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O valor social do idoso e a violência no âmbito familiar: uma revisão teórica

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 Estudo de caso

A violência contra os idosos se expressa de maneira variada nos níveis individual, familiar, institucional, comunitário e em âmbito nacional e internacional. No interior das famílias ela ocorre de modo mais pronunciado, pois é nesse cenário em que mais veementemente os valores arcaicos, condicionados historicamente e cristalizados pelas pessoas mais velhas, são questionados pelos mais jovens, gerando conflitos intergeracionais. (FERNANDES E GARCIA, 2010). Neste trabalho serão mencionados estudos já realizados em pesquisas anteriores.

O primeiro foi realizado por acadêmicos do curso de Medicina da Faculdade Atenas, em Paracatu, Minas Gerais, no ano de 2007. O estudo trata-se de um estudo de caso de uma idosa que tem sido agredida pelo filho mais novo no qual foram realizadas visitas domiciliares os acadêmicos de medicina para acompanhar aquela determinada família durante um ano, registrando os depoimentos, sintetizando problemas, elaborando hipóteses de solução e aplicando na realidade.

Sr. (a) E., viúva atualmente com 76 anos, é aposentada que sustenta seu filho D., duas netas, V. e W. (desempregados) e a ela mesma com o dinheiro da aposentadoria. Ainda sustenta a ex-mulher de D, a R. e suas duas filhas. Tem um relacionamento com A. que não frequenta sua casa devido a problemas de agressões do filho mais novo tanto da mãe quanto do seu namorado. Sr. (a) E. sofre de alguns transtornos mentais e quando era mais nova, teve vários problemas com bebidas alcoólicas. Percebe-se que nesta família paira certa agressividade entre seus componentes, inclusive por parte do D., que já chegou a espancar E. O filho D., é alcoólatra frequente, que ao estar embriagado demonstra muita agressividade como a mãe obrigando ela a fazer serviços domésticos como lavagem de roupas independente de seu estado de saúde. Possivelmente está envolvido com drogas ilícitas. Nos relatos da agente comunitária designada daquela área o filho D. que seria o agressor foi denunciado e acabou sendo preso, mas a mãe se arrependeu e contratou um advogado para retirar o filho do presídio. Atualmente ele continua cometendo maus tratos físicos e psicológicos e a mãe acaba concordando com a aquela situação. (ROCHA E BUENO, 2007).

A implementação do Estatuto do Idoso resultou em que a questão dos maus-tratos passasse a contar com um instrumento legal que regula os direitos às pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos, com previsão de pena pelo seu descumprimento. De acordo com o Estatuto, prevenir a ameaça ou violação dos direitos dos idosos passa a ser um dever de toda a sociedade brasileira, bem como torna obrigatória a sua denúncia aos órgãos competentes. A partir da sanção da referida Lei emergem questões sobre a disponibilidade, as condições de funcionamento dos serviços de denúncia e proteção aos idosos e sobre a necessidade de criação de serviços específicos para este grupo populacional. No caso da Sr. (a) E. já foram comunicadas as autoridades do caso de agressão, só que ela não quer que o filho dela seja preso. A mulher tente a internalizar e reproduzir a agressão, contribuindo para que as estruturas que a transformam em vítima sejam mantidas. Nesse cenário, destacam-se os casos de mães que colaboram ativamente no “endurecimento” de seus filhos, transformando- os em “machos agressivos”. (ROCHA E BUENO, 2007).

O segundo caso é assim descrito: Masculino, 88 anos, divorciado, católico não praticante. Aposentado pela UFBA, com renda individual de aproximadamente 900 reais. Pai de 13 filhos com múltiplas companheiras. Procurou apoio dos membros da equipe do SMURB em 2004, relatando maus tratos no domicílio tipo empurrões, na tentativa de arrombamento do seu armário pela filha que mora com o mesmo, a fim de apropriar de sua renda mensal para arcar com todas as despesas da casa. Essa queixa, de acordo com o comunicante, foi levada à delegacia de polícia. O episódio induziu o idoso a procurar uma casa de acolhimento, entretanto, a interferência de uma sobrinha fez com que o mesmo fosse residir com ela. Esta informou ser o idoso uma pessoa considerada de difícil temperamento, tendo inclusive dificuldades para manter com assiduidade cuidadores contratados para assistência, e que não recebe atenção dos filhos. Atualmente encontra-se matriculado no PADI (Programa de Atenção Domiciliar ao Idoso), com sequelas de acidente vascular cerebral (AVC), hemiplégico à direita, com dificuldades de deambulação e dependente de cuidados de saúde. Voltou a residir com a família que anteriormente tentou extorqui-lo, pois se recusa a morar no abrigo. (MENEZES et al, 2008).

Terceiro caso: Feminino, 81 anos, solteira, doméstica, católica não praticante, reside na casa da única filha, que é a atual cuidadora, em quarto anexo à residência principal, a qual acomoda, no período noturno, a neta. Deambula com dificuldade em consequência da sequela provocada pelo AVC e pela obesidade. Após a visita domiciliar de rotina, foi observado que a idosa dorme em um quarto com precárias condições de higienização, ventilação e iluminação, dormindo com um felino, apesar de ter problemas respiratórios. Possui condições inadequadas de higiene pessoal, revelando um visível estado de negligência e abandono. Constatou-se, em relação a visitas anteriores, quando a paciente era assistida por um cuidador remunerado, que as condições de higiene pessoal e ambiental eram mais favoráveis, contudo esse teve que ser demitido por falta de condição da família em mantê-lo. (MENEZES et al, 2008).

Os estudos contribuem para confirmar a hipótese da existência de violência doméstica contra os idosos. Dentre as formas de maus-tratos observadas, sobressaem-se o abandono e as agressões físicas, provavelmente em função do tipo de serviço analisado ser voltado para o recebimento de denúncias. A gravidade e a visibilidade típicas das agressões físicas parecem contribuir para o delato dos maus-tratos. Possivelmente, a análise de informações obtidas a partir de outras instâncias, como, por exemplo, os centros de convivência, que envolvem outro tipo de aproximação com a vítima, apresente um perfil diferente.

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Considerações finais

Os estudos antropológicos oferecem relevante contribuição aos operadores do direito, uma vez que favorecem o estranhamento das formas pelas quais eles vivenciam a família e, consequentemente, dão maior visibilidade ao modo artificial como se delimita legalmente a percepção do que é uma família. (LOREA, 2012).

A violência familiar chega ao sistema jurídico sob a forma de atos violentos, reconhecidos por marcas visíveis que representam o grau extremo de algo que se constitui num sistema de relações.  A lógica de atuação nesse sistema tende a descontextualizar os conflitos, a enquadrá-los em seus termos, abstraindo-os do contexto onde ocorreram e que lhes dá sentido, razão pela qual se verifica um descompasso entre os dois momentos que, frequentemente, impede que a Justiça seja um locus efetivo para a resolução de conflitos. (SARTI, 2012).

Ver qualquer tipo de agressão contra idosos, mesmo que em vídeo, causa um incômodo muito grande, além de um sentimento de revolta, pois essas pessoas se encontram em um nível de fragilidade imposto pelo simples passar dos anos.

É importante frisar que todas as pessoas se encaminham para a velhice, então qualquer tratamento agressivo para com essa classe, demonstra falta de compaixão e até mesmo de amor próprio, pois um dia todos se tornaram idosos.

Maltratar um idoso que não pode se defender é uma das mais cruéis formas de agressão. A paciência, o cuidado e o carinho para lidar com idosos são muito importantes, pois o passar dos anos acaba por tirar-lhes a rapidez e a agilidade da juventude, tornando-os dependentes, até mesmo em atividades simples.

Outro aspecto importante é que restringir o idoso de atividades comuns pode causar nele um sentimento de frustração, que resultará em um quadro depressivo. Dessa forma, ele deve ser incentivado a exercer as atividades que estiverem ao seu alcance físico e psicológico, pois é importante que ele se sinta útil e pertencente ao meio social.

Qualquer pessoa pode denunciar a violência praticada contra idosos. Eles compõem uma classe com direitos garantidos em uma legislação própria, o Estatuto do Idoso.  Assim, o desrespeito a qualquer direito do idoso mostra um grande retrocesso da sociedade, ao ferir direitos de uma classe de pessoas que tanto já fez por seu povo.

A literatura antropológica ressalta que a noção popular de justiça não coincide necessariamente com a noção de Justiça definida pelos marcos legais.

A conflitualidade não se resolve por meio de sua redução à polaridade vítima e agressor. Trata-se de atuar sobre as relações e entender o contexto em que estas se dão. O foco deve incidir sobre todos os atores que compõem a cena da violência: o agressor, a vítima e o contexto da violência, numa abordagem interdisciplinar. (SARTI, 2012).

As relações familiares estão ganhando nova vida. Trata-se de uma rede extensa de parentes que adquire importância crucial justamente quando a conjuntura econômica piora e as políticas públicas se mostram insuficientes para garantir boas condições de sobrevivência. É preciso, todavia, lembrar que, para além desses fins práticos, parentes se mostram igualmente importantes na organização do lazer. Em particular, as gerações mais velhas, vivendo cada dia mais e gozando de melhores condições de saúde, tornam-se centrais na preparação de encontros familiares, surgindo, por meio dessas conexões, um novo tipo de clã, que agrupa, sobretudo, parentes consanguíneos e seus respectivos companheiros atuais. (FONSECA, 2012).

No que se refere aos significados que os idosos imprimem à velhice e à sua experiência diante do envelhecimento, eles estão impregnados mais por um esforço de manutenção dos atributos que lhes são postos socialmente do que por uma busca de novas aquisições. Vale ressaltar que mesmo num grupo, de algum modo possuidor de características homogeneizadoras como a condição geracional, a de renda, e mesmo no âmbito de um gênero particular (homem ou mulher), observamos que o discurso dos informantes desta pesquisa evidencia a heterogeneidade da velhice e do “ser velho”, presente tanto em seu imaginário como em sua vivência. (FERNANDES E GARCIA, 2010).


Referências:

CMI (Conselho Municipal do Idoso) de Montes Claros- MG.

DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL. Núcleo de Defesa do Idoso. Cartilha de Conscientização: 15 de junho – Dia Mundial de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa. 2015. Disponível em: http://www.defensoria.df.gov.br/wp-content/uploads/2012/07/CARTILHA_DO_IDOSO_WEB.pdf. Acesso em 14 de junho de 2015.

FERNANDES, M. G. M.; GARCIA, L. G. O sentido da velhice para homens e mulheres idosos. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 4, p. 771-783, 2010. Disponível em: www.scielo.br/pdf/sausoc/v19n4/05.pdf. Acesso em 14 de junho de 2015.

FONSECA, Cláudia. (Coordenação). Direito e Família. In: Antropologia e direito: temas antropológicos para estudos jurídicos – Brasília / Rio de Janeiro / Blumenau: Associação Brasileira de Antropologia / laced / Nova Letra, 2012.

MARIANO, Ana Beatriz Paraná. As mudanças no modelo familiar tradicional e o afeto como pilar de sustentação destas novas entidades familiares. Tese, Unibrasil 2009. Disponível em: http://www.unibrasil.com.br/arquivos/direito/20092/ana-beatriz-parana-mariano.pdf. Acesso em 08 de Junho de 2015.

Melo VL, Cunha JOC, Falbo Neto GH. Maus-tratos contra idosos no município de Camaragibe, Pernambuco. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. [Internet]. 2008 [cited 2008 dec. 31]; 6 Suppl. 1:S43-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbsmi/v6s1/30503.pdf.

MENEZES, Maria do Rosário; et al. A violência doméstica contra o idoso identificada em um de assistência domiciliar: estudo de caso. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2008; 10(4): 1050-6. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n4/v10n4a17.htm. Acesso em 12 de junho de 2015.

NOGUEIRA, Mariana Brasil. A Família: Conceito E Evolução Histórica E Sua Importância. Tese, Universidade Federal de Santa Catarina, 2007. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/18496-18497-1-PB.pdf . Acesso em 08 de junho de 2015.

RESOLUÇÃO DE SOMERSET WEST. Sobre Violência Familiar. Adotada pela 48ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial em Somerset West, República da África do Sul, outubro de 1996. Disponível em: http://www.malthus.com.br/mg_total.asp?id=169. Acesso em 30 de Maio de 2015.

ROCHA, André Mauricio Braga de Sousa ; BUENO, Helvécio . Violência doméstica contra o idoso: estudo de caso. Disponível em: http://www.atenas.edu.br/faculdade/arquivos/NucleoIniciacaoCiencia/1SEM2010/artigo%203%201%202010.pdf. Acesso em 12 de junho de 2015.

SILVA, Maria Josefina da; et al. A violência na vida cotidiana do idoso: um olhar de quem a vivencia. Revista Eletrônica de Enfermagem [Internet]. 2008;10(1):124-136. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n1/v10n1a11.htm. Acesso em 30 de maio de 2015.

ZUMA, Carlos Eduardo A violência no âmbito das famílias identificando práticas sociais de prevenção. Monografia de Especialista em Gestão de Iniciativas Sociais, LTDS/COPPE/UFRJ e SESI/DN. Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: http://www.noos.org.br/acervo/A-violencia-no-ambito-das-familias-identificando-praticas-sociais-de-prevencao.pdf. Acesso em 30 de maio de 2015.

Sobre as autoras
Caroline Gabriele Trindade Queiroz

Graduada em Geografia – UNIMONTES Acadêmica do Curso de Direito – Universidade Estadual de Montes Claros / UNIMONTES

Adriana Santos Domingos

Acadêmica do Curso de Direito – Universidade Estadual de Montes Claros / UNIMONTES

Laura Costa Silva

Acadêmica do Curso de Direito – Universidade Estadual de Montes Claros / UNIMONTES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Caroline Gabriele Trindade; DOMINGOS, Adriana Santos et al. O valor social do idoso e a violência no âmbito familiar: uma revisão teórica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5432, 16 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64617. Acesso em: 23 dez. 2024.

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