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Conceitos indeterminados

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Agenda 16/01/2005 às 00:00

4 CONTROLE JURISDICIONAL

Em razão de toda atividade administrativa ser passível da incidência do controle jurisdicional, sem contudo, querer tolher o administrador muito menos lhe usurpar sua função administrativa, não se pode negar a possibilidade da apreciação judiciária nas hipóteses de preenchimento de conceitos indeterminados pela Administração, todavia, devendo concebê-la numa escala de alcance variável, dentro de limites razoáveis, resguardando a separação, independência e harmonia entre os poderes Executivo e Judiciário, no entanto, de forma eficaz, para que, coíba-se a impunidade de manifestos desvios do poder [4].

Conforme Pontes Filho( 2003, p.2903) aponta que,

da jurisdição nenhuma espécie de conflito pode escapar, sob pena de comprometimento do próprio Estado Democrático de Direito, aspiração e conquista do homem civilizado. Imaginar-se dada atividade, mormente quando originária da Pública Administração, infensa à sindicalização jurisdicional, é o mesmo que se admitir a prática de atos arbitrários, contra os quais nada se possa assacar... e isto, repita-se, a ordem jurídico-constitucional repele de forma veemente. (Grifo original)

Figueiredo (1998, apud. PONTES FILHO, 2003, p.2906) ressalta que "o limite de atuação do Poder Judiciário será gizado pelo próprio Judiciário, que tem por finalidade dizer o direito no caso concreto, sem invadir a competência administrativa. Isso faz parte do equilíbrio e do jogo dos poderes."

Adiante, atentando que o dever de perquerir a finalidade estampada na lei e o dever assinalado pela lei, conforme Mello (1985,apud DELGADO, 2003, p.3220), "colocam-se para qualquer agente público, como um ímã, como uma força atrativa inexorável do ponto de vista jurídico." ( Grifo nosso)

Deve sempre o administrador, no momento de aplicação da norma ao caso concreto, ao depara-se com um conceito indeterminado, dissipar a incerteza e perquerir a melhor solução que perfaz a finalidade normativa. Para tanto, a princípio, através dum processo complexo de interpretação, deve-se tentar conduzir o conceito indeterminado à uma das zonas de certeza negativa ou positiva.

Portanto se, com a utilização apenas da tarefa interpretativa, houver a identificação do conceito dentro de uma zona de certeza, concluí-se que, de logo, impõe-se a única decisão eficaz para o alcance da finalidade normativa, portanto, tem-se a ausência de qualquer autonomia volitiva, não havendo espaço para apreciações criativas, devendo a autoridade administrativa aplicá-la, visto se encontrar dentro do campo da vinculação [5].

Moraes (1999) adverte que, nos conceitos indeterminados, a condução a uma única solução válida juridicamente, dá-se por força da indeterminação derivada ora da imprecisão da linguagem, ora da contextualidade da linguagem, envolvendo uma avaliação atual, porém, não-prospectiva das circunstâncias de fato presentes e concomitantes à incidência da norma.

Neste aspecto, Mello(1975,p.15) adverte que

esta significação mínima, esta delimitação positiva e negativa, no caso do Direito, nos é fornecida não apenas pela conotação usual ou pela denotação corrente das palavras. Ela é delimitada também por elementos que devemos arrecadar no conjunto das normas jurídicas e que servem para circunscrever mais energicamente a eventual amplitude do conceito abrigado por uma dessas palavras ou locuções do significado fluido. Em outras termos: a compreensão contextual delas tem, no mundo jurídico, balizas mais sólidas e mais estritas. (Grifo original)

Assim, extrai-se os seguintes exemplos de Moraes(1999, p.164) :

situa-se na zona de certeza positiva, o caso em que a análise dos fatos leva à conclusão inafastável que a eles se ajusta com toda certeza o conceito, v.g., que está satisfeito o requisito legal de satisfação da ‘necessidade ou utilidade pública’ no ato de desapropriação de um imóvel para fins de edificação de uma escola pública no município que não dispõe de nenhum estabelecimento de ensino. Por outra, situa-se na zona de certeza negativa, na hipótese de concluir-se que os fatos, com toda certeza, não se amoldam no conceito de ‘utilidade pública’ previsto no artigo 5° do Decreto-lei 3.365/41 do Brasil, se a desapropriação do imóvel particular se faz com vistas à construção de um aeródromo em município serrano onde não existem condições geográficas propícias à prática do esporte de aviação.

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A condução do conceito indeterminado a um dos campos de certeza, por simples interpretação, sem recursos de atos volitivos, vincula a autoridade administrativa, não estando autorizada a fazer distorção, flexibilização, restrição ou ampliação da dureza nuclear que apresenta, assim não se poderá distanciar da intelecção dada pelo senso comum, ou do sentido reconhecido corrente em dado tempo e lugar. ( MELLO, 1998)

Razão pela qual, nos casos em que a indeterminação dá-se por força da imprecisão da linguagem, ou quando envolve uma avaliação da situação concreta em função das circunstâncias de tempo, de lugar, sem contudo, demandar qualquer ação criativa ou reconstrutiva subjetiva da Administração, o controle jurisdicional será sempre pleno, visto o poder de interpretar a norma jurídica fazer parte integrante da função jurisdicional. Desta forma, conforme Moraes(1999, p.166), "as conseqüências do controle juridiscional compreendem sempre, para além da invalidação do ato impugnado, a substituição por outro." (Grifo original)

Por sua vez, se a tarefa interpretativa for insuficiente, residindo o conceito na zona de penumbra, no halo de cores pálidas, frente a persecução da boa administração [6], persiste o dever de conduzir o conceito indeterminado a uma das zonas de certeza, razão pela qual subsistirá ao administrador o encargo de sopesar com exclusividade as circunstâncias do caso, utilizando-se de uma intelecção pautada em critérios estritamente administrativos, adentrando, pois, no campo da discricionariedade administrativa.

Mui oportuna se faz a lição de Ismail Filho(2002,p.726), ao releva que, tradicionalmente,

entendia-se que a competência discricionária era insindicável pelo Poder Judiciário. Pois, diante do juízo de conveniência e oportunidade do administrador público, não poderia o juiz nele adentrar, sob pena de ferir o princípio da separação dos poderes. Tal entendimento foi o responsável por inúmeros desmandos por parte do Poder Executivo, através de verdadeiras arbitrariedades, homiziadas através do manto da discricionariedade. Sem embargo, doutrina e jurisprudência desenvolveram teorias, verdadeiras técnicas de controle, que poderiam ser usadas pelo Judiciário, não para adentrar no mérito administrativo, mas para verificar se a competência discricionária foi exercitada dentro dos limites ditados pelo ordenamento jurídico.

Salienta-se, com o apoio de Freitas(1995, p.325), que toda a Administração, em atuação discricionária ou não, fica adstrita não apenas ao princípio da legalidade, mas sim,

à totalidade daquelas alavancas de Arquimedes do Direito, que são os princípios jurídicos, entendidos na sua devida dimensão. Assim, haverá de sempre ser tomado em consideração o princípio valiosíssimo da legalidade, todavia de modo jamais excludente ou inflacionado a ponto de depreciar ou desvincular a autoridade dos demais princípios jurídicos.

Calcada nestes limites principiológicos, tem-se, portanto, possível e oportuna a sindicabilidade jurisdicional, visto nenhuma lesão ou ameaça de direito poder ser excluída da apreciação do Poder Judiciário. Contudo, não poderá o Judiciário impor uma decisão diversa da que foi eleita pela autoridade administrativa, por sua vez, pode e deve tornar nulo os atos administrativos que denotem desvio de finalidade, coibindo as arbitrariedades.

Assim, corrobora a decisão da Egrégia Sétima Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ap.n.°236.882-14, (apud. STJ, RESP. n.°169876-SP.Min relator José Delgado. In BOLETIM DE DIREITO ADMINISTRATIVO, p.55) apontando que

o Poder Judiciário não pode substituir o Executivo na determinação das políticas administrativas a cargo deste, pena de se suprimir a administração à luz das diretrizes hauridas na eleição popular em prol de diretrizes judiciárias formadas à margem da interpretação de lei inexistente. (...) Não há como interferir, o Judiciário, no âmbito da discricionariedade administrativa, salvo, é claro, o caso de ilegalidade, marcada pelo abuso ou desvio de poder - de que não se cogita, no caso.

Adiante, ponderando ser possível identificar dentro da discricionariedade um campo de clara pertinência e incidência do princípio da proporcionalidade [7], visto a discrição se limitar ao exercício de uma prognose administrativa, ou seja, de um juízo de aptidão ou de adequação voltada para o futuro, permitindo, assim, uma maior apreciação jurisdicional, em razão de ser mais fácil flagrar quando a decisão se assenta em juízos de técnica não jurídica tão grosseiramente errôneos que isso se torne evidente para qualquer leigo; quando a apreciação da situação concreta pela Administração constitui atropelo à lógica e ao bom senso; ou quando não se há uma ponderação adequada da contabilização custo-benefício.

Tem-se que, fundando-se nesta premissa, no Direito francês, tanto a doutrina quanto a jurisprudência, passaram a coibir de forma mais enérgica as arbitrariedades de habitat em toda a discricionariedade, mas principalmente no âmbito do juízo de prognose, através da teoria do "erro manifesto de apreciação dos fatos", possibilitando ao poder jurisdicional adentrar no mérito e coibir as arbitrariedades postas dentro desse. (MORAES, 1999)

Como observa Sérvulo Correia, (1987, apud. MORAES, 1999, p.86) ao escreve que, no Direito francês,

sem prejuízo da importância ainda hoje concedida à figura do desvio de poder como base do controlo jurisdicional da discricionariedade, a jurisprudência tem vindo a prospectar novos caminhos. O controlo do ‘erro manifesto de apreciação’ na ‘qualificação dos fatos’ corresponde a um exame de proporcionalidade (sob a vertente da aptidão do meio ou ‘Geeignetheit’) da prognose levada a cabo pela Administração sobre conceitos indeterminados que referem pressupostos do acto, quando o não seja da proporcionalidade de uma decisão no exercício da ‘discricionariedade de decisão’, isto é, de opção de agir e não agir. E a técnica do bilan coût-avantages [8] é expressamente reconhecida como aplicação da lei de proporcionalidade (SIC)(Grifo original)

Assim, o juiz poderá, baseando-se na construção francesa do "erro manifesto de apreciação dos fatos", melhor perseguir e fulminar as arbitrariedades que se escondem atrás da prognose desproporcional ou desarrazoada.

Por sua vez, não poderá segui-la até o seu desfecho, adentrando na prognose para substitui-la por uma emanação própria, visto não existir garantias de ser mais ou menos inatingível de vícios arbitrários, razão pela qual poderá adentrar apenas para perquerir a sua coerência lógica e a proporcionalidade entre a prognose e a decisão a ser praticada, limitando-se, ao verificar o erro, apenas a invalidar o ato, não sendo possível impor qual medida a ser seguida.


CONCLUSÕES

Por fim, pode-se concluir que, na busca da segurança significativa dos conceitos indeterminados, deve-se afugentar teorias extremistas que levam a admitir que somente pelo uso da tarefa interpretativa se pode conduzir o conceito a uma das zonas de dureza de certeza, em razão de se poder observar que, em alguns casos isto realmente ocorrerá, mas em outros não. Classificando a doutrina os primeiros em conceitos indeterminados vinculados, enquanto que, os demais, seriam os conceitos não vinculados.

Nestes últimos, mesmo depois de realizado com o mais alto grau de complexidade interpretativa, resta ainda dúvida acerca da atitude a ser tomada, situando-se ainda na zona intermediária de incerteza, apresentando uma pluralidade de opções válidas perante o direito.

Assim, em razão de se ter esgotado o raciocínio fundado em aspectos de direito, deve se admitir que apenas através de um processo criativo pautado em aspectos estritamente administrativos, pode se alcançar a decisão que melhor traduz a finalidade normativa, visto envolver uma ação volitiva do agente administrativo, portanto, não podendo ser considerado um mero prolongamento da interpretação, posto que, esta se traduz em um processo de retomada de um pensamento já manifestado anteriormente, não admitindo manifestação autônoma de vontade.

Neste momento, caberá a incidência da discricionariedade administrativa, no entanto, somente podendo ser entendida dentro da moldura dos limites principiológicos previstos constitucionalmente, visto, só assim, ser possível o alcance da "boa administração", ou seja, da persecução da ação que melhor atenda o interesse público, portanto, nada tendo a ver com a idéia de liberdade livre de limites, a qual tende a facilitar uma atuação arbitrária sem compromisso com a finalidade normativa.

Parte da doutrina admite dentro dos conceitos indeterminados não vinculados uma subdivisão entre os que seriam preenchidos apenas por um juízo de prognose da administração, e aqueles que envolveriam uma ponderação autônoma dos interesses em conflitos à luz de critérios de aptidão, indispensabilidade e equilíbrio ou razoabilidade. Para tanto, tentam diferenciar o indiferenciável ao invés de admitir que se trataria apenas de espécie de discricionariedade administrativa.

Tais considerações impõem as seguintes repercussões da incidência do controle jurisdicional no preenchimento dos conceitos indeterminados:

- Pode, nos casos de conceitos vinculados, haver a incidência de um controle pleno, autorizando o Judiciário, além de invalidar a decisão administrativa, substituí-la por aquela que melhor alcança a finalidade normativa;

- Nos conceitos não vinculados, a partir do ponto, em que a Administração torna-se autorizada a exercer sua faculdade discricionária, o controle jurisdicional será de tangenciar os limites principiológicos da discrição, portanto, somente podendo invalidar os atos administrativos se eivados de arbitrariedades.

- Contudo, a identificação dessa zona de juízos de prognose serviu para identificar dentro da discrição da Administração Pública, um campo onde com mais clareza incide o princípio da proporcionalidade, podendo então a autoridade jurisdicional se utilizar para melhor coibir o abuso sob estas vestes. Por sua vez, não adentrando na prognose para substituí-la por uma emanação própria, mas para perquerir a sua coerência lógica e a proporcionalidade entre a prognose e a decisão a ser praticada, limitando-se a invalidar o ato se verificar a manifestação de algum erro.

Sobre o autor
Emmanuel Fontenele Oliveira

Advogado, especialista em Direito e Processo administrativo pela Universidade de Fortaleza– UNIFOR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Emmanuel Fontenele. Conceitos indeterminados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 558, 16 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6194. Acesso em: 14 mai. 2024.

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