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Penhora de quotas sociais: análise e comentários das decisões dos Tribunais de Justiça de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul

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Agenda 12/03/2018 às 22:34

Da natureza jurídica das quotas sociais e da recente alteração do Código de Processo Civil, verifica-se que, diante da possibilidade de se levar a leilão quotas sociais, opera-se uma afronta a affectio societatis, com a eventual entrada de terceiro estranho à sociedade.

RESUMO: Este artigo objetiva estudar o posicionamento dos Tribunais de Justiça dos estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul no tocante à penhora de quotas sociais, observando como é admitida por essas cortes a expropriação desses bens. Para tanto, inicialmente se faz uma breve análise sobre a diferença entre as sociedades de pessoas e as de capitais, sobre natureza jurídica das quotas, a previsão do Código Civil e o recente Código de Processo Civil. Utiliza-se pesquisa bibliográfica e jurisprudencial.

Palavras-chave: Penhora; quotas; jurisprudência.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho se propõe analisar a expropriação da quota social em processo executivo forçado através das decisões dos Tribunais de Justiça do Estado de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Partindo-se dessas decisões, com o apoio na pesquisa de material bibliográfico, pretende-se demonstrar como a penhora de quotas vem sendo realizada por esses tribunais, independente de permissivo contratual e da affectio societatis entre os sócios.

No mundo atual capitalista, globalizado e neoliberal, alicerçado no direito de propriedade e no livre mercado, o objetivo das empresas é maximizar os lucros e os resultados da sua produção. Para isso, devem agir de forma a considerar, em todas as suas negociações, a tomada de decisão que leva a maior economia nos custos de transação.

Os compromissos assumidos por um dos sócios numa sociedade, em especial quanto à assunção de dívidas, mesmo proveniente de relações alheias às obrigações empresariais, podem refletir no patrimônio da empresa, nos lucros pertinentes às suas atividades e, até mesmo, na continuidade da atividade empresarial.

Considerar o impacto do ordenamento jurídico bem como as decisões judiciais que vão interferir nas relações empresariais é fundamental. Analisar o comportamento humano frente às regras jurídicas foi o que deu origem a disciplina Análise Econômica do Direito.

Investigar a postura dos tribunais norteia as decisões que devem ser tomadas pela sociedade perante as consequências que hão de assumir. As decisões judiciais são de extrema importância quando considerados os estímulos e condutas provocados na sociedade em decorrência delas. Observar a aplicação do ordenamento jurídico no mundo empírico, usar a racionalidade e estratégias são um meio de alcançar benefícios e evitar consequências desastrosas nas relações empresariais. 

A possibilidade de expropriação forçada pela penhora de quotas das sociedades personificadas, dentro do processo executivo, é uma questão que remonta o Código de Processo Civil de 1939 e o Código Comercial de 1850. No passado, haviam divergências entre os estudiosos no tocante a constrição do patrimônio do sócio recair sobre as quotas sociais da empresa. Hoje a sua constrição é admitida em decorrência da valoração econômica que se pode atribuir à quota social e do devedor responder com todo o seu patrimônio pelas suas dívidas.

Contudo, a questão ainda requer cautela e atenção a fim de que não haja confusão sobre como é feito o procedimento de expropriação da quota e como recai a penhora sobre ela, em mais se tratando das inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015.

Com a promulgação da Constituição da República em 1988, advém o Estado Democrático de Direito, direitos fundamentais são amplamente delineados, em especial quanto aos princípios processuais, fortalecendo o sistema judicial brasileiro, e é nessa sintonia que o atual e recente Código de Processo Civil é inaugurado. A legislação processual já vinha sofrendo reformas ao longo dos últimos vinte anos, a fim de garantir a efetividade e celeridade processual, respeitando o devido processo legal.

O novo Código de Processo Civil que passou a ter vigência em março de 2016 trouxe o procedimento específico na execução por quantia certa sobre penhora das quotas de sociedades personificadas, atendendo aos apelos da doutrina e da jurisprudência que se formavam. Entretanto, trouxe também dúvidas e desafios.

Considerando que o assunto envolve questões de ordem material e processual, analisaremos as diferenças entre sociedades personificadas e de capitais, a natureza jurídica das quotas sociais, as disposições do Código Civil de 2002, o procedimento na atual legislação processual, para, enfim, passar para análise das decisões jurisprudenciais e comentá-las.


1 SOCIEDADE DE PESSOAS E SOCIEDADE DE CAPITAIS

  A doutrina, em uma de suas classificações, divide as sociedades em de pessoas e de capitais. No caso da sociedade de pessoas, os sócios se reúnem por afinidade, por confiança, por escolha e convicção pessoal. Os sócios criam e dirigem a empresa, em razão do recíproco conhecimento e da mútua confiança, como ensina LUCENA (2001, p. 43).

Quando os sócios, em contrato social, condicionam a cessão de quotas à anuência aos demais sócios, fica claro a opção feita por eles, ou seja, que se trata de uma sociedade constituída intuitu personae. A quota pode ser objeto de cessão, observadas as peculiaridades trazidas pelo Código Civil de 2002, diferente do regime legal anterior. 

O Código Civil de 2002 determina que o sócio não pode ser substituído no exercício das suas funções, sem o consentimento dos demais sócios, expresso em modificação do contrato social. Caso não haja previsibilidade contratual, o sócio é livre para ceder sua quota a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros sócios. Mas se a cessão for a pessoa estranha, não pode haver a oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

Voltando para a classificação, na sociedade de pessoas, os sócios buscam construir a sua sociedade baseada na confiança que possuem entre si e nos atributos pessoais de cada um. Assim ensina TEIXEIRA (2009, p. 24):

É costume distinguir entre as sociedades mercantis as sociedades de pessoas e as sociedades de capitais. Nas sociedades de pessoas os sócios aceitam-se tendo em consideração seus atributos pessoais. Repousam tais sociedades na confiança recíproca, no crédito, na solvência, na experiência dos sócios. Dizem-se formadas intuitu personae, motivo por que, via de regra, a morte, a incapacidade ou a falência de um dos sócios, provoca a dissolução da sociedade. Ademais, a quota pertence ao sócio não pode ser transferida ou cedida inter vivos sem o expresso consentimento, por escrito dos demais sócios.

  O Código Civil brasileiro deixou aberta aos sócios a possibilidade de escolher a constituição de suas sociedades, diz assim LUCENA (2005, p. 63) “a disciplina que o Código Civil emprestou à sociedade limitada tornou muito clara a possibilidade outorgada aos sócios de optarem, segundo seus interesses e conveniências, pela constituição de uma sociedade de pessoas ou uma sociedade de capitais”.

  Portanto, é a prevalência da affectio societatis nas sociedades que caracteriza a classificação da sociedade personificada. Esse elemento personalístico é importante, pois é na vontade dos sócios que a sociedade será mantida e desenvolvida.

  Segundo Rubens Requião (2010, p. 459), a expressão affectio societatis era usada por Ulpiano para distinguir a intenção de se associar em sociedade. Já José Waldecy Lucena (2001, p. 617) traz o conceito da doutrina francesa afirmando ser uma colaboração ativa, consciente e igual entre os contratantes com o objetivo de lucros a serem partilhados.

  Quanto à constituição da sociedade na forma de capital, não haverá relevância a pessoa do sócio, o que predomina é o individualismo, o acionista se integra a sociedade ou dela se retira sem dará tenção aos demais, pela simples aquisição ou venda da parte lhe cabe, conforme ensina Rubens Requião (1993, p. 300).

O capital social é o que importa, não os atributos do sócio, unem-se os capitais, não os indivíduos, portanto, portanto a transferência das quotas, ou ações, opera-se, via de regra, livremente (LACERDA, 2007, p.24).  

Elementar apresentar a classificação das sociedades no tocante ao critério da natureza pessoal ou da sociedade de capitais, pois a utilidade dessa classificação se justifica diante da (im)possibilidade de ingresso de terceiro alheio ao quadro societário.


2 NATUREZA JURÍDICA DAS QUOTAS SOCIAIS E A SUA PENHORA CONFORME O CÓDIGO CIVIL DE 2002

É preciso também compreender a natureza jurídica das quotas, a fim de que, ao analisar as decisões judiciais, se possa compreender como os tribunais estão procedendo com a penhora.

  Hermano Villemor Amaral (1938, p. 119) explica que a quota é a parte de capital com que cada sócio contribui para a formação do capital da sociedade. José Xavier Carvalho de Mendonça (apud REQUIÃO, 2010, p. 551), ao analisar o direito do sócio, leciona que as quotas sociais são desdobradas em dois aspectos, uma em direito pessoal e a outra em direito patrimonial e que o termo quota designa o quinhão com que o sócio contribui para a formação do capital social de qualquer sociedade.

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Os direitos patrimoniais referentes à quota correspondem a um crédito consistente em perceber o quinhão de lucros durante a existência social e em particular na partilha da massa residual, depois de liquidada a sociedade. Já os direitos pessoais do sócio correspondem ao próprio status de sócio, de participar da administração da sociedade e de fiscalizar os atos de administração, exercendo o papel que lhe cabe em gerenciar o seu próprio negócio.

Explica Egberto Lacerda Teixeira (2006, p. 277) que a quota não pode ser apenas determinada como o fundo líquido que o sócio possui na sociedade. A quota corresponde a um título complexo de participação na vida econômica e administrativa da sociedade. Correspondendo a fração ideal do capital societário, ela credencia o seu titular a tomar decisões acerca dos negócios da sociedade como também a aquinhoar os lucros periódicos produzidos pela atividade empresarial. Assim, a quota confere ao seu titular o status de sócio.

Em artigo publicado com comentários acerca do julgado do Recurso Especial 39609 SP 1993/0028291-3, de relatoria do ministro do Superior Tribunal de Justiça – STJ Sálvio de Figueiredo Teixeira, a professora Uinie Caminha (1998, p. 119) explica que a quota corresponde ao quinhão com que o sócio contribui para a formação do capital social de qualquer sociedade, e posteriormente indica que a quota também corresponde ao conjunto de direitos e obrigações inerentes ao sócio quotista.

O Supremo Tribunal Federal – STF já entendia que das quotas sociais os sócios possuíam créditos correspondentes e, portanto, esses créditos são direitos que compõem os patrimônios individuais dos sócios, integrando-se na garantia geral com que contam seus respectivos credores.

Acompanhando o entendimento da natureza da quota e a jurisprudência que se manifestava, a partir do Código Civil de 2002, a penhora da quota foi admitida sem a dissolução da sociedade com a respectiva liquidação do seu patrimônio. Passou-se a penhora a recair de forma prioritária sobre os lucros da sociedade não distribuídos ou na parte que lhe tocar em liquidação, condicionado ao fato de insuficiência de outros bens.

Mesmo em se tratando de sociedade de pessoas, constituída pelo caráter intuitu personae, o legislador permite a penhora da quota e a apuração do seu valor. E, nos dizeres de Ramalho e Alves (2016, p. 216), “o Código Civil ‘sepultou’ a tese da impenhorabilidade relativa da quota sob o pálio da proteção ao caráter personalista da sociedade e ao princípio da affectio societatis”.


3 O PROCEDIMENTO DE PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

O atual direito processual civil brasileiro tomou metas voltadas para a prestação jurisdicional célere e efetiva, sob os anseios da Constituição da República de 1988. Sofrendo várias reformas ao longo dos últimos anos, o Código de Processo Civil de 1973 foi constantemente aletrado a fim de desburocratizar as exigências processuais que retardavam a prestação jurisdicional.

Buscar um processo justo, célere e efetivo foi e é o objetivo atual do processo civil brasileiro e se coaduna com os princípios constitucionais da razoável duração do processo, da celeridade, sem esquecer, o devido processo legal.

A preocupação com a afetividade na prestação da tutela jurisdicional tornou-se o centro do processo civil atual, abandonando as formas e conceitos. Hoje o que se espera é a concretude do direito, que acabou por se chamar de “processo de resultados”, como retrata Humberto Theodoro Junior (2017, p. 23).

O atual momento reclama do intérprete e aplicador do direito um cuidado em não se ater ao passado, observar e corresponder aos anseios da sociedade em tratar o processo como apenas um meio a se alcançar o direito a ser tutelado.

Com a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, em 18 de março de 2016, foram trazidas inovações no presente assunto estudado, tais como, a inclusão da penhora de quotas de sociedade simples e todo um procedimento específico para a penhora de quotas e ações de sociedades, exceto para as de companhia de capital aberto.

Conforme previsto nesse procedimento, penhoradas as quotas, o juiz concede prazo de até três meses para que a sociedade apresente o balanço e as ofereça aos demais sócios, observando o direito de preferência legal ou contratual. No parágrafo primeiro do Art. 861 da lei, a sociedade poderá adquirir as quotas penhoradas sem redução do capital social e com a utilização de reservas, evitando a sua liquidação. Essa previsão privilegia a manutenção do quadro social, da affectio societatis, e no mais, a fim de que se proteja a empresa e a continuidade da atividade econômica desenvolvida.

Já no parágrafo quinto, não havendo interesse dos sócios, sendo rejeitadas todas as medidas protetivas trazidas pela lei processual em vista da preservação do quadro societário e o pagamento do débito, e a liquidação seja excessivamente onerosa, a quota será submetida à alienação judicial, com a possível transmissão de todos os direitos a terceiro, adquirindo este o status de sócio.


4 ANÁLISE E COMENTÁRIOS DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, PARANÁ E RIO GRANDE DO SUL

Na presente pesquisa, analisamos as decisões dos tribunais de justiça do Estado de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, no período emque o atual Código de Processo Civil passou a ter vigência, ou seja, a data de 18 de março de 2017 até o período de 1º de novembro de 2017.

Diante da necessidade de se estabelecer uma data inicial no sistema de buscas e pesquisas de cada tribunal, porquanto se deseja verificar a aplicação da legislação processual atual, foi necessário indicar também uma data final.

A análise das decisões se limitou a verificar se havia a admissão da penhora de quotas da sociedade, se a penhora era efetuada sobre o lucro ou os créditos da empresa no tocante à parte que corresponde ao sócio devedor, e também se havia a possibilidade de se levar a quota a leilão, como determina o parágrafo quinto do art. 861 do Código de Processo Civil de 2015.

O conteúdo colocado na busca da pesquisa foi o termo “penhora de quotas sociais”, a fim de afastar decisões que tratassem de penhora de outros bens, como a princípio foi constatado.

Na pesquisa feita no sítio do tribunal de justiça de São Paulo, a busca resultou em 110 acórdãos, dentre esses, apenas 10 não tratavam de penhora de quotas. Dos demais 100 acórdãos, todos admitem a penhora de quotas sociais. Contudo, desses que admitem a penhora, apenas 36 abordaram no teor da fundamentação que a penhora recairia sobre os lucros da sociedade, o restante apenas se restringia a admitir a penhora de quotas.

Quanto à hipótese de ocorrência de leilão de quotas, conforme autoriza a legislação processual vigente, nenhuma daquelas enfrentou tal questão.

No tocante ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, a busca deu um resultado de 36 julgados, dentre esses, 7 acórdãos não tratavam de penhora de quotas e 2 estavam sob segredo de justiça. Dos 27 julgados, todos admitiam a penhora de quotas, sendo que apenas 4 indicavam que a penhora recairia sobre os lucros, enquanto os demais eram silentes, limitando-se apenas em analisar a sua admissão. Quanto à possibilidade de realização de leilão, não houve nenhuma decisão que abordasse o assunto.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul apresentou, no sítio de busca, 19 resultados, sendo que apenas 11 desses tratavam sobre penhora de quotas e todos a admitiam. Desses 11 julgamentos, 4 decisões se referiam que a penhora recairia sobre os lucros ou rendimentos do sócio. Nenhuma decisão abordou sobre o leilão de quotas sociais.

Vejamos a conclusão na tabela abaixo.

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Nº de acórdãos analisados

Nº de acórdão que admitem a penhora de quotas

Nº de acórdãos que fundamentam que a penhora recai sobre os lucros

Nº de acórdãos que trataram de leilão das quotas

110

100

36

0

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

Nº de acórdãos analisados

Nº de acórdão que admitem a penhora de quotas

Nº de acórdãos que fundamentam que a penhora recai sobre os lucros

Nº de acórdãos que trataram de leilão das quotas

36

27

4

0

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Nº de acórdãos analisados

Nº de acórdão que admitem a penhora de quotas

Nº de acórdãos que fundamentam que a penhora recai sobre os lucros

Nº de acórdãos que trataram de leilão das quotas

19

11

4

0

Agora se passa a comentar as decisões que se destacaram nessa pesquisa e o que elas esclarecem sobre o assunto.

  No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a decisão abaixo vem, em consonância com o Código Civil, fazer recair a penhora sobre os lucros da sociedade. Assim, explica que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, a execução deve observar os princípios da preservação da empresa e o da menor onerosidade da execução, aquele de ordem material, atinente ao direito empresarial, e este de ordem processual, corroborando com o que já foi dito de que a questão envolve aspectos de ordem material e processual[2]. 

Aliado a isso, tem-se que o art. 1.026 do Código Civil estabelece que “O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação”, criando uma ordem de preferência entre as duas medidas.

Por tais razões e com fundamento nos Princípios da Preservação da Empresa e da Menor Onerosidade da Execução, o E. Superior Tribunal de Justiça relativizou a penhora da quota social por dívida particular do sócio, impondo que a execução recaia, em primeiro lugar, sobre o que a ele couber pelos lucros da sociedade.

A decisão ainda junta precedentes do STJ[3], de relatoria do ministro Luís Felipe Salomão, confirmando o entendimento de que a penhora se dará nos moldes previstos nos arts. 1.026 e 1.053 do Código Civil. A penhora sobre as quotas sociais só deve recair sobre elas em não havendo lucros a serem distribuídos aos sócios.

Explica que o Código Civil relativizou a penhorabilidade das quotas sociais, que só deve ser efetuada quando superadas as demais possibilidades, evitando ao máximo a adoção de solução que possa provocar a dissolução da sociedade empresária e a maior onerosidade da execução.

A liquidação parcial da sociedade empresária por débito estranho à empresa, segundo o Tribunal da Cidadania, deve ser a última medida, posto que implica sua descapitalização, afetando os interesses dos demais sócios, empregados, fornecedores e credores.

Conclui, então, o Superior Tribunal de Justiça que não pode ser deferida, de imedia jurato, a penhora das cotas sociais de sociedade empresária que se encontra em plena atividade, em prejuízo de terceiros, por dívida estranha à referida pessoa jurídica.

É com base nesse entendimento que o tribunal de justiça referido restou por rejeitar a penhora das quotas da sociedade pertinente ao sócio devedor, não por serem elas impenhoráveis, mas porque naquele momento processual, a penhora e a sua consequente liquidação encontram óbice, pois se deve primeiro penhorar os rendimentos da sociedade na parte que compete ao sócio devedor.

Na pesquisa feita, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se mostra mais afeto à questão de que antes de se efetuar a penhora das quotas propriamente, se deve buscar, por meio de balanço, os rendimentos, créditos e/ou lucros que a sociedade aufere e correspondem ao patrimônio do sócio devedor passível de penhora. Enquanto julgados de outros tribunais, simplesmente apenas se manifestavam restritamente quanto à sua possibilidade ou não, sequer se referindo ao dispositivo do Código Civil que assim direciona o entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça.

Apresenta-se, desta forma, ementas de alguns julgados que corroboram com a nossa posição.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA. REQUERIMENTO DE PENHORA SOBRE O LUCRO DA SOCIEDADE PREVIAMENTE À PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS. POSSIBILIDADE. ART. 848, I, CUMULADO COM ART. 835, § 1º, DO CPC E ART. 1.046 DO CÓDIGO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Décima Quinta Câmara Cível. Agravo de Instrumento Nº 70074662107. Relator: Ana Beatriz Iser. Julgado em 27/09/2017) (grifo nosso).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE CRÉDITOS DA AGRAVADA. POSSIBILIDADE. Ante a frustrada tentativa de penhora de bens da executada, somada à ausência de indicação de outros bens penhoráveis, revela-se possível o deferimento da penhora sobre crédito da agravada a ser extraído dos lucros de sociedade empresária da qual é sócia, não havendo falar em ofensa ao art. 835 do NCPC. Exegese do art. 855, I, do NCPC. Agravo de instrumento provido. Unânime. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vigésima Câmara Cível. Agravo de Instrumento Nº 70074823618. Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 30/08/2017) (grifo nosso).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA. PENHORA DE LUCRO DESTINADO AO SOCIO DEVEDOR DE PESSOA JURÍDICA ESTRANHA À LIDE. POSSIBILIDADE. SÓCIO DEVEDOR QUE NÃO POSSUI OUTROS BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. Tendo o agravado bens insuficientes, mas sendo sócio e obtendo lucro de pessoa jurídica, poder-se-á penhorar lucro a ele devido, ainda que a pessoa jurídica seja estranha à lide, pois o lucro, se houver e for distribuído, é bem do devedor. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Décima Sétima Câmara Cível. Agravo de Instrumento Nº 70073301855. Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 29/06/2017) (grifo nosso).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. PENHORA SOBRE LUCROS DE EMPRESAS DISTRIBUÍDOS AOS SÓCIOS. POSSIBILIDADE, INDEPENDENTE DA DENOMINAÇÃO ADOTADA PARA A VERBA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Décima primeira Câmara Cível. Agravo de Instrumento Nº 70072718935. Relator: Bayard Ney de Freitas Barcellos. Julgado em 07/06/2017).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO. PENHORA DE COTAS SOCIAIS E LUCROS DA SOCIEDADE POR DÍVIDA PARTICULAR DE SÓCIO. POSSIBILIDADE. É possível a penhora de cota social por dívida particular do sócio. Todavia, nos termos do art. 1.026 do CC, tal medida deve ser precedida de tentativa de penhora dos lucros da sociedade que tocam ao sócio, em nome da conservação da empresa e da menor onerosidade. Precedente STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul. Décima Nona Câmara Cível, Relator: Marco Antonio Angelo. Agravo de Instrumento Nº 70067863233. Julgado em 11/08/2016) (grifo nosso).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS. DÍVIDA PARTICULAR DO SÓCIO. É possível a penhora de quotas sociais por dívida particular do sócio, por força do que estabelecem os artigos 789, 835, inc. IX e 861 do CPC. No entanto, em razão de tal medida implicar dissolução da sociedade com relação ao sócio devedor, deve ser precedida da penhora dos rendimentos cabíveis ao sócio, com fundamento nos Princípios da Preservação da Empresa e da Menor Onerosidade da Execução. Art. 1.026 do Código Civil que, inclusive, institui ordem de preferência, ao estabelecer que "O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação". Precedente do E. STJ. Manutenção da decisão que indeferiu a penhora das quotas sociais, por fundamento diverso. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Segunda Câmara Cível. Agravo de Instrumento Nº 70069834539.Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 27/07/2016) (grifo nosso).

Passa-se agora a comentar sobre a questão trazida pelo Código Processo Civil que permite que as quotas sociais sejam levadas a leilão, conforme preceitua o parágrafo 5º do art. 861 do atual Código de Processo Civil[4], quando o sócio não tem o interesse de exercer o seu direito de preferência, não efetuando a aquisição da quota pela sociedade, e a liquidação da quota torna-se medida excessivamente onerosa para a atividade empresarial.

O Superior Tribunal de Justiça - STJ, em julgamento publicado no Informativo n.º 078[5], em 14/11/2000, anterior ao Código de Processo Civil vigente, de relatoria do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, já admitia a penhorabilidade de quotas sociais, sob a assertiva de que esta possibilidade não acarretaria a inclusão de novo sócio, mas apenas o pagamento do débito. Sob essa justificativa, admitia-se a penhora de quotas, sob o argumento de que a penhorabilidade de quotas não acarretaria a inclusão de terceira pessoa, posto que a penhora de quotas recai apenas na parte em que se expressa em valores econômicos.

Esse posicionamento continua se mantendo e permanece sendo adotado pelos tribunais a quo, contudo ainda não houve um verdadeiro enfretamento sobre a alienação judicial de quotas sociais penhoradas em processo de execução nos termos do §5º do art. 861 da vigente lei processual[6].

Expõe-se um recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que no acórdão se transcreve a decisão de primeiro grau agravada e que esta determina que se proceda com o leilão judicial das quotas sociais.[7] O julgador defere a penhora das quotas sociais, dando oportunidade dos sócios exercerem o direito de preferência, determina a sua liquidação, o que, neste caso, a apuração dos valores seriam depositados em conta judicial a fim de posteriormente serem revestidos em favor do credor. Até aí se finalizaria o propósito do credor em receber o que o sócio lhe devia.

Contudo, o intérprete da lei deve, antes de determinar a liquidação das quotas, verificar o quanto tal procedimento afetaria a atividade da empresa, em especial o risco da sua descontinuidade. Observando o preceito processual, caso a medida seja excessivamente onerosa, o juiz não poderá determinar o leilão judicial das quotas.

Muito embora a decisão de primeiro grau tenha se referido ao leilão, a questão não chegou a ser enfrentada no acórdão para admiti-lo, a decisão se restringe a admitir a penhora das quotas sociais e, em sua fundamentação, de que esta não acarreta a inclusão de novo sócio.  Ora, o leilão, conforme previsto, nada mais é do que a alienação judicial das quotas, ou seja, a transferência dessas ao adquirente, não somente com os lucros, mas assumindo tudo o que dela provém.

Em decisão proferida no Tribunal de Justiça do Paraná, o julgador assim se manifestou[8]:

(..) A própria Constituição Federal, em seus artigos 1.º, inciso IV, e 170, parágrafo único, assegura a livre iniciativa e o livre exercício da atividade econômica, não competindo ao Poder Judiciário mitigar tal garantia constitucional, mormente quando a satisfação do credor possa ocorrer de modo menos oneroso ao devedor e inclusive a terceiros.

Para esclarecer, conforme dicionário jurídico[9], a definição de leilão é “venda pública de qualquer coisa, a quem oferecer maior lance, efetuada sob pregão de leiloeiro ou de pessoas autorizadas por lei”.

Em análise a outro caso, este oriundo do Tribunal de Justiça de São Paulo, podemos observar o posicionamento da relatora pela admissibilidade da penhora de quotas, mas deixa claro que não há transferência dos direitos do sócio ao credor, posto o dispositivo do código civil se restringe a penhora dos lucros ou a transferência ao credor da parte que lhe cabe por ocasião da liquidação[10]. Tal decisão demonstra, como a maioria das decisões analisadas, de que os julgadores não admitem o ingresso de terceiro em quadro societário.

É firme, portanto, o entendimento dos magistrados pelo não ingresso de terceiros alheios à sociedade como se pronuncia o TJ/SP[11] em uma de suas decisões: “Assim, como ponderado pelo MM. Juízo “a quo”, a providência contida na decisão agravada garante a continuidade da empresa, assegura o direito de preferência dos demais sócios e evita que terceiros ingressem na sociedade, afetando sua própria existência” (Grifo nosso). E ainda explica:

(...) há que se permitir à sociedade ou aos demais sócios detentores do direito de preferência, a remição da execução ou das quotas, ou mesmo proceder se à liquidação da cota do devedor, na esteira do disposto no art. 1.026, parágrafo único, do Código Civil, a fim de se evitar eventual quebra da affectio societatis, com a alienação judicial de quotas a pessoa estranha ao corpo social originário, sem anuência dos demais sócios.

Sobre a possibilidade da alienação judicial das quotas penhoradas, se traz o posicionamento do processualista Humberto Theodoro Junior (2017, e-book), que explica que o credor nunca poderá vir a ocupar o lugar do devedor na qualidade de sócio na sociedade:

A arrematação ou adjudicação da cota social, destarte, faz-se por meio de sub-rogação apenas econômica do adquirente sobre os direitos do sócio de requerer a dissolução total ou parcial da sociedade, a fim de receber seus haveres na empresa, nunca, como adverte Amílcar de Castro, como substituição ao devedor, como se fosse, na qualidade de novo sócio, um sucessor do devedor.

Contudo, não parece ser esse o entendimento do legislador ordinário. Portanto, o intérprete deve ir com cautela quanto à disposição legal do parágrafo quinto do art. 861 do CPC/2015, posto que leiloar uma quota, transferindo-lhe a sua titulação ao credor do sócio, por exemplo, levaria ao ingresso de terceiro estranho à sociedade.

É essencial destacar aqui que o ingresso de terceiro na sociedade através da alienação judicial, por ser por meio forçado, fere princípios constitucionais, tais como o da livre iniciativa e da liberdade de associação.

Sobre a autora
Juliana de Castro Costa

Mestranda em Direito Constitucional na Universidade de Fortaleza - UNIFOR.

Informações sobre o texto

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