ANÁLISE DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE NA POLÍTICA NACIONAL CONTRA O AEDES AEGYPTI
Preliminarmente, deve-se ressaltar as atribuições típicas do Agente de Combate às Endemias e Agente Comunitário de Saúde, ambos são burocratas da linha de frente, este último será demonstrado suas atribuições antes e posteriores as medidas de combate de janeiro de 2016. A regulamentação desses profissionais foi por meio da Lei nº. 11.350 de 5 de outubro de 2006.
Conforme o artigo 4º, da Lei nº. 11.350, de 5 de outubro de 2006, o Agente de Combate às Endemias tem como atribuição o exercício de atividades de vigilância, prevenção e controle de doenças e promoção da saúde, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e sob supervisão do gestor de cada ente federado.
O Agente Comunitário de Saúde tem sua atuação em contato com a comunidade. O artigo 3º traz as atribuições do Agente Comunitário de Saúde:
Art. 3º O Agente Comunitário de Saúde tem como atribuição o exercício de atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor municipal, distrital, estadual ou federal.
Parágrafo único. São consideradas atividades do Agente Comunitário de Saúde, na sua área de atuação:
I - a utilização de instrumentos para diagnóstico demográfico e sócio-cultural da comunidade;
II - a promoção de ações de educação para a saúde individual e coletiva;
III - o registro, para fins exclusivos de controle e planejamento das ações de saúde, de nascimentos, óbitos, doenças e outros agravos à saúde;
IV - o estímulo à participação da comunidade nas políticas públicas voltadas para a área da saúde;
V - a realização de visitas domiciliares periódicas para monitoramento de situações de risco à família; e
VI - a participação em ações que fortaleçam os elos entre o setor saúde e outras políticas que promovam a qualidade de vida."
Para exercer a função de Agente Comunitário de Saúde e realizar as atribuições mencionadas, conforme artigo 6º da Lei nº. 11.350/06, o individuo deve residir na área da comunidade em que atuar, haver concluído, com aproveitamento, curso introdutório de formação inicial e continuada e haver concluído o ensino médio.
A lei traz como requisito residir na área da comunidade em que atuar, fato que mostra a ligação desse profissional com o usuário e o mapeamento de problemas específicos de sua região. Com a atuação no local que reside, o agente poderá influenciar diretamente nas políticas direcionadas para o seu local, fazendo assim uma verdadeira intermediação.
Lotta (2010) diz que “Nessa mediação, os ACS conectam o mundo do Estado ao mundo da comunidade, pois, de um lado, possuem ambas as linguagens que possibilitam um diágolo e, de outro, conhecem os cotidianos das pessoas, possibilitando inserir as práticas da saúde nestes cotidianos.
Sobre esse papel, Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky e Angela Maria Magosso Takayanagu (2006) dizem que “Historicamente, os ACS representam o elo entre a equipe profissional e a comunidade (Chiesa AM, Fracolli LA), comum papel de tradutor do universo científico ao popular, atuando, também, como facilitador do acesso das pessoas aos serviços de saúde”.
O fato de o Agente Comunitário de Saúde estar ligado a comunidade local, ter um contato regular com as famílias e, principalmente, pelo fato de realizar visitas domiciliares periódicas para monitoramento de situações de risco à família, leva à compreensão de que é o burocrata de rua que poderá ter grande influência na efetividade da política pública contra o mosquito Aedes Aegyptyi.
Sabendo da importância de o Agente Comunitário de Saúde atuar no local onde reside, o Ministério da Saúde, em sua política nacional contra o mosquito Aedes Aegypi, reforçou a atuação desse profissional contra as doenças causadas pelo mosquito. Dentre elas, podemos citar a Portaria 2.121 de 18 de dezembro de 2015, a qual reforça a necessidade das equipes concentrarem esforços nas ações voltadas ao controle e redução dos riscos epidemiológicos.
Ainda sobre essa atuação direta de combate ao Aedes Aegyptyi, podemos citar o Caderno de Atenção Básica nº. 21 – Vigilância em Saúde: Dengue. Esquistossomose, Hanseníase, Malária, Tracoma e Tuberculose, publicada em 2008, o qual dispõe:
“1. Orientar a população sobre o agente transmissor, as doenças transmitidas e as formas de evitar e eliminar locais que possam oferecer risco para a formação de criadouros do Aedes Aegypti;
2. Mobilizar a comunidade para desenvolver ações de prevenção e controle no combate ao Aedes Aegypti;
3. Visitar os domicílios para: Informar a seus moradores sobre o agente transmissor e as doenças transmitidas; Vistoriar os cômodos da casa, acompanhado pelo morador, para identificar locais de existência de lavras ou mosquitos; Orientar e acompanhar o morador na remoção, destruição ou vedação de objetos que possam se transformar em criadouros do mosquito; Realizar a remoção mecânica dos ovos e lavras do mosquito, ou outras ações de manejo integrado de vetores definidas pelo gestor municipal; Articular com a equipe de Atenção Básica e acionar o Agente de Combate de Endemias (ACE) e/ou equipe de vigilância quando houver a necessidade de outras ações no combate vetorial;
4. Notificar os casos suspeitos de dengue, chikungunya e zika vírus, em ficha específica do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e/ou outros sistemas similares, e informar e equipe de Atenção Básica;
5. Planejar as ações de controle vetorial em conjunto com a equipe de vigilância, em espaços que favoreçam a integração entre ACS e ACE.”
Em análise dessas novas atribuições, percebe-se que o Agente Comunitário de Saúde tem papel expressivo no combate ao mosquito transmissor da dengue, chikungunya e zika vírus, pois realiza o combate in loco. Além do combate direto, importante destacar que esse profissional de linha de frente ainda realiza a orientação da comunidade.
Não restam dúvidas de que o Agente Comunitário de Saúde tem total influência da implementação da política pública de saúde contra o Aedes Aegypti, pois todas as ações de combate foram direcionadas a esse Burocrata de Nível de Rua.
Como o desenho direcionou as metas de combate ao mosquito a esse agente, além da influência na implementação, o sucesso da política está ligada ao comprometimento desse profissional, prova disso é a Portaria 2.121 de 18 de dezembro de 2015, a qual reforça a necessidade de sua atuação.
Infelizmente, algumas atribuições não podem ser exercidas pelo burocrata de linha de frente, em virtude de encontrar problemas para sua efetivação. Em razão desses problemas, o agente acaba agindo de forma discricionária, efetivando ou não a sua meta.
A necessidade de atuação discricionária no momento da atuação, por falta de equipamento, recurso financeiros, etc, faz surgir novas ações e o Burocrata de Nível de Rua pode acabar influenciando no desenho da política pública, tendo como exemplo a Medida Provisória nº. 712 de 29 de janeiro de 2016.
A origem da medida provisória se deu em virtude da dificuldade que os burocratas de linha de frente encontravam na árdua tarefa de combate ao Aedes Aegypti, a exemplo de como encontrar imóveis abandonados, ausente de pessoa ou até mesmo com pessoas que não permitiam a entrada. As principais medidas são:
“III - o ingresso forçado em imóveis públicos e particulares, no caso de situação de abandono ou de ausência de pessoa que possa permitir o acesso de agente público, regularmente designado e identificado, quando se mostre essencial para a contenção das doenças.
§ 2º Para fins do disposto no inciso III do § 1º, entende-se por:
I - imóvel em situação de abandono - aquele que demonstre flagrante ausência prolongada de utilização, o que pode ser verificado por suas características físicas, por sinais de inexistência de conservação, pelo relato de moradores da área ou por outros indícios que evidenciem a sua não utilização; e
II - ausência - a impossibilidade de localização de pessoa que possa permitir o acesso ao imóvel na hipótese de duas visitas devidamente notificadas, em dias e períodos alternados, dentro do intervalo de dez dias.
Art. 2º Nos casos em que houver a necessidade de ingresso forçado em imóveis públicos e particulares, o agente público competente emitirá relatório circunstanciado no local em que for verificada a impossibilidade de entrada por abandono ou ausência de pessoa que possa permitir o acesso de agente público.
§ 1º Sempre que se mostrar necessário, o agente público competente poderá requerer o auxílio à autoridade policial.
§ 2º Constarão no relatório circunstanciado as medidas sanitárias adotadas para o controle do vetor e da eliminação de criadouros do mosquito transmissor do Vírus da Dengue, do Vírus Chikungunyae do ZikaVírus.
Art. 3º Na hipótese de abandono do imóvel ou de ausência de pessoa que possa permitir o acesso de agente público, o ingresso forçado deverá ser realizado buscando-se a preservação da integridade do imóvel.”
As medidas de combate de janeiro de 2016 foram desencadeadas pelo Agente Comunitário de Saúde e Epidemia. Na prática desses profissionais que se verificou a ineficácia do combate ao mosquito Aedes Aegypti em razão a imóveis fechados ou abandonados, fator essencial para ocorrer à modificação do desenho da política de pelo alto escalão.
De forma sucinta, a partir das atribuições, Caderno de Atenção Básica nº. 21 – Vigilância em Saúde: Dengue. Esquistossomose, Hanseníase, Malária, Tracoma e Tuberculose e da Medida Provisória nº. 712 de 29 de janeiro de 2016, mostra evidente o papel desse Burocrata de Nível de Rua na política pública relacionada ao combate ao Aedes Aegypti, tanto na efetivação, quanto na influência no desenho do programa.
CONCLUSÃO
A implementação de uma política pública é um processo complexo que envolve vários atores, dentre eles o Burocrata de Nível de Rua, profissional que atua diretamente na comunidade. Por atuar diretamente com o usuário, esse burocrata acaba detectando lacunas e possíveis falhas do desenho, portanto exerce certa influência e efetivação da política pública.
O programa contra o mosquito Aedes Aegypti não é diferente. Um processo complexo, com envolvimento de vários atores. Como exemplo de vários atores envolvidos, pode-se citar o Decreto nº. 8.546 de 28 de janeiro de 2016, que institui, no âmbito da Secretaria de Estado da Saúde, o Comitê Estadual de Mobilização Social contra o Aedes Aegypti, colocando vários atores envolvidos como: Secretarias de Estado, Secretárias de Saúde, Educação, Cultura e Esporte, de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos, Gestão e Planejamento, Agência Goiana de Transportes e Obras – AGETOP, Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás (Defesa Civil), Universidade Estadual de Goiás – UEG, Goiás Previdência – GOIASPREV, Ministério Público Estadual, etc.
Inicialmente, a implementação era realizada do topo para baixo/top-down, modelo em que os problemas encontrados na parte de baixo não tinham relevância, tendo apenas o agente implementador que obedecer as regras impostas pelo alto escalão. Com o tempo, essa modalidade mostrou-se ineficaz, pois, ao implementar, o burocrata de linha de frente encontrava objetivos longe da realidade, falta de recursos, material etc.
Diante da falta de efetividade do modelo top-down, surgiu uma teoria de segunda geração, denominada bottom-up, em que a política pública começa na outra extremidade e exige a consideração dos assim implementadores de nível de rua ou da linha de frente (street-level).
Surgiram outras teorias, as quais fazem uma junção dos dois modelos, devendo a política ter a interação das duas partes, ou melhor, deve haver uma harmonia entre o poder central e atores locais. Portanto, coma a evolução dos modelos de implementação o burocrata de linha de frente passou a exercer um pape fundamental, além de influenciar no que tange a formulação e avaliação dos objetos.
O Burocrata de Nível de Rua coloca em prática os objetivos elaborados pelo governo, enfrenta o usuário e verifica os problemas que não são vistos pelo alto escalão. Assim, colabora com informações ao governo, levando as soluções de baixo para cima (Button-up), de modo a sugerir metas de acordo com a realidade.
Diante essa atuação, o burocrata de linha de frente passa a ter grande influência na implementação da política pública. Destarte, sobre essa temática, o objetivo do presente artigo foi demonstrar essa influência do agente implementador, bem como a analise do Agente Comunitário de Saúde.
O Agente de Combate às Endemias tem como atribuição o exercício de atividades de vigilância, prevenção e controle de doenças e promoção da saúde, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e sob supervisão do gestor de cada ente federado, já o Agente Comunitário exerce atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor municipal, distrital, estadual ou federal.
Em análise às atribuições legais do Agente Comunitário de Saúde, conclui que esse profissional tem total influência na política nacional contra o mosquito Aedes Aegypti. Dentre suas ações, deve orientar e mobilizar a comunidade, acabar com os ovos e lavras.
Demonstrando a influência do Burocrata de Nível de Rua, foi destacada a questão das medidas de combate de janeiro de 2016 que foram desencadeadas pelo Agente Comunitário de Saúde e Epidemia. Na prática, o que se verificou acerca do trabalho desses profissionais foi a ineficácia do combate ao mosquito Aedes Aegypti, em razão a imóveis fechados ou abandonados, fator essencial para ocorrer à modificação do desenho da política de pelo alto escalão.
Diante das reflexões expostas, não restam dúvidas da importância e influência do Burocrata de Nível de Rua na implementação de políticas públicas, no presente caso, do papel fundamental que o Agente Comunitário de Saúde exerce na política contra o mosquito transmissor da dengue, chikungunya e zika vírus. Por essas razões, mostra-se necessário também o estudo in loco, no sentido de colher e analisar dados para melhorias na implementação de políticas públicas.
REFERÊNCIAS
Brasil Lei 11.350 de 05 de outubro de 2006. Regulamenta o § 5o do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2o da Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm>
Brasil. Medida Provisória 712 de 29 de janeiro de 2016. Dispõe sobre a adoção de medidas de vigilância em saúde quando verificada situação de iminente perigo à saúde pública pela presença do mosquito transmissor do Vírus da Dengue, do Vírus Chikungunya e do Zika Vírus. Disponível em: < http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=1&data=01/02/2016>
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