1. A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL FRENTE AO HABEAS CORPUS 126.292/SP DE 2016.
Depois de fazer um breve estudo sobre o princípio da presunção de inocência e discorrer mesmo de maneira sucinta acerca das modalidades de prisões e sua aplicabilidade no sistema processual brasileiro, passemos agora a analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 126.292/SP, que ocorreu no dia 17 de fevereiro de 2016, na qual a Corte Constitucional, por sete votos a quatro, passou-se a admitir a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
A partir de então houveram várias opiniões favoráveis e contrárias de diversos setores da sociedade, sendo que, por fazer parte desse contexto, a classe jurídica foi a que mais repercutiu sobre o tema. E o tom desta discussão foi bastante elevado em todo país, talvez devido o momento em que o Brasil vem atravessando em relação a sua instabilidade política e econômica, mas, principalmente, pelas prisões decorrentes da operação “lava jato” de pessoas que integravam o alto escalação do governo ou de pessoas privadas ligadas às empresas que mantinham negócios com alguns setores do Poder Público, por meio de procedimentos ilícitos.
A controvérsia desta decisão encontra-se justamente na interpretação do artigo. 5°, inciso LVII da Constituição Federal de 1988, que foi analisado no capítulo anterior, no qual está insculpido, mesmo que de forma implícita, o princípio da não culpabilidade, ou para outras interpretações, o princípio da presunção de inocência.
Depois da promulgação da Constituição de 1988, muitos doutrinadores entenderam que a redação do inciso LVII do artigo. 5° poria fim à prisão processual antes da sentença condenatória, ou seja, o acusado ao recorrer de uma decisão, poderia aguardar o resultado em liberdade, em virtude da redação do referido inciso.
Esta interpretação feita por parte de alguns doutrinadores trouxe à baila calorosos debates e muitas divergências acerca do tema. Até que o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n° 9 para pôr fim a quaisquer dúvidas ao dizer que “a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”.
1.1. Habeas Corpus 84.078/MG
O entendimento de que seria plenamente possível o cumprimento da pena antes da sentença condenatória transitar em julgado por parte do Supremo Tribunal de Justiça perdurou até o ano de 2009, contudo, com o advento do HC 84.078/MG desse mesmo ano, sob a relatoria do Ministro Eros Roberto Grau traria uma nova concepção de pensamento, na qual, a Corte Superior decidiu de forma contrária ao votar favorável a um condenado poder recorrer em liberdade aos tribunais superiores.
1.2. Um breve relato sobre o caso
Para uma melhor clareza acerca da mudança de entendimento em relação à execução provisória da pena, faz-se necessário analisar o caso em sua amplitude. Passemos então aos fatos.
Trata-se de um habeas corpus impetrado por Omar Coelho Vitor – condenado pelo TJ/MG da Comarca de Passos à pena de sete anos e seis meses de reclusão, em regime inicialmente fechado em virtude de ter cometido o crime de tentativa de homicídio duplamente qualificado (artigos 121, parágrafo 2°, inciso IV, e 14, inciso, II, do Código Penal), na qual, postulava recorrer da condenação, aos tribunais superiores, em liberdade.
O referido processo foi alvo de intensos debates, tendo de um lado, além do Ministro Eros Grau, os Ministros Celso de Mello, Cesar Peluso, Carlos Ayres Brito, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, todos votaram pela concessão do HC. Do outro lado, foram vencidos os Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie.
1.3. Voto do Ministro Eros Grau
Para que se possa ter um entendimento mais claro em relação ao julgamento do Habeas Corpus 84.078/MG, faremos uma breve síntese do voto do relator processo para dar um parâmetro ao próximo tema a ser abordado mais adiante.
O Ministro Eros Grau, relator do processo abriu a votação asseverando que “os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no artigo 637 do CPP”. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2009).
A Corte do Supremo em sua maioria baseou-se no fato em que, caso o condenado tenha que cumprir a pena após o recurso de apelação e havendo possibilidades recursais não pode o réu ser coagido pela simples razão de iniciar o cumprimento da pena. Isso seria, na opinião do relator, uma nítida tentativa de restringir-lhe a esfera recursal prevista em lei e, por consequente, retirar-lhe a ampla defesa.
Na ocasião, o Ministro Eros Grau ao justificar seu voto, observou que
a ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2009).
Ainda no calor dos debates, Roberto Grau fez uma crítica àqueles que se posicionaram de maneira contrária ao chamar de “jurisprudência defensiva”, por acharem que este é um caminho mais rápido para antecipar o cumprimento da pena ao trânsito em julgado da sentença sob o argumento de diminuir a demanda recursal nos tribunais superiores. Neste sentido, Grau aduz que
a antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a 48 esse preço. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2009).
Ao concluir seu voto, seguiu dizendo que
(...) nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2009).
Para finalizar o seu voto o Ministro asseverou no sentido de que no caso de haver uma proibição da execução provisória da pena os tribunais superiores seriam inundados com recursos de natureza extraordinária.
1.4. Habeas Corpus 126.292/SP
Após a fixação da tese pelo Supremo Tribunal Federal, por meio julgamento do HC 84.078/MG, alguns entenderam que o tema estava superado e pacificado no campo jurídico. Contudo, no início de fevereiro de 2016, a matéria relativa à execução provisória da pena ganhou novo impulso, sendo novamente alçada às dependências do Plenário da Corte Superior, sendo, com o julgamento do HC 126.292/SP, alterada a orientação jurisprudencial.
1.4.1. Síntese do caso
O caso trata-se de um habeas corpus que foi impetrado por Maria Claudia de Seixas em favor do paciente Márcio Rodrigues Dantas, condenado à pena de cinco anos e quatro meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, por praticar o crime de roubo majorado nos termos do artigo 157, § 2°, incisos I e II do Código Penal brasileiro.
Na liminar, a impetrante questionava a decisão por parte do TJ/SP, que na ocasião negou provimento ao recurso e determinou a expedição de mandado de prisão contra ele, sob a alegação de que o Tribunal de Justiça de São Paulo decretou a prisão sem motivos aparentes e que o ato constitui um constrangimento ilegal, uma vez que o magistrado de primeiro grau permitiu que o réu recorresse em liberdade até o trânsito em julgado de decisão condenatória.
Ao final da votação o Plenário do Superior Tribunal Federal decidiu por maioria a favor da possibilidade de execução provisória da pena. Votaram favoráveis, a começar pelo voto do Relator do processo, Ministro Teori Zavascki, seguidos Ministros Gilmar Mendes, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Edson Fachin, Dias Tóffoli e Carmen Lúcia. Do outro lado, foram vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Marco Aurélio e a Ministra Rosa Weber.
Conforme o julgado do Habeas Corpus 126.292:
(...) por maioria de votos, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência. Para o relator do caso, ministro Teori Zavascki, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
1.4.2. Voto do Ministro Teori Zavascki
O Ministro Teori Zavascki, relator do HC 126.292/SP de 2016, fez uma explanação acerca do tema, na qual, para fundamentar seu voto, buscou apoio em várias doutrinas de renomados autores e nos julgados anteriores.
Na sustentação do seu voto, o saudoso Ministro citou duas importantes nuances a serem apreciadas no tocante ao princípio da presunção de inocência, quais sejam:
(...) (a) o alcance do princípio da presunção da inocência aliado à (b) busca de um necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de justiça criminal. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
Outro destaque interessante no voto do Ministro Zavascki, se deu ao fazer suas observações apoiadas em diversos estudos feitos em outros países em que o cumprimento da pena ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, como acontece na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Canadá, na Alemanha, na Espanha e no nosso país vizinho, a Argentina.
Ainda num tom de críticas, o relator ponderou sobre o fato de os recursos destinados ao STJ e ao STF favorecerem a prescrição da pretensão punitiva do Estado, ao dizer que
(...) isso significa que os apelos extremos, além de não serem vocacionados à resolução de questões relacionadas a fatos e provas, não acarretam a interrupção da contagem do prazo prescricional. Assim, ao invés de constituírem um instrumento de garantia da presunção de não culpabilidade do apenado, acabam representando um mecanismo inibidor da efetividade da jurisdição penal. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
Ao finalizar seu voto, Zavascki ressaltou a importância e o dever do Judiciário em garantir uma justiça criminal amplamente efetiva para garantir que o processo se desenvolva na sua inafastável função institucional.
1.4.3. Votos que seguiram o entendimento do relator
O entendimento do relator, Ministro Teori Zavascki no HC 126.292/SP foi seguido pelos demais ministros, Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Carmem Lúcia e Gilmar Mendes.
Embora os argumentos que votaram contra o HC 126.292/SP possuem argumentações assemelhadas, vale a pena fazer uma abordagem nos respectivos votos. Vejamos:
O Ministro Edson Fachin ao proferir seu voto, exaltou o entendimento do eminente relator louvando sua disposição frente ao caso e combatendo com propriedade e minudência, características essas, que lhes são peculiares.
Ao proferir seu voto, Fachin argumentou que as regras da Lei de Execução Penal foram revogadas com o advento da Lei n° 8.038/90 deixaram de ser um argumento capaz de impedir a execução da pena depois de esgotada às instâncias ordinárias
(...) no plano infraconstitucional, as regras da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal, verbi gratia, os arts. 147 e 164) que porventura possam ser interpretadas como a exigir a derradeira manifestação dos Tribunais Superiores sobre a sentença penal condenatória para a execução penal iniciar-se, deixam de ser, a meu ver, argumento suficiente a impedir a execução penal depois de esgotadas as instâncias ordinárias, porque anteriores à Lei nº 8.038/90. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
O Ministro finalizou seu voto enfatizando que as medidas cautelares para conferir efeitos suspensivos a recursos especiais e extraordinários, bem como os habeas corpus que são concedidos de ofício pela a Suprema Corte, todos são instrumentos eficazes para sanar situações semelhantes.
O ilustre Ministro Luis Roberto Barroso fundamentou seu voto nomeando um olhar bastante crítico e severo em direção ao uso abusivo e procrastinatório direito de recorrer. Barroso cita que
(...) alguns exemplos emblemáticos auxiliam na compreensão do ponto. No conhecido caso “Pimenta Neves”, referente a crime de homicídio qualificado ocorrido em 20.08.2000, o trânsito em julgado somente ocorreu em 17.11.2011, mais de 11 anos após a prática do fato. Já no caso Natan Donadon, por fatos ocorridos entre 1995 e 1998, o exDeputado Federal foi condenado por formação de quadrilha e peculato a 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão. Porém, a condenação somente transitou em julgado em 21.10.2014, ou seja, mais de 19 anos depois. Em caso igualmente grave, envolvendo o superfaturamento da obra do Fórum Trabalhista de São Paulo, o ex-senador Luiz Estêvão foi condenado em 2006 a 31 anos de reclusão, por crime ocorrido em 1992. Diante da interposição de 34 recursos, a execução da sanção só veio a ocorrer agora em 2016, às vésperas da prescrição, quando já transcorridos mais de 23 anos da data dos fatos. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
O Ministro continuou destacando no seu voto que as pessoas que dispõe de mais recursos financeiros, mesma condenada, não cumprem a pena por mais de vinte anos, uma vez que possui boas condições para custear e manter um advogado no intuito de interpor um recurso atrás do outro para evitar o trânsito em julgado.
Barroso, ao concluir seu voto fixou argumentos de que a decisão penal condenatória proferida em segundo grau não viola o princípio da presunção de inocência, mesmo que sujeitas aos recursos especial ou extraordinário.
Luiz Fux, por sua vez, disse que queria reiterar aspectos já analisados, porém, gostaria de trazer a lume uma importante consideração, na qual, destaca que
(...) é preciso observar que, quando uma interpretação constitucional não encontra mais ressonância no meio social - e há estudos de Reva Siegel, Robert Post, no sentido de que a sociedade não aceita mais - e se há algo inequívoco hoje, a sociedade não aceita essa presunção de inocência de uma pessoa condenada que não para de recorrer -, com a seguinte disfunção, a prescrição, nesse caso, ela também fica disfuncional, como destacou o eminente Procurador da República, se o réu não é preso após a apelação, porque, depois da sentença ou acórdão condenatório, o próximo marco interruptivo da prescrição é o início do cumprimento da pena. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
Ao concluir seu voto, Fux fez uma crítica dizendo que não há nenhuma inércia por parte do Ministério Público e que essa situação um fato teratológico.
Já a Ministra Carmem Lucia se manteve na mesma linha de votos que fora proferido por Ela antes, ou seja, votando contrário a ao pedido da liminar em questão e, por consequente, acompanhou o voto do Ministro-Relator.
Dias Tóffoli ao proferir seu voto, optou por acompanhar parcialmente o voto do relator sob o argumento de que a “execução da pena fica suspensa com a pendência de recurso especial ao STJ, mas não de recurso extraordinário ao STF”. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
O Ministro Gilmar Mendes pediu vênia para manter-se fiel a linha de pensamento acerca do alcance da Constituição de 1988 e ao fim, manifestou favorável ao raciocínio do Relator, acompanhando-o em seu voto.
3.4.4. Votos contrários à mudança da jurisprudência
Do outro lado, os Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, se posicionaram contrário às argumentações do relator, Ministro Teori Zavascki. Para ilustrar um pouco essas divergências, vejamos um breve relado dos respectivos votos.
A Ministra Rosa Weber fez uma breve explanação ao proferir seu voto argumentando o motivo de não ter tido condições de se debruçar sobre o tema com o devido cuidado e atenção que o caso merecia.
Weber manifestou seu posicionando-se contrária ao voto do relator sob a ótica de que teria dificuldades em aceitar a revisão da jurisprudência somente pela alteração dos integrantes da Corte. Na visão da Ministra, o que existe para a sociedade é a instituição e não cada membro individualmente considerado e, citou a existência de questões pragmáticas envolvidas, contudo, uma compreensão que altere o texto constitucional não é a via ideal para solucioná-las.
O Ministro Marco Aurélio continuou com o mesmo entendimento de seu voto proferido em 2009, no qual, repeliu a possibilidade de execução provisória da sentença.
Aurélio ponderou que a “execução precoce, temporã, açodada da pena, sem ter-se a culpa devidamente formada” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
O Ministro argumentou que seria um retrocesso, caso fosse admitido o início do cumprimento da pena antes do trânsito em jugado, para ele seria um esvaziamento do
(...) modelo garantista, decorrente da Carta de 1988. Carta – não me canso de dizer – que veio a tratar dos direitos sociais antes de versar, como fizeram as anteriores, a estrutura do Estado. Carta apontada como cidadã por Ulisses Guimarães, um grande político do Estado-país, que é São Paulo, dentro do próprio País. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
Ao finalizar seu voto o Ministro alertou que qualquer manifestação contrária estaria “usurpando competência legislativa e promulgando, disfarçadamente, uma emenda constitucional”. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
Já o Ministro Celso de Mello em seu voto trouxe com muita de clareza, uma síntese bastante analítica do texto constitucional. Mello argumentou que “existe um momento visivelmente definido a partir do qual se descaracteriza a presunção de inocência, não trabalhando a Constituição com esvaziamento progressivo desta à medida que sucedem os graus de jurisdição”. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
Numa visão geral, O Ministro Celso de Mello expôs que
(...) há, portanto, segundo penso, um momento, claramente definido no texto constitucional, a partir do qual se descaracteriza a presunção de inocência, vale dizer, aquele instante em que sobrevém o trânsito em julgado da condenação criminal. Antes desse momento, o Estado não pode tratar os indiciados ou os réus como se culpados fossem. A presunção de inocência impõe, desse modo, ao Poder Público um dever de tratamento que não pode ser desrespeitado por seus agentes e autoridades. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
Na observação do decano, Ministro Celso de Mello, a Constituição brasileira é mais vigilante e intensa na proteção da presunção da inocência, sendo totalmente descabido invocar a experiência norte-americana ou francesa, entre outros Estados democráticos, cujas Constituições não inferem e nem obriga a necessária obediência do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Coube ao Ministro que, à época, presidia a Corte Superior, Ricardo Lewandowski, fechar a lista daqueles que se posicionaram contrário ao voto do relator.
Lewandowski em suas observações suscitou a questão de haver divergência em relação ao tratamento dado pelo sistema jurídico relacionado às questões que envolvem a execução provisória, tanto àquelas relativas à propriedade, quanto as de proteção à liberdade.
O Presidente do Supremo fez um interessante comentário ao comparar os institutos processuais cautelares existentes nas legislações, processual penal e civil, afirmando que: “ora, em se tratando de dinheiro de propriedade, o legislador pátrio se cercou de todos os cuidados para evitar qualquer prejuízo, a restituição integral do bem, no caso de reversão de uma sentença posterior, por parte dos Tribunais Superiores”. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
Por fim, Lewandowski lastimou o fato de o Supremo Tribunal Superior estar
(...) decidindo que a pessoa tem que ser provisoriamente presa, passa presa durante anos, e anos, e anos a fio e, eventualmente, depois, mantidas essas estatísticas, com a possibilidade que se aproxima de 1/4 de absolvição, não terá nenhuma possibilidade de ver restituído esse tempo em que se encontrou sob a custódia do Estado em condições absolutamente miseráveis, se me permite o termo. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2016).
Na conclusão de seu voto, o Ministro apresentou algumas estatísticas que se contrapuseram às dos ministros que votaram a favor da execução da pena antes do trânsito em julgado.