4 DIFERENÇAS ENTRE BEM DE FAMILIA VOLUNTÁRIO E BEM DE FAMILIA LEGAL
Para uma melhor elucidação do tema abordado no presente trabalho, importa esclarecer as diferenças existentes entre as modalidades de bem de família. O bem de família voluntário é constituído por ato de vontade do instituidor(por escritura pública ou testamento, e, se terceiros, por testamento ou doação). O bem de família voluntário é impenhorável e inalienável, sendo que, na hipótese de extinção, alienação ou sub-rogação, deve haver a interferência do Ministério Público.
A lei, que causou grande repercussão na sua edição, foi originada por intermédio da Medida Provisória n° 143/90. O Bem de Família Legal é um tipo de impenhorabilidade que independe o ato de vontade do seu instituidor, pois, basta que se preencham os requisitos da lei. O artigo 1° da Lei n° 8.009/90 aduz que o imóvel de cunho residencial, destinado ao abrigo familiar, não poderá ser alcançado pela impenhorabilidade e por dívidas, salvo exceções impostas pela Lei, conforme disposições do artigo 3° e seus incisos do referido diploma.
Como é um ato involuntário, o proprietário que possuir dois imóveis um de grande valor e outro de pequeno valor, a impenhorabilidade recairá sobre o imóvel de menor valor, mesmo se ele elegeu o imóvel de maior valor para ser o seu abrigo familiar, tudo em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois, ao devedor lhe será dado o mínimo de dignidade possível para sobreviver, por isso a escolha do imóvel de menor valor.
Para que o devedor não entre nessa situação, ele poderá se socorrer da instituição do bem de família convencional, epigrafado no Código Civil, instituindo, assim, o bem de maior valor com sendo o bem de família, limitando a instituição à fração de (1/3) um terço de todo o seu patrimônio líquido, sob pena do excesso instituído se tornar ineficaz.
O Decreto-Lei n° 3.200/41 abre a possibilidade do devedor que elegeu o bem de maior valor como sendo o seu lar familiar, mesmo tendo outro bem de menor valor, tê-lo como impenhorável, sendo, portanto, inatacável por dívidas, resguardando as suas devidas exceções, desde que haja residido pelo um período mínimo de 3 (três) anos.
O bem de família legal ou involuntário constitui-se independentemente da iniciativa do proprietário do bem, ou seja, a constituição é involuntária. Tal instituto surgiu para proteger as famílias que não possuem condições ou mesmo não tem acesso às informações suficientes para que proteger a sua moradia. Foi criado para tal fim, o bem de família legal visando à proteção automática destas famílias por parte do Estado.
O próprio Estado é o instituidor, impondo o bem de família, por norma pública, em defesa da célula familiar. Assim, fica a família defendida pelo próprio estado. Devido ao fato de tal instituto ser voltado para as classes menos favorecidas, o mesmo não goza da garantia de inalienabilidade, isto porque muitas vezes a moradia destas famílias é o único bem de valor que possam vender para uma eventual necessidade de dinheiro.
5 A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E A LEI 8.009/90
A Lei 8.009/90 regulamenta a impenhorabilidade do bem de família, instituindo a impenhorabilidade legal, em proteção à célula familiar. Criada inicialmente sob a natureza de medida provisória, em 8 mar. 1990, foi convertida em lei em 29 mar. 1990.
Vale dizer que o bem de família instituído sob a égide de tal Lei caracteriza-se sob a modalidade involuntária, ou seja, instituído mediante imposição legal, posto que a norma em análise tem a característica de norma de ordem pública.
Ao criar o bem de família legal, o Estado assume o dever de proteção à família. Tal situação diverge daquela estatuída pelo Código Civil, que deixa a cargo do chefe da entidade familiar a incumbência de efetuar a constituição voluntária do bem de família. Destaca-se, a esse respeito, a finalidade social da Lei, que, conforme se verifica, tem o escopo de proteção da vida familiar.Acerca da questão levantada, é oportuna a lição de Azevedo (2010, p. 158):
Como resta evidente, nesse conceito, o instituidor é o próprio Estado, que impõe o bem de família, por norma de ordem pública, em defesa da célula familiar. Nessa lei emergencial, não fica à mercê de proteção, por seus integrantes, mas é defendida pelo próprio Estado, de que é fundamento.
Considerando que se trata de instituto de natureza processual, aplica-se a presente Lei aos casos pendentes, atingindo a penhora realizada antes mesmo de sua entrada em vigor, em contraposição ao que prevê o Código Civil, eis que este determina que a isenção da penhora se refere a dívidas posteriores à instituição do bem de família.
Tem prevalecido na jurisprudência o entendimento de que a transgressão à impenhorabilidade dos bens protegidos pela Lei 8009/90 é causa de nulidade absoluta, podendo ser apreciada se argüida a qualquer tempo no decorrer do processo, mas somente nas instâncias ordinárias, podendo, inclusive, ser conhecida de ofício pelo juiz.
Assim, mediante a possibilidade de ser levantada a qualquer tempo e grau de jurisdição, a impenhorabilidade amparada pela norma ora analisada pode ser apresentada em oponibilidade às execuções civis, previdenciárias, fiscais, trabalhistas ou quaisquer outras, conforme reconhece o artigo 3º desta lei, sendo necessário que o devedor comprove os requisitos legais para que possa suscitar a questão da impenhorabilidade sob o regime da norma em comento.
Desse modo, recepcionados pela Lei 8.009/90, ficam livres da execução por dívida do proprietário: um único imóvel, urbano ou rural, onde se estabeleça a moradia fixa da família ou entidade familiar; as plantações e as benfeitorias de qualquer natureza; os equipamentos, inclusive aqueles de uso pessoal; os móveis que guarnecem a casa, sob a condição de que estejam quitados.
6 CONCEITO DE BEM DE FAMILIA DE ACORDO COM A LEI 8.009/90
O bem de família é conceituado na Lei 8.009/90 como sendo o imóvel residencial, urbano ou rural, próprio do casal ou da entidade familiar, sobre o qual, por determinação legal, não incidem execuções por dívidas do proprietário ou locatário. Consideram-se ainda bens de família sob a forma legal os móveis que guarnecem a residência, estendendo também a impenhorabilidade aos equipamentos de uso profissional.
A Lei 8.009/90 também abrange as benfeitorias realizadas no imóvel, atribuindo a elas o caráter acessório à moradia da família ou entidade familiar.Para os efeitos da Lei 8.009/90, é necessário que o imóvel sirva de habitação ao devedor e seus familiares.
Além disso, verifica-se que, para que haja a aplicabilidade desta lei, considera-se um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Na hipótese de haver vários imóveis utilizados como residência da família ou entidade familiar, a impenhorabilidade recairá sobre o imóvel de menor valor, a não ser que outro bem tenha sido alvo de instituição mediante a forma prevista no Código Civil.
Em se tratando de superveniência de separação do casal ou dissolução de união estável, aquele que detenha a guarda dos filhos continua usufruindo dos benefícios oriundo da presente lei. A esse respeito, salienta Pereira (2004, p.566):
[...] ainda que o executado tenha destinado o imóvel residencial para a moradia do ex-cônjuge com a prole comum, este imóvel está sob a proteção da impenhorabilidade legal, pois abriga os filhos do devedor. [...] Se por ocasião da partilha de bens em comunhão for destinado um imóvel para cada um deles, a melhor solução é no sentido de reconhecer a existência de duas novas entidades familiares, ambas sujeitas à proteção da Lei 8.009/90.
Nesse diapasão, sustenta Dias (2007, p.529) que:
[...] residindo no imóvel a ex-companheira e o filho do casal, o devedor não pode abrir mão do benefício legal e indicar o bem à penhora. Também vemsendo afirmado o direito da viúva, resida ela ou não com os filhos; dos irmãos que vivam juntos; e do solteiro que mora sozinho. Residindo no imóvel irmãos do devedor, o bem é impenhorável.
É de se ressaltar que os imóveis objeto da isenção tratada pela lei em exame permanecem inalienáveis, ao contrário do que ocorre relativamente ao sistema voluntário de instituição do bem de família estabelecido no Código Civil, o qual não permite a disposição do bem, a não ser mediante alguns requisitos, já suscitados anteriormente.
Insta esclarecer que interpretação da norma em comento leva ao entendimento de que o bem de família instituído legalmente não exige o cumprimento das formalidades prescritas no Código Civil, dispensando assim o assento no Cartório de Registro de Imóveis da indicação de que se trata de bem de família, aludindo novamente neste ponto à função social da Lei em análise. Portanto, no regime da Lei 8.009/90, não é exigida qualquer formalidade específica.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo ressaltar os aspectos relevantes acerca da impenhorabilidade do bem de família, especificamente relacionado no Código Civil Brasileiro e na Lei 8.009/90. Analisando as questões históricas do instituto, vimos que o bem de família surgiu sob a denominação de Homestead, no Estado do Texas, EUA, e, posteriormente, foi adotado pelo direito pátrio, sendo incorporado no Código civil de 1916 e mantido pelo Código civil de 2002, inserido no Direito de Família.
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