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Patologia e embargos de declaração em embargos de declaração no processo criminal

Agenda 24/04/2018 às 09:20

Proposição de alternativas à solução atual dada aos embargos de declaração protelatórios no processo criminal, que é inadequada e ilegal.

 

Às vezes, os embargos declaratórios são protelatórios. Outras, não. Normalmente prestam um favor à Justiça, pois que buscam aperfeiçoar a decisão, corrigindo suas falhas, na medida em que objetivam o esclarecimento de obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão. É recurso que está a dispor de ambas as partes e, por consequência, é um excelente meio para aprimorar a realização da Justiça. Embargos em embargos são indispensáveis quando a decisão deste último persiste com defeito.

A patologia não está, em verdade, na repetição dos embargos, mas na solução que vem sendo dada pela jurisdição criminal quando eles são protelatórios. O entendimento jurisprudencial é o de que os pressupostos dos embargos declaratórios se encontram no artigo 619 do Código de Processo Penal e devem ser observados. Ausentes os requisitos legais e evidenciado o caráter protelatório dos embargos, o recurso não deve ser recebido, é certificado o trânsito em julgado do acórdão embargado e determinada a baixa dos autos para execução. Considera-se que os embargos, por serem incabíveis, não produzem o efeito de interromper o prazo para outros recursos.

A solução é inadequada. Gera incerteza e insegurança jurídica.  O que é protelatório para o tribunal, pode não ser para o defensor da parte, que transporta crenças, humanas convicções. Falíveis, algumas vezes, mas que de qualquer maneira possui o dever de dar o melhor de si no exercício defesa, ou não cumprirá com sua obrigação constitucional.

Melhor que sejam adotados critérios objetivos, como o fez, a propósito, o CPC de 2015. Razões pelas quais entendemos aplicável para regular a questão, por analogia, o parágrafo 4º, do artigo 1.026, do novo CPC, segundo o qual “não serão admitidos novos embargos de declaração se os dois anteriores houverem sido considerados protelatórios”. Dessa maneira, se a parte interpuser dois embargos tidos expressamente como protelatórios, e vier a colocar um terceiro, estará perdendo o prazo para eventual recurso. Os dois primeiros embargos, mesmo sendo considerados protelatórios, possuem o efeito de interromper o prazo para outros recursos. É recomendável que o juiz criminal, ao reconhecer protelatórios os primeiros embargos, esclareça expressamente que está aplicando o artigo 1.026 do CPC, de forma que a parte tenha conhecimento sobre qual normativo e quais efeitos está lidando.

As decisões que vêm sendo adotadas na jurisdição criminal são mais do que simplesmente autoritárias, são arbitrárias e ilegais. São duas convicções em jogo. Aquele que manda tem a pretensão de excluir do jogo processual o que contraria suas convicções. Sem qualquer embasamento legal, já que não há previsão expressa para a certificação do trânsito em julgado. Melhor dizendo, contrariando a lei, pois quem possui direito de inadmitir os recursos especial e extraordinário - que por vias transversas está sendo impedido - em um primeiro momento, não é o Tribunal, mas, sim, o Presidente e o Vice-Presidente do Tribunal e, em um segundo momento, os Ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Não pode, portanto, o Tribunal, concluindo que são protelatórios os embargos, retirar o direito, repentinamente, como que aplicando uma sanção, da parte de recorrer às instâncias superiores. Se assim fosse, a utilização dos embargos se transformaria em uma espécie de jogo de azar. A parte ficaria em dúvida quanto a utilizá-los ou não. Haveria ocasiões em que eles seriam indispensáveis, mas a parte ficaria com receio de exercer seu direito, inclusive com fins de prequestionamento necessário, pois, exercendo, poderia perder o direito ao recurso seguinte, vale dizer, fazer uma má aposta: 36... Banca! A situação é paradoxal. O senhor da decisão recorrível decide irrecorrivelmente que sua decisão não é recorrível. Ou na versão infante zangado: “A bola é minha. Terminou o jogo!”. Não tem como adequar essa insensatez patológica à ordem jurídica sem, atropelando a ampla defesa, afrontar o princípio recursal. E o curioso é que essa estranha jurisprudência, pacífica na jurisdição criminal, vem sendo tolerada pela doutrina resignadamente. Uma prerrogativa que pertence, dependendo do tipo de recurso, exclusivamente aos ministros do STF e do STJ - a de dar a última decisão quanto ao cabimento do recurso - passa a ser exercida, pelos magistrados de 2º grau. Mas não só por eles, dado que pelo atual sistema o juiz de 1ª instância também pode fazer uso da mesma “faculdade”.

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Nessas decisões costuma-se afirmar que não sendo o caso de embargos declaratórios por ausência de seus “requisitos legais” - obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão -, não é conhecido o recurso e, por consequência, não se verificou a interrupção do prazo para os demais recursos. Trata-se de raciocínio embaralhado. Há troca de cartas. Para dizer se há ou não obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão, é necessário o exame do mérito dos embargos declaratórios. Ora, como dizer se há omissão, sem antes conhecer do recurso? Se há ou não omissão, é mérito, não requisito de admissibilidade de recurso. Além do mais, o artigo 1.026 do CPC estabelece que os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso, sem estipular qualquer condição relativa a seu recebimento ou não.

Contra decisões dessa espécie, não obstante declararem a perda do prazo para outro recurso e decretarem o trânsito em julgado, cabe recurso especial alegando, além de outras eventuais violações específicas do caso concreto, contrariedade ao artigo 619 do CPP (por negar o direito aos embargos declaratórios), e por violação do artigo 1.026 do CPC (por negar a interrupção do prazo processual). Cabível, também, recurso extraordinário com fundamento em negativa de prestação jurisdicional (artigo 5º, inciso XXXV, da CF).

Conforme expomos, melhor que se adote para o processo criminal os critérios objetivos do CPC de 2015 para lidar com o problema dos embargos declaratórios protelatórios: “não serão admitidos novos embargos de declaração se os dois anteriores houverem sido considerados protelatórios” (artigo 1.026, parágrafo 4º. do CPC). Há ocasiões, no entanto, que o processo penal, exige mais celeridade em relação ao processo civil. Como se está empregando analogia, não há o que impeça que a analogia (semelhança) seja empregada “semelhantemente”, e não, “identicamente”. Em outras palavras, nada obsta ao magistrado que, diante dos primeiros embargos declaratórios manifestamente protelatórios, lance decisão em que torne claro, expresso, transparente e imperativo, que não receberá novos embargos declaratórios, e que a eventual apresentação desses importará na perda de prazo para os demais recursos e no trânsito em julgado do processo. É isso. O processo precisa funcionar de maneira clara. As partes não podem ser surpreendidas. De qualquer maneira é preciso deixar claro, essa opção só seria cabível no caso de: (1) embargos manifestamente protelatórios; (2) especial e justificável necessidade de celeridade do processo.  

Com a solução que apresentamos, resolve-se, assim, creio, dois problemas: (1) evita-se que a parte seja surpreendida com a perda de prazo para recorrer quando da repetição de embargos; (2) a repetição de embargos deixa de representar um elemento a prejudicar a celeridade do processo.

 

 

 

Sobre o autor
Flavio Meirelles Medeiros

Flavio Meirelles Medeiros Autor da obra Código de Processo Penal Comentado: https://flaviomeirellesmedeiros.com.br/ formou-se Bacharel em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1982. Durante o curso universitário foi Chefe do Departamento de Direito Penal do SAJUG e Monitor da Cadeira de Processo Penal. Foi professor na Faculdade de Direito da Pontifície Universidade Católica e na Faculdade de Direito da UNISINOS, sendo que na primeira exercia o cargo de Advogado-Instrutor do Serviço de Assistência Judiciária Gratuita e na segunda lecionou na Cadeira de Processo Penal. Foi Diretor Adjunto do Departamento de Direito Penal do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, Membro da Comissão de Direito Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Membro da Comissão de Defesa e Assistência da Ordem dos Advogados do Brasil e Assessor Jurídico do Procurador-Chefe da República no Rio Grande do Sul . É Membro Efetivo do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul desde 1983. Advogado desde o ano de 1982. Publicações (livros): - Nulidades do Processo Penal Editora Síntese 1982 - Princípios de Direito Processual Penal Editora Ciências Jurídicas 1984 - Noções Iniciais de Direito Processual Penal Editora Ciências Jur¡dicas 1984 - Primeiras Linhas de Processo Penal Editora Ciências Jurídicas 1985 - Manual do Processo Penal Editora Aide 1985 - Empréstimos de Custeio e Investimento Agrícola Editora Livraria do Advogado 1991 - Do Inquérito Policial Editora Livraria do Advogado 1994 - Da Ação Penal Editora Livraria do Advogado 1995 - Publicações (Artigos doutrinários): Princípios de Direito Processual Penal. Noções Direito & Justiça 1983 - A Relação Jurídica Processual e Temas Afins Direito & Justiça 1984 - Dificuldade de Atuação dos Limites Jurídicos a Livre Convicção. Revista dos Tribunais 1994 - vol. 710

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Flavio Meirelles. Patologia e embargos de declaração em embargos de declaração no processo criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5410, 24 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65312. Acesso em: 26 dez. 2024.

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