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Firma individual x EIRELI: análise jurídica sob o ângulo da responsabilidade

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Agenda 25/12/2017 às 15:32

4.        RESPONSABILIDADE ILIMITADA

4.1 O Empreendedorismo             

Não existe o verbo empreender sem que esteja ligado há um certo risco de capital. O empresário que empreende em nova atividade se prende na tentativa de enumerar suas chances e delinear as probabilidades. No caso do empresário individual essas probabilidades terão que certamente ser previamente analisadas, tendo em vista que com um possível fracasso seu patrimônio pessoal estará à mercê das dívidas.

Quanto maior a probabilidade do empreendimento fracassar, maior o risco. O coerente é realizar cálculos para prever se a probabilidade é alta ou baixa e, consequentemente, qual o impacto que ocasionará esse fracasso.

Para o empreendedor, sempre é preciso saber qual o impacto de um eventual fracasso no mundo dos negócios. Considerando que o impacto de um fracasso é a diferença entre o que se ganha e o que realmente pode-se perder.

Nesse passo, é errado achar que o empreendedor é um aventureiro, que assume todos os riscos do negócio de maneira inconsequente, pelo contrário o empreendedorismo é ponderar os prós e contras, fazendo uma análise da probabilidade de o negócio progredir e do impacto que terá na sua vida, se caso fracassar.

 A probabilidade de um piano cair na sua cabeça ao andar na praia é baixíssima, embora o impacto seja muito alto. Entretanto, a probabilidade de tropeçar andando no escuro é alta, porém o impacto é baixo.

Muitas vezes, devido à falta de informação, você não pode determinar alguns riscos, portanto, a incerteza é o maior inimigo dos empresários no momento de constituir um negócio.

4.2 Patrimônio do Empresário

Haverá para o empresário individual a reponsabilidade ilimitada por sua atividade direta e indireta. Nesse passo, o patrimônio de seu empreendimento se confundirá com seu patrimônio pessoal. Um exemplo da confusão patrimonial é o comerciante que vai para sua mercearia com todo dinheiro no bolso esquerdo e, armazena no bolso direito, todo dinheiro pessoal. Durante as atividades regulares do dia a dia, o bolso esquerdo fica sem “trocados”, diante desse fato, o empresário retira do bolso direito (patrimônio pessoal) para suprir atividades empresariais (CHAGAS, 2015)

O presente exemplo é um pouco grosseiro, mas detalha de forma peculiar o que realmente acontece com o empresário individual. Não há como separar esses patrimônios, de modo que é inevitável a responsabilização ilimitada (NEGRÃO, 2013).

Essa responsabilidade ilimitada é uma forma que garante a terceiros segurança para cobrar dívidas feitas pelo empresário no desempenhar de suas atividades empresariais, ou, dívidas relacionadas a vida civil. Entretanto, traz para o empresário muitas dificuldades de empreender.

O empresário individual ao desempenhar a atividade fará com que seu patrimônio pessoal esteja indiretamente assumindo todos os riscos de seus atos empresariais. Portanto, não há como deixar de perceber que um possível fracasso do empresário resultará, em alguns casos, em resultados devastadores.

O empresário, mesmo que com todo cuidado e ponderação, retira todo o dinheiro da poupança e decide empreender em um ramo de negócio, tem o objetivo de proporcionar no futuro uma melhor qualidade de vida para os filhos, netos, etc.

A sua qualidade de vida é relativamente média, portanto, imagina-se que esse profissional tem dois filhos em escolas particulares e uma esposa que complementa o orçamento familiar. O dinheiro retirado, anteriormente, seria destinado ao pagamento de uma universidade para filhos.

O veículo de passeio e a motocicleta de propriedade do empresário tende em ajudar em todas as rotas de seus familiares durante o dia a dia. No entanto, as ingerências econômicas cumulada com alguns fatores predominantes da atividade comercial, fez com que esse empresário acumulasse dividas e obrigações bem maiores do que realmente poderia cumprir, ocasionando assim, abstenção de mercadorias junto aos fornecedores, bem como execuções de credores e protestos de títulos.

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Uma grave crise se instala na vida do empresário, seu veículo e motocicleta já foram penhorados, dificultando ainda mais a rotina de vida sua e de sua família. O próximo passo, foi retirar os filhos da escola particular, tendo em vista o esgotamento financeiro.

A única renda familiar é de sua esposa, algo atualmente que impossibilita a plena segurança patrimonial, em conformidade com algumas decisões jurisprudenciais:

TRF-4 - AG: 9341 PR 2009.04.00.009341-8, Relator: ELOY BERNST JUSTO, Data de Julgamento: 30/06/2009,  SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: D.E. 29/07/2009 - Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que não acatou pedido da UNIÃO de inclusão - no pólo passivo de feito executivo fiscal - da pessoa natural (CPF), cuja firma individual é executada origináriamente. Alega a UNIÃO que não se trata de desconsiderar a personalidade jurídica, mas de simples responsabilização abrangente e comum, tanto da firma individual quanto da pessoa física que lhe dá fundamento, pois esta tem responsabilidade ilimitada pela dívida daquela. Esses os apertados contornos da lide. Decido. A discussão versada nos autos diz respeito à possibilidade de inclusão no pólo passivo de pessoa natural para que seu patrimônio (referenciado pelo CPF) responda por dívida de firma individual. O feito executivo é movido contra firma individual, situação em que não há distinção entre a personalidade jurídica da executada e a da pessoa natural de seu titular. Havendo confusão entre o patrimônio da firma individual e da pessoa física, calha mencionar que os bens da pessoa física respondem pelos débitos de titularidade da pessoa jurídica e vice-versa, ou seja, os bens de uma podem ser penhorados por obrigações contraídas pela outra, ressalvada, nesse caso, a impenhorabilidade legal. Assim, havendo a citação da firma ou da pessoa natural do seu titular, o patrimônio, por ser comum, responderá pelos débitos contraídos por qualquer deles. A propósito, colaciono os seguintes julgados:

"CONCORDATA PREVENTIVA DE COMERCIANTE EM NOME INDIVIDUAL. CREDITO quirografário. O comerciante em nome individual não assume personalidade jurídica distinta daquela que possui como cidadão. Assim, os cheques que emitiu, seja no exercício da mercancia, seja por motivo outro, representam créditos sujeitos aos efeitos da concordata. inocorrência de" dupla personalidade jurídica ". Recurso Especial do concordatário conhecido e provido." (STJ, RESP 7223/CE; Quarta Turma, relator Min. Athos Carneiro, unânime, DJU de:02.09.1991, página 11815)

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA SOBRE PATRIMÔNIO DA ESPOSA DO EXECUTADO. MEAÇÃO. ART. 269 DO CÓDIGO CIVIL. A executada não é sociedade comercial constituída por pluralidade de pessoas, mas firma individual, em que não se distinguem a pessoa jurídica da pessoa física que efetivamente desempenha a atividade comercial. De modo que a argumentação da desregard doctrine não se aplica ao caso sob apreço. A presente execução fiscal foi ajuizada contra a empresa e o próprio agravante, que é devedor solidário, sendo que o patrimônio da executada confunde-se com o seu, a teor do art. 2º da Lei nº 9.841/99." (TRF 3ª Região, AI 2000.03.00.057018-5/SP, Quinta Turma, relatora Juíza Suzana Camargo, publicado no DJU de 18.06.2002, unânime, página 573)

TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O TITULAR DE FIRMA INDIVIDUAL. - No ordenamento jurídico brasileiro, o comerciante em nome individual responde de forma ilimitada com o seu patrimônio pessoal pelos atos praticados no exercício da atividade comercial. - Em verdade, a empresa individual e a pessoa natural do comerciante se confundem, de forma que se configura identidade de patrimônio de um e de outro, formando um único conjunto de bens e direitos. - Por conseguinte, os bens da pessoa natural do comerciante respondem pelos débitos contraídos por ele em sua atividade comercial, ressalvada apenas a impenhorabilidade legal. - Assim, é desnecessária a citação da pessoa natural ou o redirecionamento da execução fiscal para que o seu patrimônio responda por débitos da firma individual. - agravo de instrumento desprovido. (TRF4 2005.04.01.000806-6, RS; Fonte DJ 06/07/2005 PÁGINA: 589; Relator JOÃO SURREAUX CHAGAS; Data da Decisão: 29/03/2005 Orgão Julgador: SEGUNDA TURMA)

TRIBUTÁRIO. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O TITULAR DE FIRMA INDIVIDUAL. Não há distinção entre pessoa física e pessoa jurídica, em se tratando de firma individual, pois esta não é pessoa jurídica. Ainda que a lei tributária a equipare à pessoa jurídica, essa equiparação diz respeito apenas às normas de tributação, não se estendendo ao plano da responsabilidade patrimonial. Nesse plano há um único patrimônio, que responde pelas obrigações civis, comerciais e tributárias de seu titular, indistintamente. Dessa forma, incabível o redirecionamento nos termos do art. 135, III, do CTN, podendo, todavia, ser penhorados os bens do empresário pessoa física para responder pelas dívidas da empresa individual. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.000334-0/RS, RELATORA : Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, D.E. 12/03/2009)

EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. PENHORA. FIRMA INDIVIDUAL. INDISTINÇÃO ENTRE PATRIMÔNIO DA FIRMA E DE SEU TITULAR. REQUISITOS DE VALIDADE DA CDA. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO E DE LANÇAMENTO. TAXA SELIC. MULTA FISCAL. CARÁTER CONFISCATÓRIO. CDC. ENCARGO LEGAL. Não configura cerceamento de defesa o indeferimento de produção de prova quando as matérias discutidas nos autos são exclusivamente de direito ou passíveis de mera comprovação documental, podendo ser conhecidas independentemente de dilação probatória. Em se tratando de comerciante individual, não há sentido em diferenciar a figura do comerciante da pessoa física, pois em verdade são uma só, sendo desnecessário o redirecionamento da execução. A CDA preenche os requisitos do artigo 202 do CTN e do artigo 2º, § 5º, da LEF. Nulidade não evidenciada. O débito confessado pelo contribuinte por meio de obrigação acessória é representativo do lançamento e importa notificação para pagamento. Em decorrência, ainda que o tributo seja sujeito a regime de lançamento por homologação, se declarado e não pago, total ou parcialmente, no prazo legal, a sua cobrança decorre do autolançamento, sendo exigível independentemente de instauração de processo administrativo ou notificação prévia. É legítima a aplicação da Taxa SELIC. Precedentes do STJ. Descabe falar em confisco quando o percentual aplicado à multa moratória decorre de lei e não evidencia descompasso com a infração cometida. Não se aplica à multa fiscal o regramento civil (Código de Defesa do Consumidor), pois tais normas regulam as relações jurídicas de caráter eminentemente privado. Nas execuções fiscais movidas pela União, o encargo legal de 20% (vinte por cento) previsto no Decreto-lei nº 1.025, de 1969, embutido no débito, substitui, nos embargos, a condenação em honorários advocatícios.  (APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.70.03.003254-1/PR, RELATOR : Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA, 12/11/2009)

Para efeitos de legitimidade processual, tanto o titular como a firma individual podem demandar ou serem demandados judicialmente por obrigações contraídas pelo comerciante. Destarte, plenamente possível a pesquisa (pelo CPF) e penhora on line de eventual patrimônio em nome da pessoa natural, sem necessidade de sua inclusão formal no pólo passivo do feito da origem, exatamente como determinado na decisão agravada. Ante o exposto, julgo liminarmente improcedente o agravo de instrumento. Intimem-se. Diligências legais. (TRF-4 - AG: 49501520144040000 PR 0004950-15.2014.404.0000, Relator: JORGE ANTONIO MAURIQUE, Data de Julgamento: 02/09/2014,  PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 08/09/2014)”.

É preciso salientar que haverá prejuízos irreparáveis no modo de vida familiar, ou seja, no ponto de vista cultural e social, a família deixará de realizar passeios na época de férias, a educação dos filhos será de certa forma prejudicada, pois todos sabem a precária educação estadual que temos no país atualmente. Irão deixar de frequentar alguns lugares de laser e, ainda, sem dúvida, as “pessoas que os cercam”, o núcleo de pessoas, afastar-se-á de todos os membros dessa família, pois isso tristemente é comum do ser humano.

Nesse sentido, esse patrimônio pessoal que é disponibilizado para arcar com obrigações de suas atividades empresariais ocasiona diversas vítimas, o primeiro é o empresário, logo em seguida, afeta a família, amigos e até terceiros.

Em um possível estado de insolvência do empresário, seus credores vão “ficar a ver navios”. É importante entender que não dá mais para não se preocupar, alimentando a ideia que o que acontece com o indivíduo é somente problema dele. Atualmente, vivemos em uma sociedade em que quase todos os atos de um, afeta o outro. No direito ambiental por exemplo, a ideia da poluição do ar ou de um rio que só afetava os indivíduos que residiam e os utilizam naquele local, já é ultrapassada, não tem como mensurar a dimensão do dano e seu alcance no campo ambiental.

Existia uma injustiça para com o empresário, já que os sócios de uma sociedade empresária, mesmo desempenhando ramo de atividade de um empresário, por exemplo, não teria o patrimônio dos sócios expostos dessa forma, pelo contrário, cada sócio em uma sociedade limitada é responsável somente por suas cotas sociais.

Sendo assim, os empreendedores e investidores de uma sociedade empresária limitada podem limitar as perdas, em caso de insucesso da empresa. Esses, em regra, com a total integralização do capital social da empresa, respondem tão somente até o limite de suas cotas sociais.

Por isso, essa é modalidade mais utilizada no país, porém infelizmente, aproximadamente metade dessas sociedades limitadas constituídas não contemplam a verdadeira intenção dos sócios. Os sócios ao se unirem para um fim comum, a necessidade de existir uma caracterização de intenção de constituir sociedade entre si, conhecido também como affectio societatis. Esse ânimo psicológico entre os sócios inexiste nessas sociedades constituídas com o intuito de apenas adquirir a limitação da responsabilidade, formando assim, sociedades fictícias.                     

4.3 Sociedades Fictícias

A sociedade empresária limitada tem sido utilizada para “driblar” a responsabilização do empresário individual, referente ao seu patrimônio pessoal para com o pagamento dos passivos existentes em sua atividade empresarial. O empresário, no intuito de empreender, sem que haja desmoronamento de seu patrimônio, se por ventura provenha um fracasso econômico e empresarial, opta por constituir em sociedade limitada, proporcionando, em regra, uma “blindagem” patrimonial (ABRÃO, 2015).

Esse artifício é utilizado licitamente pelos empresários, criando uma maneira de valer-se da lacuna deixada pelo legislador. Estimativas traduzem que mais de 70% (setenta por cento) das sociedades limitadas são sociedades fictícias, sendo assim, essa maioria é constituída apenas para preenchimento quantitativo, sem qualquer afeição, ou seja, o affectio societatis. Esses sócios que preenchem simplesmente o numerário para compor a empresa, geralmente utilizam-se de apenas 01% (um por cento) do capital da sociedade, enquanto o empresário propriamente dito valer-se-á de 99% (noventa e nove por cento). No direito brasileiro esses “sócios” são chamados de “laranja” ou “testas de ferro” já, no direito estrangeiro, de “homens de palha” (ABRÃO, 2015).         

Alguns juristas entendem que pela ausência do affectio societatis, a constituição e manutenção dessa sociedade se dá por conduta ilícita. Defende ainda, que a constituição dessas sociedades se enquadra em um negócio jurídico simulado, onde resumidamente é a intenção em desacordo com a vontade interna e a efetivada, ou seja, o sócio majoritário sob aparência de uma “sociedade fictícia” provoca falsa realidade, em um estado não real, na intenção exclusiva de adquirir a responsabilidade limitada.

Entretanto, outra parte dos juristas afirmam que é uma manobra licita, pois não contraria nenhum preceito legal e utiliza-se das lacunas das normas no intuito de atingir a limitação da responsabilidade, em decorrência da não existência de algum tipo societário adequado no ordenamento jurídico.

O termo utilizado para denominar essas sociedades, ou seja, “sociedades fictícias”, é um pouco equivocado, pois trata-se de uma sociedade com pluralidades de sócios, mesmo que de fato seja unipessoal.

Diante do intuito de erradicar essas “sociedades fictícias” foi adotado, primeiramente no direito estrangeiro, o modelo da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Com a Lei 12.411 de 11 de julho de 2011, criou-se o instituto da Eireli. Anteriormente a Eireli, só existia uma forma de uma única pessoa desempenhar atividades empresariais acobertado pelo “manto” da responsabilidade limitada, o modelo de sociedade unipessoal, embora de forma supervenientemente, ou seja, quando por algum eventual fato (falecimento, aquisição total de cotas por um único sócio, etc.) a sociedade empresária deixe de apresentar pluralidade dos sócios, assim, terá que ser reconstituída a pluralidade no prazo de 180 (cento e oitenta dias), sob pena de dissolver-se.

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