3. DIREITOS
São assegurados, implícita ou explicitamente, diversos direitos pelo regular exercício da função parlamentar, tais como, além da participação nos trabalhos legislativos, a percepção de subsídio (retribuição financeira) mensal, fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer vantagem remuneratória, de valor idêntico para deputados federais e senadores[10].
4. PROIBIÇÕES OU INCOMPATIBILIDADES DOS PARLAMENTARES
Com o afã de assegurar e garantir o livre exercício do mandato eletivo e a isenta atuação do Poder Legislativo, a CF[11] estabeleceu, em contrapartida aos direitos e prerrogativas, um rol de proibições, também chamadas de incompatibilidades, aos deputados e senadores.
Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Dierle Nunes[12] informam que tais proibições trazem também como objetivo impedir a ocorrência do delito do tráfico de influência, nos seguintes termos: “Percebe-se claramente que as incompatibilidades estabelecidas no dispositivo em comento possuem, em comum, o escopo de evitar que o congressista exerça tráfico de influência, utilizando a importância que decorre do mandato legislativo que exerce, para aferir benefícios particulares, inclusive, em detrimento do interesse público, violando o princípio da igualdade”.
A violação a essas incompatibilidades pode ensejar ao parlamentar, a título de sanção, a perda do mandato eletivo.
Por seu turno, a Lei das Inelegibilidades (LC n.º 64/90), alterada pela Lei da Ficha Limpa (LC n.º 135/10), quando da decretação da perda do cargo eletivo, ampliou o prazo de inelegibilidade do parlamentar para oito anos[13].
O art. 54 da Lei Ápice, portanto, estabelece algumas incompatibilidades a partir da diplomação (que é o ato solene, de competência da Justiça Eleitoral, através do qual se entrega ao candidato eleito um documento intitulado diploma, que lhe assegura o direito ao exercício do mandato) e outras tendo por lapso temporal a posse ou a investidura.
Com efeito, desde a diplomação, os parlamentares estão proibidos de: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; ou b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades constantes da alínea anterior.
Por seu turno, desde a posse, os congressistas não poderão: a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades referidas na alínea a do parágrafo anterior; c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere a alínea a do parágrafo anterior; ou d) ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.
As citadas proibições ou incompatibilidades são classificadas doutrinariamente em quatro grupos: a) funcionais; b) negociais; c) políticas; e d) profissionais.
Vejamo-las.
4.1. Incompatibilidades funcionais
As incompatibilidades funcionais impedem os parlamentares de, cumulativamente com o mandato:
a) desde a expedição do diploma: aceitar ou exercer outro cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo o de ministro de Estado, governador de Território, secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática temporária (CF, art. 54, I, “b” c/c art. 56, I). Agregue-se, contudo, que mesmo nessas hipóteses excepcionais, os parlamentares devem se licenciar do mandato eletivo, que passará a ser exercido pelo suplente (CF, art. 56, § 1.º), eis que não podem acumular, por exemplo, um cargo de deputado federal com um de ministro de Estado; ou
b) desde a posse: ocupar cargos ou funções de que sejam demissíveis ad nutum nas entidades acima elencadas (CF, art. 54, II, “b”), ou seja, não se admite que os deputados e senadores exerçam mandato eletivo e ocupem cargos ou funções demissíveis ad nutum (cargos comissionados, funções de confiança ou contratos de experiência) em pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. Há aparente redundância entre essa hipótese constitucional com a prevista no item anterior, mas não há como confundi-las, sendo que a primeira, estatuída desde a expedição do diploma, o congressista não pode “aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado”, seja ou não demissível ad nutum e, nesta segunda situação, prevista desde a posse, veda-se ao parlamentar apenas “ocupar cargo ou função de que sejam demissível ad nutum”, mas em ambos os casos, nas mesmas entidades então elencadas.
4.2. Incompatibilidades negociais (CF, art. 54, I, “a”)
As incompatibilidades negociais vedam aos congressistas, desde a expedição do diploma, firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando obedecer a cláusulas uniformes.
Nota-se que se veda ao parlamentar a prática de atividade negocial ou a manutenção de contrato anteriormente firmado com as entidades acima elencadas, exceto quando o instrumento contratual obedecer a cláusulas uniformes.
Não obstante o tema não ser unânime, prevalece o entendimento segundo o qual cláusulas uniformes encontram-se contidas em contratos de adesão, nos quais a entidade fixa unilateralmente todas as cláusulas contratuais, sem que haja possibilidade de negociação pelo contratado.
Destarte, não haverá proibição, por exemplo, de um deputado ou senador firmar um contrato de seguro ou de cheque especial com o Banco do Brasil ou celebrar um contrato de fornecimento de água e esgoto com uma companhia estadual, eis que tais instrumentos contratuais obedecem a cláusulas uniformes (são espécies de contratos de adesão) e, em princípio, não geram ao parlamentar qualquer privilégio ou vantagem indevida em detrimento das demais pessoas, bem como estaria assegurado o princípio da isonomia.
4.3. Incompatibilidades políticas
As incompatibilidades políticas impedem que os parlamentares, desde a posse, sejam simultaneamente titulares de mais de um cargo ou mandato eletivo.
Veja-se que o texto constitucional se refere a cargo ou mandato eletivo. Dessa forma, é vedado o exercício simultâneo, exempli gratia, do cargo de presidente da República com o mandato de vice-prefeito ou o cargo de governador de Estado ou prefeito municipal com o de suplente de senador, bem como não se admite que alguém exerça ao mesmo tempo os cargos de deputado federal e vice-prefeito.
4.4. Incompatibilidades profissionais
As incompatibilidades profissionais proíbem, desde a posse, que deputados e senadores: a) sejam proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; ou b) patrocinem causa[14] em que seja interessada pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público.
5. PERDA DO MANDATO
Em prol do interesse público e da probidade da Administração Pública, nos termos dos incs. I a VI do art. 55 da Constituição Federal, perderá o mandato o deputado ou senador:
a) que infringir quaisquer das proibições (incompatibilidades) contidas no art. 54, incs. I e II, da Lei Ápice;
b) cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
c) que não comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
d) que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
e) quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos na Constituição Federal; ou
f) que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
Estudemo-los.
5.1. Perda do mandato eletivo por infringência das incompatibilidades constitucionais
Conforme já estudado, não poderão os deputados e senadores, nos termos dos incs. I e II do art. 54 da CF:
I) desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando obedecer a cláusulas uniformes; ou b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades referidas anteriormente; e
II) desde a posse: a) ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades referidas anteriormente; c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades referidas anteriormente; ou d) ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.
O parlamentar que infringir tais regras atinentes às incompatibilidades receberá como sanção a perda do mandato eletivo.
Essa perda do mandato eletivo, segundo o § 2.º do 55 da CF, dependerá de decisão da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (plenário), por maioria absoluta, em votação aberta[15], por provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa.
5.2. Perda do mandato eletivo por quebra do decoro parlamentar
O que vem a ser decoro parlamentar?
O § 1.º do art. 55 da CF estabelece ser incompatível com o decoro parlamentar o abuso das prerrogativas asseguradas aos deputados e senadores, a percepção de vantagens indevidas, bem como as práticas assim elencadas e definidas no regimento interno de cada Casa legislativa.
A Câmara dos Deputados, exempli gratia, aborda a matéria no art. 244 de seu regimento interno e no seu Código de Ética e Decoro Parlamentar (Resolução n.º 25/01), nos arts. 4.º e 5.º.
Entendemos, não obstante a matéria não ser pacificada, que as hipóteses de quebra de decoro parlamentar não são apenas as previstas na CF ou nos regimentos internos, mas todas aquelas em que o agente abusar de suas prerrogativas institucionais, exercer o mandato para aferir benefícios particulares para si ou para outrem ou obtiver vantagens indevidas em razão do cargo eletivo.
A extinção do mandato por quebra do decoro parlamentar nesse caso, contudo, também dependerá de decisão do plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, por votação aberta e maioria absoluta, mediante a provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa (CF, art. 55, § 2.º).
5.3. Perda do mandato eletivo por não comparecimento ao trabalho legislativo
O deputado ou senador que não comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias, respectivamente, da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada, receberá como sanção a perda do mandato eletivo (CF, art. 55, inc. III).
A perda do mandato nessa hipótese, entrementes, segundo o § 3.º do 55 da CF, deverá ser declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa.
5.4. Perda do mandato eletivo por perda ou suspensão dos direitos políticos
Segundo a Lei Maior, não haverá cassação de direitos políticos no Brasil, mas é possível a sua perda ou suspensão apenas e tão-somente nos casos de: a) cancelamento de naturalização por sentença transitada em julgado; b) incapacidade civil absoluta; c) condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos[16]; d) recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa; ou e) improbidade administrativa (CF, art. 15, incs. I a V).
Por seu turno, estabelece o inc. IV do art. 55 da Lei Ápice, acrescentado pela Emenda Constitucional de Revisão n.º 6, de 7 de julho de 1994, que perderá o mandato o deputado ou senador que perder ou tiver suspensos os direitos políticos.
Destarte, sempre que houver a decretação da perda ou da suspensão dos direitos políticos de alguém titular de cargo eletivo, haverá de ser decretada a perda do respectivo mandato, que, nos mesmos termos do § 3.º do art. 55 da CF, será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa.
5.5. Perda do mandato eletivo por decisão da Justiça Eleitoral
Haverá a perda do mandato eletivo quando de decisão proferida pela Justiça Eleitoral, nos casos definidos constitucionalmente (CF, art. 55, inc. V).
Com efeito, existem diversos casos constitucionalmente previstos que podem ensejar a decretação da perda do mandato eletivo por decisão da Justiça Eleitoral, tais como:
a) a ação de impugnação de mandato eletivo (CF, art. 14, §§ 10 e 11): a AIME poderá ser apresentada à Justiça Eleitoral, no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a demanda com provas do abuso do poder econômico, corrupção ou fraude (“ocorridos durante a campanha eleitoral”)[17]. Tal demanda deve tramitar em segredo de justiça, bem como haverá a possibilidade de responsabilização do autor quando, na forma da lei, dela se utilizar de forma temerária ou de manifesta má-fé. A procedência do pedido enseja como sanção, dentre outras, a perda do mandato eletivo;
b) as ações que versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas (CF, art. 121, § 4.º, inc. III): basicamente duas são as ações eleitorais que tratam sobre inelegibilidade e expedição de diplomas, quais sejam, a ação de impugnação de registro de candidaturas (AIRC) e o recurso contra a expedição de diploma (RCD). Com a inelegibilidade decretada ou a nulidade do diploma expedido, em quaisquer das duas ações, o candidato eleito perderá o direito de exercer o mandato ou, se estiver a exercê-lo, terá decretada, pela Justiça Eleitoral, a perda do cargo eletivo; e
c) as ações que anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos (CF, art. 121, § 4.º, inc. IV): em sede de investigação judicial eleitoral (AIJE)[18] ou de ação de impugnação de mandato eletivo (AIME), é possível que a Justiça Eleitoral decrete a cassação do registro e do diploma, a anulação dos votos, bem como a perda do mandato eletivo por prática de abuso do poder econômico, abuso do poder político, uso abusivo dos meios de comunicação, dentre outras condutas em lei elencadas.
Nas hipóteses supra e exemplificativamente mencionadas, quando a Justiça Eleitoral vier a decretar a perda do mandato eletivo do parlamentar, incumbirá a Mesa da Casa respetiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa.
5.6. Perda do mandato eletivo por condenação criminal
Reza o inc. VI do art. 55 da CF que perderá o mandato o deputado ou o senador “que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”.
Conforme visto, os parlamentares podem vir a ser processados criminalmente, perante o órgão jurisdicional competente, nos termos das regras fixadas para o foro privilegiado por prerrogativa de função.
Não havendo sustação do processo penal pelo voto da maioria dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, conforme previsto nos §§ 3.º e 4.º do art. 53 da CF, o parlamentar poderá vir a ser condenado e a decisão condenatória vir a transitar em julgado.
Quando da condenação criminal transitada em julgado, faz-se necessário, todavia, que a decretação da perda do mandato eletivo seja decidida pela maioria dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa (CF, art. 55, § 3.º).
Em outras palavras, a cassação do mandato em caso de condenação criminal transitada em julgado não é automática, eis que caberá à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal, pela maioria absoluta do plenário, assegurada a ampla defesa, definir se há ou não impedimento para o concomitante exercício do cargo eletivo e a sanção penal imposta Nesse diapasão, lecionam Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Dierle Nunes[19]: “Nessa esteira, terá o congressista que responder a processo de cassação pela hipótese do inciso VI do art. 55, exercendo a ampla defesa, a oportunidade de demonstrar que o crime cometido não possui gravidade com relevância tal que possa comprometer a sua atuação parlamentar. Esse é o ponto de estofo da ressalva constitucional. Mas, ainda assim, cabe a seguinte questão: afinal, que tipo de crime, estando a sentença transitada em julgado, seria grave o suficiente para ensejar a perda automática do mandato, incidindo-se o inciso IV e o § 3.º, e qual acarretaria a necessidade de instauração de um processo de cassação, nos termos do inciso VI e do § 2.º?”.