Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Incidência do ITBI sobre os contratos de promessa de compra e venda:uma análise crítica da jurisprudência

Exibindo página 2 de 2
Agenda 05/04/2018 às 10:26

3. Razão da previsão da incidência do ITBI sobre as promessas de compra e venda: princípio da isonomia.

Conforme amplamente explanado alhures, depreende-se, da leitura dos textos legais, que a realização da promessa de compra e venda, registrada ou não em cartório, configura cessão de direitos à aquisição de bens imóveis, atraindo a incidência do ITBI sobre tais contratos.

Essa situação foi pensada exatamente tendo por escopo a realização do princípio da igualdade entre os contribuintes.

Com efeito, muitos contribuintes com o objetivo de furtarem-se à incidência do tributo, optam por realizar outras formas de negócio jurídico, diversas da compra e venda tradicional, com o registro do título e a transferência da propriedade.

Esse fato representa um verdadeiro injusto tributário uma vez que tais contribuintes jamais realizam a escritura definitiva, não podendo ser considerados proprietários do imóvel, porém detendo todos os amplos e irrestritos direitos que advêm do exercício do direito de propriedade, atuando como verdadeiros proprietários, sem, entretanto, nunca levarem a registro o seu título aquisitivo.

Ademais, ao realizarem a transferência do bem imóvel, o que equivaleria à outra compra e venda propriamente dita, esses contribuintes apenas procedem a uma cessão de promessa de compra e venda, por escritura pública ou particular, correspondendo, assim, a uma nova transmissão do bem, porém novamente sem levar a efeito o registro no cartório de imóveis, numa verdadeira tentativa de furtar-se à incidência de ITBI.

Foi exatamente para esses casos que foi pensado o teor da norma sobre cessão de direitos à aquisição dos bens imóveis. Para que tais situações restassem contempladas e não permanecessem como uma brecha nefasta, ferindo a isonomia entre os contribuintes, princípio tão caro à democracia.

O que o legislador constituinte pretende é tributar a manifestação de riqueza configurada na aquisição de uma propriedade ou mesmo nos direitos relativos a tais bens imóveis.

Observe que um particular que realiza uma promessa de compra e venda irretratável sobre um bem imóvel, em nada difere da situação fática de um particular que realiza a compra e venda propriamente dita e registrada. Ambos exercem os amplos e irrestritos direitos advindos da propriedade de usar, gozar, dispor do bem e reavê-lo de quem o detenha ilegitimamente.

Ora, os particulares que manifestam a expressão de riqueza, decorrente de aumento patrimonial, seja por intermédio da escritura de compra e venda devidamente registrada, seja por intermédio de uma promessa de compra e venda, ou de qualquer outra cessão de direitos que lhes confiram os mesmos amplos poderes do direito real de propriedade e de outros correlatos, tais particulares devem ser tratados de forma igualitária.

É preciso, na aplicação do direito, observar dois princípios pilares do Sistema Tributário Nacional, quais sejam, o princípio da isonomia e o da capacidade contributiva, segundo os quais as manifestações de riquezas devem ser igualmente tributadas, a evitar um injusto tributário.

"A isonomia possui, portanto, uma acepção horizontal e uma vertical.

A acepção horizontal refere-se às pessoas que estão niveladas (daí a nomenclatura), na mesma situação e que, portanto, devem ser tratadas da mesma forma[4]". (Grifo do autor)

Foi exatamente com o objetivo de sanar essa celeuma e atribuir isonomia que o legislador constituinte elegeu outras hipóteses de incidência para além da transmissão de propriedade. Deve-se convir que situações tão intimamente análogas sejam tratadas de forma isonômica pelo legislador e pelo aplicador do direito.

Isso para evitar a clássica situação daqueles que, com o objetivo de furtarem-se à incidência de ITBI, não consolidam o direito real de propriedade em seu nome (não levando a registro o título de propriedade, ou, ainda, permanecendo com promessa de compra e venda), e o transferem a um terceiro, numa verdadeira cessão de direitos à aquisição do imóvel.

É verdade que não pesa sobre o contribuinte a obrigação de consolidar a propriedade em seu nome, com a emissão da escritura definitiva. Essa, de fato, é uma situação que se encontra no bojo da liberdade dos negócios jurídicos privados. Entretanto, o direito não pode ignorar os fatos e a manifestação de riqueza que é, em tudo, análoga àquele que realiza uma escritura definitiva de compra e venda consolidando a propriedade em seu nome. E foi, precisamente, para esses casos em que se previu a incidência de ITBI sobre a transferência de outros direitos reais sobre imóveis, bem como sobre as cessões a sua aquisição.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Vale ressaltar, para que não pairem dúvidas sobre a razoabilidade e justiça dessa tributação, que, nos casos em que o particular realiza uma promessa de compra e venda e, posteriormente, consolida a propriedade em seu nome com o registro da escritura definitiva, em tese, NÃO estaria obrigado a realizar dois pagamentos de ITBI sobre o mesmo fato, pois do contrário haveria um patente caso de bitributação.

Nos casos em que ocorre a consolidação da propriedade com a outorga da escritura definitiva de compra e venda após a quitação da promessa, percebe-se que ocorreu apenas uma única manifestação de riqueza, uma verdadeira conclusão do negocio jurídico de promessa de compra e venda anterior já tributada pelo ITBI.

Com efeito, havendo o pagamento de ITBI na promessa de compra e venda, não seria necessária, assim, a realização de uma nova cobrança de ITBI nos casos de outorga de escritura definitiva de compra e venda entre as mesmas partes e com o mesmo objeto da promessa, uma vez que, nesse caso, trata-se apenas de desfecho do negócio jurídico anterior, não havendo uma nova manifestação de riqueza a ser tributada.

Reforço o acima exposto. É necessário que a consolidação da propriedade se dê entre as partes originárias do contrato de promessa de compra e venda. Havendo um terceiro, estranho à relação originária de promessa de compra e venda, não se trata mais de consolidação do negócio jurídico anterior, mas sim de verdadeira cessão de direitos à aquisição, nesse caso devendo incidir ITBI não apenas na promessa de compra e venda como também no registro da escritura definitiva.

Podemos observar que, em qualquer caso de transferência de domínio ou de cessão de direitos sobre transmissão de bens imóveis, deve haver a incidência do ITBI, evitando assim que haja uma tributação injusta e não isonômica, deixando de alcançar situações semelhantes, quais sejam, aquelas em que o contribuinte apresenta um acréscimo patrimonial, porém elege outros meios, para além da escritura pública e seu registro no cartório, revestindo o negócio jurídico de outras roupagens, porém que não nega a essência do negócio, qual seja, a transmissão de direitos reais sobre o imóvel, a expressão de riqueza, autorizando o ente a tributar também nesses casos.

Essa autorização decorre de expressa previsão legal, desde a Constituição de 1947, com a emenda 18, na qual o legislador constituinte verificou a necessidade de abarcar outras situações, para além da transmissão da propriedade por meio do registro do título no cartório, e segue até os nossos dias com a previsão do art. 156, III, da CF.


Conclusão

Após acurada análise sobre o tema posto a exame, outra não pode ser a conclusão senão a da legalidade e constitucionalidade da incidência do ITBI nas promessas de compra e venda, sendo, destarte, legítimo o ato da autoridade em lançar e cobrar o imposto devido.

Com efeito, a norma constitucional originária erigiu como fato gerador do ITBI outras hipóteses de incidência, para além da transmissão da propriedade com o registro no Cartório Imobiliário.

A própria evolução histórica das modificações legislativas aponta para esse entendimento. A simples leitura da norma constitucional conduz à conclusão aqui defendida.

Não pode, destarte, a jurisprudência pátria permanecer decidindo apenas com fundamento em precedentes que repetem outros precedentes, sem se debruçar coerentemente sobre a questão. É preciso analisar o tema à luz dos dispositivos legais que o regem, bem como do princípio da isonomia, que impõe o tratamento igualitário para o regime jurídico-tributário em manifestações de riquezas.

Enquanto não se pacifica o tema, processos e mais processos abarrotam, tanto o âmbito administrativo, quando o âmbito judicial, causando insegurança jurídica, algo totalmente nefasto às relações jurídico-tributárias.


Referências:

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 6ª edição, revista e atualizada. Editora Método, 2012.

IRIB. A promessa de compra e venda no NCC reflexos das inovações nas atividades notarial e Registral. Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. Disponível em <http://www.irib.org.br/obras/a-promessa-de-compra-e-venda-no-ncc-reflexos-das-inovacoes-nas-atividades-notarial-e-registral> acesso em 04 de abril de 2018

BRASIL. Emenda Constitucional nº 18/65. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc18-65.htm> acesso em 04 de abril de 2018.


Notas

[1] Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

[2] Na Constituição de 1946, o ITBI era tributo de competência dos Estados.

[3] A promessa de compra e venda no NCC reflexos das inovações nas atividades notarial e Registral. Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. Disponível em http://www.irib.org.br/obras/a-promessa-de-compra-e-venda-no-ncc-reflexos-das-inovacoes-nas-atividades-notarial-e-registral

[4] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 6ª edição, revista e atualizada. Editora Método, 2012. p. 89.

Sobre a autora
Julyana Perrelli Doria

Procuradora do Município de João Pessoa-PB. Graduada pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-graduada em Direito Público pela Faculdade Integrada do Recife. Membro da Associação dos Procuradores de João Pessoa. Atuante na procuradoria fiscal do Município de João Pessoa-PB

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O objetivo é, a partir de uma análise aprofundada do tema, oferecer uma solução à celeuma jurídico-tributária entre Municípios, contribuintes e Poder Judiciário quanto às hipóteses de incidência do ITBI.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!