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Processo administrativo disciplinar e enquadramento da improbidade administrativa.

Revogação tácita dos dispositivos dos estatutos dos funcionários públicos federais, estaduais e municipais que tipificam a improbidade genericamente

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Agenda 04/01/2005 às 00:00

IV – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A LEI GERAL (LEI Nº 8.429/92)

Como amplamente demonstrado, a Lei de Improbidade Administrativa é a lei geral, responsável por coibir os atos de improbidade administrativa.

Quanto a isto não há dúvida.

Sucede, que apesar de ser inquestionável tal fato, as Comissões Disciplinares insistem em utilizar os comandos genéricos de seus estatutos funcionais que elencam o ato de improbidade administrativa, sem respeitar ou submeter-se a lei geral.

O artigo inaugural da Lei nº 8.429/92 estipula:

"Art. 1º - Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público servidor ou não contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual serão punidos na forma desta lei."

Ao regular os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, a Lei Geral retira a possibilidade de ser utilizado supletivamente outro dispositivo legal que não seja o da citada lei.

Isto porque, ao ser indiciado pelos textos legais contidos nos diversos Estatutos dos Servidores Públicos, não existe a tipificação do ato ímprobo, e sim a sua inclusão como infração disciplinar punida com a demissão.

Resta claro que o servidor público se defende não só dos fatos elencados como também no tipo legal que está incurso.

Nessa réstia, todas as demissões/exonerações de agentes públicos levadas a efeito com base em ato de improbidade grafado genericamente no Estatuto do Funcionário Público correspondente, sem a tipificação necessária da Lei nº 8.429/92, são nulos de pleno direito, eis que a coibição a improbidade se dá com espeque na aludida lei geral.

Assim, um servidor público acusado de corrupção passiva, por exemplo, que tiver os fatos conjugados com o correspondente artigo em seu Estatuto, abstraindo-se da correta adequação legal da Lei nº 8.429/92, rompe a fronteira da legalidade, pois ao regular toda a matéria, a Lei de Improbidade retirou o vigor de outras legislações disciplinarem a matéria.

Mesmo discorrendo sobre a improbidade administrativa de forma acanhada, os Estatutos dos Funcionários Públicos não possuem competência para apenar o servidor público em questão, sem deixar de incluir no apuratório infringência aos tipos legais previstos pela Lei nº 8.429/92.

Isto porque, a lei que regula toda a matéria é que é a responsável pela repressão aos atos de improbidade administrativa.

Desconsiderar essa regra é trazer para o procedimento administrativo disciplinar o vício insanável de que o servidor público se defendeu do enquadramento de uma norma legal revogada tacitamente.

Configurar-se-á o cerceamento de defesa do acusado, além da ilegalidade da demissão, quando o agente público for acusado de um ato de improbidade administrativa e não tiver a devida tipificação em dispositivo legal que é o responsável por refrear a infração administrativa em questão.

Isto porque, o enquadramento genérico, previsto nos estatutos respectivos, não pode ser utilizado isoladamente, tendo em vista a sua revogação tácita pela Lei nº 8.429/92.


V- CONCLUSÃO

Após o advento da Lei nº 8.429/92, todas as demissões/exonerações contidas em processos administrativos disciplinares não poderão ser levados à efeito por dispositivo legal revogado tacitamente, em razão da Lei de Improbidade Administrativa ser a única responsável pelo combate ao ato administrativo omissivo ou comissivo enquadrado em seu espectro legal.

A revogação tácita, a que alude o § 1º, do art. 2º, da LICC, aplica-se integralmente a presente situação legal, anulando os efeitos do dispositivo revogado pela atual Lei de Improbidade Administrativa.

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Assim sendo, devem os atos de improbidade administrativa serem tipificados na Lei nº 8.429/92, sob pena de ilegal punição, utilizada por dispositivo legal revogado, e, portanto, sem substrato de lei, pois o direito deve ser exercitado dentro dos padrões legais estabelecidos para a sua validade.


NOTAS

1 "... o poder de um Estado social e democrático de Direito não é um poder absoluto mas submetido a limites." (ZAIDAN, Rogério. Ius Puniendi e Direitos Fundamentais – Aspectos de Legitimidade e Limites da Potestade Punitiva. Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002. p. 55.

2 RAVÁ, Adolfo. Istituzioni di diritto privato, 1938. Milão. p. 57.

3 TRF – 2ª Reg., Rel. Des. Fed. Rogério Vieira de Carvalho, AMS nº 89.02.09378-6/RJ, 3ª T., DJ de 27.08.96

4 TRF – 2ª Reg., Rel. Des. Fed. Celso Passos, Ap. Cível nº 90.02.16318-5/RJ, 3ª T., in Lex-Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais, nº 59, julho de 1994, p. 437)

5 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil, vol. 1, 3ª ed., Ed. RT, 2004, p. 178.

6 SPÍNOLA, Eduardo e SPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Atualizada por José da Silva Pacheco, Renovar. 1995. p. 63.

7 ESPÍNOLA, Eduardo e ESPÍNOLA FILHO, Eduardo, ob. cit. ant. ps. 64/65.

8 Revogação tácita (indireta) quando houver incompatibilidade entre o novo ordenamento e o anterior, em face de regular a mesma matéria. Essa revogação (ab-rogação – ou derrogação) tácita verifica-se na medida da contrariedade: a lei precedente é revogada até onde for incompatível com a lei nova; onde, porém, esta contrariedade não tenha, é possível coexistência e compensação entre as duas leis (a anterior e a modificadora)." (CARRIDE, Norberto de Almeida. Lei de Introdução ao Código Civil Anotada, Ed. Juarez de Oliveira. 2004. p. 63).

9 TRF – 2ª Região, Rel. Des. Fed. Sérgio Schwaitzer, EDAMS 98.02.32232-6/RJ, 6ª T., DJ de 9.10.2002, p. 246.

10 TRF – 3ª Reg., Rel. Des. Fed. Johonson di Salvo, RCCR 3341/SP, 1ª T., DJ de 1.09.2003, p. 280.

11 STJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, RESP 88369/SP, 4ª T., DJ de 10.06.96, p. 20.345

12 STJ, Rel. Min. José de Jesus Filho, ROMS 375/RJ, 2ª T., DJ de 14.03.94, p. 4491.

13 STF, Rel. Min. Orozimbo Nonato, MS 1429, Pleno, DJ de 2.02.53, p. 383.

14 STF, Rel. Min. José Linhares, RE 17679, 1ª T., DJ de 31.07.52, p. 3463.

15 STJ, Rel. Min. Fontes de Alencar, RESP 264166/SP, 6ª T., DJ de 11.06.2001, p. 264.

16 STF, Rel. Min. Ilmar Galvão, RHC 80362/SP, Pleno, DJ de 4.10.2002, p. 95.

17 STJ, Rel. Min. Paulo Gallotti, RESP 331303/SP, 6ª T., DJ de 7.10.2002, p. 310.

Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Processo administrativo disciplinar e enquadramento da improbidade administrativa.: Revogação tácita dos dispositivos dos estatutos dos funcionários públicos federais, estaduais e municipais que tipificam a improbidade genericamente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 546, 4 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6104. Acesso em: 22 nov. 2024.

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