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Regime de contratação integrada: vinculante ou discricionário?

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Competência para a elaboração dos projetos básico e executivo

Característica comum e distintiva do regime de contratação integrada, extraída dos diplomas (Lei nº 12.462/11 e Lei nº 13.303/16) e do projeto de lei retro citados, refere-se à transferência da elaboração do projeto básico - denominado de projeto completo[4] no Projeto de Lei nº 6.814, de 2017 - e do projeto executivo[5], da administração pública para o licitante vencedor do certame (contratado). À administração pública, na fase interna da licitação, compete tão-somente a elaboração de anteprojeto (o qual integrará o edital da licitação como anexo), com base em estudos técnicos preliminares[6], que subsidiará o licitante vencedor (contratado) na elaboração dos projetos básico (ou projeto completo) e executivo.

A elaboração de anteprojeto[7] compreende as especificações e técnicas que serão empregadas, a definição das frentes de serviço, a sequência das atividades, o uso e as características dos equipamentos necessários e as atividades associadas à execução do objeto, com o fim de evitar possíveis interferências externas.

Anota o Ministro Benjamin Zymler, no voto revisor do Acórdão nº 1.388/2016 – Plenário:

Ou seja, o anteprojeto não deve se tratar de uma peça imprecisa ou incompleta, que não defina adequadamente o objeto, mas sim de minucioso trabalho de engenharia que, aprofundando a melhor alternativa oriunda dos estudos de viabilidade técnica e econômica, que o antecedem, permita à Administração demonstrar como deve ser atendido o interesse público, sem impedir que inovações incorporadas pela iniciativa privada possam melhorar ainda mais a vantajosidade no atendimento ao programa de necessidades.

É fundamental que a administração pública alicerce o anteprojeto e o instrumento convocatório em indicadores de finalidades e resultados que o licitante vencedor (contratado) deva produzir. Este terá maior autonomia para definir os métodos de execução do objeto e as soluções possíveis para a consecução desses resultados e finalidades. Buscam-se, pois, com a adoção do regime de contratação integrada, resultados, relativizando-se os meios para alcança-los.

O reconhecimento, pela administração, de ser o mercado o detentor de soluções técnicas inovadoras e que, por isso, a tarefa de elaborar o projeto básico pode ser superiormente desempenhada pelo particular, não exonera a administração do dever de julgar o projeto básico elaborado por terceiro, podendo rejeitá-lo se desatender a requisitos técnicos e econômicos previamente estabelecidos, o que também deverá estar previsto e definido nos autos do processo, inclusive quanto a critérios objetivos de julgamento das soluções técnicas apresentadas (critério de julgamento baseado na combinação técnica e preço).


Aditamento contratual

A regra, no regime de contratação integrada, é a vedação à formalização de aditamentos contratuais. Confira-se o dispositivo atinente a essa vedação na Lei nº 12.462/11:

Art. 9º [...]

§ 4º Nas hipóteses em que for adotada a contratação integrada, é vedada a celebração de termos aditivos aos contratos firmados, exceto nos seguintes casos:

I - para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior; e

II - por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites previstos no § 1o do art. 65 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

Também no Projeto de Lei nº 6.814, de 2017:

Art. 101 [...]

§ 9º Nas hipóteses em que for adotada a contratação integrada, é vedada a alteração dos valores contratuais, exceto nos seguintes casos:

I – para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior;

II – por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da Administração, desde que não decorrente de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites estabelecidos no § 1°.

A vedação a que o contrato, sob o regime de contratação integrada, seja aditado, salvo nas duas hipóteses excepcionais elencadas[8], é a contrapartida da maior autonomia atribuída ao contratado na definição das especificações técnicas e operacionais atinentes ao objeto e sua execução, postas nos projetos básico e executivo, que se incumbiu de desenvolver ao consagrar-se vencedor da licitação. Em outras palavras: qualquer erro na elaboração dos projetos básico e executivo será absorvido pelo contratado, que não poderá repassar à administração os custos consequentes, dado que mudanças no projeto somente se admitem para recompor o equilíbrio da equação econômico-financeiro do contrato - hipótese em princípio elidida em face de erro perpetrado pela própria licitante que elaborou o projeto - ou no interesse da administração - hipótese que tanto se justificaria no caso de a alteração corrigir deficiência ou omissão da administração quando elaborou o anteprojeto, ou em razão de fatos supervenientes, e desde que sem desnaturar o objeto do contrato.

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As duas hipóteses excepcionais, que autorizam a administração a alterar a relação jurídico-contratual inicialmente pactuada, encontram supedâneo no art. 37, XXI, da Constituição Federal (XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações).

O contrato administrativo visa atender a necessidades da administração e, reflexamente, ao interesse público. Ao contratado se reconhece o direito ao lucro legítimo e inerente à sua atividade empresarial, que advirá da remuneração definida nas cláusulas financeiras do contrato. A remuneração há de ser assegurada nos termos originais pactuados e também no curso da execução contratual, preservando-se a relação inicial encargo/remuneração que a Constituição Federal almeja garantir ao estabelecer a manutenção das condições efetivas da proposta (art. 37, XXI). Se, de um lado, a administração tem o poder-dever de alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares ou de serviço de seus contratos, por outro, ao contratado assiste o direito à manutenção da equação econômico-financeira diante de situações específicas que venham a onerar o cumprimento do contrato, sejam decorrentes de alterações unilaterais, de caso fortuito ou força maior.

Registre-se que as hipóteses de aditamento, no regime de contratação integrada, são numerus clausus, isto é, não admitem interpretação analógica ou extensiva, somente podendo ocorrer nos estritos termos da norma positivada.

Avaliação realizada pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) [9] sobre os resultados alcançados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) na utilização do regime diferenciado de contratações públicas (RDC), com ênfase na utilização do regime de contratação integrada, apontou a redução de aditivos em comparação a outros regimes de execução indireta utilizados pela entidade, mas não a sua satisfatória eliminação. A CGU constatou que a adoção da contratação integrada reduziu o número de aditivos nas obras do DNIT, principalmente aqueles relacionados à alteração de valor contratual, contudo, verificou a formalização de aditivos em 40% das obras já concluídas e em 31% das obras em andamento.

O percentual de aditivos identificados pela CGU é considerável haja vista que, no regime de contratação integrada, eventuais ganhos ou encargos oriundos das soluções adotadas pelo contratado na elaboração do projeto básico devem ser auferidos ou suportados única e exclusivamente pelo particular, independentemente da existência de uma matriz de riscos disciplinando a contratação. Por outro lado, eventuais omissões ou indefinições no anteprojeto, em regra, não ensejam a celebração de termos de aditamento contratual, pois anteprojeto não é projeto básico.


Matriz de riscos

De acordo com o art. 9º, §5º, da Lei nº 12.462/11, acrescentado pela Lei nº 13.190/15, se o anteprojeto contemplar matriz de alocação de riscos entre a administração pública e o contratado, o valor estimado da contratação poderá considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e as contingências atribuídas ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pela entidade contratante, fator, a princípio, inibidor de aditivos contratuais que visem à recomposição do valor contratual. A razão desse adicional (taxa de risco) na proposta do licitante é afastar, de acordo com a abrangência do risco transferido, os recorrentes aditivos relacionados a imprecisões no projeto considerado durante a licitação.

Nas contratações integradas, segundo o Tribunal de Contas da União, é imprescindível a inclusão da matriz de risco pormenorizada no instrumento convocatório, com alocação a cada signatário dos riscos inerentes ao empreendimento (Acórdão nº 2.980/2015 –Plenário, Rel. Min. Ministra Ana Arraes, Processo nº 034.015/2012-4).

Na sistemática da contratação integrada, constitui risco adicional para os licitantes as maiores restrições à celebração de aditivos, por isso que devem ser precificados e considerados, nas respectivas propostas ofertadas pelos licitantes, os eventuais riscos projetados pela administração no anteprojeto de engenharia.

A matriz de riscos é o instrumento que define a repartição objetiva de responsabilidades advindas de eventos supervenientes à contratação, dado relevante para a caracterização do objeto e das respectivas responsabilidades contratuais de sua futura execução, bem como para o dimensionamento das propostas pelos licitantes. Insere-se no âmbito do anteprojeto de engenharia, em prestígio aos princípios da segurança jurídica, da isonomia, do julgamento objetivo, da eficiência e da busca da melhor proposta. É habitualmente representada por um gráfico de dois eixos coordenados, evidenciando, com a indicação dos eventos futuros que podem incidir sobre a execução do contrato, a probabilidade/risco de sua ocorrência e do respectivo impacto sobre o empreendimento. A matriz de risco identifica os principais fatores influentes sobre a execução do objeto, enseja a avaliação das estratégias de mitigação ou alocação dos riscos possíveis e da probabilidade de ocorrência de eventos, indicando os respectivos impactos financeiros sobre o contrato. A distribuição de riscos na contratação integrada, de acordo com a capacidade de cada licitante de precifica-los e gerenciá-los, contribui para a redução do custo final do empreendimento.

Sobre os autores
Jessé Torres Pereira Junior

Desembargador e professor-coordenador dos cursos de pós-graduação de direito administrativo da Escola da Magistratura e da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Autor, individual ou em coautoria, de livros e artigos especializados em direito público.

Marinês Restelatto Dotti

Advogada da União. Especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autora de livos e artigos jurídicos sobre licitações, contratos administrativos e convênios. Conferencista na área de licitações e contratações administrativas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Regime de contratação integrada: vinculante ou discricionário?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5524, 16 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65203. Acesso em: 21 nov. 2024.

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