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Uma reflexão sobre a teoria geral do processo penal à luz da doutrina nacional e estrangeira

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05/01/2005 às 00:00
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O processo, enquanto série ou sucessão de atos tendentes à produção de um resultado final, não é um fenômeno peculiar do Direito Processual. É um fenômeno comum ao Direito em geral e comum até no mundo não jurídico, onde encontramos processos das mais diferentes espécies.

Sumário: 1. Do Processo; 2. Processo e Procedimento; 3.Sistemas Processuais; 4.Pressupostos de Existência e Validade da Relação Processual; 5. Conclusão; 6.Bibliografia.


1. Do Processo.

            O processo, oriundo do latim procedere, tem entre alguns dos seus significados, o de seguir adiante, caminhar, avançar, fenômeno de desenvolvimento,... O processo é forma, instrumento, modo de proceder (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo p.504).O processo lato sensu abrange os instrumentos de que se utilizam os três poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), cada qual desempenhando funções diversas, utilizando-se de processos próprios cuja fonte criadora é a própria Constituição.Cada processo estatal está sujeito a princípios próprios, específicos, adequados com as funções que lhe incumbe. O processo judicial não pode ser igual ao processo legislativo nem estes podem ser iguais ao processo administrativo. Devem ser respeitados por todos os tipos de processo os princípios da competência, da formalidade, da predominância do interesse publico sobre o interesse particular. Em suma, todo processo deve estar em consonância com a Teoria Geral do Processo. Logo, podemos concluir que a Teoria Geral do Processo é a "peça-chave" do estudo das várias categorias processuais na qual está inserido o Direito Processual Penal.

            É ao conjunto de conceitos sistematizados que servem aos juristas como instrumento para conhecer os diferentes ramos do Direito Processual que se denomina Teoria Geral do Processo. Quando falamos de Teoria Geral do Processo, já sabemos que estamos nos referindo a esse corpo de conceitos sistematizados que nos servirá como instrumento para analisarmos, com certo rigor, os diferentes ramos do Direito Processual.

            A Ciência do Direito Processual é, como qualquer ciência, o conhecimento qualificado sobre as normas do Direito Processual e estas (normas processuais) são o objeto de conhecimento da Ciência do Direito Processual.

            Afrânio Silva Jardim faz um comentário simples, mas de forma primorosa dá as primeiras diretrizes do que seja o processo. Segundo entendimento do autor é através do processo que o Estado resolve conflitos opostos, através uma atividade jurisdicional ex vi legis, dando a cada um o que é seu e reintegrando a paz no grupo. É com o nascer de uma resistência de uma das partes à pretensão da outra que o Estado através do seu poder de império, resolverá estes conflitos.

            Assim comenta o respeitado autor: "De tal importante tarefa se desincumbe o Estado através da jurisdição, poder-dever, reflexo de sua soberania, através do qual, substituindo-se à atividade das partes, coativamente age em prol da ordem ou segurança jurídica. Trata-se de uma função pública de capital importância para o bom convívio dos homens na sociedade complexa e tensa em que vivemos" (JARDIM. Afrânio Silva. Direito Processual Penal, p.9).

            Nem sempre foi desta maneira, haja vista que nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o Direito acima das vontades dos particulares.Esta fase é conceituada pelo Positivismo Moderno como "o estado prévio de natureza" ou status naturae: por isso, não só inexistia um órgão estatal que com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito como ainda não havia sequer as leis (normas legais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares).

            Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir por si mesmo, a satisfação da sua pretensão. A própria repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada e, quando o Estado chamou para si o jus punitionis (direito de punir para uns autores, para outros, o poder-dever, e ainda para outros, o dever de punir), ele o exerceu inicialmente mediante seus próprios critérios e decisões, sem a interposição de órgãos ou pessoas imparciais independentes e desinteressadas.

            Essa evolução não se deu assim linearmente, de maneira límpida e nítida. A historia das instituições se faz através de manchas e contra-manchas, entrecortada freqüentemente de retrocessos e estagnações, de modo que a descrição acima constitui apenas uma analise macroscópica da tendência do sentido de chegar ao Estado todo o poder de dirimir conflitos e pacificar pessoas. Mais tarde, e, à medida que o Estado foi se afirmando e conseguiu impor-se aos particulares mediante a invasão de sua antes indiscriminada esfera de liberdade, nasceu, também gradativamente, a sua tendência em absorver o poder de ditar as soluções para os conflitos.

            Uma das tarefas essenciais do Estado foi passar a regular a conduta dos cidadãos por meio de normas objetivas, consistindo no poder genérico de punir qualquer pessoa culpável que venha a cometer um ilícito penal (jus puniendi in abstracto), sem as quais a vida em sociedade seria praticamente impossível.No momento em que a infração penal é cometida, o direito abstrato de punir concretiza-se, individualizando-se na pessoa do transgressor.

            Surge o jus puniendi in concreto. É a nova fase ou período da cognitio extra ordinem, onde há a extinção da justiça privada e a afirmação da justiça publica ("Os súditos de um Estado se comprometeram a obedecer a lei civil quer a tenham feito uns aos outros, como quando se reúnem para escolher um representante comum, quer com o próprio representante, um por um, quando, subjugados, pela força, prometem obediência em troca da garantia de vida." HOBBES, Thomas.Leviatã ).

            O Estado passa a inibir a autotutela. Esta se caracteriza pela imposição da decisão sobre um determinado conflito por uma das partes à outra, marcada pela ausência de um juiz distinto à estas partes, que possa dar um provimento jurisdicional de forma imparcial.

            Em contrapartida, para que o Estado pudesse inibir que o particular resolvesse o problema à sua maneira (está previsto como crime o exercício arbitrário das próprias razões conforme estabelece o art.345 do CP, caput, in verbis: "Fazer justiça com as próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legitima, salvo quando a lei permite"), este mesmo Estado, detentor do jus imperium, do jus puniendi, do jus persequendi, teve que oferecer aos particulares meios que fossem satisfatórios e que atendessem às suas pretensões. Quem se afasta do imperativo das regras jurídicas fica submetido à coação do Estado pelo descumprimento de seus deveres, pois seriam inócuas as normas se não estabelecessem sanções para aqueles que as desobedecem, lesando direito alheio, pondo em risco a convivência social e frustrando o fim perseguido pelo Estado.

            Sobre o tema também se manifesta o mestre espanhol Jaime Guasp, cujo trecho foi retirado da obra do grande Afrânio Silva Jardim: "El Estado asume esta función no porque si no lo hiciera quedaria sin resolver um conflicto o lesionado um derecho, sino porque, al no reconocer la figura de la pretensión procesal, quedaria estimulada por el abandono público la satisfación privada de otras pretensiones de análogo contenido".

            Haveria então um descrédito generalizado para com o Estado caso este não conseguisse atender às pretensões dos particulares? Sim. Vem a lume neste momento a tese defendida por Ihering. Na realidade televisiva, a imprensa, de forma aberta e indiscriminada, também divulga o nascimento de um poder paralelo ao Estado. Seria a volta ao estado prévio de natureza?

            A tarefa da ordem jurídica é exatamente a de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de ensejar a máxima realização dos valores humanos sem desfazer a soberania do Estado.O jus puniendi é uma manifestação da soberania estatal e enquadra-se na categoria dos direitos públicos subjetivos do Estado.Mas o direito-poder de punir só se realiza através do Processo Penal (MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, p. 27).A atividade jurisdicional é eminentemente pública, tutelando o ordenamento jurídico estabelecido como fator de segurança e paz social.A jurisdição terá a natureza penal se a pretensão deduzida pelo autor tiver que ser decidida através da aplicação do Direito Penal ou de alguma norma do Direito Processual Penal.

            O processo lato sensu é esta série de atos coordenados para a realização do que Carnelutti chama de interest republicae (interesse do Estado) (CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del Nuevo Proceso Civil Italiano, pg.48).Neste sentido amplo do processo está contido o processo legislativo, pelo qual o Estado elabora a lei e também estão contidos os processos judicial e administrativo, pelos quais o Estado aplica a lei (o processo atual, principalmente o que regula o Processo Penal, deve ser visto como um emaranhado de preceitos públicos, em razão do qual, o Estado-juiz tem interesse em dirimir os conflitos sociais).Toda a atividade jurídica é exercida pelo Estado mirando um objetivo maior que é a pacificação social.

            A paz social somente pode ser alcançada através de um instrumento que é o processo. O processo judicial se instaura mediante provocação e sua relação jurídica é trilateral, composto pelo autor, pelo réu e pelo juiz, este último atuando com imparcialidade (como bem veremos na lição de Carnelutti, o juiz deve ser uma pessoa desinteressada no processo). Já o processo administrativo pode ser instaurado mediante provocação do interessado ou por iniciativa da própria administração (por esta razão, não pode a Administração Publica proferir decisões com força de coisa julgada).

            O processo, enquanto série ou sucessão de atos tendentes à produção de um resultado final, não é um fenômeno peculiar do Direito Processual. É um fenômeno comum ao Direito em geral e comum até no mundo não jurídico, onde encontramos processos das mais diferentes espécies, como por exemplo, um processo político, um processo econômico, um processo biológico. Foi no setor do Direito Processual jurisdicional que o fenômeno processo foi estudado de maneira mais acentuada. No entanto, o processo não é uma realidade exclusiva na área judicial. Como noção jurídica, pode e deve ser estendida ao âmbito das outras funções do Estado, sejam as administrativas ou as legislativas.

            O processo é uma realidade do mundo social, legitimado por três ordens de objetivos que o Estado persegue a todo o momento: os sociais, os políticos e os jurídicos. A consciência dos escopos da jurisdição e, sobretudo do seu escopo social magno da pacificação social, constitui fator importante para a compreensão da instrumentalidade do processo em sua conceituação e endereçamento social e político.

            Por outro lado, a instrumentalidade do processo aqui considerada pode ser encarada como um aspecto positivo da relação que liga o sistema processual à ordem jurídico-material. Liga-se, por conseguinte, ao mundo das pessoas e do Estado com realce à necessidade de predispô-lo ao integral cumprimento de todos os seus escopos sociais, políticos e jurídicos.Falar da instrumentalidade neste sentido positivo é alertar para a necessária efetividade do processo, ou seja, alertar para a necessidade de se ter um sistema processual capaz de servir de eficiente caminho à "ordem jurídica justa". Para tanto, não só é preciso ter a consciência dos objetivos a atingir como também conhecer e saber superar os óbices econômicos e jurídicos que se antepõem ao livre acesso à justiça.

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            Na visão do ilustre promotor de justiça do Estado de São Paulo, o professor Fernando Capez, o processo é uma serie ou seqüência dos atos conjugados que se realizam e se desenvolvem no tempo, destinando-se à aplicação da lei penal no caso concreto.

            O processo apresenta algumas características como a complexidade, a dimensão temporal, a interdependência entre seus atos e a progressividade. O conceito de complexidade nos impulsiona diretamente à idéia de que o processo se compõe de mais de um ato. Com relação à dimensão temporal, esta é inseparável do processo e significa que se desenvolve necessariamente no tempo.

            Já a interdependência entre seus atos significa que cada ato tem como pressuposto o ato antecedente e, por sua vez, é pressuposto do conseqüente. Em outras palavras, a interdependência que dizer que todos os atos do processo estão relacionados entre si, tendo em vista a produção do resultado final.A progressividade significa que os atos do processo avançam em busca da produção do resultado final.

            Entende o autor Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo que o processo é o conjunto de atos que tem como objetivo comum resolver um conflito. (DAL POZZO.Antonio Araldo Ferraz.Manual Básico de Direito Processual Civil, p. 26).Pari passu, o direito de ação e o direito de defesa acontecem concretamente pela prática desta serie coordenada de atos.O processo é, segundo o autor, um fenômeno jurídico porque faz nascer entre as pessoas que dele participam uma relação jurídica.A esta relação jurídica chamamos relação jurídica processual, ou ainda, o complexo de atos tendentes à formulação ou à atuação pratica da regra jurídica concreta, por meio dos órgãos jurisdicionais.

            Para o sublimado processualista italiano Francesco Carnelutti, o processo é um conjunto de atos dirigidos à formação ou à atuação de mandatos jurídicos cuja característica consiste na colaboração (para estes fins) de pessoas interessadas, que são as partes, e com uma ou mais pessoas desinteressadas, que são os juizes ou os órgãos judiciais.De forma magistral, o processualista aponta qual é a relação direta existente entre o Direito e o processo. Segundo o autor, o processo serve ao Direito quanto se figura como método para a formação e para a atuação deste ultimo.Por outro lado, o Direito, de servido passa a servidor ao processo quando funciona como regulador dos conflitos de interesses formados no âmbito do processo.Esclarecida a relação fundada entre o Direito e o processo, Carnelutti reduz a termos menores o conceito de Direito Processual: é aquela parte do Direito que regula o processo (CARNELUTTI, Francesco.Instituciones del Nuevo Proceso Civil Italiano, pg.29;30).

            Por sua vez, a ocorrência de uma fusão entre o Direito e o processo nos sugere expor o seguinte conceito didático do que vem a ser o Direito Processual: um complexo de princípios que regem o método de trabalhar com normas adequadas, ou seja, o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-Juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado.

            O Estado é responsável pelo bem-estar da sociedade e dos indivíduos que o compõem.E, estando o bem estar social turbado pela existência de conflitos entre pessoas, o Estado se valerá deste sistema processual para eliminar os conflitos e devolver à sociedade a paz desejada ("... é criado aquele grande Leviatã a que se chama Estado, ou Cidade, em latim Civitas, que nada mais é senão um homem artificial, de maior estrutura e força do que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi projetado." HOBBES.Thomas.Leviatã).

            A jurisdição atua através de um instrumento que é o processo, e aos interessados a ordem jurídica outorga o direito de ação, isto é, o direito de pleitear em juízo a reparação das violações dos direitos. Por outro lado, os efeitos da jurisdição projetam-se fora do processo, porquanto a sujeição das partes não se limita à aceitação da decisão dentro da relação processual, mas consagra a validade da sentença no mundo jurídico em geral.

            A jurisdição é a função enquanto que o processo é o instrumento da sua atuação, assim analisa Fernando Capez. Diz o autor: "Sem processo não há como solucionar o litígio razão porque é instrumento imprescindível para resguardo da paz social" (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p.13).

            Pelo Direito Processual, o Estado presta um serviço, dirimindo as questões que surgem entre os indivíduos e os grupos. A solução do conflito de interesses se exerce através do processo, e em se tratando de uma lide penal, através do processo penal. É a forma com que o Estado impõe a sua vontade no interesse de compor litígios, através dos órgãos próprios da administração da Justiça.Como na infração penal há sempre uma lesão ao Estado, este, no papel de administrador, toma a iniciativa de garantir a observância da lei. Para isto, recorre ao Estado que julga para, através do processo penal, fazer valer a sua pretensão punitiva.

            Sustenta o reputado promotor de justiça do Estado do Rio de Janeiro, Paulo Rangel (explicando como o processo concretiza sua função dentro do Direito Processual), que em razão do direito de agir, consolidando-se com a propositura da ação, há uma deflagração da jurisdição e esta própria jurisdição irá instaurar o processo criando a relação jurídico-processual (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, p.459).

            O processo, na visão de Vicente Greco Filho, é uma entidade complexa que apresenta dois aspectos: o intrínseco ou essencial e o exterior. No aspecto essencial, o processo é a relação jurídica que se instaura e se desenvolve entre autor, réu e juiz. No aspecto de exteriorização, o processo se revela como uma sucessão ordenada de atos dentro de modelos previstos na lei (FILHO, Vicente Greco. Manual de Processo Penal, p.393).A esta sucessão de atos é o que definimos como procedimento.

            No dizer do professor da Universidade Federal do Ceará, José de Albuquerque Rocha, processo é a seqüência de atos praticados pelos órgãos judiciários e pelas partes, necessários à produção de um resultado final que é a concretização do direito. É a sua realização no caso concreto e em última instancia (ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo, p.161).

            No dizer de Afrânio Silva Jardim: "o processo é o conjunto orgânico e teleológico de atos necessários ao julgamento ou atendimento pratico da pretensão do autor, ou mesmo de sua admissibilidade pelo juiz".Conclui o autor: "Destarte, se o julgamento da pretensão ou de sua admissibilidade se fizer, através da aplicação de uma norma penal ou processual penal, tratar-se-á de processo penal".A partir dos argumentos expostos, deduzimos que processo é a fonte da relação jurídica processual.

            De todo modo, o processo é a atividade que o Judiciário realiza para concretizar o direito, cumprir uma função jurisdicional dando a cada um o que é seu (contans ac perpetua voluntas unicuique suum tribuendi).Vem à tona, com muita maestria, a lição deixada pelo processualista penal, Alcalà-Zamora y Castillo Niceto: "O processo tende, evidentemente, à obtenção de um juízo (judicial) sobre o litígio, mas o juízo se circunscreve a este somente e decisivo momento ou atividade" (NICETO, Alcalà-Zamora y Castillo; HIJO, Ricardo Levene. Derecho Procesal Penal, pg.18).

            O processo deve ser notado à luz da concepção unitária, mas também é importante que mesmo deva ser estudado, como dito, nas diversas categorias processuais, cada qual com suas respectivas peculiaridades.Ainda que o fim do processo civil seja um fim de justiça como o do processo penal e tão público quanto o fim do Direito, segundo o pensamento de Carnelutti, é inegável a existência de diferenciações entre os tipos de processo.

            Jaime Guasp, conceituado jurista espanhol, cuja posição também não poderíamos deixar de mencionar, faz um comentário a respeito da concepção unitária do processo.O autor diz que mesmo havendo uma diversidade de tipos processuais, a unidade conceitual do processo não fica desgastada.Porém, contrapõe o autor no sentido de que, se visualizarmos o processo sob o prisma do conflito ou a forma com que atua o Direito, a unificação do processo torna-se um resultado difícil de ser alcançado.

            Afrânio Silva Jardim, citando José Frederico Marques, cuja posição é favorável à unidade do processo, afirma este que o processo é um só, seja quando esteja tratando uma lide de natureza penal, seja quando esteja tratando uma lide não penal.O Processo Penal e o Processo Civil, ainda que contenham suas diretrizes próprias, partem do mesmo ramo, que é o Direito Processual.

            Para Paulo Rangel, o processo é a seqüência ordenada de atos que se encadeiam numa sucessão lógica e com uma finalidade: o de possibilitar ao juiz a realização do julgamento.Por sua vez, há uma outra corrente doutrinária cujo entendimento é de que a finalidade principal do processo será a formação da lide (há divergências na doutrina no que tange à lide, quanto à mesma ser elemento essencial do processo civil ou do processo penal).

            Em relação à divergência doutrinária sobre o tema, Francesco Carnelutti comenta que quando se tratar da aplicação da sanção penal, a função do processo será distinta da função da composição da lide. Com isto, basta compreender que o processo penal se encontra em uma posição intermediária entre o processo contencioso e o processo voluntário.Entende Carnelutti que a matéria do processo penal não é um negócio, como ocorre no processo voluntário nem uma lide como acontece no processo contencioso, mas é de fato uma pretensão.

            Instaurado o processo, está criada uma vinculação entre estas pessoas que se perpetuará até a satisfação da pretensão.Contudo, devemos ficar alertados para a seguinte situação: se pensarmos em "satisfação de pretensão" em sentido estrito, não se supõe sempre o reconhecimento da postulação do autor, mas apenas examiná-la e decidi-la.

            Como a pena não tem caráter de satisfação (ao menos diretamente) do interesse lesionado, nem sempre há um estimulo para o sujeito deste interesse lesionado faze-lo valer.O lesionado, se não tem esperança em galgar a restituição ou o reconhecimento do dano, este não se move para obter a persecução penal.A gravidade da sanção penal não permite que se atribua à pretensão penal do sujeito o efeito análogo que é produzido no âmbito civil.

            O processo, segundo o conteúdo da prestação jurisdicional que tende a produzir, pode ser de conhecimento, de execução e cautelar. O processo de conhecimento tem por finalidade a decisão sobre uma pretensão e se encerra com a sentença (sua função essencial é declarativa).A finalidade do processo de execução é a satisfação do comando consagrado na sentença (sua função básica é a satisfação de um comando declarado na sentença).A finalidade do processo cautelar é a da proteção provisória, rápida e emergencial de bens jurídicos envolvidos no processo (sua função essencial é a proteção de bens jurídicos até que haja a solução definitiva da lide).Com relação à seara do Processo Penal, Vicente Greco Filho assevera que o mesmo encontra embasamento na Constituição Federal, porque na Constituição estão consagrados os princípios que cada nação adota sob o seu regime.

            O Processo Penal, ramo que é da Teoria Geral do Processo, é o modo pelo qual atua a jurisdição em matéria penal. Hoje, o direito processual não se ramifica apenas no Direito Processual Civil e Penal, mas também já criou e desenvolveu outros ramos, como o Direito Processual Penal Militar, o Direito Processual Eleitoral e o Direito Processual do Trabalho.Vicente Greco ainda conceitua o Direito Processual Penal como o ramo do direito público que consiste no conjunto sistemático de normas e princípios que regula a atividade da jurisdição, o exercício da ação e o processo em matéria penal bem como a tutela da liberdade de locomoção, quando o direito penal aplicável, positivo ou negativamente, é o direito penal comum.

            O autor Julio Fabbrini Mirabete conceitua o Direito Processual Penal nos seguintes termos: "é o conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Policia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivo auxiliares".O Direito Processual Penal possui um caráter instrumental, pois constitui o meio de fazer atuar o direito material penal, tornando efetiva a função deste de prevenção e repressão das infrações penais.

            Alcalà-Zamora cita em sua obra "Derecho Procesal Penal" o entendimento de alguns autores da doutrina internacional sobre o que é o Direito Processual Penal.Dentre eles, o processualista alemão Beling (Deutches Reichstrafprozessrecht) conceitua o Direito Processual Penal como aquela parte do Direito que regula a atividade encaminhada à proteção jurídica penal.

            Cita também o doutrinador italiano Florian (Principi di Diritto Processuale Penale), cujo entendimento é o de que o Direito Processual Penal é o conjunto de normas jurídicas que regula o processo. O processualista ainda conceitua o processo penal como "o conjunto de atos mediante os quais se provê, por órgãos fixados e preestabelecidos na lei e sob previa observância de determinadas formas, a aplicação da lei penal nos casos singulares concretos, ou seja, se provê a definição de uma concreta relação de Direito Penal" (NICETO, Alcalà-Zamora y Castillo; HIJO, Ricardo Levene. Derecho Procesal Penal, pg.22; 23).

            Para Miguel Reale, o Direito Processual, através de um arsenal de princípios e regras, objetiva a prestação jurisdicional do Estado necessária à solução dos conflitos de interesses surgidos entre particulares, ou entre estes e o próprio Estado (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, p.348).Daí a doutrina dizer que o processo é instrumento da jurisdição, exatamente porque, é através do processo que se impende a função jurisdicional.

            Qual o conceito do Direito Processual Penal definido por Capez? Para o professor, é o conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição das lides penais, por meio da aplicação do Direito Penal objetivo.

            Então, já podemos fazer uma distinção entre as definições que são dadas à Ciência do Direito Processual, às normas do Direito Processual inserida principalmente nos Códigos de Processo Civil e no Código de Processo Penal e também quanto à definição dada ao próprio processo que, enquanto atividade, diferencia-se tanto da Ciência do Direito Processual quanto das normas processuais.De toda esta explanação, devemos fixar o entendimento de que o estudo do processo é mais amplo do que o do próprio Direito Processual.Portanto, a análise dos problemas concretos de cada Direito Processual é tarefa própria das disciplinas que lhe dizem respeito.

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Sobre o autor
Hugo Eduardo Mansur Góes

Acadêmico de Direito da Ucsal – Universidade Católica do Salvador

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GÓES, Hugo Eduardo Mansur. Uma reflexão sobre a teoria geral do processo penal à luz da doutrina nacional e estrangeira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 547, 5 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6109. Acesso em: 16 abr. 2024.

Mais informações

Texto elaborado sob a coordenação do Professor Bernardo Montalvão Varjão de Azevêdo.

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