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Uma reflexão sobre a teoria geral do processo penal à luz da doutrina nacional e estrangeira

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Agenda 05/01/2005 às 00:00

4. Pressupostos de Existência e Validade da Relação Processual.

            Como visto anteriormente em nosso trabalho, Bülow entendia que toda relação jurídica processual continha elementos ou princípios que a constituía e que a existência destes elementos era fato que passava despercebido pelos operadores do Direito da época.Com isto, Bülow sistematizou a relação jurídica processual através da chamada teoria dos pressupostos processuais.A partir da guinada desta teoria, os estudos dos pressupostos processuais passaram a ser desenvolvido pelos autores do Direito Processual de forma autônoma à relação de direito material.

            Pressuposto, como o nome indica, é o que vem antes da relação processual, é o que deve existir antes da constituição da relação.Alguns requisitos processuais devem ser atendidos quando instaurada qualquer relação processual.

            Estes requisitos não devem existir somente quando nasce a relação processual, mas também durante todo o seu desenvolvimento.A ausência dos pressupostos processuais invalida a atividade tendente ao pronunciamento jurisdicional.Afrânio Silva Jardim assevera que os pressupostos para a constituição e regular desenvolvimento do processo devem ser os mesmos para o processo penal, para o processo civil quanto para o processo do trabalho.

            Os pressupostos processuais são estes requisitos que devem existir antes da prática de um ato, necessários à existência e desenvolvimento do processo, para que dele possam derivar conseqüências jurídicas através do pronunciamento jurisdicional sobre a afirmação jurídica no processo.

            Os pressupostos processuais, segundo classificação adotada por parte da doutrina processual penal, costumam ser divididos em pressupostos de existência do processo e em pressupostos de validade da relação processual.José de Albuquerque Rocha define os pressupostos de existência da relação processual como aqueles requisitos que devem existir antes da apresentação da petição inicial no processo civil e trabalhista, ou da denuncia e queixa no processo penal, para que essa petição possa instaurar a relação processual.

            Os pressupostos de existência do processo são requisitos que caso não se consolidassem, o processo não chegaria a existir no mundo jurídico, ou seja, faltando os requisitos de admissibilidade do provimento jurisdicional, não é possível existir o processo e conseqüentemente não será possível prolatar uma sentença de mérito.

            São pressupostos de existência do processo: a capacidade das partes em formular uma demanda, um juiz com investidura e um pedido regularmente formulado (a demanda).Na relação processual, deve ser clara a pretensão do autor e deve ser clara também contra quem a pretensão é deduzida.A existência de um órgão jurisdicional e a existência de um sujeito de direito que se dirija a esse órgão são fundamentais à existência da relação processual.

            Ada Pellegrini formula um conceito mais restrito sobre os pressupostos processuais.Ela sintetiza os pressupostos numa frase bastante objetiva: é a correta propositura da ação feita a uma autoridade jurisdicional através de uma entidade capaz de ser parte em juízo.

            Já os pressupostos processuais de validade são: a competência do órgão, a capacidade processual das partes, e a capacidade postulatória (estes denominados positivos por Paulo Rangel).Também a suspeição, a ausência de impedimento do juiz, a litispendência e a coisa julgada (estes denominados negativos).Se faltar algum destes requisitos, a relação processual se extinguirá.

            Numa relação processual, deve o juiz prestar a tutela jurisdicional.Também deve julgar o processo com imparcialidade (sobre o assunto já discorremos em páginas anteriores).Com relação ao autor, este deve possuir legitimatio ad processum, ou seja, deve ter capacidade para praticar os atos válidos no processo.

            Para que exista juridicamente um processo penal, se faz necessária uma demanda onde se exteriorize uma pretensão punitiva ou de liberdade, um órgão investido de jurisdição e partes que tenham personalidade jurídica, ao menos formal, no plano do processo.

            A classificação dos pressupostos processuais não é algo pacífico na doutrina.Dentre outros autores, Fernando Capez e Antonio Araldo Ferraz dal Pozzo adotam tipo um de classificação diferente daquela que divide os pressupostos processuais em pressupostos de existência do processo e pressupostos de validade do processo.Esta segunda classificação, adotada por Capez e dal Pozzo divide os requisitos para a constituição de uma relação processual válida em subjetivos e objetivos.

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            Os requisitos subjetivos dizem respeito ao juiz (investidura, competência e imparcialidade) e às partes (capacidade de ser parte, capacidade processual e capacidade postulatória). Os requisitos objetivos podem ser divididos em extrínsecos (inexistência de fatos impeditivos, como por exemplo, a litispendência e a coisa julgada) e intrínsecos (regularidade do rito procedimental).

            Helio Tornaghi, citado na obra de Afrânio Silva Jardim, comenta a respeito dos pressupostos de existência e validade do processo.Diz o autor: "se falta um pressuposto de existência, não há processo em sentido jurídico, não existe aquela atividade relevante para o direito que se chama processo, não há relação jurídica entre as partes e o juiz. Haverá processo em sentido puramente físico, atividade encadeada e progressiva, relação entre fato entre sujeitos. Se, ao invés, faltar um pressuposto de validez, então há relação processual; o que não há é aquela eficácia jurídica do ato regular e são".

            Há certa divergência na doutrina quanto à dialética entre pressupostos processuais versus requisitos de validade.Segundo parte da doutrina, a classificação dos pressupostos processuais numa divisão em pressupostos de existência e pressupostos de validade do processo é imprecisa.Afrânio Silva Jardim e Ada Pellegrini Grinover fazem parte de um grupo dissidente de autores que entendem pela inexistência dos pressupostos de validade do processo.Para os autores, o que existe na realidade são condições formais que garantem o regular desenvolvimento da relação processual validando os atos do processo, os quais, por estarem conforme a norma, não podem ter sua eficácia retirada pela decisão judicial.

            Por conseguinte, segundo esta parte da doutrina, a capacidade processual das partes e a capacidade postulatória, a suspeição, a ausência de impedimento do juiz, a litispendência e a coisa julgada passam à inapropriada denominação de pressupostos processuais de validade.

            Por outro lado, há uma terceira corrente doutrinária que nega a existência dos pressupostos processuais.


5. Conclusão.

            Diante do que expusemos acerca do processo, torna-se imprescindível a sua característica de longa manus do Estado em objetivar a resolução dos conflitos sociais em consonância com o principio do devido processo legal. É através do processo que o Estado atuará como justo medidor dos direitos e deveres de cada parte que está compondo o processo.

            Por sua vez, a persecução do direito (jus persequendi) que o Estado possui, legitimará o processo com um alicerce jurídico e imperioso para o seu bom andamento e para o encadeamento justo de todos os seus procedimentos.

            É visível a relação hierárquica existente entre o Estado e o processo, haja vista que o processo é um instrumento a serviço do Estado. Contudo, o Estado e o processo possuem também uma relação de reciprocidade. Um Estado democrático de direito não sobrevive sem um processo regular e nem o processo pode sobreviver sem um anteparo legal que legitime a formação dos seus atos.O Estado somente pode diz o direito através do processo e o processo somente pode "caminhar" sem máculas, com o suporte de justiça do Estado.

            Tanto é que o próprio Estado, quando repudia as causas que infringem valores assegurados socialmente, dita normas no escopo do ordenamento jurídico e os controla também no próprio processo, não somente materialmente, mas formalmente, no que tange à forma de condução dos atos dentro do processo, anulando em maior ou menor grau as formalidades que atentam contra valores que a sociedade preserva.

            Os procedimentos processuais devem ser observados com maior rigor, mesmo porque, sendo o processo uma soma de vários procedimentos preordenados, a falta ou a macula de, por exemplo, um único entre cem procedimentos, pode gerar a nulidade de todo um processo.Daí a importância do procedimento.

            No que tange aos sistemas processuais, a própria história se incumbiu de mostrar os benefícios e malefícios de cada sistema ao longo dos séculos.Cada sistema apresenta as suas respectivas peculiaridades, as suas vantagens e desvantagens.Impossível é traçar qualquer sistema processual e incorporá-lo a qualquer ordenamento jurídico sem a observância do principio do devido processo legal.

            Impossível é submeter os acusados ao sistema inquisitivo, não pelo sistema em si, já que nós sabemos que o seu maior problema reside na fraqueza do principio da ampla defesa.Mas, partindo para o que a prática tem demonstrado, a falta de informação que os acusados têm de seus próprios direitos dá margem para que, em muitas das vezes, se aflore o que comumente denominamos abuso de autoridade.De que adianta o artigo 3º da Lei 9034/95, que deveria ser utilizado como um plus em favor da sociedade no combate ao crime organizado, se os fins, em muitos casos não são os mais corretos...De que adianta dar a possibilidade de produzir prova e ao mesmo tempo julgar, se não é possível aplicar as regras que norteiam o principio da imparcialidade na hora exata do ato de julgar.

            Em contrapartida, de que adianta a previsão do artigo 129, inciso I da Constituição Federal de 1988 se muitas ações são deixadas de ser promovidas... A fraqueza do sistema acusatório reside, em muitos casos, na incapacidade dos respectivos órgãos de gerirem, sozinhos, as suas próprias funções de forma satisfatória.

            Com relação aos pressupostos de existência e validade da relação processual, o Estado se incumbiu de criá-las para o desenrolar justo e igualitário entre as partes da relação processual. Vimos que o processo é o instrumento do Estado para fazer prevalecer o seu jus imperium e, para que este poder de dizer o direito prevaleça de forma ordenada, precisa ("correndo" em paralelo com o princípio da legalidade), tornou-se necessária a criação de regras capazes de organizar os atos de formação e de desenvolvimento do processo, com o objetivo maior de dar a cada um o que é seu (contans ac perpetua voluntas unicuique suum tribuendi).

  

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Sobre o autor
Hugo Eduardo Mansur Góes

Acadêmico de Direito da Ucsal – Universidade Católica do Salvador

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GÓES, Hugo Eduardo Mansur. Uma reflexão sobre a teoria geral do processo penal à luz da doutrina nacional e estrangeira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 547, 5 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6109. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Texto elaborado sob a coordenação do Professor Bernardo Montalvão Varjão de Azevêdo.

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