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Regime patrimonial de bens entre cônjuges e direito intertemporal

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Agenda 09/02/2005 às 00:00

II - DIREITO INTERTEMPORAL

14.Conceito de Direito Intertemporal

José Antonio Encinas Manfré diz que "o direito intertemporal, regendo a aplicação da lei no tempo, cuida de eventuais conflitos entre leis consecutivas, a pretérita e a nova versando mesmo tema, objetivando determinar os limites de abrangência de cada qual. Nessa conformação, seu objeto envolve questões relativas às conseqüências da vacatio legis e à aplicação da nova lei ou da anterior, por aquela revogada, aos efeitos de relações jurídicas precedentes [16]".

O livro complementar das disposições finais e transitórias é um livro próprio da nova lei que estabelece as regras para a passagem do antigo código civil para o novo código civil.

O art. 2.039, CC/02: "O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do código civil anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido", é uma regra de caráter transitório.

Pela sua natureza esta norma de "caráter transitório" disciplina as situações jurídicas concretizadas ao tempo da lei anterior, como, por exemplo:

- Regular os atos e o destino dos bens que compõem o patrimônio dos cônjuges casados antes do novo código;

- Determinar quais as regras que seguem com vigência para estes cônjuges, pois é necessário preservar a eficácia dos atos praticados na lei do código anterior;

- Reger as leis entre os cônjuges e terceiros. Por exemplo, o aval, agora, necessita de autorização do outro cônjuge; mas se concedido sem a autorização do outro cônjuge na vigência do código anterior, que não exigia a anuência do cônjuge, este ato está resguardado pela norma do art. 2.039,CC/02.

É muito distinto o CC/02 em relação ao CC anterior quanto a normatização do regime de bens no casamento.

Para o casamento celebrado na vigência do código anterior a regra era a seguinte:

Art. 230, CC/16: "O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável".

Para o casamento celebrado após o novo código civil regra é:

Art. 1.639, § 1º: "O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento"; e

§ 2º "É admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros".

Na vigência do CC/16 os cônjuges que não manifestavam disposição diversa em válido pacto antenupcial o regime era o da comunhão universal de bens.

Com o advento da Lei do Divórcio, em 1977, na vigência do CC/16, restou estabelecido que os cônjuges que não apresentassem pacto antenupcial teriam por adotado o regime da comunhão parcial de bens.

No novo código se os cônjuges optarem pelo regime da comunhão parcial não há necessidade de pacto antenupcial, os cônjuges apenas terão que reduzir a termo a escolha.

15. As Pessoas que Contraíram Matrimônio no Código Anterior Podem Mudar o Regime de Bens?

Em face do estabelecido pelo direito intertemporal, surge a indagação quanto a alterabilidade ou não do regime de bens nos casamentos ocorridos na vigência do código anterior.

A questão, portanto, é avaliada sob o aspecto da aplicabilidade do art. 2.039 do CC/02.

A lei nova tem efeito imediato, no entanto são preservados os efeitos já produzidos ou a situação consumada. O princípio de aplicação imediata da lei é adequado para as relações continuativas [17], para as normas de ordem pública [18] e para as situações relacionadas ao estado da pessoa [19].

A corrente doutrinária contra a modificação do regime de bens dos casamentos realizados na exegese do CC/16 fundamenta a posição com os seguintes argumentos:

1.A lei em vigor tem efeito geral e imediato, mas não pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme determina o arts. 5º XXXVI, da Constituição Federal e art. 6º, caput, da Lei de Introdução ao Código Civil.

2.O jurista Pontes de Miranda considera que "lei nova estabelecendo outro regime legal, ou que modifica o existente até então, não alcança os casamentos celebrados antes dela, salvo regra explícita em contrário".

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3.O posicionamento do Washington de Barros Monteiro é o seguinte: "As relações de caráter patrimonial, que o casamento origina, regulam-se pela lei do tempo em que se formaram. O regime de bens não está sujeito às alterações da lei nova".

4.O Jurista Leônidas Filippone Farrula Júnior afirma que o casamento se aperfeiçoa com as núpcias e as questões patrimoniais do casamento se regulam pela legislação vigente à época da celebração. E, ainda, completa que a alteração do regime de bens aos casamentos anteriores ao CC/02 acarretaria a infringência ao ato jurídico perfeito e ao princípio constitucional de irretroatividade das leis.

5.Afirma, ainda, que a interpretação literal do art. 2.039, quando menciona "é o por ele estabelecido", se refere a todo o ordenamento jurídico referente aos regimes de bens, assim entende que, o código anterior, mesmo revogado, permanecerá eficaz para disciplinar esta matéria.

6.Maria Helena Diniz tem a posição de que a lei revogada permanecerá a produzir efeitos "porque outra lei vigente ordena o respeito às situações jurídicas definitivamente constituídas ou aperfeiçoadas no regime da lei anterior" ou "se deve aplicar a lei em vigor na época em que os fatos aconteceram..."

E a corrente doutrinária que entende possível a modificação do regime de bens dos casamentos realizados na exegese no CC/16 afirma o seguinte:

1.José da Silva Pacheco considera que se há a possibilidade de alteração pela nova lei, após a entrada em vigor do novo código nada obsta que se admita a mudança, em relação ao regime escolhido anteriormente.

2.Luís Francisco Aguilar Cortez, da 1ª Vara da Família e das Sucessões de São Paulo, autorizou esta modificação fundamentando a sentença da seguinte forma:

- Art. 6º, §1º, da Lei de introdução do CC/02: "Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou"

- Art. 2.035: "A validade dos negócios e demais atos jurídicos constituídos antes da entrada em vigor deste código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução".

- Ato consumado é aquele cujos efeitos se exauriram sob a vigência da lei antiga. Quando os efeitos do ato se projetam sob a vigência da lei posterior, o ato jurídico se sujeita à nova disciplina, pois não se trata de ato jurídico perfeito e nem ato jurídico consumado.

- A regra da imutabilidade do regime não estaria a atender a sua função protetiva, pois além do consenso dos cônjuges e a ressalva de terceiros, se tem a favor o artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" e o art. 6º da LIC: "A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".

3.João Batista Silvério da Silva, da 12ª Vara de Família e Sucessões Central de São Paulo, deferiu o pedido de alteração de regime de bens, argumentando a sentença da seguinte forma:

- As normas jurídicas referentes aos regimes de bens disciplinam relações patrimoniais, portanto não são de ordem pública e somente uma exceção justifica a intervenção do estado.

- O art. 2.039 não proíbe à retroatividade e nem determina serem irrevogáveis os regimes matrimoniais relativos aos casamentos anteriores à vigência do CC/02, requisitos essenciais para a não-aplicação da mutabilidade.

- O CC/02 assegura o respeito à escolha feita na vigência do diploma precedente.

- Direitos de terceiros são por lei ressalvados.

- Não pode existir desigualdade de tratamento entre pessoas que se casaram antes e após o CC/02.

Além de todas as considerações em favor da mutabilidade de regime de bens para os matrimônios realizados no Código anterior, ou seja, da aplicação retroativa do CC/02, podemos incluir a necessária efetividade da prestação jurisdicional.

16. A Reconciliação dos Separados Judicialmente

Na lei anterior (interpretação do art. 46 da Lei do Divórcio), o casal que reconcilia o matrimônio teria de restabelecer a sociedade conjugal no mesmo regime de bens.

Agora, com o novo Código, não estariam sujeitos, em nosso entendimento, a essa limitação [20], e, por decorrência natural, restariam beneficiados com a opção de modificação do regime.

Este contexto poderia gerar mais uma desigualdade de tratamento entre os casais, pois o matrimônio poderia ter ocorrido no ordenamento anterior, mas, pelo fato da separação, ainda que em um curto espaço, o seu restabelecimento beneficiaria os separados em detrimento dos que não dissolveram o vínculo.

17. A Proibição de Sociedade entre os Cônjuges

Outra circunstância importante, diz respeito à restrição contida no artigo 977 do novo Código, quanto à proibição de sociedade entre cônjuges ou destes com terceiros, se casados pelo regime da comunhão universal ou da separação obrigatória.

É uma restrição em relação à qualidade de sócios, não à opção de regime de bens, quanto a este aspecto prevalecem às regras do Direito de Empresa, e assim, tem incidência o art. 2.031, CC/02, impondo o prazo de 1 ano, a partir da vigência da Lei nova, para as sociedades e os empresários promoverem as adaptações pertinentes.

É matéria de Direito Empresarial e, em agosto de 2003, foi publicado Parecer da Coordenadora Jurídica do Departamento Nacional do Registro do Comércio [21] entendendo que tal restrição não se aplica às empresas constituídas sob a égide da Lei anterior, por respeito ao direito adquirido ou situação definitivamente constituída.

Assim, o problema prático aparentemente estaria resolvido, na medida em que tais empresas teriam a preservação da validade de seus contratos amparada pelo DNRC.

Porém vários são as orientações indicando a necessidade de adaptação da empresa às novas regras, mesmo na parte relativa à sua constituição, em virtude da continuidade das relações entre os sócios.

Inclusive, o Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo declinou, na mídia, ser contrário ao referido Parecer, entendendo ser necessária a adaptação das sociedades ao novo modelo legal.

Portanto, por medida de segurança, orientamos nossos constituintes conforme à corrente que sustenta a aplicação imediata da norma, exigindo a reorganização societária ou alteração do regime de bens dos sócios [22].

18. Aplicação da Súmula 377

Há juristas que afirmam que ao deixar o novo Código de reproduzir o art. 259 do código revogado, a Súmula 377 do STF, originada na interpretação daquela previsão, deixará de ter aplicação.

Mas, no campo do Direito Intertemporal, haverá a eficácia residual do enunciado contido na referida Súmula.

Argumentam tal entendimento no fato de que a inclusão ou exclusão de bens na comunhão representa tipicamente efeito próprio de determinado regime patrimonial, no caso, de separação obrigatória.

Assim incide o art. 2.039, CC/02, que determina aplicar aos casamentos anteriores o regime de bens na amplitude como era então tratado pelo ordenamento.

19. Quanto a Autorização do Cônjuge para Prestar Aval

No Código Civil de 2002, além da fiança, nenhum dos cônjuges pode prestar aval sem a autorização do outro (CC, art. 1.647, II, exceto no regime da separação de bens).

A exigência representa um efeito jurídico do casamento: assim tem aplicação imediata.

O estado de casado gera esta restrição. E sendo conseqüência do estado da pessoa, submete-se à nova lei.

Esta inovação recebe crítica, pois é prejudicial à atividade empresarial e compromete o título de crédito. Há projeto de lei para a sua alteração.

Na interpretação desta restrição, o Judiciário deverá prestigiar o terceiro de boa-fé, além de limitar o vício no ato jurídico à preservação da meação, fazendo subsistir a garantia do avalista signatário, na extensão de seus bens particulares ou proporção do acervo comum.

Assim, a responsabilidade patrimonial do cônjuge avalista fica preservada, e a do outro é afastada em razão da ausência de autorização.

Deve ser de aplicação imediata a nova lei, no que concerne à vênia conjugal para a prestação de aval.

Porém, o aval, prestado anteriormente ao casamento e ao novo código, por qualquer dos cônjuges, deve ser válido, pelo menos sob esse aspecto.

Na hipótese de uma mulher solteira que, nessa condição, presta fiança em um contrato de locação de imóvel, durante o referido contrato, a fiadora contrai matrimônio, não há a invalidade da fiança pelo não consentimento do seu marido. No máximo, essa fiança (e agora o aval) prestada pela mulher quando ainda no estado de solteira poderá ter reflexos no regime de bens dos cônjuges, de modo a não se comunicar à responsabilidade da obrigação ao marido.

20. A Dispensa de Outorga Conjugal para Venda de Imóveis no Regime da Separação de Bens

Foram reduzidas pelo novel diploma as restrições estabelecidas no artigo 1.647 do CC/16, para a prática pelo cônjuge, de determinados atos, tais como alienação de bens imóveis, prestação de garantias, etc., (CC/16, arts. 235 e 242), que delas excluiu os casamentos sob o regime da separação de bens.

E é dispensada a autorização para as pessoas casadas, neste regime, sob a lei revogada?

A autorização do cônjuge para o exercício da capacidade civil é efeito jurídico do casamento, de caráter patrimonial e agora, relacionado ao regime de bens.

Assim, quem se casou ao tempo da lei anterior, pelo regime da separação, agora estará dispensado da autorização para dispor de bens imóveis, bem como estará livre para prestar fiança, aval, etc.

Esse entendimento deve ser aplicado quer tivesse sido facultativo, quer tivesse sido obrigatório o regime de separação de bens do casal.

21. Quanto aos Frutos de Bens Particulares e os Bens Adquiridos por Fato Eventual na União Estável

O art. 1.725, ao determinar que se aplica, no que couber, o regime de bens da comunhão parcial para as relações patrimoniais na união estável.

Na interpretação desta regra, restariam excluídos da participação do companheiro, os frutos de bens particulares e os bens adquiridos por fato eventual.

Diverge, pois, do sistema proposto pela lei 9.278/96, em seu art. 5º, pois aí se previa a presunção de condomínio, em partes iguais, sobre o patrimônio adquirido a título oneroso.

Deve ser observado o momento, do acréscimo patrimonial, pois é a data que determina qual o regime jurídico e a lei incidente.

Sobre a autora
Lindajara Ostjen Couto

Advogada, Especialista em Direito Civil e Especializanda em Direito de Família e Sucessões

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTO, Lindajara Ostjen. Regime patrimonial de bens entre cônjuges e direito intertemporal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 582, 9 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6248. Acesso em: 24 nov. 2024.

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