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Direito de greve da Polícia Militar. Inconstitucionalidade?

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3 O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS E O DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

O direito de greve pode sofrer limitações com base em outros princípios do direito, tais como o da continuidade do serviço público e da supremacia do interesse público sobre o do particular.

3.1 Continuidade do serviço público

Existe uma grande divergência a respeito do direito de greve dos servidores púbicos e o princípio da continuidade dos serviços públicos, no que se refere aos serviços essenciais.

Marcos Eduardo Freitas Rodrigues (2006), explica que com o constitucionalismo contemporâneo e a consagração da teoria dos direitos fundamentais dos cidadãos como fatores essenciais à vida democrática, viu-se a necessidade de fixar, de alguma maneira, regras de convivência entre os distintos direitos fundamentais e seus respectivos titulares, na hipótese em que se configurar conflito de interesses. É exatamente o que ocorre aqui, no campo do estudo do direito de greve dos servidores públicos. Existindo, assim, a indagação de como é possível conciliar o direito à greve com o direito da população à prestação dos serviços públicos, quando se sabe que para milhões de brasileiros a sobrevivência ou uma vida minimamente digna só podem ser asseguradas por intermédio desses serviços.

A própria Constituição estabelece limites ao direito que acabara de assegurar com incomparável amplitude. O primeiro diz respeito à noção de serviços ou atividades essenciais, que é destacada pela Constituição. Neste segmento destacado, cujo rol compete à lei definir, caberá a esta também dispor sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º, CF/88). Com isso a Constituição firma qualificativo circunstancial relevante na realização dos movimentos paredistas: os serviços ou atividades essenciais. Concretizado o movimento nesse âmbito diferenciado, os paredistas deverão atentar para o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Ou seja, a Carta Magna de 1988 não proíbe a greve em tais segmentos (ao contrário do que já ocorreu em tempos anteriores da história do país); mas estabelece para o movimento paredista imperiosos condicionamentos, em vista das necessidades inadiáveis da comunidade. O segundo limite constitucional ao direito de greve é, na verdade, redundante, porque derivaria, necessariamente, do conjunto da lógica jurídica. Dispõe a Constituição que os “abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei” (art. 9º, § 2º, CF/88). O que significa que a conduta coletiva paredista, embora amplamente franqueada, não traduz permissão normativa para atos abusivos, violentos ou similares, pelos grevistas (DELGADO,2016).

Assim, existem serviços que são considerados essenciais, devido a sua importância para a população. O artigo 10 da lei nº 7.783/89, visando responder ao comando constitucional, enumera os serviços que seriam considerados dessa natureza:

Art. 10 da Lei nº 7.783/89: São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

X - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo;

XI - compensação bancária.[2]

Destarte, para garantia da prestação dos serviços públicos, principalmente os essenciais, existe o princípio estabelecido pela doutrina, da continuidade do serviço público, que significa que esses, por alcançarem interesse geral da coletividade, não podem ser paralisados.

Diogenes Gasparini (2003, p. 16), com base no princípio da continuidade, afirma não ser possível, por exemplo, a paralisação dos serviços de segurança, justiça, saúde, transporte e combate a incêndios, vedando-se, ainda, o exercício da greve em serviços dessa natureza e em outros considerados, por lei, como imprescindíveis ao desenvolvimento e à segurança da comunidade. Entende, ainda, que continuidade não é sinônimo de atividade ininterrupta, mas, sim, de regularidade, que deverá observar a natureza do serviço público e sua forma de prestação.

Por seu turno, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2016, p. 102) ao conceituar o princípio da continuidade do serviço público, traz que:

Por esse princípio entende-se que o serviço público, sendo a forma pela qual o Estado desempenha funções essenciais ou necessárias à coletividade, não pode parar. Dele decorrem consequências importantes: a proibição de greve nos serviços públicos; essa vedação, que antes se entendia absoluta, está consideravelmente abrandada, pois a atual Constituição, no artigo 37, inciso VII, determina que o direito de greve será exercido “nos termos e nos limites definidos em lei específica”; o STF, na ausência de “lei específica”, decidiu pela aplicação da Lei nº7.783/89; também em outros países já se procura conciliar o direito de greve com a necessidade do serviço público. Na França, por exemplo, proíbe-se a greve rotativa que, afetando por escalas os diversos elementos de um serviço, perturba o seu funcionamento; além disso, impõe-se aos sindicatos a obrigatoriedade de uma declaração prévia à autoridade, no mínimo cinco dias antes da data prevista para o seu início[...]

Vislumbra-se, portanto, que a bem da verdade, o princípio da continuidade do serviço público, visa resguardar e proteger o direito da coletividade ao acesso a serviços públicos essenciais e indispensáveis, e que este serve como limitador do direito de greve, mas de maneira relativa, uma vez que é possível haver a harmonização entre o direito da coletividade à prestação do serviço e o direito dos servidores públicos de buscarem melhorias, isso é possível perceber pela análise da nossa carta constitucional que de maneira inovadora trouxe para os servidores o direito à greve, que pende de regulamentação, mas que pode ser exercido uma vez que a Suprema Corte decidiu que a ausência de regulamentação não pode tirar um direito previsto constitucionalmente.

A seguir, será analisado o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.

3.2 Supremacia do interesse público sobre o privado

O princípio da supremacia do interesse público vincula tanto o legislador no momento da elaboração da lei, quanto a administração pública no momento da aplicação desta. Por este princípio entende-se que o interesse público prevalece sobre o interesse do particular.

Segundo Matheus Carvalho (2016, p.56), o interesse público é superior ao interesse particular, e todas as condutas estatais têm como finalidade a satisfação das necessidades da coletividade. Assim, os interesses da sociedade devem prevalecer diante das necessidades específicas dos indivíduos, havendo a sobreposição das garantias do corpo coletivo, quando em conflito com as necessidades de um cidadão, considerado isoladamente.

Apesar de apresentar contradição à primeira vista do direito de greve dos servidores públicos civis em face do princípio da supremacia do interesse público, pela interrupção da satisfação dos interesses sociais, faz-se necessário observar que o direito de greve de tal classe como a conquista de melhores condições de trabalho e mais investimentos e qualificações na prestação dos serviços públicos, acaba não só atendendo o interesse de uma classe isoladamente, mas sim de toda a coletividade, que se torna beneficiária de tais melhorias, satisfazendo assim o interesse público (ARÊDES, 2016).

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Além disso, com a decisão do STF pela aplicação análoga da Lei nº 7.783/89 aos servidores públicos houve uma flexibilização da supremacia do interesse público sobre o privado. Uma vez que não se pode por meio desse princípio sobrestar um direito constitucionalmente previsto de uma classe de buscar melhores condições de trabalho.


4 O PARADOXO JURÍDICO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA GREVE DOS POLICIAIS MILITARES

Das noções preliminares alhures expostas verifica-se que os servidores públicos fazem jus ao direito de greve, considerando a previsão constitucional deste direito e a posição concretista geral adotada pelo STF, ao julgar procedente o mandado de injunção referente à efetividade da norma estatuída no art. 37, VII, da Constituição Federal, em que decidiu no sentido de suprir a lacuna legislativa, determinando, em regra, a aplicação de legislação existente para o setor privado; porém, possibilitando, quando tratar-se de serviços ou atividades essenciais, de fixação de regime de greve mais severo.

No que diz respeito ao direito de greve dos policiais militares, a regra é diferente. O artigo 142, §3º, IV, da Constituição Federal, proíbe a greve e a sindicalização do militar.

Ocorre que a questão da constitucionalidade ou não da greve dos policiais militares sempre gerou grande celeuma. Porque mesmo diante da vedação constitucional ao direito de greve dos militares, há quem defenda a legalidade do ato e a sua constitucionalidade, tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana.

Faz com que essa discussão ganhe força a grande realidade brasileira, em que mesmo diante da existência da proibição trazida pelo artigo 142 da Constituição Federal, inúmeros são os casos de deflagração de greves das categorias de segurança pública. Como exemplo, podemos citar a greve dos policiais militares do Estado do Espirito Santo, deflagrada no dia 03 (três) de fevereiro desse ano, que durou mais de duas semanas, o que gerou uma série de violência, mortes, saques, paralização de serviços de transportes públicos, interrupção de aulas, fechamento de comércios, ocasionando grandes prejuízos à coletividade.

Diante disso, surge o grande questionamento: Como é possível aceitar que a nossa Constituição democrática retire de uma classe trabalhadora o direito de buscar a efetivação dos seus direitos sociais, sendo que todos os demais trabalhadores possuem este direito, e que seja considerado inconstitucional toda forma de busca por melhorias? Como é possível a existência desse paradoxo jurídico, em contraposição a necessidade de se garantir a segurança pública, que é um direito de toda a sociedade, sendo um serviço público essencial?

A seguir será analisado o questionamento acima e os posicionamentos existentes acerca do direito de greve dos policiais militares em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana e a vedação trazida pela Constituição Federal em seu artigo 142, inciso IV.

4.1 A proibição do direito de greve dos militares e o princípio da dignidade da pessoa humana

A Constituição da República do Brasil, de 05 de outubro de 1988, em seu artigo 1º, inciso III prescreve o princípio da dignidade da pessoa humana, entre outros princípios, como por exemplo a valorização do trabalho, no inciso IV, do mesmo artigo, como fundamentos da República.

Há uma incorporação ou integração entre dignidade da pessoa humana e o trabalho. Através do trabalho, o homem modifica a natureza e constrói a cultura. A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU aprovada em Paris, em 10 de dezembro de 1948, após a Segunda Guerra Mundial, prevê e consagra o direito da humanidade ao trabalho. O trabalho dignifica o homem e está elencado nos princípios do respeito aos Direitos Humanos. Desse modo, o trabalhador não pode sofrer abusos e ser explorado, porque cuida-se de questão de dignidade e de Direitos Humanos - a profissão. O trabalho possui relevância e ressonância mundial e assume proporções de justiça social.

Além disso, os fundamentos de um Estado devem ser compreendidos como os valores essenciais que compõem sua estrutura. Assim, a consagração expressa da “soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e do pluralismo político” como fundamentos da República Federativa do Brasil, expressos no artigo 1º, inciso I ao V, sem dúvida, atribuem a esses valores um significado especial dentro da ordem constitucional. Os princípios nos quais se materializam esses fundamentos desempenham um importante papel, sejam eles de forma indireta, atuando como diretriz para a elaboração, interpretação e aplicação de outras normas do ordenamento jurídico, sejam eles de forma direta, quando utilizados como razões para a decisão de um caso concreto. Não obstante esses princípios fundamentais não possuírem qualquer tipo de hierarquia normativa em relação às demais normas constitucionais, o elevado grau axiológico de que são dotados e a posição de destaque atribuída pelo Poder Constituinte Originário atribuem-lhe um peso elevado às razões por eles fornecidas, a ser considerado diante de uma eventual colisão com outros princípios constitucionais (NOVELINO, 2013).

Para Alexandre de Moraes (2016, p.74) o princípio da dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento retira a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral intrínseco à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, trazendo consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo inatacável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente de maneira excepcional, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre respeitando todas as pessoas enquanto seres humanos.

No mesmo sentido, Uadi Lammêgo Bulos (2014, p. 512) explica que o princípio da dignidade da pessoa humana, agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Carta Magna de 1988, que consagra um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo. Por isso, o primado consubstancia o espaço de integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social. Seu conteúdo é amplo e pujante, envolvendo valores espirituais, como: liberdade de ser, pensar e criar etc. e materiais, tais como: renda mínima, saúde, alimentação, lazer, moradia, educação etc. Seu acatamento representa a vitória contra a intolerância, o preconceito, a exclusão social, a ignorância e a opressão. A dignidade da pessoa humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio do homem. Seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdades públicas, em sentido amplo, englobando aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais do direito à vida, dos direitos pessoais tradicionais, dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), dos direitos econômicos, dos direitos educacionais, dos direitos culturais etc. A força jurídica do pórtico da dignidade começa a espargir efeitos desde o ventre materno, perdurando até a morte, sendo inata ao homem. Notório é o caráter instrumental do princípio, pois, possibilita acesso à justiça de quem se sentir prejudicado pela sua inobservância.

Alicerçado nisso, defendem alguns, que não há como dissociar a valorização social do trabalho, reconhecido como fundamento da República no artigo 1º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, do princípio da dignidade humana, pois, existe dependência entre eles. À medida que não tem como garantir a dignidade do trabalhador, se lhe é retirado o direito fundamental de buscar melhores salários, melhores condições de trabalho e lutar contra as arbitrariedades patronais. Sendo, portanto, a proibição do direito à greve por parte dos policiais militares, prevista no artigo 142, inciso IV, um retrocesso social, uma vez que fere o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio este que é acima de tudo, uma qualidade inerente a todo ser humano, devendo ser respeitado e protegido pelo Estado.

Marcelo Novelino (2013, p. 339) explica que o reconhecimento dos valores sociais do trabalho como um dos fundamentos do Estado brasileiro impede a concessão de privilégios econômicos condenáveis, por ser o trabalho imprescindível à promoção da dignidade da pessoa humana, podendo ser visto como ponto de partida para o acesso ao mínimo existencial e condição de possibilidade para o exercício da autonomia. A partir do momento em que contribui para o progresso da sociedade à qual pertence, o indivíduo se sente útil e respeitado. Retirando-se a perspectiva de obter um trabalho com uma justa remuneração e com razoáveis condições para exercê-lo, o indivíduo acaba tendo sua dignidade violada. Por essa razão, a Constituição reconhece o trabalho como um direito social fundamental em seu artigo 6.º, conferindo uma extensa proteção aos direitos dos trabalhadores- nos artigos 7.º ao 11º. A consagração dos valores sociais do trabalho impõe, ainda, ao Estado o dever de proteção das relações de trabalho contra qualquer tipo de aviltamento ou exploração.

Para o Professor titular de Direito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Antônio Álvares da Silva, ao proibir a greve- artigo 142, inciso IV da Constituição Federal- o erro do legislador constitucional é evidente, representando um atraso social. O conceito de trabalhador é um só: cidadão que, não sendo proprietário dos meios de produção, "vende" ao empregador, pessoa física ou jurídica, seu trabalho que se transforma em valor econômico, com o qual garante a subsistência própria e da família, independentemente do empregador ser o Estado. O trabalho não muda, por isto, sua natureza de meio garantidor da sobrevivência digna daqueles que o exercem. Logo, o militar deve ter naturalmente todos os instrumentos jurídicos para defender seus direitos e participar do jogo democrático da divisão de riquezas, que ele também ajuda a construir.

 Em sentido contrário, Thays Pessoa (2014) explica que há quem defenda a legalidade do ato e a própria constitucionalidade dos atos grevistas por parte dos militares, com base no princípio da dignidade da pessoa humana. Não se pode desmerecer direitos fundamentais atribuídos ao cidadão brasileiro, e muito menos aos servidores públicos militares, entretanto, nem todo direito é absoluto, nem a própria dignidade da pessoa humana quando em confronto com a vida, a liberdade, a integridade física e psicológica, a segurança e a propriedade. Devendo ser absoluta, a ponderação de princípios e interesses da sociedade como um todo. Uma vez que expor a sociedade à insegurança não é defender a dignidade da pessoa humana. Sobrando dessa luta, apenas, a lesão a direitos já preconizados como a vida e a liberdade das pessoas.

Diante dessa problemática, e das greves ocorridas no Brasil, entendeu o STF que alguns serviços públicos, em razão de sua essencialidade para a sociedade, deverão ser prestados em sua totalidade, como é, no caso, o serviço de segurança pública, determinando, por analogia, a aplicação da vedação para os militares e, assim, proibindo o seu exercício pelas polícias civis; abaixo a ementa do julgamento do STF, de relatoria do Ministro Eros Grau:

EMENTA: (...) 2. Servidores públicos que exercem atividades relacionadas à manutenção da ordem pública e à segurança pública, à administração da Justiça - aí os integrados nas chamadas carreiras de Estado, que exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária - e à saúde pública. A conservação do bem comum exige que certas categorias de servidores públicos sejam privadas do exercício do direito de greve. Defesa dessa conservação e efetiva proteção de outros direitos igualmente salvaguardados pela Constituição do Brasil. 3. (...) Os servidores públicos são, seguramente, titulares do direito de greve. Essa é a regra. Ocorre, contudo, que entre os serviços públicos há alguns que a coesão social impõe sejam prestados plenamente, em sua totalidade. Atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça -onde as carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária- e a saúde pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse direito. Serviços públicos desenvolvidos por grupos armados: as atividades desenvolvidas pela polícia civil são análogas, para esse efeito, às dos militares, em relação aos quais a Constituição expressamente proíbe a greve (art. 142, § 3.0, IV) (...) " (Rel. Min. Eros Grau. j. 20.05.2009, Plenário, DJE de 25.09.2009).[3]

Nessa mesma linha, em decisão recente o STF, entendeu que o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é proibido aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública.

 No julgamento prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes. Para ele, a interpretação teleológica dos artigos 9º, 37, inciso  VII, e 144 da Constituição Federal, veda a possibilidade do exercício de greve a todas as carreiras policiais previstas no citado artigo 144. Não sendo necessário, ademais, utilizar de analogia com o art. 142, § 3º, IV, da CF, relativamente à situação dos policiais militares. Esclareceu que a Constituição tratou das carreiras policiais de forma diferenciada ao deixá-las de fora do capítulo específico dos servidores públicos. Enfatizou ainda que, as carreiras policiais são carreiras de Estado sem paralelo na atividade privada, visto que constituem o braço armado do Estado para a segurança pública, assim como as Forças Armadas são o braço armado para a segurança nacional. Diversamente do que ocorre com a educação e a saúde — que são essenciais para o Estado, mas têm paralelo na iniciativa privada —, não há possibilidade de exercício de segurança pública seja ostensiva pela Polícia Militar, seja de polícia judiciária pela Polícia Civil e pela Polícia Federal, na União. Assim, não há possibilidade de nenhum outro órgão da iniciativa privada suprir essa atividade, que, por si só, é importantíssima e, se paralisada, afeta ainda o exercício do Ministério Público e do próprio Poder Judiciário. Por isso, considerou que a segurança pública, privativa do Estado, deve ser encarada de maneira diferenciada. Observou, que uma pessoa que opta pela carreira policial sabe que ingressa num regime diferenciado, de hierarquia e disciplina, típico dos ramos policiais. É um trabalho diferenciado, por escala, com aposentadoria especial, diverso das demais atividades do serviço público. Os policiais andam armados 24 horas por dia e têm a obrigação legal de intervenção e realização de toda e qualquer prisão em flagrante delito. Devem cuidar ainda da própria segurança e de sua família, porque estão mais sujeitos à vingança da criminalidade organizada do que qualquer outra autoridade pública. Justamente em razão dessas peculiaridades, o ministro registrou a impossibilidade de os policiais participarem desarmados de reuniões, manifestações ou passeatas[4].

Destarte, em que pese o caráter democrático da nossa Constituição Federal; e seu primeiro artigo consagrar como fundamento da nossa República o princípio da dignidade da pessoa humana e em seu artigo 9º assegurar o direito de greve aos trabalhadores em conjunto com o artigo 37, VI, assegurar, também, esse direito à categoria dos servidores públicos. Nossa, Carta Magna, não permitiu o direito de greve aos policiais militares (artigo 142, § 3º,IV, da CF), direito esse que faz parte dos direitos de segunda geração, conhecidos, também, como “direitos do bem-estar”. Que como bem explica, Nathalia Masson (2014, p.194), esses direitos são assim denominados, uma vez que pretendem ofertar os meios materiais imprescindíveis para a efetivação dos direitos individuais. Para tanto, exigem do Estado uma atuação positiva, um fazer, o que significa que sua realização depende da implementação de políticas públicas estatais, do cumprimento de certas prestações sociais por parte do Estado, tais como: saúde, educação, trabalho, habitação, previdência e assistência social.

Verifica-se, que diante da essencialidade do serviço público prestado pela categoria dos policiais militares que é garantir a segurança pública, não é possível a paralisação dos seus serviços, uma vez que a lesão à coletividade é muito maior. Sendo que a Constituição Federal estabeleceu em seu artigo 144, que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e é exercida para a preservação da ordem pública da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos órgãos de segurança pública, assim, nossa Constituição para a garantia desse direito trouxe, expressamente em seu artigo 142, §3º, IV, a vedação aos militares à sindicalização e a greve. Como se verificou ao longo desse estudo, esta proibição gera grande discussão, uma vez que retira de uma classe trabalhadora um direito social e essencial, o que para muitos fere o princípio da dignidade da pessoa humana. Entretanto, não se pode a custo de se colocar em perigo a segurança de toda coletividade, permitir que a classe trabalhadora, que representa o próprio Estado, deixe de garantir a segurança pública, a proteção à vida e a liberdade. 

Sobre os autores
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Geraldo Guilherme Ribeiro de Carvalho

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha, Estado de Minas Gerais, em 11 de fevereiro de 1995. Estagiário do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Bacharel em Filosofia pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizonte, MG, em Dezembro de 2008, Bacharel em Licenciatura Plena pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizonte, MG, em Dezembro de 2009 e Mestre em Filosofia, na área de concentração em Ética pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizontes, Estado de Minas Gerais. Atualmente, Professor de Filosofia Geral e Jurídica e Direito Constitucional, na Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, Estado de Minas Gerais (UNIPAC).

Darlene Alves de Jesus

Darlene Alves de Jesus é bacharela em Direito pela Faculdade de Direito Presidente Antônio Carlos, campus Teófilo Otoni, Minas Gerais.

Informações sobre o texto

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Mais informações

Trata-se de tema extremamente relevante para os direitos fundamentais e direitos humanos, sobretudo, a discussão de um tema que envolve uma categoria importantes para a sociedade, no caso, os militares, imprescindíveis para a promoção dos direitos e fortalecimento do estado democrático de direito. Assim, abordou neste ensaio o direito de greve dos militares.

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