Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A compatibilidade lógica entre a qualificadora e o caso especial de diminuição de pena no crime de homicídio e uma incompatibilidade excepcional

Exibindo página 1 de 2
Agenda 15/01/2018 às 16:22

Embora a realidade jurídica indique para a existência do homicídio privilegiado-qualificado, atenção especial deve nortear o operador do direito, pois não se pode considerar como válidas todas as combinações entre privilégios e qualificadoras.

Introdução

O artigo 121 do Código Penal brasileiro, que enuncia o crime de homicídio no direito brasileiro, congloba uma série de circunstâncias que, mediante o evento da subsunção, aderem ao tipo doloso simples da infração com a finalidade de diminuir ou aumentar o grau de reprovabilidade da ação principal, agindo, portanto, como vetor para dosimetria da pena. O crime recebe variados nomes, mantido o tronco comum, que se relacionam às circunstâncias observadas na topografia do referido artigo.

Assim, poder-se-ia observar as figuras do homicídio simples (artigo 121, caput), homicídio privilegiado (artigo 121, § 1º), homicídio qualificado (artigo 121, § 2º) e homicídio culposo (artigo 121, § 3º).

Para além da topografia legal, a doutrina e a jurisprudência nacionais têm admitido, como assevera Guilherme de Souza NUCCI (...) a admissão da forma privilegiada-qualificada, desde que exista compatibilidade lógica entre as circunstâncias[1].

O construído ideal apontado é algo extra lei penal. Mas não se trata de uma realidade extralegal e, assim, desenvolvida conforme normas insertas no ordenamento jurídico pátrio, na medida em que sua existência jurídica poderá ser notada no § 3º do artigo 483 do Código de Processo Penal, que prescreve:

Art. 483.  Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I – a materialidade do fato; II – a autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido; IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. § 1o A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado. § 2o Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado? § 3o Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre: I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa; II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. § 4o Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2o (segundo) ou 3o (terceiro) quesito, conforme o caso. § 5o  Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri, o juiz formulará quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo quesito. § 6o Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão formulados em séries distintas (grifo nosso).

O instituto do privilégio se insere na chamada causa de diminuição de pena. Caso de diminuição de pena é o verdadeiro nomen juris da figura do homicídio privilegiado, o qual enuncia o § 1º do artigo 121 do Código Penal desde sua publicação, nos anos 1940. Vale recordar, por fim, que a Lei de introdução ao código de processo penal (Decreto Lei n. 3.931/41), em seu artigo 7º, nomeia o homicídio privilegiado como causa especial de diminuição de pena.

Esclarecida a variada nomenclatura empregada pela doutrina e pela lei para caracterizar o referido instituto, pode-se avançar o estudo com a análise do supracitado artigo 483 do Código de Processo Penal, que indica a possibilidade de caracterizar o homicídio privilegiado-qualificado no âmbito doutrinário e, também, na realidade concreta dos julgamentos pelo Tribunal do Júri.

A primeira parte do § 3º do artigo 483 do Código de Processo Penal prescreve que, iniciada a votação dos quesitos em sala especial e verificada a resposta afirmativa de ao menos quatro jurados aos quesitos relativos à materialidade e à autoria delitiva, negada a absolvição do acusado, o Juiz Presidente deverá iniciar a votação de novo quesito, que versa sobre a existência de uma das causas especiais de diminuição de pena previstas pelo artigo 121, § 1º, do Código Penal, e, superada tal etapa, o cotejo pelos Jurados das qualificadoras e das causas de aumento de pena.

Condenado o acusado, com a resposta positiva aos quesitos vinculados à materialidade do crime consumado ou tentado e à autoria, restando, ademais, admitida pelo Conselho de Sentença a existência da circunstancia privilegiada e, por fim, de alguma das qualificadoras previstas pelo § 2º, do artigo 121, do Código Penal, observar-se-á o chamado homicídio privilegiado-qualificado.

Embora a realidade jurídica acima descrita indique para a existência da referida figura, um cuidado especial deve nortear o operador do direito, pois não se pode considerar como válidas todas as combinações de causas especiais de diminuição de pena com as qualificadoras do crime de homicídio doloso. Apenas combinações lógicas podem ser realizadas e, assim, sustentar a existência do instituto do homicídio privilegiado-qualificado na seara doutrinária e concreta propriamente dita, quando da aplicação do direito ao caso concreto.

A compatibilidade lógica acima indicada se revela na conjunção de um dos casos de privilégio de perfis eminentemente subjetivos, e uma ou mais qualificadoras de perfil objetivo. Nesse sentido, a lição de Guilherme de Souza NUCCI:

Como regra, pode-se aceitar a existência concomitante de qualificadoras objetivas com as circunstâncias legais do privilégio, que são de ordem subjetiva (motivo de relevante valor e domínio de violenta emoção). O que não se pode acolher é a convivência pacífica das qualificadoras subjetivas com qualquer foram de privilégio, tal como seria o homicídio praticado, ao mesmo tempo, por motivo fútil e por relevante valor moral. Convivem, em grande parte, harmoniosamente as qualificadoras dos incisos III e IV com as causas de diminuição de pena do § 1º. Não se afinam as qualificadoras dos incisos I, II e V com as mesmas causas[2].

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Uma incompatibilidade lógica se verificaria se o jurista, em nível acadêmico, ou o jurado, durante o julgamento do meritum causae, reconhecessem a possibilidade de coexistir em uma mesma sentença dois móveis diversos para o crime de homicídio, um deles reles ou vil e outro, digno da condescendência legal, ou, ainda, considerar o mesmo móvel para fundamentar ambas as circunstâncias. Poder-se-ia, ainda, indicar a incompatibilidade lógica da composição de uma hipótese de homicídio privilegiado-qualificado tendo como circunstância qualificadora algumas daquelas previstas pelos incisos VI e VII do § 2º, do Código de Penal brasileiro, vale dizer, a do feminicídio e do crime praticado contra agente de segurança estatal ou de seus familiares por conta da investidura daquele em sua função pública, haja vista a alta carga volitiva envolvida na determinação da prática do crime relativo a tais circunstâncias.

Damásio de JESUS, que se manifesta pelo reconhecimento jurídico do instituto do homicídio privilegiado-qualificado, alerta seus leitores sobre os possíveis casos de incompatibilidade na vinculação entre os casos de diminuição de pena com as circunstâncias qualificadoras de caráter subjetivo:

De acordo com nossa posição, o privilégio não pode concorrer com as qualificadoras de natureza subjetiva. Não se compreende homicídio cometido por motivo fútil e, ao mesmo tempo, de relevante valor moral. Os motivos subjetivos determinantes são antagônicos. O privilégio, porém, pode coexistir com as qualificadoras objetivas. Admite-se homicídio eutanásico cometido mediante veneno. A circunstâncias do relevante valor moral (subjetiva) não repele o elemento exasperador objetivo. O mesmo se diga do fato de alguém atar de emboscada e impelido por esse motivo[3].

Custódio da Silveira, em respeitável lição, discorda do posicionamento acima indicado, negando a possibilidade de reconhecer o instituto do homicídio privilegiado-qualificado, integralmente, ao afirmar que

... foi propositadamente, e, a nosso ver, com acerto que o Código fez preceder o dispositivo concernente ao privilégio ao das qualificadoras. Não admite ele o homicídio qualificado-privilegiado, por considerá-lo forma híbrida, enquanto reconhece a compossibilidade do mesmo privilégio nas lesões corporais graves, gravíssimas e seguidas de morte, onde não há realmente antagonismo algum[4].

Haveria, ainda, mais uma exceção à regra acima defendida, nesse caso uma incompatibilidade erigida entre o caso privilegiado, notadamente subjetivo, e uma qualificadora de caráter objetivo, prevista pelo artigo 121, § 2º, IV, in fine, do Código Penal, que revela o homicídio praticado de maneira a dificultar ou impossibilitar a defesa do ofendido. Trata-se de um posicionamento doutrinário consagrado, como abaixo se verifica:

Excepcionalmente, pode ser incabível, conforme o caso concreto, a coexistência entre uma qualificadora objetiva e o privilégio. Tal aconteceria, por exemplo, quando violentamente emocionado, sem equilíbrio e de inopino, o agente, logo após injusta provocação, reage, matando a vítima. Embora, em tese, se possa sustentar que o ataque ocorreu de surpresa, dificultando a defesa do ofendido, é preciso destacar que a provocação injusta foi motivo suficiente para uma reação súbita. Assim a lição de Dirceu de Mello: “Inexpugnável é a contradição entre o homicídio privilegiado e a qualificadora do uso do recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido. Isto porque, naquele, a execução é subitânea, imprevista, tempestuosa, circunstâncias que não se compadecem com os temperamentos racionais que ditam o método ou o meio de execução sempre precedidos de processo mental ordenado”[5].

A objetividade do modus operandi empregado para descrever a parte final do inciso IV do § 2º do artigo 121, do Código Penal brasileiro, pode ser questionada de forma válida. Se não constitui hipótese de qualificadora subjetiva, deve-se, ao menos, reconhecer o caráter híbrido da norma, na medida em que, conforme posicionamento doutrinário pacífico, a ação inopinada se reveste das características de insídia[6]. Trata-se, portanto, de ação orquestrada pelo agente no sentido de reduzir ou dificultar a defesa do ofendido, não se podendo, dessa forma, afastar o elemento volitivo, o qual, ainda, caracteriza a maior reprovabilidade da ação humana e a estabelece, normativamente, em circunstância qualificadora. Observa, nesse sentido, Guilherme de Souza NUCCI:

Note-se que todo ataque tem uma dose natural de surpresa, pois, do contrário, seria um autêntico duelo. Não se costuma cientificar a vítima de que ela será agredida, de forma que não é o simples fato de iniciar um ataque de súbito que faz nascer a qualificadora. É indispensável a prova de que o agente teve por propósito efetivamente surpreender a pessoa visada, enganando-a, impedindo-a de se defender ou, ao menos, dificultando-lhe a reação.  É a presença do elemento subjetivo abrangente (...)[7].  

Damásio de JESUS também insere a referida qualificadora no rol das subjetivas:

As circunstâncias legais contidas na figura típica do homicídio privilegiado são de natureza subjetiva. Na do homicídio qualificado, algumas são objetivas (§ 2º, III e IV, salvo a crueldade), outras, subjetivas (ns. I, II e IV)[8].

O desacordo entre o caso especial de diminuição de pena contido na parte final do § 1º do artigo 121 e da qualificadora prevista na parte final do inciso IV do § 2º do artigo 121, ambos do Código Penal brasileiro, dar-se-ia, portanto, pelo simples reconhecimento da incompatibilidade lógica entre a resposta imediata do violentamente emocionado após injusta provocação da vítima, ou, ainda, pelo reconhecimento dessa incompatibilidade pela presença destacada de elemento subjetivo também na qualificadora em comento, que exige, para sua caracterização fática, prova de conduta insidiosa do agente. O reconhecimento, portanto, do privilégio apenas na figura indicada pela parte final do § 1º do artigo 121 excluiria a possibilidade do reconhecimento da ação inopinada tendente a majorar a penalidade concretamente imposta ao condenado. O elemento subjetivo abrangente, nesse sentido, compreende todos os elementos objetivos do tipo penal, o que inclui as qualificadoras de natureza objetiva (incisos III e IV do § 2º do art. 121)[9].

A jurisprudência nacional disside ao se manifestar sobre a exceção acima revelada. Observa-se, pois, julgados favoráveis e contrários no âmbito do E. Tribunal de Justiça de São Paulo. Exemplo de decisão favorável se encontra no bojo dos autos de apelação criminal n. 990.08.072077-5, que tramitaram perante a Colenda 10ª Câmara de Direito Criminal da referida Corte, em acórdão da lavra do Desembargador Ciro Campos, em 26 de novembro de 2008. Contrariamente, a Corte se manifestara em outras oportunidades:

Homicídio qualificado privilegiado Nulidade do Julgamento Menção ao silêncio do acusado nos debates Afastamento - Materialidade e autoria bem definidas Convivência da figura privilegiada com a qualificadora objetiva do emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima Possibilidade - Penas ajustadas - Recurso a que se dá parcial provimento (TJSP. Apel. 0000048-07.2015.8.26.0495. 1ª Câmara de Direito Criminal. Rel. Des. Ivo de Almeida).

E

Apelação Homicídio qualificado privilegiado Recurso da defesa Anulação do julgamento Incompatibilidade entre a violenta emoção e o emprego recurso que dificultou a defesa da vítima Descabimento Possibilidade da coexistência do privilégio (cunho subjetivo) com a qualificadora de natureza objetiva Precedentes Decisão que não se mostrou manifestamente contrária às provas dos autos Condenação mantida. Dosimetria da pena Abrandamento do regime prisional Impossibilidade Circunstâncias judiciais desfavoráveis Pena final de 08 anos de reclusão Regime inicial fechado de rigor. Sentença mantida Recurso não provido (TJSP. Apel. 0000736-86.2005.8.26.0052. 11ª Câmara de Direito Criminal. Rel. Des. Salles Abreu. DJ 02 de julho de 2014).

O E. Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, apresenta posicionamento majoritário no sentido de admitir a compatibilidade entre as partes finais dos §§ 1º e 2º do artigo 121, não vislumbrando, assim, a exceção acima descrita, como abaixo se observa:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO-QUALIFICADO. POSSIBILIDADE. JÚRI. TESTEMUNHA. AUSÊNCIA. NULIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. FALHA DO PODER JUDICIÁRIO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A possibilidade de um homicídio privilegiado pela violenta emoção ser qualificado pelo emprego de recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido é entendimento pacífico da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. Não há nulidade proveniente da ausência de testemunha reputada imprescindível, quando não encontrada no local indicado pelo interessado em sua oitiva. 3. Impossibilidade de exame das alegações de falha do Poder Judiciário quanto à não-localização da testemunha, por exigirem revolvimento do contexto fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental improvido (STJ. AgRg no Ag 1140372 / SC. Quinta Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. DJ 01 de outubro de 2010).

E

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO. DOMÍNIO DE VIOLENTA EMOÇÃO. RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO. CIRCUNSTÂNCIAS DE NATUREZA DIVERSA. COMPATIBILIDADE. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. 1. É firme o entendimento deste Superior Tribunal no sentido de que, sendo a qualificadora de caráter objetivo, não haveria, em princípio, nenhum impeditivo para a coexistência com a forma privilegiada do homicídio, vez que ambas as hipóteses previstas no § 1º do art. 121 do CP são de natureza subjetiva. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. PRIVILÉGIO. FRAÇÃO DE REDUÇÃO. PLACAR DE VOTAÇÃO. ARGUMENTO INIDÔNEO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO NESSE PONTO. 1. A escolha do quantum de redução de pena pelo privilégio deve se basear na relevância do valor moral ou social, na intensidade do domínio do réu pela violenta emoção, ou no grau da injusta provocação da vítima.

2. Não constitui fundamentação idônea a aplicação da fração mínima de 1/6 (um sexto) tão somente com base no critério de proporção dos votos dos jurados. ATENUANTE GENÉRICA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO AQUÉM DO PISO LEGALMENTE PREVISTO. SÚMULA 231 DESTA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Inviável considerar ilegal o acórdão objurgado no ponto em que, em razão da atenuante genérica da confissão espontânea, não reduziu a reprimenda do paciente aquém do mínimo legalmente previsto em lei, em estrita observância ao enunciado na Súmula 231 desta Corte Superior de Justiça. 2. Habeas corpus parcialmente concedido, apenas para alterar a fração de redução de pena pelo privilégio de 1/6 (um sexto) para 1/3 (um terço), tornando a sanção do paciente definitiva em 8 (oito) anos de reclusão (STJ. HC 129726/MG. Quinta Turma. Rel. Min. Jorge Mussi. DJ 09 de maio de 2011).

O Pretório Excelso, de maneira geral, reconhece a compatibilidade entre as referidas circunstâncias, afastando, assim, a exceção apontada:

EMENTA: HABEAS-CORPUS. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO- QUALIFICADO: POSSIBILIDADE, MESMO COM O ADVENTO DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS. PENA-BASE: FIXAÇÃO A PARTIR DA MÉDIA DOS EXTREMOS COMINADOS, OU DA SUA SEMI-SOMA, E FUNDAMENTAÇÃO; PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. 1. A atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite a possibilidade de ocorrência de homicídio privilegiado- qualificado, desde que não haja incompatibilidade entre as circunstâncias aplicáveis. Ocorrência da hipótese quando a paciente comete o crime sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, mas o pratica disparando os tiros de surpresa, nas costas da vítima (CP, art. 121, § 2º, IV) A circunstância subjetiva contida no homicídio privilegiado (CP, art. 121, § 1º) convive com a circunstância qualificadora objetiva "mediante recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima" (CP, art. 121, § 2º, IV). Precedentes. A superveniência das Leis nºs. 8.072/90 e 8.930/94, que tratam dos crimes hediondos, não altera a jurisprudência deste Tribunal, observando-se que no caso do homicídio qualificado não foi definido um novo tipo penal, mas, apenas, atribuída uma nova qualidade a um crime anteriormente tipificado. 2. A quantidade da pena-base, fixada na primeira fase do critério trifásico (CP, arts. 68 e 59, II), não pode ser aplicada a partir da média dos extremos da pena cominada para, em seguida, considerar as circunstâncias judiciais favoráveis e desfavoráveis ao réu, porque este critério não se harmoniza com o princípio da individualização da pena, por implicar num agravamento prévio (entre o mínimo e a média) sem qualquer fundamentação. O Juiz tem poder discricionário para fixar a pena-base dentro dos limites legais, mas este poder não é arbitrário porque o caput do art. 59 do Código Penal estabelece um rol de oito circunstâncias judiciais que devem orientar a individualização da pena-base, de sorte que quando todos os critérios são favoráveis ao réu, a pena deve ser aplicada no mínimo cominado; entretanto, basta que um deles não seja favorável para que a pena não mais possa ficar no patamar mínimo. Na fixação da pena-base o Juiz deve partir do mínimo cominado, sendo dispensada a fundamentação apenas quando a pena-base é fixada no mínimo legal; quando superior, deve ser fundamentada à luz das circunstâncias judiciais previstas no caput do art. 59 do Código Penal, de exame obrigatório. Precedentes. 3. Habeas-corpus deferido em parte para anular o acórdão impugnado e, em consequência, a sentença da Juíza Presidente do Tribunal do Júri, somente na parte em que fixaram a pena, e determinar que outra sentença seja prolatada nesta parte, devidamente fundamentada, mantida a decisão do Conselho de Sentença (STF. HC 76.196/GO. Segunda Turma. Rel. Min. Maurício Correa. DJ 29 de setembro de 1998) (Grifo Nosso).

E

EMENTA: HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA E O PRIVILÉGIO. INEXISTÊNCIA DO INTERVALO TEMPORAL NECESSÁRIO PARA A CONFIGURAÇÃO DA QUALIFICADORA. AUSÊNCIA DE QUESITO REFERENTE À DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. 1. A jurisprudência do STF admite a possibilidade de homicídio privilegiado-qualificado, desde que não haja incompatibilidade entre as circunstâncias do caso. O recurso utilizado para atingir a vítima "é realidade objetiva, pertinente à mecânica do agir do infrator" (HC 77.347, HC 69.524, HC 61.074). Daí a inexistência de contradição no reconhecimento da qualificadora, cujo caráter é objetivo (modo de execução do crime), e do privilégio, afinal reconhecido (sempre de natureza subjetiva). 2. Na tentativa de homicídio, respondido afirmativamente que o agente só não consumou o delito por circunstâncias alheias à sua vontade, não há lógica em se questionar de desistência voluntária, que somente se configura quando o agente "voluntariamente desiste de prosseguir na execução" (art. 15 do Código Penal). Habeas corpus indeferido (HC 89921/PR. Primeira Turma. Rel. Min. Ayres Brito. DJ 28 de abril de 2004).

Recentemente, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo aprovou a tese institucional n. 101, no sentido de referendar a existência da exceção e sugerir aos seus membros a adoção de posturas adequadas a aclarar a incompatibilidade lógica entre a o caso de privilegio motivado por violenta emoção logo após injusta provocação da vítima e a qualificadora do recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido[10].

Maneira legítima de arguir a incompatibilidade lógica da figura excepcional compreende a afirmação pura e simples, durante os debates orais em plenário de Júri, perante os Juízes naturais da causa, postulando que, no mérito, seja admitida a incompatibilidade e, assim, reconhecendo-se o caso privilegiado com o afastamento da qualificadora. Contudo, a postura técnica e mais adequada consiste em dirigir o pleito diretamente ao Juiz Presidente quando do final da manifestação em debate, após a leitura dos quesitos em plenário (artigo 484 do Código de Processo Penal) ou, ainda, durante a votação na sala especial. No último caso, após verificada a votação relativa à causa especial de diminuição de pena (artigo 483, § 3º, I, do Código de Processo Penal) e antes de iniciar a votação do quesito seguinte, que versaria sobre a existência de circunstância qualificadora, o profissional habilitado para a defesa técnica do réu deve requerer seja considerada prejudicada a votação do quesito seguinte. Em sendo o requerimento indeferido, deverá o profissional de defesa, sugerindo-se o cuidado de fazer constar o requerimento e a decisão na ata dos trabalhos, postular perante Superior Instância a declaração de nulidade do julgamento em face das respostas contraditórias aos quesitos apresentados e admitidos, os quais logicamente incompatíveis.

A referida nulidade é considerada de caráter absoluto[11].

O Juiz Presidente poderá, ex officio, evitar a ocorrência da referida contradição, com fundamento no artigo 490, paragrafo único, do Código de Processo Penal, que o autoriza a declarar a prejudicialidade dos quesitos seguintes a uma resposta positiva, haja vista a incompatibilidade entre eles:

Art. 490.  Se a resposta a qualquer dos quesitos estiver em contradição com outra ou outras já dadas, o presidente, explicando aos jurados em que consiste a contradição, submeterá novamente à votação os quesitos a que se referirem tais respostas. Parágrafo único.  Se, pela resposta dada a um dos quesitos, o presidente verificar que ficam prejudicados os seguintes, assim o declarará, dando por finda a votação.

Sobre o autor
Ricardo Cesar Franco

Defensor Público do Estado de São Paulo, nível IV, que atua perante o E. Tribunal de Justiça Militar de São Paulo. Pós-graduado em Direito Processual Coletivo. Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP. Professor de Filosofia do Direito Penal e de Direito Processual Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!