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A vocação hereditária na inseminação artifical homóloga post mortem

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Agenda 02/08/2020 às 21:10

Analisa-se o artigo 1.597 do CCB em cotejo com o artigo 1.798 do CC, no intuito de perquirir se o filho gerado por meio da técnica de reprodução homóloga post mortem possui direitos sucessórios.

RESUMO: Tendo em vista as diretrizes preconizadas pelos direitos fundamentais ditos de 4ª dimensão, mormente os vinculados à questão da reprodução humana assistida, o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.597, inovou a ordem jurídica trazendo disposições acerca da possibilidade da utilização pela mulher dos gametas criopreservados de seu cônjuge ou companheiro, após a morte deste, através da técnica da inseminação artificial homóloga post mortem. Porém, o legislador foi omisso no tocante à questão dos direitos sucessórios, mantendo as disposições gerais previstas no artigo 1.798 do mencionado diploma legal. Surge, então, o questionamento: o filho gerado por meio da técnica de reprodução homóloga post mortem tem direitos sucessórios? A partir da utilização do método de pesquisa bibliográfica, tendo como parâmetro de análise a doutrina nacional e o direito comparado com alguns doutrinadores estrangeiros, bem como a pesquisa jurisprudencial e a consulta à legislação nacional, buscar-se-á fazer uma reflexão acerca das possíveis respostas à questão posta em análise, de sorte a mapear as possibilidades hoje existentes dentro do sistema jurídico pátrio.

Palavras-Chave: Vocação Hereditária. Inseminação Artificial Homóloga post mortem. Filiação. Autonomia da Vontade. Petição de Herança.

SUMÁRIO. Introdução. 1. A instituição familiar analisada sob o prisma da constituição federal de 1988. 2. Vocação hereditária e presunção de filiação: uma análise sistemática do Código civil Brasileiro. 2.1. Legitimação para suceder e as figuras do nascituro e do concepturo. 2.2. Vocação hereditária e a presunção de filiação. 3. Reprodução artificial post mortem. 3.1. Noções gerais sobre os métodos de reprodução artificial. 3.2. A problemática da inseminação artificial homóloga post mortem. 3.2.1. Referências casuísticas e a posição jurisprudencial. 3.2.2. Análise do direito comparado. 3.3. Ação de petição de herança e seus efeitos. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO      

“Os direitos do homem (...) são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (...) Nascem quando devem ou podem nascer.” (BOBBIO, 1992, p. 5)

O processo histórico de criação ininterrupta dos “novos” direitos justifica-se na afirmação permanente das necessidades humanas específicas e na legitimidade de ação dos novos atores sociais, aptos a implementar práticas diversificadas de relacionamento entre indivíduos e grupos. Neste sentido, identificamos o surgimento dos direitos denominados por parte da doutrina como “direitos de quarta dimensão”[1], os quais constituem-se nos “novos” direitos vinculados à biotecnologia, à bioética e à regulação da engenharia genética. “Tratam dos direitos específicos que têm vinculação direta com a vida humana, como a reprodução humana assistida (inseminação artificial), aborto, eutanásia, cirurgias intra-uterinas, transplantes de órgãos, engenharia genética (“clonagem”), contracepção e outros” (WOLKMER, 2003, p. 12).

Seguindo esta orientação, o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.597, inovou a ordem jurídica inserindo três novas formas de presunção de filiação, mediante a utilização das técnicas de reprodução assistida, quais sejam, os incisos III, IV e V. O inciso III, em particular, dispõe acerca da possibilidade da utilização pela mulher dos gametas criopreservados de seu cônjuge ou companheiro, após a morte deste, através da técnica da inseminação artificial homóloga post mortem. De tal sorte, o diploma legal buscou conferir solução ao problema da paternidade superveniente, criando mecanismo que a viabilizasse, tendo em vista que tal paternidade seria inadmissível à época de vigência do Código Civil de 1916, haja vista que a referida presunção ocorreria somente nos casos em que e criança nascesse nos 300 dias após a morte de seu pai.

Todavia, o legislador não foi preciso ao estabelecer referida inovação, uma vez que restou omisso no tocante à questão dos direitos sucessórios, deixando a temática à mercê da regra geral estabelecida no artigo 1.798 do Código Civil Brasileiro. Tal artigo indica que estão legitimados a suceder aqueles que eram ao menos concebidos no momento da abertura da sucessão (ou seja, no momento da morte do autor da herança). Daí surge o seguinte questionamento: O filho gerado por meio da técnica de reprodução homóloga post mortem tem direitos sucessórios?

Buscando responder de forma satisfatória à mencionada indagação, o presente estudo será direcionado através da utilização do método de pesquisa bibliográfico, tendo como parâmetro de análise a doutrina nacional e alguns doutrinadores europeus, um argentino e um mexicano, bem como a pesquisa jurisprudencial em alguns tribunais nacionais e a consulta à legislação nacional vinculada à questão em análise, mormente aos princípios norteadores da temática do direito de família.


1. A INSTITUIÇÃO FAMILIAR ANALISADA SOB O PRISMA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Particularmente arrojado, para não dizer revolucionário, é o capítulo da constitucionalização da família. O constituinte de 88, tendo em conta todas as inovações operadas no cenário social no tocante às relações familiares[2], promoveu significativas alterações na leitura do núcleo familiar[3], deixando inequívoco que “não é mais a família um fim em si mesmo, (...), mas, sim, o meio social para a busca de nossa felicidade na relação com o outro.” (GAGLIANO, 2011, p. 98).

A partir do momento em que a solidariedade social passa a ser reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, através da previsão constante no artigo 3º, I da Constituição Federal, percebemos um reflexo imediato nas relações familiares: por óbvio, a solidariedade deve existir igualmente nesses relacionamentos pessoais. De tal sorte, a solidariedade, uma vez entendida como a ideia de preocupar-se com o outro, ao ser analisada no âmbito familiar, deve ser tida em sentido amplo, tendo caráter afetivo, social, moral, patrimonial e espiritual (TARTUCE, 2013, p. 1057-1058).

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Assevera Jean-Jacques Rosseau (2011, p. 24):

“Portanto, a família é, se quiserem, o primeiro modelo das sociedades políticas; o chefe é a imagem do pai, o povo, a imagem dos filhos, e todos, tendo nascido iguais e livres, só alienam sua liberdade em proveito próprio. A diferença é que, na família, o amor dos pais pelos filhos vale pelos cuidados que dispensa a eles, enquanto, no Estado, o prazer de comandar substitui esse amor, que o chefe não tem por seu povo.”

Para a ordem constitucional, a família é de suprema relevância, sendo apontada como a base da vida social. De tal sorte, a noção de família trazida pela Constituição Federal vai muito além da instituição formada a partir do casamento[4], sendo considera também família o núcleo familiar constituído a partir da união estável e da família monoparental, conforme previsão constante no artigo 226, parágrafos 3º e 4º, respectivamente. O parágrafo 5º do mencionado artigo 226, por seu turno, representando expressão do princípio da igualdade, refere que no núcleo familiar se estabelecem os mesmos direitos e deveres para homens e mulheres, cabendo a estes, conjuntamente, definir o projeto familiar que levarão adiante, sendo proibido ao Estado, bem como às instituições privadas, qualquer forma de coerção, mormente no que tange ao planejamento familiar (FERNANDES, 2017, p. 1659).

Assim, desde que não afetado o ordenamento jurídico como um todo, neste compreendidos os princípios gerais de direito e o ordenamento legal propriamente dito, à família reconhece-se autonomia e liberdade na “sua organização e opções de modo de vida, de trabalho, de subsistência, de formação moral, de credo religioso, de educação dos filhos, de escolha de domicílio, de decisões quanto à conduta e costumes internos.” (RIZZARDO, 2006, p. 15 e 16). Não se tolera, portanto, a ingerência de estranhos, sejam eles pessoas privadas ou até mesmo o próprio Estado, para decidir ou impor no modo de vida, nas atividades, no tipo de trabalho e de cultura que decidiu adotar a família.

Neste sentido, leciona o ilustre Professor Carlos Silveira Noronha (1999, p. 69):

“No direito político nacional também essa evolução é admitida pela Constituição Federal de 1988. Conserva-se a instituição da família fundada no casamento civil ou no casamento religioso com efeitos civis; proclama-se a igualdade plena de direitos entre os consortes; admite-se a dissolução do vínculo matrimonial pelo divórcio; adota-se a paridade de qualificação e de direitos entre os filhos havidos ou não no casamento.”

Outrossim, resolvendo finalmente a questão da discriminação entre os filhos, o constituinte colocou fim a um período nada saudoso da nossa ordem jurídica estabelecendo, através da disposição constante no parágrafo 6º do artigo 227, a igualdade substancial entre os filhos, de sorte a evitar qualquer conduta discriminatória, em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana[5], finalidade precípua da República Federativa do Brasil. Assim, a partir da nova ordem constitucional, todos os filhos passaram a ter as mesmas prerrogativas, independentemente de sua origem ou da situação jurídica dos seus pais.[6]

Neste sentido, aponta Flávio Tartuce (2013, p. 1058):

“Em suma, juridicamente, todos os filhos são iguais perante a lei, havidos ou não durante o casamento. Essa igualdade abrange os filhos adotivos e os havidos por inseminação artificial heteróloga (com material genético de terceiro). Diante disso, não se pode mais utilizar as odiosas expressões filho adulterino, filho incestuoso, filho ilegítimo, filho espúrio ou filho bastardo.”

Cumpre destacar, ainda, que, como corolário do princípio da igualdade[7] entre os filhos, teremos a decorrência lógica da sua igualdade patrimonial no âmbito sucessório. De tal sorte, “os filhos possuem idênticos direitos patrimoniais, não se justificando um tratamento sucessório diferenciado para o filho adotivo, como ocorria outrora.” (FIGUEIREDO, 2013, 1183).


2. VOCAÇÃO HEREDITÁRIA E PRESUNÇÃO DE FILIAÇÃO: UMA ANÁLISE SISTEMÁTICA DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

2.1 Legitimidade para suceder e as figuras do nascituro e do concepturo.

A regra geral prevista no ordenamento jurídico brasileiro é no sentido de que somente as pessoas nascidas (ou seja, separadas pelo cordão umbilical), assim como as já concebidas ao tempo da abertura da sucessão, detém legitimidade para serem herdeiras ou legatárias. Tal regra, no entanto, encontra-se excepcionada nos termos previstos no artigo 1.799 do Código Civil Brasileiro, in verbis:

“Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:

I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;

II - as pessoas jurídicas;

III - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação.”

De tal sorte, como o nascituro já está concebido no ventre materno e tem resguardados os seus direitos sucessórios – conforme entendimento albergado pela teoria concepcionista, a qual é adotada, segundo posição doutrinária dominante, pelo Código Civil Brasileiro[8] -, inexiste dúvida quanto à circunstância de possuir legitimidade para suceder[9]. Consiste, todavia, em legitimação condicional, tendo em vista que somente titularizará direitos sucessórios de fato se vier a nascer com vida. Tratando-se de natimorto, não há que se falar em direito sucessório, embora estejam resguardados os seus direitos da personalidade[10], como o direito ao nome, à imagem e à sepultura (FIGUEIREDO, 2013, p. 1397).

Corroborando com este entendimento, adverte Maria Helena Diniz (2010, p. 1276) que a capacidade sucessória do nascituro é excepcional, somente sucedendo se nascer com vida, in verbis:

“Havendo um estado de pendência da transmissão hereditária, recolhendo seu representante legal a herança sob condição resolutiva. O já concebido no momento da abertura da sucessão e chamado a suceder adquire desse logo o domínio e a posse da herança como se já fosse nascido, porém, em estado potencial, como lhe falta personalidade jurídica material, nomeia-se um curador de ventre. Se nascer morto, será tido como se nunca tivesse existido, logo, a sucessão é ineficaz. Se nascer com vida, terá capacidade ou legitimação para suceder.”

Mauro Antonini (2008, p. 1956), por seu turno, sinaliza:

“Ao estabelecer genericamente a legitimidade sucessória passiva às pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão, a norma em questão se aplica tanto à sucessão legítima como à testamentária. (...) A atribuição de capacidade sucessória ao nascituro é disposição que dá concreção, no âmbito do direito das sucessões, ao art. 2º, pelo qual, embora a personalidade civil comece com o nascimento com vida, a lei protege desde a concepção os direitos do nascituro. Como o nascituro não tem personalidade jurídica, sua legitimação sucessória está sujeita à condição de nascer com vida. (...) Ao dispor que têm legitimidade para suceder as pessoas nascidas ou concebidas no momento da abertura da sucessão, o legislador não cuidou das hipóteses de filiação por reprodução assistida.”

No que tange à sucessão testamentária, também possuem capacidade sucessória a prole eventual, consistindo esta no filho (legítimo ou ilegítimo, bem como no adotivo)[11] que uma pessoa, a qual deve necessariamente estar viva no momento da abertura da sucessão do testador e que deverá ser devidamente especificada no ato de elaboração do testamento, terá no futuro. Não se trata, portanto, de um nascituro já concebido (conceptus), mas sim do filho ainda não concebido e que há de sê-lo no futuro (concepturo ou nodum concepti). 

Relevante observar que a prole eventual deve ser concebida (ou seja, não precisa nascer, bastando a sua concepção) no prazo de até dois anos, contados a partir da data da abertura da sucessão. Nesse caso, uma vez aberta a sucessão, os bens da herança serão confiados a um administrador ou curador expressamente designado pelo testador ou pelo juiz competente. Nascendo com vida o herdeiro esperado, a deixa ser-lhe-á deferida, acrescida dos respectivos frutos e rendimentos. Contudo, não ocorrendo a concepção no prazo ora referido, os bens serão redirecionados para o monte hereditário formado pelos herdeiros legítimos, salvo se for verificada alguma indicação específica pelo testador no testamento em sentido diverso. (FIGUEIREDO, 2013, p. 1399-1400)

Cumpre destacar, por fim, que não se trata do instituto jurídico do fideicomisso (VENOSA, 2017, p. 320 e 325). O administrador, ou curador, deverá ser nomeado pelo testador ou pelo juiz, não existindo a figura do fiduciário, o qual exercia, no caso de fideicomisso, o direito de propriedade. Os nascituros, bem como a prole eventual, recebem o quinhão com todos os frutos e acréscimos, contabilizados desde a abertura da sucessão. Tendo em vista a expressiva responsabilidade do administrador, que pode não ser o pai ou a mãe dos menores, sua função deverá ser remunerada, caso estes não o tenham sido. Caso o administrador seja o próprio testamenteiro, referida circunstância deve ser levada em conta no cálculo de sua vintena. “Note-se que, embora o presente Código preveja a nomeação desse curador na pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, a disposição testamentária ou mesmo a inconveniência apurada pelo juiz no caso concreto poderá fazer com que outros sejam nomeados” (VENOSA, 2017, p. 223-224).

2.2 Vocação hereditária e a presunção de filiação.

Vocação hereditária consiste na legitimação que o indivíduo possui para ser considerado herdeiro, tendo em vista o cumprimento de certos requisitos legais. Esta capacidade para suceder, a qual deve ser verificada no momento da abertura da sucessão em conformidade com o droit de saisine, pode decorrer ou da lei – a qual estabelece a ordem sucessória no artigo 1.829 do Código Civil Brasileiro –, ou de testamento, circunstância em que determinado indivíduo, independentemente da classificação de herdeiro ou não, é contemplado com bens. “Daí a distinção dos herdeiros em legítimos ou testamentários, que se capacitam a recolher a herança, podendo ser pessoas físicas ou jurídicas, nascida ou por nascer” (RIZZARDO, 2009, p. 47).

Para Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2003, p. 87):

“(...) tanto podem ser herdeiros legítimos, testamentários, ou mesmo legatários os indivíduos que já tivessem nascido quando do momento do exato falecimento do de cujus, bem assim todos os que já estivessem concebidos no mesmo momento. (...) Na condição de pessoas concebidas estão duas classes médico-legais: o feto, fase que vai da concepção até o início do desalojar do ser do aparelho reprodutor feminino, e o feto nascente, período que se situa entre o início da expulsão fetal e o momento em que se estabelece vida autônoma.”

Ademais, conforme adverte Caio Mário da Silva Pereira (1976, p. 30), o indivíduo, para ser considerado herdeiro, deve ser capaz para suceder e não pode ser indigno, in verbis:

“Não basta ao herdeiro invocar a sua vocação hereditária. É preciso, ainda, seja ele capaz e não indigno. Mas não se confunde capacidade sucessória com capacidade civil, ou poder de ação no mundo jurídico. Deve entender-se em acepção estrita de aptidão da pessoa para receber os bens deixados pelo falecido. Assim é que uma pessoa pode ser incapaz para os atos da vida civil, e não lhe faltar capacidade para suceder; e vice-versa, incapaz de suceder, não obstante gozar de plena capacidade para os atos da vida civil. Nesse sentido restrito, a incapacidade sucessória identifica-se como implemento legal para adir à herança.”

Questão tormentosa surge, entretanto, ao analisarmos a vocação hereditária em cotejo com a presunção de filiação prevista no artigo 1.597, III do Código Civil Brasileiro. O referido dispositivo legal estabelece a presunção de filiação nos casos de inseminação artificial homóloga ocorrida inclusive após o falecimento do marido, sendo desnecessária, portanto, a simultaneidade de vida entre o autor da sucessão e o herdeiro, bem como a prévia autorização do marido, tendo em vista a ausência deste requisito no dispositivo legal.

“Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. (grifo nosso)”

Emerge, então, o grande conflito – o qual será objeto de apreciação logo a seguir –, tendo em vista que a compreensão da vocação hereditária em nosso ordenamento jurídico, a partir da interpretação do constante no artigo 1.798 do Código Civil Brasileiro, pressupõe a simultaneidade de vida entre o autor da sucessão e o herdeiro, ressalvada a situação jurídica do concepturo. Logo, partindo de uma interpretação eminentemente legalista, chegaríamos à conclusão de que, embora o indivíduo gerado a partir de uma inseminação artificial homóloga post mortem tivesse o seu estado de filho reconhecido, não teria direito sucessório (não seria considerado herdeiro).  

Sobre a autora
Charlene Cortes dos Santos

Mestre em Direito Civil e Empresarial pela UFRGS. Especialista em Direitos Fundamentais e Constitucionalização e Graduada pela PUC/RS. Especialista em Direito Público pela Escola Superior Verbo Jurídico. Autora da obra "Curatela e Tomada de Decisão Apoiada: Teoria e Prática", publicada pela editora Juruá, bem como de capítulos de livros e artigos jurídicos. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Advogada licenciada. Corretora de imóveis licenciada. Ex-proprietária de imobiliária, com 15 anos de atuação no Direito Imobiliário. Servidora Pública Estadual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Charlene Cortes. A vocação hereditária na inseminação artifical homóloga post mortem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6241, 2 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64312. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

Seminário apresentado no curso de mestrado da faculdade de Direito da UFRGS, na disciplina "Direito das Sucessões: o direito das sucessões em sua transitoriedade” .

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