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Policiais mortos e Tolerância Zero versus Descriminalização das drogas

Agenda 29/01/2018 às 14:55

A sociedade quer segurança pública, mas os policiais não conseguem controlar os avanços (administrativo, logístico, bélico e "recrutamento") dos narcotraficantes. Além disso, os encarceramentos se tornaram "Universidades do Crime".

Os dígitos quantos aos policiais mortos aumentam. Fato. No documentário São Paulo Sob Ataque, de 2006, a fragilidade da segurança pública. No Rio de Janeiro, a situação não é diferente. Ou seja, o crime aumentou. 

Uma guerra sem fim? Por que policiais morrem? E por que os traficantes morrem? Antes da Guerra às Drogas, iniciada pelo ex-presidente norte-americano Richard Nixon. Para Nixon, os EUA estavam sob ameaça comunista e a Guerra deveria garantir segurança nacional. A Guerra às Droga teve adesão dos países que faziam parte do bloco capitalista. Estranhamente, nos EUA, na época de Nixon, os afrodescendentes usavam maconha, e foram eles presos.

No Brasil, p.ex., a maconha fora trazida pelos escravos. Nesse mesmo período da História do Homo Sapiens Sapiens Conflictus, a maconha era comercializada na Europa — um dos motivos da guerra entre a Inglaterra e sua colônia (EUA) fora o cultivo de tabaco nos EUA, contrariando determinação da Inglaterra para cultivar maconha na recente colônia. Na Europa, a maconha servia para diversas finalidades: produção de roupas; velas para as embarcações; óleo para as luminárias; remédios.

No Brasil, Pedro Luiz Napoleão Chernoviz (1812-1881) indicava em seu Formulário e guia médico cigarrilhas de maconha para combater a bronquite crônica em crianças, além da asma e tuberculose. Mas o médico alertava que o uso contínuo da erva poderia gerar “um estado de marasmo e imbecilidade”, aspecto que até o início do século 20 ainda era visto como um efeito colateral do medicamento maconha. (Cadernos SBPC. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/58ra/pdf/5%20Medicina%20&%20Sa%FAde.pdf)

O uso da maconha está associado à degeneração moral, assim como outras drogas ilícitas (heroína, LSD etc.). Analisando os movimentos eugenistas (eugenia negativa) no início do século XX, é de se considerar que — nos EUA, até os anos de 1970, mulheres, em sua maioria negras e hispânicas, eram, compulsoriamente esterilizadas pelo Estado para não gerarem mais descendentes problemáticos (criminosos potenciais etc.) — as políticas antidrogas também tinham como meta, além dos interesses políticos na Guerra Fria, de se evitar contínua gênesis de criminosos futuros. Claro, os 'indesejáveis' cidadãos (negros e hispânicos) deveriam logo ser presos (encarceramento).

No Brasil, a Guerra às Drogas se fixou nos cidadãos moradores das favelas, atualmente chamadas de comunidades carentes. Durante o militarismo brasileiro (1964 a 1985), o 'maconheiro' deveria ser preso para garantir segurança pública. Estranhamente, somente os moradores das favelas, na maioria das vezes, eram presos. Durante o Golpe Militar (1964 a 1985), a contracultura — passeata estudantil em 1968, no Rio de Janeiro — associou o consumo de drogas à liberdade. Esse movimento 'libertário' (Filosofia Libertária) é explicável pelo seguinte motivo: o uso de droga (como maconha e LSD) era dito como degeneração cultural, que tinha forte motivação religiosa e eugenista.

Muito antes disso tudo, a Guerra às Drogas, e principalmente quem consumia, já era aplicada no Brasil pela Ordenações Filipinas:

(...) o meio coercitivo era bem rigoroso com os infratores, isto é um reflexo daquele momento, ou seja, da época e meio social. Não obstante, nas Ordenações Filipinas o rigor era tamanho, que em infrações meramente morais, se culminavam penas privativas de liberdade e até penas cruéis, bem como a pena de morte para certos delitos. As Ordenações Filipinas, por sua vez, vigoraram até 1830, quando entrou em vigor o Código Criminal do Império do Brasil. (GONÇALVES, Antonio Vicente. PANORAMA HISTÓRICO DA LEI DE DROGAS. Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/3971/3733)

DROGA, EFEITOS, SEGURANÇA PÚBLICA E CUSTOS SOCIOECONÔMICOS

Não é preciso usar droga (s) para saber seus efeitos, por mais que estes variem de pessoa para pessoa. Mesmo assim, há grupos discutindo sobre a autonomia da vontade da pessoa em usar o que quiser, já que 'o único prejudicado será ele mesmo'. É visível na frase 'o único prejudicado será ele mesmo' que, sim, a droga faz mal. As drogas psicoativas (maconha, cocaína, álcool etc.), por si mesmas, já representam perigo concreto quando o usuário resolve, por exemplo, conduzir automotor. Discute-se a possibilidade, imediata, da aplicação do dolo eventual ao dirigir automotor sob efeito de drogas psicoativas.

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A mídia informa sobre os desastres de trânsito envolvendo, principalmente, ingestão de álcool e condução veicular. Há casos aberrativos quando no local do acidente o autor do acidente está embriagado e existem garrafas de bebidas contendo metade da quantidade de álcool. Os cidadãos que são flagrados sob efeito de álcool invocam seus direitos constitucionais (art. 5º, I, X, XLIX, LXIII, e §§ 2º e 3º, da CRFB de 1988 — no caso dos parágrafos: art. 8º, II, g, do Pacto de São José da Costa Rica). Se é um direito, também é um dever (art. 1º, III, 3º, e §§ 2º e 3º, da CRFB de 1988) zelar pela paz social. Por isso, alguns doutrinadores criminalistas asseveram que, em caso de acidentes de trânsito, quando condutor está sob efeito de droga psicoativa, o crime deve ser considerado pelo viés do dolo eventual.

Porém, imenso imbróglio surge. E quanto aos usuários de crack? Poder-se-ia aplicar o dolo eventual quando cometessem alguma infração penal (furto, roubo etc.)? Se o Estado brasileiro aplicar o Direito Penal Máximo (Tolerância Zero), quantos novos presídios serão necessários? Quais os custos sociais e econômicos futuros?


O PODER PELO PODER

É notório, pelos noticiários, policiais envolvidos com os traficantes de drogas. Se há policiais ilibados, estes estão sendo sumariamente prejudicados, e até mortos, pelas ações dos policiais improbos. Ou seja, investidos de poderes conferidos provisoriamente pelo Estado, os policiais devem agir (supremacia do interesse público) e proteger os cidadãos imaculados, desde o momento que estes não são flagrados — disto, a cifra negra. A presunção de veracidade do ato do policial, no exercício de sua função, garante certa 'imunidade'. Assim, o cidadão (administrado, jurisdicionado) que é flagrado em infração penal terá que provar sua inocência. O problema é que os policiais criminosos se aproveitam dessa 'imunidade' para cometerem crimes, como silenciar o morador delator. O morador de favela tem que ficar calado — sua liberdade de expressão e sua conduta de preservar o civismo já não são garantidas, assim como outros direitos —, por dois motivos: a arma do policial criminoso e a arma do traficante.

O poder do traficante não se deve apenas na ousadia, no armamento sofisticado, mas no poder conferido pelos policiais criminosos. Ora, o que se tem disto tudo? Caos:

As balas perdidas não existem por 'milagre', elas são fruto de produções da Indústria Bélica. Dizer que a Indústria é culpada por produzir armamento é dizer que qualquer indústria que produza faca de cozinha é responsável pelas mortes de pessoas esfaqueadas. Não tem lógica.

Fim do Estatuto do Desarmamento. Todas as pessoas terão, com facilidade, como ocorre nos EUA, de possuir arma de fogo. Contudo, pelas desigualdades sociais no Brasil, quais cidadãos terão condições financeiras para comprar arma de fogo? Seria necessário algum programa social do governo federal para que as famílias, entre miséria e mínimo existencial, pudessem adquirir armas de fogo. Algo impensável, já que os programas sociais não garantiram, substancialmente, o fim da miséria no Brasil — isto devido aos corruptos políticos, da maioria dos partidos, e dos corruptos empresários. Arma na mão, um pão com manteiga por dia, como única refeição.

O problema da criminalidade não está na arma em si, mas nos conluios entre policiais criminosos — agem, mas ainda não foram flagrados — e traficantes de drogas — que já constituem uma máfia, nada comparado aos primeiros traficantes: zelar, proteger, prover as necessidades dos moradores das favelas. Se antes os traficantes de droga agiam pensando nos moradores, desde que estes ficassem calados, agora é bem diferente. Antes das mudanças estruturais nas facções criminosas existia um Código do Tráfico:

Os moradores se beneficiavam da proteção, contra os policiais, e dos 'presentes' dos traficantes. Ligações clandestinas de água potável, de energia elétrica, já que o Estado nada fazia para garantir os direitos humanos dos moradores, garantiam paz entre traficantes e moradores. O roubo de carga servia para dois propósitos: compra de armas de fogo, pelos traficantes, e distribuições aos moradores. Com o passar dos anos, as novas gerações de traficantes entenderam que o Código não era tão atrativo para eles: o lucro deveria aumentar, o poder em suas mãos também deveria aumentar. Se os moradores eram respeitados, providos e protegidos, agora são meros escudos humanos para as incursões policiais. Alguns traficantes ainda pensam e agem conforme o Código, porém são minorias.

Não à toa, o Disque Denúncia tem demonstrado que os moradores de localidades tomadas pelos traficantes de drogas estão cansados das violências: confrontos entre traficantes rivais; abusos de traficantes locais; confrontos entre policiais e traficantes; confrontos ente policiais criminosos e traficantes.

Se os policiais criminosos, conjuntamente com os traficantes que não seguem o Código, representam problemas para a (in)segurança pública, toda a Máquina do Tráfico repousa sobre descasos, por séculos, do Estado e da sociedade que se considera 'superior'. Enquanto as mortes ficavam restritas aos morros, os 'bons cidadãos' dos 'asfaltos' (não moradores das favelas e morros) contribuíam (procura e demanda) para o fortalecimento do narcotráfico no Brasil. Quantos 'bons cidadãos dos asfaltos' traficam e não estão presos? Pouquíssimos. Por quê? Porque os criminosos natos estão nas favelas, nos morros e nas periferias, não nos centros urbanos dos guetos considerados 'isentos de qualquer suspeita'. Este estigma garantiu que as classes média e alta — estou me referindo à antiga pirâmide social — consumissem drogas, sem que fossem consideradas como criminosas. É de se considerar que havia certo contrato social diferenciador, isto é, os policiais não deveriam arrombar portas, abordar moradores das classes média e alta. O etiquetamento de criminoso tinha semblante, indumentária, cor e trejeitos caracterizadores de criminosos em potencial.


O FUTURO

O futuro quanto à paz no Brasil é incerto, por vários motivos:

Em Portugal, por exemplo, a polícia não age como a polícia brasileira. Lá, o Estado e a sociedade portuguesa entenderam que a Guerra às Drogas não traz nenhum benefício, contudo, prejuízos sociais, econômicos. Há campanhas educativas quanto ao uso de drogas, não mais consideradas ilícitas. O Sistema de Saúde português é bem melhor do que o Sistema de Saúde (SUS) brasileiro. Tem-se, então: educação ao convívio social; políticas públicas não repressivas ao consumo de drogas; não associar o consumidor como sendo criminoso; assistência aos dependentes químicos, e não visão social de que são 'parasitas sociais' ou 'fracos de espírito'; controle do Estado garantindo autonomia da vontade, sem que a autonomia de um macule a autonomia de outro. Até o momento, a política portuguesa tem dado certo.


REFERÊNCIA:

BRASIL — Senado Federal. História do combate às drogas no Brasil. Disponível em: https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/dependencia-quimica/iniciativas-do-governo-no-...

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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