RESUMO: O presente artigo trata da trajetória percorrida pelo dano moral, suas barreiras e evoluções enfrentadas até chegar ao modelo atual utilizado pelo sistema jurídico brasileiro. Assim, são explanados os primeiros indícios de indenização do referido dano em diversas partes do mundo, além de ter sido analisado o dano moral baseando-se em conceituações da autora Maria Helena Diniz e do jurista Carlos Roberto Gonçalves, e verificando se é indenizável ou não. Também foi apresentado a solução adotada pelo ordenamento brasileiro para o problema que se instaurou em reflexo da banalização gerada pela adoção do modelo norte americano, pois a população brasileira não estava preparada para recepcionar o modelo dos Estados Unidos da América, e o motivo foi citado ao longo do texto. A metodologia adotada foi a bibliográfica, com a utilização de diversos autores que tratam do tema como Pablo Stolze e Antônio Carlos Wolkmer, artigos científicos como o de Sandy Sousa, jurisprudências e legislação do sistema jurídico brasileiro. Foi também analisada a forma de quantificação da responsabilização do dano moral no Brasil. Além disso, observou-se que apesar das dificuldades inerentes à quantificação do instituto, foram aplicadas medidas capazes de mantê-lo no ordenamento até hoje, embora não tendo se chegado a uma solução ideal, devido ser um dano de difícil mensuração já que não é visível e nem palpável.
PALAVRAS-CHAVES: Dano moral. Evolução. Quantificação. Indenizável. Banalização.
1 INTRODUÇÃO
A escolha desse tema se deu devido um desejo de saber como o dano moral chegou à forma de aplicação que ocorre hoje em dia, quais os nortes foram tomados para chegar a mesma e se a opção escolhida foi a melhor possível.
E também, o porquê do modelo de quantificação, se era o mais coerente possível a ser adotado e se foi testado outro modelo alternativo para que se pudesse chegar à conclusão de que era a melhor opção para a sua efetivação na sociedade brasileira.
A presente pesquisa trata do dano moral e sua evolução no decorrer da história e tem por objetivo analisar o processo evolutivo do dano moral no Brasil para chegar ao modelo atual, explicitando suas falhas e melhorias que advieram ao logo de sua aplicação.
O artigo será desenvolvido em dois tópicos iniciando-se pelo estudo do dano moral, como os seus requisitos que devem ser obedecidos e a classificação do dano moral. Já no segundo tópico trata-se a respeito do estudo do dano moral, subdividido da seguinte forma: sua evolução histórica, sua aceitação no ordenamento jurídico brasileiro bem como a banalização de tal instituto e a atual aplicação no sistema em vigor.
Dessa forma, será apresentado o que é o dano moral através de definições de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona filho e da escritora Maria Helena Diniz, e também como ele será tratado, com foco principal na evolução sofrida pelo dano moral ao longo da história tanto do Brasil como em outras civilizações, tendo sido dividido em fases progressivas.
Discute-se também, a dificuldade que entrelaça a quantificação do dano moral no Brasil que ao longo do texto será explanado quais as barreiras enfrentadas para aplicação do instituto, quais soluções que serão adotadas, se efetivamente serviram ou não de desafogo ao judiciário e qual o modelo vigente que será aplicado na prática pelo sistema jurídico brasileiro.
Para a confecção desse artigo foi feito uma pesquisa bibliográfica com fundamentação teórica em autores renomados como Pablo Stolze, Maria Helena Diniz, Sandy Sousa assim como jurisprudências, a legislação brasileira e artigos científicos já publicados que servirá de norte e embasamento na estruturação o presente trabalho.
2 DANO INDENIZÁVEL
Para compreensão do que seja um dano indenizável é necessário saber que nem todo dano pode ser indenizado, apenas aqueles que preenchem determinados requisitos podem ser classificados como tal, esses requisitos segundo Sandy Sousa (2011, p. 1) são:
1) Violação a um interesse jurídico tutelado:
Ex.: dor de fim de afeto não é indenizável porque isso não traduz uma violação jurídica.
2) Certeza do dano: Só se pode indenizar dano certo, não se indeniza dano hipotético/abstrato. É por isso que não se pode indenizar o mero aborrecimento;
OBS: a despeito do requisito da certeza, o que falar da perda de uma chance no direito civil? Essa teoria, que nasceu na França, relativiza a certeza do dano. Segundo Fernando Gaburre, a perda de uma chance pode ser indenizável por afastar uma expectativa ou probabilidade favorável ao lesado (no STJ, ver Resp 788.459/BA). Na perda de uma chance não se precisa de dano certo. O que se perdeu foi à probabilidade de ganho. Ex.: advogado que deixa de recorrer; médico que deixa de aplicar procedimento possível; maratonista Wanderley. Essa perda de uma chance não significa indenização integral, a indenização pode ser mitigada.
3) Subsistência do dano:
Para o dano ser indenizável ele deve ser subsistente, ou seja, o dano que já foi recomposto não é passível de indenização.
Assim, são exemplos de danos indenizáveis o dano moral, dano moral reflexo (são resultantes danos que recaem sobre uma terceira pessoa, exemplo, morte de um mantenedor de família que acaba afetando seus filhos menores por ficarem sem seus sustentos), dano material (é aquele que afeta o patrimônio do lesado, ou seja, sofre uma perda ou deteriorização nos bens materiais) e o dano estético (toda alteração morfológica na pessoa que cause constrangimento), pois todos eles cumprem os requisitos acima citados.
3 DANO MORAL
Para a compreensão do dano moral é necessário conceituá-lo. Assim Maria Helena Diniz define que o dano moral “é o prejuízo de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, decorrente de um fato prejudicial” (DINIZ, 2003, p. 84). E segundo o jurista Carlos Roberto Gonçalves o dano moral é:
“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação” (GONCALVES, 2009, p.359).
A Constituição Federal de 1988 nos seus artigos 1° III 5°, V e X refere-se ao dano moral como um direito a dignidade que toda pessoa humana tem, que é um dano indenizável quando violável. Com tudo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2006, p.97) definem:
O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. É o dano que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos de personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
Observa-se, portanto que não tem caráter patrimonial pois quanto assim for será dano material e não moral e que atinge diretamente a pessoa. São requisitos de caracterização do dano moral a dor psíquica e a lesão aos direitos personalíssimos.
3.1 Evolução histórica
Depois que, foram expostas todas as noções necessárias ao entendimento do texto é preciso ter um norteamento histórico do surgimento do dano moral na sociedade. Assim, nos padrões da antiguidade o dano moral era irreparável, e com o código de Hamurabi tem um dos primeiros registros do dano moral. Com isso, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona citam (trazido do §127 do código): “§127: Se um homem livre estendeu o dedo contra uma sacerdotisa, ou contra a esposa de um outro e não comprovou, arrastarão ele diante do juiz e raspar-lhe-ão a metade do seu cabelo” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2004, p. 58).
Assim, é possível perceber que neste período a compensação do dano se dava através de um padrão pré-estabelecido. Desrespeitava-se uma regra social ditada pelos costumes do grupo ao qual era inserido era submetido ao um juiz e “pagava” de acordo com o que era determinado pelo costume.
Tem–se também o Código de Ur-Mammu de meados de 2140 e 2040 a.C., no citado Código, já se tem possibilidade de encontrar previsão para a reparação do Dano Moral. O mesmo trazia em seu texto soluções de conflitos que outrora acontecerá. Com base nisso, em uma publicação de Araújo Pinto in Wolkmer (2003, p.47), VII do Código mencionado:
Um cidadão fraturou um pé ou uma mão a outro cidadão durante uma rixa pelo que pagará 10 siclos de prata. Se um cidadão atingiu outro cidadão com uma arma e lhe fraturou um osso, pagará uma mina de prata. Se um cidadão cortou o nariz a outro cidadão com um objeto pesado pagará dois terços de mina.
Assim, é possível perceber um dos primeiros indícios de compensação do dano, ressaltando que o mesmo não atingia o patrimônio do lesado, mas sim a sua integridade.
Como os demais já anteriormente mencionados no texto as Leis Escrita de Manu tratam de uma codificação indiana em que o legislador indiano previa a reparação para vítimas de danos morais, a compensação tinha um caráter pecuniário, o que claramente a difere o mesmo do código de Hamurabi.
Para compreensão de como se passou adotar essas posturas é preciso observar as leis jusnaturalistas, de onde surge a base de norteamento das regras sociais.
Estas determinam que para a obtenção da vida em sociedade o homem, criou regras e normas como bases principiológicas, buscando proteger a sua vida, dos seus familiares e principalmente das suas propriedades sejam elas de qual natureza fossem, um exemplo seria a econômica privada, as quais são aplicadas através do uso do bom senso e da boa-fé, amparando, protegendo e dando segurança para o homem agir dentro da sociedade de forma tão livre quanto é no estado natural.
Assim, é perceptível que no desenrolar da vida social seja na defesa de seus interesses ou na busca dos mesmos o homem em quantos ser social se depara com diversos conflitos e cria (estabelece) meus para tentar soluciona-los. Esse panorama não foi diferente para com a reparação advinda de um dano moral.
A princípio, o dano moral não teve aceitação estava no plano da irreparabilidade. Umas das razões para isso era o desconhecimento do que serio o dano moral, a dificuldade de mensuração do mesmo já que planava em um plano personalíssimo (o ordenamento jurídico não tinha um norteamento de como avaliar uma dor advinda do psíquico).
Advindo disso, no mundo jurídico com todo dinamismo surgem diversos questionamentos acerca do tema, como por exemplo, como se daria a compensação em dinheiro decorrente desse dano? Como se provaria seu efetivamente sua ocorrência? Quais padrões de julgamento deveriam ser seguidos pelos julgadores (teriam poder discricionário sem restrições?).
Tamanhos e dificultosos questionamentos serviam de empecilho na aceitação da aplicação da reparação do dano moral. Com tudo, a evolução social e também a cultural humanística trouxeram consigo a necessidade de sua concretização.
3.1.1 Aceitação
Embora o Código Civil brasileiro de 1916 não tenha dado enfoque ao questionamento da reparação de dano moral de maneira ampla, apresentou apenas previsões esparsas ao longo dos seus artigos. O advento da Constituição Federal de 1988 trouxe no seu artigo 5°, incisos V e X que:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988)
O referido artigo ora citado com seus respectivos incisos é um dos preconizadores de utilização do dano moral pelo sistema jurídico brasileiro, pois traz consigo a concretização desse instituto, dando não apenas margem, mas também meio para sua efetivação.
Assim, com o passar dos anos e de sua utilização começaram a surgir novos questionamentos acerca do tema, um deles foi a possibilidade ou não de cumulação do dano moral com o dano material (cuja a perda ou desgaste afeta diretamente o patrimônio da vítima).
Para tanto, o STJ editou a súmula 37 possibilitando tal cumulação: “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”
Contudo, os problemas anteriormente explanados no texto permanecem, pois embora tenha amparo legal o mesmo se colocava de modo muito amplo, ou seja, não trouxe com ela regulamentação para sua aplicação, já que não determina, por exemplo, como seria a valoração de uma pena pecuniária.
Desse ponto, surgem outros questionamentos ainda mais complexos. Um deles é a tarifação do instituto em questão, já que não é possível se medir a proporção de uma dor. Assim, o dano moral fica subordinado a critérios de livre escolha dos árbitros, como dispõe o artigo 953 do Código Civil brasileiro de 2002:
A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstancia do caso. (BRASIL, 2002).
Portanto, é possível através do disposto no artigo compreender como na pratica o quanto indenizatório fica à disposição do entendimento do julgador.
3.1.2 Banalização
Levando os julgadores de início a uma busca de aplicação desse instituto de maneira similar a locais que já o aplicavam. Tomando como exemplo os Estados Unidos da América aplicou-se no Brasil a teoria do desestimulo, a mesma prega uma punição muito rigorosa aos que cometem o dano moral como forma de desestimular sua reiteração.
Porém, o pagamento de multas muito altas no Brasil passou a ser visto como uma forma de enriquecimento ilícito (o que é proibido por lei) gerando assim diversas ações sem o menor nexo. E então, passou-se a adotar o princípio da proporcionalidade na aplicação do dano moral, visando compensar razoavelmente o dano sofrido e evitar a movimentação da máquina estatal por ações sem a devida necessidade. Destacado claramente pela decisão do TRT-2:
TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO RO 00001724520145020009 SP 00001724520145020009 A28 (TRT-2)
Data de publicação: 13/03/2015 Ementa: DANO MORAL - BANALIZAÇÃO - INDENIZAÇÃO INDEVIDA.
Está havendo verdadeira banalização do dano moral, que passou a ser pedido que de praxe acompanha quase todas as ações trabalhistas. Por qualquer situação menos agradável que ocorra na convivência entre empregados de vários escalões em locais de trabalho, qualquer atrito, qualquer mau humor, qualquer palavra mais áspera, fica-se à espreita para tentar obter indenização patronal, situação que não pode ser tolerada pelo Judiciário.
Assim, é possível verificar qual o método adotado pelo judiciário brasileiro para solucionar os problemas inerentes a banalização de ações de dano moral.
3.1.3 Aplicação no sistema vigorante
Com tudo, o sistema adota e aceita atualmente o instituto do dano moral como autônomo, passível de cumulação com os demais danos. Mas ainda contem dificuldades no tocante a sua quantificação, que fica condicionada ao bom senso do julgador. Exemplificado na decisão do TJ-SC:
TJ-SC - Apelacao Civel AC 148935 SC 2001.014893-5 (TJ-SC)
Data de publicação: 28/03/2003
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO - CUMULAÇÃO DE DANO MORAL COM MATERIAL - SEGURO OBRIGATÓRIO - ABATIMENTO DA INDENIZAÇÃO DO DIREITO COMUM INDEFERIDO - - PAGAMENTO NÃO COMPROVADO - PRECLUSÃO - CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL PARA GARANTIR PENSÃO ALIMENTÍCIA - CELESC - EMPRESA PRIVADA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 602 DO CPC - RECURSO DESPROVIDO São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato (Súmula 37 do STJ). Para ter direito ao abatimento da importância correspondente ao seguro obrigatório, é necessário, primeiramente, que a empresa apresente as provas demonstrando o pagamento da referida importância. As empresas de economia mista não estão isentas da obrigação prevista no Código de Processo Civil (art. 602).
Lembrando que, o Código de 2002 trouxe à expressão “exclusivamente moral”, que assim estabeleceu com muita clareza, que diante de um dano exclusivamente moral, teria o direito de receber indenização caso o mesmo fosse provado.
O artigo 180 do código civil estabelece isso de maneira muito nítida: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (BRASIL, 2002).
No tocante a quantificação do dano moral, espera-se que a decisão do julgador seja o mais justa e imparcial possível, e que o mesmo considere cada caso concreto levando em conta sua peculiaridade e a proporção do sofrimento gerado a cada indivíduo mesmo este sendo o fator problema da aplicação do dano moral, já que e personalíssimo, ou seja, o dano que para um indivíduo é facilmente superado, para outrem é destruidor e o julgador nem tem como mensura a proporção que esse sofrimento atingiu em cada pessoa. Para que, dele extraia o melhor resultado possível em prol da harmonia social.
Com tudo, existem alguns danos que o grau de sofrimento é presumidamente maior que outros, como a exemplo a morte de um filho, para os pais em regra é um sofrimento devastador.