresa ou consórcio que vencer a concessão (por meio de licitação específica) terá que urbanizar sem receber pagamentos oriundos do orçamento da Prefeitura, mas será paga com certidões de outorga onerosa. A concessionária poderá revender, utilizar em empreendimentos próprios ou apresentar as certidões como garantia de operação de crédito.

            A título de registro, em São José do Rio Preto, a Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão Estratégica está levando adiante algumas ações classificadas pela sua administração como sendo PPP. Tais ações estão voltadas viabilizar a sustentabilidade e desenvolvimento de negócios de pequenos e micros empresários. Entende a Prefeitura de São José do Rio Preto ser uma PPP a "doação" de áreas em mini distritos industriais e de apoio institucional para o desenvolvimento de empresas. No entanto, essas ações não caracterizam por si mesmas uma parceria público-privada, como tratado nesta monografia, pois não fica claro qual o serviço público viabilizado ou prestado por ações voltadas para a criação de pólos para o fortalecimento de empresas sem finalidade pública, como joalherias e transportadoras.

            h) A oportunidade de uma agência autônoma de fomento de projetos de PPP

            A UNDP – United Nations Development Programme da Organização das Nações Unidas (ONU), desenvolve um programa denominado PPPUE - Public-Private Partnerships for the Urban Environment (16), desde o Rio Earth Summit, em 1994, que visa dar suporte ao desenvolvimento de parcerias entre os setores público e privado em nível de pequenas e médias cidades carentes de serviços básicos de saneamento e de meio ambiente. Suas ações visam articular investidores, fornecedores, agências reguladoras, usuários, especialistas e pesquisadores para enfrentar os desafios da oferta cooperativa desses serviços em diversos países ao redor do mundo.

            A sua estrutura de parcerias é ampla e tripartite, contando com a participação da Administração Pública (em todos os níveis), empreendedores privados (nacionais e estrangeiros, regulares ou informais) e a sociedade civil (centros de pesquisa, entidades comunitárias, Organizações Não-Governamentais), conforme seu esquema abaixo (17):

            FIGURA 5 – ESQUEMÁTICO PPP - UNDP

            

            A PPPUE desenvolve um trabalho complementar ao da Public-Private Infrastructure Advisory Facility (PPIAF), uma iniciativa de interesse do Banco Mundial, que disponibiliza recursos em larga escala.

            Os principais setores de atuação da PPPUE são o saneamento básico, produção e distribuição de energia e viabilização de bens públicos tais como, mercados públicos, matadouros públicos, terminais de ônibus etc.

            No desenvolvimento das instituições democráticas seriamente preocupadas com a produção e reprodução da pobreza, da exclusão social e econômica, da iniquidade e da violência, parece oportuno a estruturação de agências autônomas de âmbito municipal ou regional, para a proposição de agenda de projetos de PPP às Administrações locais. Essas agências cuidariam da colheita, avaliação, análise e consolidação das demandas sociais em âmbito municipal e supra municipal (regional), buscando coordenar a reunião de recursos humanos, capitais, tecnologias e capacidade gerencial para a estruturação e viabilização de projetos que viabilizem a satisfação dessas demandas, inclusive articuladas à PPPUE.

            Por outro lado, tais agências poderiam atuar na identificação das "não escolhas" mais significativas, lembrando OFFE (1984): a definição das agendas públicas municipais está eivada de vícios, devidos aos "interesses estreitos, efêmeros, contraditórios e imperfeitamente formulados", numa definição de caráter classista da dominação política) e na avaliação de suas conseqüências visíveis ou potenciais, prestando um serviço de orientação às políticas públicas de investimento em infra-estrutura, educação, saúde, habitação, transporte, emprego e segurança. Os conselhos municipais estariam aparelhados de informações consolidadas a partir de dados reais, estatisticamente tratadas, fornecidos pelas agências, para que seus conselheiros pudessem emitir seus pareceres de modo fundamentado.

            O resultado político mais instigante seria o aclaramento das contradições das decisões de Estado e sua legitimidade política no contexto dos interesses divergentes de classes e grupos sociais, contribuindo para um amadurecimento político pela dinâmica da dialética estabelecida pelas seletividades opostas, estando ou não presentes na agenda pública municipal. Economicamente, poderia haver uma maior base para captação de recursos, por sua capacidade de articular parcerias em âmbito global, através da PPPUE.

Sobre o autor
Mario Cesar da Silva

Professor universitário, advogado, especialista em gestão Pública, Mestre em engenharia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Mario Cesar. Parcerias público-privadas:: as realidades de um sonho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 534, 23 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6087. Acesso em: 17 mai. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada à Faculdade de Ciências e Letras do Campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para conclusão do Curso de Especialização, em nível de pós-graduação lato sensu, em Gestão Pública e Gerência de Cidades. Araraquara, 2004

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