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Regime de contratação integrada: vinculante ou discricionário?

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A contratação integrada se distingue por transferir ao vencedor do certame (adjudicatário contratado) a elaboração dos projetos básico e executivo, além da execução da obra ou serviço, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

Resumo: A escolha do regime de contratação integrada é pautada por situações em que o mercado oferece mais de uma solução técnica possível para a execução de obra ou serviço, desconhecidas da administração pública, conferindo-se ao contratado a liberdade de escolha da metodologia eficaz, qual seja aquela apta a produzir, ao fim, os resultados almejados pela contratação. Quando a condição a ser atendida é a possibilidade de utilização de diferentes metodologias na execução da obra ou serviço, estas se devem referir a aspectos de ordem maior de grandeza e de qualidade, capazes de ensejar uma real concorrência entre propostas envolventes de diversas metodologias, de forma a propiciar ganhos reais para a administração pública. Ao transferir ao particular a responsabilidade pela elaboração dos projetos e pela execução do objeto, fornecendo no edital apenas anteprojeto que possibilite caracterizá-lo, o ordenamento jurídico brasileiro introduz regime contratual que se amolda à espécie ligada às obrigações de resultado. Não mais existindo as amarras do projeto básico previamente estabelecido em anexo ao edital, possibilita-se ao contratado a utilização de solução específica de execução que, ao final, atenda às condições expostas pela administração pública no ato convocatório.


Contexto normativo

O regime de contratação integrada conhece, no direito administrativo brasileiro - que o recolheu de extensa experiência internacional[1] -, precedente normativo no revogado Decreto nº 2.745/98, que regulamentava o procedimento licitatório simplificado da Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRÁS[2], nos seguintes termos:

“1.9 Sempre que economicamente recomendável, a PETROBRÁS poderá utilizar-se da contratação integrada, compreendendo realização de projeto básico e/ou detalhamento, realização de obras e serviços, montagem, execução de testes, pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, com a solidez e segurança especificadas”.

No ordenamento jurídico brasileiro vigente, a utilização do regime de contratação integrada nas licitações de obras e serviços de engenharia encontra previsão na Lei nº 12.462/11, que disciplina o regime diferenciado de contratações públicas – RDC. Assim:

Art. 9º Nas licitações de obras e serviços de engenharia, no âmbito do RDC, poderá ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente justificada.

§ 1º A contratação integrada compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

§ 2º No caso de contratação integrada:

I - o instrumento convocatório deverá conter anteprojeto de engenharia que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço, incluindo:

a) a demonstração e a justificativa do programa de necessidades, a visão global dos investimentos e as definições quanto ao nível de serviço desejado;

b) as condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega, observado o disposto no caput e no § 1º do art. 6º desta Lei;

c) a estética do projeto arquitetônico; e

d) os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade;

II - o valor estimado da contratação será calculado com base nos valores praticados pelo mercado, nos valores pagos pela administração pública em serviços e obras similares ou na avaliação do custo global da obra, aferida mediante orçamento sintético ou metodologia expedita ou paramétrica; e

III - será adotado o critério de julgamento de técnica e preço.

§ 3º Caso seja permitida no anteprojeto de engenharia a apresentação de projetos com metodologias diferenciadas de execução, o instrumento convocatório estabelecerá critérios objetivos para avaliação e julgamento das propostas.

§ 4º Nas hipóteses em que for adotada a contratação integrada, é vedada a celebração de termos aditivos aos contratos firmados, exceto nos seguintes casos:

I - para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior; e

II - por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites previstos no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

Conforme se extrai do caput do art. 9º da Lei nº 12.462/11, é facultado[3] à administração pública a utilização do regime de contratação integrada, desde que expressa justificativa o demonstre técnica e economicamente adequado. A discrição do administrador público advém, ainda, de outro dispositivo do RDC, qual seja o do art. 8º, § 1º, o qual estabelece a utilização preferencial do regime de contratação integrada ao lado dos regimes de empreitada por preço global e empreitada integral.


Preferência técnica e econômica

Qualquer que seja o regime eleito - os preferenciais ou os demais -, imprescindível é que se explicite a justificativa acerca da vantagem (técnica e econômica) da solução adotada.

Uma vez que se trata de escolha discricionária, em termos, do gestor, a cada caso, chega-se, igualmente nas licitações e contratações do poder público, à possibilidade de controle da discricionariedade administrativa pela via dos seus expressos motivos. A relevância da motivação não reside apenas na vinculação aos motivos revelados. Importa, também, a demonstração de que, sendo regime que a lei declara preferencial, a contratação integrada somente poderia ser por outro modelo substituída se se demonstrar que esse outro lhe é superior, no caso concreto.

Registre-se que o Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão nº 1.388/2016 – Plenário, deu ciência ao Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil de que a opção pelo regime de contratação integrada, com base no inciso II, do art. 9º, da Lei nº 12.462/11 [Art. 9º Nas licitações de obras e serviços de engenharia, no âmbito do RDC, poderá ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente justificada e cujo objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições: (...) II - possibilidade de execução com diferentes metodologias;] deve ser fundamentada em estudos objetivos que a justifiquem técnica e economicamente, a par de considerarem a expectativa de vantagens quanto a competitividade, prazo, preço e qualidade em cotejo com outros regimes de execução, especialmente a empreitada por preço global, e, entre outros aspectos e quando possível, a prática internacional para o mesmo tipo de obra, sendo vedadas justificativas genéricas, aplicáveis a qualquer empreendimento.


Parâmetros objetivos

Mediante análise comparativa com contratações já concluídas ou outros dados disponíveis, deve-se proceder à quantificação, inclusive monetária, das vantagens e desvantagens da utilização do regime de contratação integrada, sendo necessária justificativa circunstanciada no caso de impossibilidade de valoração dos parâmetros. Ainda segundo a Corte de Contas federal, nas licitações pelo regime de contratação integrada enquadradas no inciso II, do art. 9º, da Lei nº 12.462/11, é obrigatória a inclusão, nos editais, de critérios objetivos de avaliação e julgamento de propostas que contemplem metodologias executivas diferenciadas admissíveis, em observância ao § 3º do mesmo artigo (“Caso seja permitida no anteprojeto de engenharia a apresentação de projetos com metodologias diferenciadas de execução, o instrumento convocatório estabelecerá critérios objetivos para avaliação e julgamento das propostas”).

Extrai-se, pois, que obras e serviços caracterizados por técnicas, metodologias e condições usualmente empregadas, identificáveis e conhecidas da administração, não se conciliam com o regime de contratação integrada da Lei nº 12.462/11. Ou seja, não é admissível a utilização do regime de contratação integrada quando o objeto a ser licitado já dispuser de projeto básico e/ou executivo em sua totalidade, uma vez que as soluções estarão previamente definidas, afastando as condições previstas no art. 9º da Lei para a aplicação do instituto.

A opção pelo regime de contratação integrada, segundo a Corte de Contas federal, exige, nos termos do art. 9º da Lei nº 12.462/11, que haja justificativa sob os prismas econômico e técnico. No econômico, a administração deve demonstrar em termos monetários que os gastos totais, a serem realizados com a implantação do empreendimento, serão inferiores se comparados aos obtidos com os demais regimes de execução. No técnico, deve demonstrar que as características do objeto permitem que ocorra real competição entre as contratadas para a concepção de metodologias/tecnologias distintas, que levem a soluções capazes de serem aproveitadas vantajosamente pelo Poder Público (Acórdão nº 1.850/2015 – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 011.588/2014-4).

No âmbito da Lei nº 13.303/16, que dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, também consta previsão a respeito da utilização do regime de contratação integrada. Confira-se:

Art. 42.  Na licitação e na contratação de obras e serviços por empresas públicas e sociedades de economia mista, serão observadas as seguintes definições:  [...]

VI - contratação integrada: contratação que envolve a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, de acordo com o estabelecido nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo; 

[...]

§ 4º No caso de licitação de obras e serviços de engenharia, as empresas públicas e as sociedades de economia mista abrangidas por esta Lei deverão utilizar a contratação semi-integrada, prevista no inciso V do caput, cabendo a elas a elaboração ou a contratação do projeto básico antes da licitação de que trata este parágrafo, podendo ser utilizadas outras modalidades previstas nos incisos do caput deste artigo, desde que essa opção seja devidamente justificada. 

§ 5º Para fins do previsto na parte final do § 4º, não será admitida, por parte da empresa pública ou da sociedade de economia mista, como justificativa para a adoção da modalidade de contratação integrada, a ausência de projeto básico.

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De acordo com a Lei nº 13.303/16, não será admitida, por parte da empresa pública ou da sociedade de economia mista, como justificativa para a adoção da contratação integrada, a ausência de projeto básico. Se a empresa estatal tem condições de definir, com elevado nível de precisão, o objeto da contratação e as condições para sua perfeita execução, deve elaborar ou contratar o projeto básico e preferir a escolha de outro regime de execução indireta de obras e serviços. A estatal não pode, por isso, adotar o regime de contratação integrada sob o argumento de não possuir o projeto básico, quando lhe seja possível definir a solução que seja ideal.


Acolhido em projeto de nova lei geral

O Projeto de Lei nº 6.814, de 2017 (anterior Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013), que almeja revogar a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 10.520/02 e os artigos 1º a 47 da Lei nº 12.462/11, também contempla o regime de contratação integrada. Veja-se:

Art. 5º Para os fins desta Lei, consideram-se: [...]

XXX – contratação integrada: regime de contratação em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver os projetos completo e executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, com remuneração por preço global, em função das etapas de avanço da execução contratual;

[...]

Art. 41. Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são admitidos os seguintes regimes:

I – empreitada por preço unitário;

II – empreitada por preço global;

III – empreitada integral;

IV – contratação por tarefa;

V – contratação integrada;

VI – contratação semi-integrada;

VII – fornecimento e prestação de serviço associado. (grifamos)

Justifica-se a utilização do regime de contratação integrada nos diplomas citados e no projeto de lei: há situações em que a administração pública defronta-se com a necessidade de contratar a execução de obra ou serviço cujo delineamento pormenorizado não seja do domínio técnico suficiente da administração, mas o é de entidades empresariais atuantes no ramo do objeto da licitação. Daí conferir-se, nesse regime, margem maior de autonomia ao contratado para que este conceba soluções técnicas e/ou operacionais essenciais à satisfatória execução do objeto, desconhecidas da administração.

Consoante se extrai do voto revisor do Acórdão nº 1.388/2016 – Plenário, do Tribunal de Contas da União,

Trata-se de licitações em que há maior liberdade para as contratadas inovarem e buscarem a metodologia construtiva mais adequada à execução do objeto. Essa maior liberdade, poderá redundar que os licitantes vislumbrem alternativas com menores custos do que aquela eventualmente teria sido fixada no projeto básico. Esses menores custos, em um ambiente competitivo, deverão repercutir em propostas mais vantajosas para a Administração, privilegiando o princípio da economicidade. Ou seja, os impactos econômicos propiciados pelas maiores incertezas acerca do orçamento da obra quando da licitação podem ser contrabalanceadas pela possibilidade de o contratado buscar melhores soluções quando da execução contratual.

A ausência de delineamento da forma de execução no anteprojeto desenvolvido pela administração, conferindo maior liberdade aos licitantes para aplicarem metodologias diferenciadas na fase de execução contratual, libera de exigências de qualificação técnica (profissional e operacional) o edital da licitação, estimulando a participação de maior número de licitantes e, por conseguinte, propiciando a obtenção de propostas mais vantajosas para o ente contratante.

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Sobre os autores
Jessé Torres Pereira Junior

Desembargador e professor-coordenador dos cursos de pós-graduação de direito administrativo da Escola da Magistratura e da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Autor, individual ou em coautoria, de livros e artigos especializados em direito público.

Marinês Restelatto Dotti

Advogada da União. Especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autora de livos e artigos jurídicos sobre licitações, contratos administrativos e convênios. Conferencista na área de licitações e contratações administrativas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres ; DOTTI, Marinês Restelatto. Regime de contratação integrada: vinculante ou discricionário?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5524, 16 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65203. Acesso em: 19 abr. 2024.

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