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Do contrato de seguro no Direito brasileiro e a interpretação de suas cláusulas limitativas em face ao Código de Defesa do Consumidor

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4 - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO CONTRATO DE SEGURO

          Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, os contratos de consumo em que as relações que ligam o consumidor ao profissional, fornecedor de bens ou serviços sofreram enormes transformações, com o intuito de preservar um provável desequilíbrio entre as partes contratantes, tal seja o consumidor. Com a promulgação da Constituição Federal de 1.988, entre os direitos individuais, está inserida a norma que prevê a defesa do consumidor, no artigo 5º, XXXII: O Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor.

          Na referida Carta Magna, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu artigo 48, ficou determinado que o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.

          Diante de tal previsão constitucional, adveio o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), cuja necessidade é de regular as "relações de consumo". Nas relações contratuais, o citado Código regula-as, de maneira a assegurar um justo equilíbrio dos direitos e obrigações das partes contratantes, e desta forma, harmonizando as forças do contrato através desta regulamentação especial.

          Nos contratos, ocorre o grande problema do desequilíbrio flagrante de forças dos contratantes. Uma das partes é muito vulnerável, hipossuficiente, é o pólo mais fraco da relação contratual, pois esta parte não pode discutir o conteúdo do contrato; mesmo com conhecimento de que determinada cláusula é abusiva, restando somente a opção de aceitar o contrato nas condições que lhe é oferecida pelo fornecedor.

          No entanto, o novo direito dos contratos está evitando que tal desequilíbrio ocorra, procurando a equidade contratual entre as partes. A ilustre Prof. Dra. Cláudia Lima Marques (7) revela a importância dos contratos de seguro para tornar o direito dos contratos mais social, a fim de tornar o desequilíbrio entre as partes menos alarmante:

          Os contratos de seguro foram responsáveis por uma grande evolução jurisprudencial no sentido de conscientizar-se da necessidade de um direito dos contratos mais social, mais comprometido com a eqüidade e menos influenciado pelo dogma da autonomia da vontade.

          As linhas de interpretação asseguradas pela jurisprudência brasileira aos consumidores matéria de seguros são um bom exemplo da implementação de uma tutela especial para aquele contratante em posição mais vulnerável na relação contratual.

          No contrato de seguro, esta vulnerabilidade do contratante também está presente, ou seja, há um enorme diferencial entre as partes contratantes; entretanto com o surgimento do Código de Defesa do Consumidor vem ocorrendo uma conscientização da necessidade de uma relação contratual mais social, com o comprometimento com a equidade do que influenciado pela manifestação da autonomia da vontade.

          Deste modo, estas relações de consumo necessitavam de uma intervenção regulamentadora do legislador, qual seja a intervenção de reequilíbrio, mormente agora instrumentalizado com as normas do C.D.C.

          A atividade securitária está abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor, em face do artigo 3º, inciso 2º, incluindo como serviço para proteção e defesa do consumidor.

          O inciso acima mencionado define serviço como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

          Diante de tal artigo, verifica-se a aplicabilidade do Código de Proteção do Consumidor aos contratos de seguro. O renomado José Geraldo Brito Filomeno (8), um dos autores do anteprojeto do Código, faz uma clara colocação sobre o assunto: Aliás, o Código fala expressamente em atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, aqui se incluindo igualmente os planos de previdência privada em geral, além dos seguros propriamente ditos, de saúde, etc.

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          A Prof. Cláudia Lima Marques (9), em seu posicionamento sobre os contratos submetidos ao CDC, dentre eles, o contrato de seguro, demonstra a devida aplicação do referido Código em tais contratos:

          Resumindo, em todos estes contratos de seguro podemos identificar o fornecedor exigido pelo art. 3º do CDC, e o consumidor. Note-se que o destinatário do prêmio pode ser o contratante com a empresa seguradora (estipulante) ou terceira pessoa, que participará como beneficiária do seguro. Nos dois casos, há um destinatário final do serviço prestado pela empresa seguradora. Como vimos, mesmo no caso do seguro-saúde, em que o serviço é prestado por especialistas contratados pela empresa (auxiliar na execução do serviço ou preposto), há a presença do ‘consumidor’ ou alguém a ele equiparado, como dispõe o art. 2º e seu parágrafo único.

          Portanto, os contratos de seguro estão submetidos ao Código de Proteção do Consumidor, devendo suas cláusulas estarem de acordo com tal diploma legal, devendo ser respeitadas as formas de interpretação e elaboração contratuais, especialmente a respeito do conhecimento ao consumidor do conteúdo do contrato, a fim coibir desequilíbrios entre as partes, principalmente em razão da hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor.

          Atualmente, não é o modo de formação dos contratos que é responsável pelo surgimento de desequilíbrios contratuais, mas sim, a inserção de cláusulas limitativas e abusivas, introduzidas unilateralmente pelo fornecedor, pelo fato de ocupar uma posição de destaque e poder, estabelecendo antecipadamente o conteúdo do contrato, situação que ocorre nos contratos de seguro.

          Geralmente, os contratos de adesão, e ai podemos inserir o contrato de seguro, não são totalmente eivados de vícios da manifestação da vontade, mas sim em condições gerais demonstram através de redação capciosa não em todo o texto, mas em determinadas cláusulas ou pontos específicos apresentam estas deformações contratuais.

          O contrato de seguro é sem dúvida um contrato de adesão, ou seja, cujas cláusulas contratuais são determinadas unilateralmente, suprimindo-se todas e quaisquer negociações prévias, opondo-se visivelmente aos contratos individuais, onde são permitidas e realizadas discussões e negociações amplas das cláusulas contratuais.

          Cabe ressaltar que as cláusulas limitativas e abusivas não são exclusivamente parte integrante dos contratos de adesão e dos contratos de consumo; também podem estar presentes nos contratos paritários.

          Diante da aplicação do Código de Proteção do Consumidor aos contratos de seguro, mister se faz um estudo de suas cláusulas limitativas, a fim de que possa ser verificado como devem ser utilizadas tais cláusulas no contexto contratual, sob a égide deste diploma legal, e se, de alguma forma, as cláusulas limitativas podem ser tornar abusivas.


5- CLAUSULAS LIMITATIVAS NO CONTRATO DE SEGURO

          Diante da aplicação do Código de Proteção do Consumidor nos Contratos de Seguro, conforme estudo realizado no capítulo anterior, a questão das cláusulas limitativas no contrato em questão tem gerado muitas controvérsias.

          Cláusula limitativa é aquela que implica em limitação de direito do consumidor. Tal cláusula limita e impõe algumas situações contratadas pelo consumidor, ou seja, tal cláusula não é abusiva, a princípio, apenas limita e impõe desvantagem, sendo que a mesma não é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor. Toda situação ou estipulação que implicar ou cercear qualquer limitação de direito do consumidor, bem como a que indicar desvantagem ao aderente, deverá estar obrigatoriamente exposta, de forma mais clara, no contrato de adesão.

          Há que ressaltar que o CDC em seu artigo 54, parágrafo 4o admite expressamente as cláusulas limitativas, desde que elas sejam redigidas com destaque, de modo a permitir sua imediata e fácil compreensão. Estas cláusulas, portanto, para que possa efetivamente ter validade e estar a salvo de qualquer contestação, devem ser incluídas na apólice ou em outro documento qualquer e entregue ao segurado, com total clareza e melhor transparência possível.

          O contrato de seguro, em virtude de sua natureza jurídica, possui diversas cláusulas limitativas. Tal situação ocorre em decorrência de que, na cobertura do risco, o contrato de seguro se alicerça em alguns fundamentos que são a mutualidade, cálculo das probabilidades e homogeneidade para definir o valor de seu preço, ou seja, o valor do prêmio, e da futura indenização, e a delimitação dos riscos que estarão cobertos. Portanto, o contrato de seguro possui cláusulas que são limitativas dos riscos, para viabilizar suas contratações e indenizações.

          Cumpre destacar que tais situações ganham real importância com o dever do fornecedor informar ao consumidor sobre o contéudo do contrato.

          Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas limitativas do risco não ficaram proibidas , pois nesta questão, existe plena harmonia com o Código Civil, em seu artigo 1.460, que diz: que quando a apólice limitar ou particularizar os riscos do seguro, o segurador não responderá por outros que venham a ocorrer.

          Insta salientar que a existência da cláusula limitativa tem por finalidade restringir a obrigação assumida pelo segurador de acordo com o princípio milenar de que ninguém pode ser coagido a assumir obrigação maior do que deseja. Reside portanto, nesta visão a própria essência da liberdade de contratar; as partes manifestam a sua vontade livremente, estabelecendo as obrigações que entenderem plenamente possíveis.

          O Código de Proteção do Consumidor não veda da prática de cláusulas limitativas nos contratos, conforme se verifica no § 4º do artigo 54 do citado Código. O referido artigo disciplina os contratos de adesão, e possuindo o contrato de seguro tal característica, deve-se obedecer ao disposto na Lei.

          A interpretação dos contratos de adesão, entre eles o de seguro, especialmente as cláusulas dúbias, é que se interprete contra aquele que redigiu o instrumento, ou seja, é a famosa interpretação contra proferentem, presente nas normas do Código Civil (art. 423).

          A maioria dos consumidores que concluem contratos pré-redigidos o fazem sem conhecer precisamente os termos do contrato. Geralmente, o contratado não tem a oportunidade de estudar e analisar com cuidado as cláusulas do contrato, seja porque ele as receberá somente após concluir o contrato, seja porque elas se encontram disponíveis somente em outro local, seja porque o instrumento contratual é longo, impresso em pequenas letras e em linguagem técnica, tudo desestimulando a sua leitura e colaborando para que o consumidor se contente com as informações gerais prestadas pelo contratante.

          No direito comparado, quando se analisam as cláusulas de limitação da responsabilidade e seus efeitos nos contratos de consumo, dois temas são sempre destacados: a necessidade de equilíbrio do contrato e o de segurança nas relações contratuais.

          As cláusulas limitativas de responsabilidade da parte mais forte, assim como as de exclusão, desequilibram a relação contratual, impedindo uma composição eqüitativa dos interesses privados que o contrato é regulado. Na ocorrência da cisão deste equilíbrio entre direitos e obrigações de cada uma das partes contratada, ao retirar ou limitar as garantias normais que teria a parte mais fraca em contratos sem este tipo de cláusula, enseja o desequilíbrio contratual entre as partes.

          A argumentação da admissibilidade das cláusulas de limitação da responsabilidade do fornecedor em função da redução da contraprestação, como se fosse possível reduzir o preço de um produto comprar a irresponsabilidade ou o direito de prejudicar os outros, não resistiu a uma análise ética.

          Neste ponto, portanto, coube ao legislador a tarefa de estabelecer alguns parâmetros quanto à possibilidade de limitar no contrato, os direitos do contratante mais fraco, ou seja, verificando a possibilidade de limitar a obrigação/responsabilidade do contratante mais forte. Há que ressaltar, que nesta linha de raciocínio o legislador impôs novas normas, representadas pela sua maioria pelas normas imperativas no Código de Defesa do Consumidor.

          Atualmente, a tendência é contestar a validade das cláusulas limitativas de responsabilidade, mas com o cuidado de evitar generalizações perigosas que possam ameaçar o equilíbrio, a justiça do contrato, deixando para a Justiça o papel de solidificação do princípio.

          Deste modo o próprio legislador do Código de Defesa do Consumidor enfrentou a inclusão de algumas cláusulas limitativas da responsabilidade do fornecedor em contratos de consumo e, para tanto, criou formas especiais a serem cumpridas para a sua completa validação.

          Insta salientar que o legislador também concentrou e previu no CDC uma linha de proibição genérica às cláusulas limitativas que atenuem a responsabilidade por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços (art. 25 e 51, I do CDC) e as que atenuem a responsabilidade de indenizar prevista na seção sobre fato do produto ou do serviço e sobre qualidade de produtos ou serviços (arts. 24 e 25 do CDC).

          O mestre José Aguiar Dias (10) ensina sobre a cláusula limitativa de responsabilidade:

          Sem embargo de sua utilidade, pois estimula os negócios, mediante o afastamento da incerteza sobre o quantum da reparação, a cláusula limitativa muitas vezes resulta em burla para o credor. Dificilmente se dá o caso de ser o dano real equivalente à reparação prefixada: o mais freqüente é representar um simulacro de perdas e danos.

          Continuando, ainda destaca: quando a soma arbitrariamente fixada resulte em verdadeira lesão para o credor, principalmente quando se trate de transporte, cujo contrato geralmente é de natureza a excluir a liberdade de discussão por parte do interessado no serviço. (apud. Cláudia Lima Marques, op. cit. p. 324)

          Portanto, diante da própria natureza jurídica do contrato de seguro, as cláusulas limitativas são inerentes a tal espécie de contrato, e em razão da aplicabilidade do Código de Proteção do Consumidor aos contratos de seguro, tais cláusulas devem estar de acordo com os preceitos estabelecidos no citado Código.

          Dentre os tais preceitos, no tocante às clausulas contratuais, pode-se destacar o artigo 46, que dispõe sobre a necessidade de dar ao consumidor conhecimento prévio do conteúdo do contrato, e que veda a redação contratual efetuada de forma que dificulte a compreensão do sentido e alcance de suas cláusulas. O já citado art. 54, § 4º prevê a necessidade da redação com destaque para as cláusulas limitativas, e que permita sua imediata e fácil compreensão, devendo tais cláusulas se apresentarem de forma destacada, e que seu conteúdo seja claro, sem obscuridades, a fim de que o consumidor possa ter conhecimento exato das limitações previstas.

          Diante disto, as cláusulas limitativas dos contratos de seguro deverão obedecer as regras do Código de Proteção do Consumidor, devendo estar inseridas no contexto contratual na forma prevista nos artigos supramencionados.

Sobre os autores
Luciana Biembengut Moretti

advogado em Presidente Prudente (SP)

Sirvaldo Saturnino Silva

advogado em Presidente Prudente (SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORETTI, Luciana Biembengut; SILVA, Sirvaldo Saturnino. Do contrato de seguro no Direito brasileiro e a interpretação de suas cláusulas limitativas em face ao Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/638. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada no curso de especialização mantido pela Instituição Toledo de Ensino de Presidente Prudente em convênio com o Inbrape - Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Sócio-Econômicos

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