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Metodologia jurídica e especificidades da pesquisa jurisprudencial aplicadas às políticas públicas

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4. METODOLOGIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Outro enfoque metodológico repousa no estudo de políticas públicas, na medida em que este se divide em diferentes etapas desde a formulação até a implementação e avaliação. Também a pesquisa de políticas públicas deve compreender que elas, muito comumente, possuem certo engajamento político, uma vez que são técnicas de governo voltadas a solução de problemas sociais.

Assim, o equacionamento metodológico precisa se valer a interdisciplinariedade, dada a transversalidade do tema, tendo em conta que as políticas públicas envolvem uma teia de decisões que buscam alavancar um projeto de desenvolvimento do governo. Com isso em mente, muito importante entender as causas e consequências da (in)ação do governo, igualmente seu caráter normativo e prescritivo [2].

Aqui, pertine ao pesquisador um esforço de neutralidade (ainda que impossível, em abstrato), para se afastar de abordagens enviesadas. Isso porque o estudo científico de políticas públicas necessitará aferir as coinfluências entre o ambiente circundante e a formação da agenda organizacional e eventuais omissões, por exemplo.

Outro ponto que merece destaque, tanto na metodologia jurídica quanto na metodologia das políticas públicas, é que grande parte do objeto de estudo consiste no comportamento de determinado grupo envolvido, bem como na manifestação de poder. Na esteira, isso demanda o reconhecimento das limitações da própria pesquisa, já que sujeita às incertezas de análise comportamental e política. Nada obstante, como já explicado, é um erro pensar que não se podem estudar efeitos de ações político-sociais cientificamente.

O recorte da metodologia no estudo de políticas públicas assume problemas estruturais, pois suscita a investigação sobre os interesses retroalimentados entre coalizões, corporações, instituições e burocracia estatal. Por evidentes razões, a pesquisa não terá acesso documentado a essas informações, podendo apenas deduzir com apoio em comparações de padrões de ação. Tampouco será completa a pesquisa que transcender os bastidores, em que pese a possibilidade de delimitação de análise.

A esse respeito, a omissão de decisões, no campo das políticas públicas, poderá ser objeto de estudo por intermédio da pesquisa de reclamações e demandas. Essa averiguação desvelará a existência de pleitos não tratados na arena política, ou melhor, de conflitos latentes e encobertos filtrados [3].

Além disso, o sopesamento dos grupos beneficiados e prejudicados por determinada política pública específica talvez possa lançar luz sobre os interesses reais que a propulsaram. Decerto, o bloqueio de reivindicações põe em relevo a raiz dos interesses verdadeiros, ainda que mascarados superficialmente. Sob essas lentes, evidente que o estudo dos estratagemas da engenharia social sofrem limites na própria realidade, porém não se trata de matéria de impossível cognição.

Nesse oceano de ideias, a própria metodologia jurídica viabiliza o estudo dos interesses subjacentes ao texto legal, em outras palavras, a busca racional da teleologia da norma transparece a dimensão material. Assim procedendo, consegue-se alcançar minimamente o substrato conjuntural da janela de oportunidade do processo legislativo.

Dadas as dimensões deste trabalho, não se catalogará todas as influências recíprocas entre a metodologia jurídica e a metodologia das políticas públicas. Nessa moldura, pinçou-se aquelas balizas mais relevantes. Apesar disso, é de rigor registrar que COUTINHO (2013, p. 13) destaca que

“(...) o direito pode desempenhar quatro funções básicas na conformação de políticas públicas, que se relacionam com quatro dimensões distintas: (i) direito como objetivo, que representa uma dimensão substantiva, na medida em que ele desempenha o papel relevante de estabelecer os objetivos das políticas públicas; (ii) direito como arranjo institucional, que representa uma dimensão estruturante; (iii) direito como ferramenta, que representa uma dimensão instrumental e (iv) direito como vocalizador de demandas, que representa uma dimensão participativa.

Assim, a metodologia jurídica estuda a espinha dorsal das políticas públicas, isto é, o Direito alicerça os arranjos institucionais das policies. Fundado nesse arcabouço jurídico, as políticas públicas ganham corpo. Todavia, fundamental perceber que a efetividade do Direito é edificada pelo móvel das políticas públicas em uma relação de circularidade. Disso resulta que as políticas públicas são o instrumental de ação funcional do Direito.

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Sem subterfúgios metafísicos, o Direito e as Políticas Públicas são objetos de estudos condicionantes entre si, o que reflete na apreensão da sistemática da metodologia a eles aplicada. Assim, o leitmotiv da metodologia jurídica aplicada às políticas públicas mergulha nos dois campos do saber, exigindo do Pesquisador atenção redobrada às duas tipologias de pesquisa, principalmente os estágios de desenvolvimento da Política Pública.


5. REFLEXÃO SOBRE A NECESSIDADE DE UMA METODOLOGIA JURÍDICA DE ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A importância de uma análise de políticas públicas sob um viés jurídico reside no fato de o direito e as políticas públicas se relacionarem de maneira profunda e indissociável. Isto é, se por um lado, o direito conforma e condiciona as políticas públicas (definindo objetivos, diretrizes e princípios da ação governamental e afetando os microprocessos existentes na formulação e implementação de políticas públicas), por outro lado, as políticas públicas concretizam (e também condicionam) parte significativa dos direitos constitucionalmente previstos (direitos sociais).

Apesar disso, os juristas mantêm distanciamento do tema das políticas públicas e limitam-se a abordar temas sob a ótica eminentemente estrutural (interpretação, regras de competência, legalidade dos atos praticados, limitação da revisão de decisões administrativas pelo Judiciário). Da mesma forma, os cientistas sociais também não tratam sobre o papel do direito no processo de formulação e implementação de políticas públicas de forma adequada, a despeito de enfatizarem elementos que são importantes para a compreensão desse processo.

Segundo BUCCI (2008), conceituar políticas públicas sob o enfoque jurídico é necessário, contudo não é o problema central, pois o mais importante é estabelecer uma metodologia de análise jurídica. Em sua obra “O Conceito de Política Pública em Direito”, ela conclui que é infrutífero propor um conceito jurídico de política pública, tendo em vista que se trata de um tema interdisciplinar.

A autora ressalta que essa metodologia é imprescindível para o aprofundamento teórico da noção e a construção do diálogo com a ciência política, a ciência da administração e a economia, além de também ser necessária para a construção das estruturas analíticas que serão demandadas como suporte para as abordagens práticas.

BUCCI (2008) destaca que as políticas públicas são matérias interdisciplinares por definição, por isso, a apresentação e descrição destas, de acordo com as diferentes visões científicas, são heterogêneas e fogem de um padrão pré-estabelecido. Dessa forma, a análise desse objeto multifacetado mescla técnicas das ciências sociais aplicadas (provenientes da ciência política) com repercussões nos campos da economia e da ciência da administração pública, objetivando aproximar o processo decisório governamental do problema central. Quanto à abordagem jurídica das políticas públicas, ela ressalta que o aparelho estatal é constituído de instituições jurídicas, criadas e conformadas pelo direito. Isto é, toda ação administrativa é vinculada à existência de prévio fundamento legal, assim estabelece o princípio da legalidade administrativa.

Uma metodologia adequada para o trabalho jurídico é aquela que possibilita a descrição e a compreensão de uma determinada ação governamental, segundo as categorias do direito, bem como a análise jurídica do seu processo de formação e implementação, permitindo comparações e críticas aos modos de ação governamental. Para que uma metodologia jurídica seja eficaz, ela deverá esclarecer as formas de incidência dos controles (judiciais ou não) sobre os elementos que compõem a política pública ou sobre as omissões que a cercam. É certo que a expressão “políticas públicas” é dotada de múltiplos sentidos, podendo partir de arranjos governamentais a significações amplas, como a noção de desenvolvimento. Sua origem é fixada por alguns literários na década de 30 do século XX, a partir da demanda de compreensão do novo papel do Estado intervencionista, com o advento do “New Deal”.

Nesse sentido, CASTRO e MELLO (2017) propuseram um estudo em que adotaram uma abordagem interdisciplinar, problematizando o papel do direito nas políticas públicas e tratando das suas diferentes funções bem como da sua capacidade de efetivamente influenciar as condutas dos agentes. Concluíram que a abordagem jurídica de análise de políticas públicas deve adotar uma perspectiva funcional do direito, reconhecendo a complexidade das políticas públicas, que envolvem um conjunto heterogêneo de atores públicos e privados que possuem diferentes motivações e visões acerca dos problemas existentes e soluções possíveis.

5.1. ABORDAGEM CONCILIATÓRIA ENTRE DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

A abordagem jurídica de análise de políticas públicas demonstra-se necessária para que haja um entendimento mais aprofundado da relação entre o direito e as políticas públicas, permitindo avanços analíticos capazes de balizar pesquisas empíricas sobre os diversos temas. Para que tal abordagem seja eficaz de acordo com o estudo dos autores mencionados (CASTRO e MELO, 2017), ela deve partir de duas premissas fundamentais, quais sejam, do entendimento de políticas públicas enquanto arranjos institucionais complexos e de uma visão funcional do direito.

BUCCI (2013) afirma que as políticas públicas são estruturadas por meio de um conjunto de processos que envolvem diversos atores e uma rede de instituições que atuam em diversos níveis, constituindo um complexo sistema de incentivos e desincentivos, limites e encorajamento, cooperação e conflito. Dessa forma, elas podem ser analisadas em três dimensões institucionais distintas: macro-institucional – em que se busca entender o governo, suas funções e os mecanismos de seu funcionamento; meso-institucional – onde o foco está centrado sobre os arranjos institucionais e os seus regimes de efeitos; e micro-institucional – abarca o conceito de ação governamental propriamente dito, debruçando-se sobre os diversos processos que estruturam tais ações.

Os referidos autores salientam que a visão funcional do direito depende da revisão de alguns conceitos jurídicos. A teoria pura do direito de Kelsen é até os dias de hoje um padrão de referência do pensamento jurídico positivista, todavia, ela se desenvolveu de forma fundamentalmente descritiva e não prescritiva. Por ser uma teoria eminentemente estrutural, seu foco incide sobre a análise de como as normas são produzidas, aplicadas e interligadas no âmbito de um sistema normativo, porém os efeitos reais produzidos pela aplicação destas normas é quase que ignorado.

Sob esse viés, o direito é caracterizado como um meio que pode ser usado para atingir diversos fins, afastando-se do caráter funcional do direito, de forma que os resultados reais efetivamente produzidos pela aplicação da lei deixam de ter importância, sendo infrutífera qualquer tentativa de determinar a finalidade do direito. Nesse contexto, BOBBIO (2007, p. 206) ressalta que, quando o direito passou a ser considerado como meio (e não como fim) e definido como específica técnica social, a análise funcional do direito se exauriu. A função do direito é possibilitar a realização dos fins sociais que não podem ser alcançados de outro modo de controle social (mais brando, menos constritivo). Tais fins variam de uma sociedade para outra.

Para eles, a análise das políticas públicas sob o enfoque de uma teoria positivista do direito não é adequada, tendo em vista que tratar de políticas públicas significa também tratar de efetividade de alguns direitos. Sendo assim, a análise de políticas públicas deve se preocupar com o impacto efetivo em relação aos destinatários e deve abranger as diferentes funções das normas jurídicas que estruturam as políticas públicas, o modo e o grau de influência que estas políticas públicas efetivamente exercem na conduta daqueles que compõem seu público-alvo, assim como dos atores responsáveis pela sua formulação e implementação. Ressalte-se que a análise de políticas públicas, sob a ótica jurídica, deve convergir para uma perspectiva funcional do direito, sem se limitar à dinâmica interna de funcionamento da estrutura do ordenamento jurídico, estendendo-se às suas funções e a seus efeitos.

Nesse contexto, de acordo com COUTINHO (2013), o direito pode exercer quatro funções básicas na conformação de políticas públicas, que se relacionam com quatro dimensões distintas: direito como objetivo, que representa uma dimensão substantiva, pois desempenha a função de estabelecer os objetivos das políticas públicas; direito como arranjo institucional, que representa uma dimensão estruturante; direito como ferramenta, que representa uma dimensão instrumental e direito como vocalizador de demandas, que representa uma dimensão participativa. Dessa forma, o autor reconhece, assim o caráter funcional do direito, contribui para a caracterização do arranjo institucional (definição de competências, articulação entre diferentes esferas de políticas públicas, entre outros) e atenta para a necessidade de adequação dos instrumentos jurídicos para efetividade das políticas públicas.

Outro debate fundamental, segundo CASTRO e MELLO (2017), refere-se ao modo pelo qual as políticas públicas exercem influência no comportamento daqueles que compõem seu objeto, quais sejam, os destinatários instrumentais (atores políticos-administrativos responsáveis pela formulação e implementação das políticas públicas) e os destinatários finais (podem ser imediatos: aqueles que sofrerão o impacto direto das políticas públicas; e mediatos: os que serão afetados indiretamente pela intervenção).

CASTRO e MELLO (2017) propõe-se, então, uma construção da perspectiva funcional do direito com base nas lições de BOBBIO (2007) - que ressaltou o desempenho de duas espécies de funções distintas do ordenamento jurídico: a função protetivo-repressiva e a função promocional; do ordenamento jurídico; e de WEBER (1964, p. 252) – que destacou a ordem jurídica como um “complexo de motivações efetivas da atuação humana real” e problematizou “os efeitos das normas sobre comportamentos humanos, analisando a capacidade de a ordem jurídica efetivamente motivar as ações do mundo real”, conforme MELLO (2006). Destacam que a contribuição de Bobbio consistiu em descrever, analiticamente, as características das funções protetivo-repressiva e promocional do direito, sem, contudo, tratar da efetividade de tais funções de forma aprofundada. Já a contribuição de Weber consubstanciou-se em identificar os fatores que movem a ação social dos indivíduos, quais sejam: hábitos (tradição); emoções; interesses (ideais ou materiais), que interagem e coexistem na tomada de decisões, possuem a racionalidade como marca distintiva.

O papel desempenhado pelo sistema jurídico formal-racional conduz a razoáveis condições de certeza jurídica, ao permitir que os agentes econômicos tenham ciência prévia dos resultados jurídicos de suas ações e decisões (MELLO, 2006, p. 51).

Diferentes planos do percurso entre a elaboração de um enunciado normativo até a sua possível produção de efeitos, podem ser explicados por diferentes definições de eficácia, segundo ARAÚJO e MELLO (2016): no plano jurídico-formal, a eficácia traduz a aptidão da norma para produzir efeitos. (FERRAZ JR., 1988, p. 181); no plano da implementação da lei, eficácia se refere à sua aplicação pelos operadores do direito (Judiciário, Administração Pública etc.) para a solução de conflitos concretos (significa que seu descumprimento provoca efetivamente uma sanção punitiva, ou sua observância, uma sanção premial); no plano dos resultados concretos, a eficácia relaciona-se à generalização da conduta prescrita – os destinatários efetivamente se comportam conforme a norma (cumprem as obrigações; praticam as ações incentivadas com sanções premiais); no plano dos resultados sociais, a eficácia de normas se relaciona com a avaliação de impacto de políticas públicas. A eficácia de um complexo de normas componentes de uma política pública depende não apenas da observância real de tais normas, mas de seus resultados sociais (ARAÚJO e MELLO, 2016, pp. 121-22).

Sobre os autores
Lucas Medeiros Gomes

Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Especialista em Regulação na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Defensor Público Federal. Juiz Federal Substituto no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Francisco Toniolo de Carvalho

Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2010). É especialista em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012) e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (2014). Atualmente é mestrando em Direito na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), na área concentração Estado, Sociedade e Políticas Públicas e na linha de pesquisa em Direito, Políticas Públicas e Sustentabilidade. É bolsista da CAPES, realizando pesquisas pelo programa de mestrado. Revisor da Revista Direito das Cidades da UERJ (quais A1). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário e Ambiental, atuando principalmente com os seguintes temas: sustentabilidade, direito ambiental, direito tributário, direito urbanístico, direito administrativo, orçamento participativo e participação popular, e políticas públicas.

Vanessa Trindade Bortolon

Advogada, Graduada na UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro; Pós- Graduada na EMERJ - Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro; Mestranda em Direito e Políticas Públicas na UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Lucas Medeiros; CARVALHO, Francisco Toniolo et al. Metodologia jurídica e especificidades da pesquisa jurisprudencial aplicadas às políticas públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5343, 16 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63137. Acesso em: 22 nov. 2024.

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