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Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis eletrônico e a atividade regulatória da corregedoria nacional de justiça: uma nova realidade instituída pela lei n.º 13.465, de 11 de julho de 2017

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O caráter nacional da atividade registral disciplinada pelo 236 da Constituição revela a possibilidade de criação do Operador Nacional de Registro - ONR, que terá como finalidade primária implementar e operar o sistema registro eletrônico.

Palavras-chave: Operador Nacional de Registro. Serventia de Registro Imobiliário. Corregedoria Nacional de Justiça. Agente regulador. Registros Públicos.

Sumário: 1. Breve histórico. 2.Da natureza constitucional dos Serviços Extrajudiciais, o caráter nacional da atividade registral e a constituição do ONR. 3. Considerações finais.


1. Breve histórico.

O art. 37 da Lei n.º 11.977/2009 instituiu o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico para os serviços de registros públicos disciplinados pela Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973. A mencionada legislação, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e tratava da Regularização Fundiária Urbana, foi parcialmente revogada pela Lei n.º 13.465, de 11 de julho de 2017 que, dentre outras matérias, passou a disciplinar novo regramento para a REURB1 de interesse social e de interesse específico.

O parágrafo único do art.38 da Lei n.º 11.977/2009 estabeleceu que as serventias de registros deveriam disponibilizar a “recepção de títulos e de fornecimento de informações e certidões em meio eletrônico”, exigindo-se ainda a inserção dos atos registrais pretéritos2 e futuros no sistema de registro eletrônico, no prazo de até 5 (cinco) anos, a contar da publicação da referida Lei (art.39).

De seguinte, o Provimento n.º 47, de 18.06.2015, da Corregedoria Nacional de Justiça instituiu diretrizes gerais para o sistema legal de registro eletrônico de imóveis a ser implantado e integrado por todos os oficiais de registro de imóveis de cada Estado e do Distrito Federal, com o escopo precípuo de estatuir intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre os registros de imóveis, o Poder Judiciário, a administração pública e o público em geral; estabelecer a recepção e o envio de títulos em formato eletrônico; fomentar a expedição de certidões em formato eletrônico3; e, por último, formar nas serventias extrajudiciais repositórios registrais eletrônicos para a recepção de dados e o “armazenamento de documentos eletrônicos”4.

O Ato Normativo da Corregedoria Nacional, objetivando a implementação e operabilidade do sistema, obrigou a criação de centrais de serviços eletrônicos compartilhados nos Estados e Distrito Federal pelos oficiais de registro, estipulando prazo de 360 dias para funcionamento das centrais a contar da publicação do Provimento (art.9.º).

Segundo o Diretor de Tecnologia do IRIB, Flauzilino Araújo dos Santos (2017), mesmo expirado o prazo quinquenal previsto art.39 da Lei n.º 11.977/2009 e o lapso temporal do aludido Provimento, não se implantou ainda o sistema de registro eletrônico de imóveis, “tanto para informatizar os procedimentos registrais internos e de gestão das serventias, quanto para promover a interconexão de todas as unidades de registro de imóveis do país com o Poder judiciário, a Administração Pública e os usuários privados”5.

A Medida Provisória n.º 759, de 22 de dezembro de 2016, cuidou, dentre outros relevantes assuntos, do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico e criação do ONR. A Lei de Conversão da citada MP (Lei n.º 13.465/2017), por sua vez, manteve a iniciativa original reafirmando que o Operador Nacional de Registro será organizado como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, sendo a Corregedoria Nacional de Justiça o seu órgão regulador (parágrafos 2.º e 4.º, art.76).

A discussão atual, todavia, é sobre a constitucionalidade e legalidade da criação desse órgão de caráter nacional, que tem por finalidade implementar e operar o SREI – Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico, diante do regramento constitucional previsto no art.236 da CF/88, segundo o qual a fiscalização dos serviços extrajudiciais de notas e registros é de atribuição dos Estados-membros, por meio do Poder Judiciário Estadual, inexistindo previsão constitucional para uma ordenação de “âmbito nacional” das atividades registrais.


2. Da natureza constitucional dos Serviços Extrajudiciais, o caráter nacional da atividade registral e a constituição do ONR.

O art. 236 Constituição Federal de 1988 instituiu serviços notariais e registrais como sendo uma função pública delegada de natureza sui generis, exercida por pessoa física e em caráter privado, cujo ingresso na atividade depende de concurso público de provas e títulos.

Em que pese o exercício em caráter privado, a Carta Magna não se afastou do conceito tradicional de funções delegadas do poder público, em atenção aos princípios da subordinação hierárquica existente entre o Poder Estatal e o delegatário, pessoa física que exerce o serviço de notas ou de registro.

A lei n.º 8.935/94, regulamentadora do citado dispositivo constitucional, prescreve que “serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (art.2.º). Nessa perspectiva, o legislador constituinte e o infraconstitucional transferiram para o particular as atribuições que, em linha de princípio, caberiam ao Estado, ente delegado do ofício público decorrente da própria natureza da atividade desempenhada.

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Em 2005, o Supremo Tribunal Federal na ADI 3151/MT, de que foi Relator o Min. Carlos Ayres Brito, pacificou a questão da natureza jurídica da delegação:

a) trata-se de atividades jurídicas próprias do Estado, e não simplesmente de atividades materiais, cuja prestação é traspassada para os particulares mediante delegação. Traspassada, não por conduto dos mecanismos da concessão ou da permissão, normados pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos; b) a delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais; c) a sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público; d) para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos, não por adjudicação em processo licitatório, regrado pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público; e) são atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações interpartes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extraforenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito (…)6

A previsão constitucional dos serviços de registro já traduz o “âmbito nacional” da atividade desempenhada pelo delegatário. A criação mediante lei do SREI7 decorre da interpretação teleológica do art.236 e seus incisos, da Constituição Federal de 1988.

Inobstante os Estados e o Distrito Federal sejam os entes competentes para organizar esses serviços extrajudiciais, lei federal pode implementar e criar o Sistema Nacional de Registro de Imóveis, com o objetivo de otimizar a utilização de Tecnologia de Informação e Comunicação, uniformizando procedimentos registrais internos e de gestão, com a criação de padrões técnicos a propiciar a interconexão das serventias na protocolização eletrônica de títulos e no acesso às certidões e informações cartoriais. Essa salutar intervenção de poder de orientação, instrutório e de ordem já é exercida no âmbito dos Tribunais Regionais e Estaduais pela Corregedoria Nacional do CNJ.

Não há que se falar em quebra da independência jurídica e funcional do registrador, o qual continuará exercendo a sua delegação pública com autonomia de gestão8, inclusive mantida a sua função qualificadora do título a ser levado a registro.

Com o surgimento do Conselho Nacional de Justiça, pela Emenda 45/2004, órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar dos tribunais e juízes situados hierarquicamente abaixo do Supremo Tribunal Federal, a estrutura do Poder Judiciário passou a ter caráter nacional, com um regime orgânico unitário.9

Em razão disso, e considerando sobretudo que os cartórios de registro integram os “serviços auxiliares” do próprio corpo do Poder Judiciário, cai no vazio qualquer argumento de insurgência em torno da criação do ONR, a ser regulado e fiscalizado pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio da Corregedoria Nacional, segundo o disposto no art.76 e seus incisos, da Lei 13.465/2017.10

O poder fiscalizador do Judiciário permanecerá incólume, desta feita, mediante acompanhamento e supervisão da Corregedoria Nacional de Justiça. Se este órgão superior regula e disciplina os órgãos do Judiciário dos Estados e do Distrito Federal na esfera administrativa, parece ser irrefutável a sua legitimidade constitucional para nortear o ONR instituído por lei.11

Não se trata de “corpo estranho” à atividade registral. Muito pelo contrário, a sua organização está legalmente autorizada. O veto presidencial aos parágrafos 3.º e 8.º, do art.76 da Lei n.º 13.465/2017 (advinda do Projeto de Lei de Conversão nº 12), todavia, deixou em aberto a quem compete constituir o ONR e elaborar o correspondente Estatuto. É possível que, por força desse veto, surja a necessidade de o Conselho Nacional de Justiça estabelecer o disciplinamento e o alcance da atividade regulatória da Corregedoria Nacional, mediante ato normativo.

Nas razões do veto, a Presidência da República asseverou:

Os dispositivos apresentam inconstitucionalidade material, por violação ao princípio da separação dos poderes, ao alterar a organização administrativa e competências de órgão do Poder Judiciário; há também violação ao princípio da impessoalidade, entendido como faceta do princípio da igualdade, ao estabelecer atribuição para entidade privada constituir o ONR, em detrimento de outras.12

Nessa perspectiva, a Corregedoria Nacional de Justiça, mesmo sendo órgão regulador, não poderá dispor sobre outras atribuições a serem exercidas pelo Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico. Relevante também é o fato de que a sua constituição não caberá apenas a uma entidade privada.13 Haverá a participação de outras entidades, inclusive representativas da categoria.

Longe de ser uma área “interdita”, o serviço registral compõe a complexa estrutura do Poder Judiciário (art.96, I, alínea “b”, CF/88), e, nos termos da minuta do Estatuto do ONR14 que tramita na Corregedoria Nacional de Justiça por meio do Pedido de Providências n.º 0000665-50.2017.2.00.0000, o Conselho Consultivo “será composto por um representante da Corregedoria Nacional de Justiça e um representante de cada uma das Corregedorias Gerais dos Estados e do Distrito Federal” (art.24), numa evidente demonstração de que os poderes normativos em torno dos serviços registrais permanecerão sob a regulação dos órgãos do Judiciário.

Cuida-se, então, de uma espécie de “regulação estatal” a ser exercida pela Corregedoria Nacional de Justiça em face do Operador Nacional de Registro. Philip Gil França (2017, p.118), discorrendo sobre o Poder Disciplinar estatal, aponta:

“A atividade regulatória, latu sensu, nada mais é do que um conjunto de sofisticadas ações voltadas à orientação, determinação, fomento, fiscalização e correição de planos destinados à delimitação da atuação de um sujeito, ou grupo de sujeitos”.15

Para França, o agente regulador atua respaldado com a força do Poder de Polícia estatal, estabelecendo limitações externas e internas no desempenho constitucional dos serviços públicos exercidos pelo particular ou pela própria Administração. “Constitui a sobreposição proporcional da vontade do particular pela legítima vontade do Estado, com o fim de proteção e desenvolvimento do bem comum”, conclui o autor (ibidem).

De acordo com Celso Fernandes Campilongo (2017, p.12), a criação do ONR é legal, porquanto “nada obsta, na ordem constitucional vigente, a formação de serviço nacional que sistematize, centralize, facilite e democratize o acesso às informações sobre registros de imóveis”, sendo certo que “essa tarefa não se confunde nem se sobrepõe àquelas desempenhadas pelos oficiais de registros de imóveis”16.

Em conformidade com a minuta do Estatuto (art.5.º) sob análise na Corregedoria Nacional17, ao ONR, caberá, dentre outras atribuições, implantar e coordenar o sistema nacional de registro de imóveis eletrônico; estabelecer padrões de transparência, segurança e interoperabilidade no funcionamento desse sistema; supervisionar a operação das centrais estaduais de serviços eletrônicos compartilhados, exigidos pelo Provimento n.º 47/2015 da Corregedoria Nacional de Justiça; criar cadastro nacional de Regularização Fundiária Urbana, para fins estatísticos e de acompanhamento; disseminar padrões tecnológicos que viabilizem o intercâmbio eletrônico de dados e portabilidade de sistemas entre os oficialatos de registro, promovendo a interligação de todas as serventias do País, mediante barramento de dados, ou seja, através de linha de comunicação eletrônica entre os serviços registrais de imóveis em todo território nacional.


3. Considerações finais.

Vê-se que o Operador Nacional de Registro não desempenhará atividades próprias e exclusivas de registradores, não sendo órgão substituto de cartório de registro imobiliário, muito menos exercerá a atividade-fim dos respectivos delegatários. A finalidade é propiciar a interconexão das unidades de registro, buscando a eliminação ou diminuição das assimetrias na prestação desse serviço público delegado. Entende-se que o ONR não suprimirá o exercício da delegação cartorária e nem assumirá as atribuições locais das centrais dos serviços eletrônicos compartilhados, já funcionando em diversos Estados.

A proposta de conferir ao ONR a atribuição de baixar “instruções técnicas” para a operabilidade do funcionamento uniforme do Sistema não retira o poder de edição de normas técnicas pelo Judiciário (art.37, Lei 8.935/94), sendo certo que os oficiais de registro continuarão como protagonistas da delegação constitucional, sem perder o controle dos atos e serviços registrais da serventia.

O Operador Nacional de Registro será constituído como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, com características distintas das pessoas jurídicas mencionadas no art.44 do Código Civil18, mais se assemelhando aos serviços sociais autônomos.19

O Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico foi criado com a edição da Lei n.º 11.977/2009, não sendo razoável somente agora se ventilar a ilegalidade desse valioso instrumento de “governança corporativa” que tem como visão institucional aumentar a eficiência tecnológica dos serviços cartorários, com redução de custos e prazos, para garantir a segurança da informação e melhorar a acessibilidade dos serviços pelos cidadãos em geral, contribuindo, inclusive, com órgãos de investigação criminal e de fiscalização tributária, além de cooperar com o Estado Brasileiro e entidades privadas no sentido de concretizar uma Governança Fundiária Nacional e de aperfeiçoar o ambiente de negócios e financiamentos imobiliários.

Por tais considerações, à guisa de conclusão sumária, entende-se que a criação e implantação do Sistema Nacional de Registro de Imóveis Eletrônico (SREI) e do Operador Nacional de Registro (ONR), em respeito ao princípio da Supremacia do Interesse Público, possuem amparo constitucional pela interpretação teleológica a ser dada ao comando do § 4.º do art.103-B20 e 236 da CF/88.

Sobre os autores
José Herbert Luna Lisboa

Mestre em Direito pela UNISANTOS-SP. Foi Professor do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ por duas décadas, professor da Escola Superior da Magistratura da Paraíba -ESMA, especialista em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Arthur Thomas, Londrina-PR, especialista em ciências criminais pela Universidade Potiguar-RN, especialista em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito-SP; Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhaguera-SP, Juiz de Direito titular da 4.ª Vara Cível da Comarca de João Pessoa-PB e ex-membro da Turma Recursal da Capital-PB, Diretor do Foro da Capital-PB, Juiz Auxiliar da Corregedoria da Justiça na Paraíba no período de 2003 a 2006 e 2017 e 2018, ex-promotor de justiça (94/95). Autor de diversos livros, a exemplo, da Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia e a Regularização Fundiária, editora Dialética, 2022. Atualmente cumula suas funções jurisdicionais com a de membro da Comissão do 2º Concurso para as Serventias Extrajudiciais do Estado da Paraíba e de Diretor do Foro Cível da Capital-PB

José Aurélio da Cruz

Desembargador Corregedor-Geral do Estado da Paraíba. Primeiro Vice Presidente do Colégio Permanente dos Corregedores-Gerais do Brasil. Ex-presidente do TRE-PB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LISBOA, José Herbert Luna; CRUZ, José Aurélio. Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis eletrônico e a atividade regulatória da corregedoria nacional de justiça: uma nova realidade instituída pela lei n.º 13.465, de 11 de julho de 2017. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5238, 3 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61635. Acesso em: 21 nov. 2024.

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