Às vezes, os embargos declaratórios são protelatórios. Outras, não. Normalmente prestam um favor à Justiça, pois que buscam aperfeiçoar a decisão, corrigindo suas falhas, na medida em que objetivam o esclarecimento de obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão. É recurso que está a dispor de ambas as partes e, por consequência, é um excelente meio para aprimorar a realização da Justiça. Embargos em embargos são indispensáveis quando a decisão deste último persiste com defeito.
A patologia não está, em verdade, na repetição dos embargos, mas na solução que vem sendo dada pela jurisdição criminal quando eles são protelatórios. O entendimento jurisprudencial é o de que os pressupostos dos embargos declaratórios se encontram no artigo 619 do Código de Processo Penal e devem ser observados. Ausentes os requisitos legais e evidenciado o caráter protelatório dos embargos, o recurso não deve ser recebido, é certificado o trânsito em julgado do acórdão embargado e determinada a baixa dos autos para execução. Considera-se que os embargos, por serem incabíveis, não produzem o efeito de interromper o prazo para outros recursos.
A solução é inadequada. Gera incerteza e insegurança jurídica. O que é protelatório para o tribunal, pode não ser para o defensor da parte, que transporta crenças, humanas convicções. Falíveis, algumas vezes, mas que de qualquer maneira possui o dever de dar o melhor de si no exercício defesa, ou não cumprirá com sua obrigação constitucional.
Melhor que sejam adotados critérios objetivos, como o fez, a propósito, o CPC de 2015. Razões pelas quais entendemos aplicável para regular a questão, por analogia, o parágrafo 4º, do artigo 1.026, do novo CPC, segundo o qual “não serão admitidos novos embargos de declaração se os dois anteriores houverem sido considerados protelatórios”. Dessa maneira, se a parte interpuser dois embargos tidos expressamente como protelatórios, e vier a colocar um terceiro, estará perdendo o prazo para eventual recurso. Os dois primeiros embargos, mesmo sendo considerados protelatórios, possuem o efeito de interromper o prazo para outros recursos. É recomendável que o juiz criminal, ao reconhecer protelatórios os primeiros embargos, esclareça expressamente que está aplicando o artigo 1.026 do CPC, de forma que a parte tenha conhecimento sobre qual normativo e quais efeitos está lidando.
As decisões que vêm sendo adotadas na jurisdição criminal são mais do que simplesmente autoritárias, são arbitrárias e ilegais. São duas convicções em jogo. Aquele que manda tem a pretensão de excluir do jogo processual o que contraria suas convicções. Sem qualquer embasamento legal, já que não há previsão expressa para a certificação do trânsito em julgado. Melhor dizendo, contrariando a lei, pois quem possui direito de inadmitir os recursos especial e extraordinário - que por vias transversas está sendo impedido - em um primeiro momento, não é o Tribunal, mas, sim, o Presidente e o Vice-Presidente do Tribunal e, em um segundo momento, os Ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
Não pode, portanto, o Tribunal, concluindo que são protelatórios os embargos, retirar o direito, repentinamente, como que aplicando uma sanção, da parte de recorrer às instâncias superiores. Se assim fosse, a utilização dos embargos se transformaria em uma espécie de jogo de azar. A parte ficaria em dúvida quanto a utilizá-los ou não. Haveria ocasiões em que eles seriam indispensáveis, mas a parte ficaria com receio de exercer seu direito, inclusive com fins de prequestionamento necessário, pois, exercendo, poderia perder o direito ao recurso seguinte, vale dizer, fazer uma má aposta: 36... Banca! A situação é paradoxal. O senhor da decisão recorrível decide irrecorrivelmente que sua decisão não é recorrível. Ou na versão infante zangado: “A bola é minha. Terminou o jogo!”. Não tem como adequar essa insensatez patológica à ordem jurídica sem, atropelando a ampla defesa, afrontar o princípio recursal. E o curioso é que essa estranha jurisprudência, pacífica na jurisdição criminal, vem sendo tolerada pela doutrina resignadamente. Uma prerrogativa que pertence, dependendo do tipo de recurso, exclusivamente aos ministros do STF e do STJ - a de dar a última decisão quanto ao cabimento do recurso - passa a ser exercida, pelos magistrados de 2º grau. Mas não só por eles, dado que pelo atual sistema o juiz de 1ª instância também pode fazer uso da mesma “faculdade”.
Nessas decisões costuma-se afirmar que não sendo o caso de embargos declaratórios por ausência de seus “requisitos legais” - obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão -, não é conhecido o recurso e, por consequência, não se verificou a interrupção do prazo para os demais recursos. Trata-se de raciocínio embaralhado. Há troca de cartas. Para dizer se há ou não obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão, é necessário o exame do mérito dos embargos declaratórios. Ora, como dizer se há omissão, sem antes conhecer do recurso? Se há ou não omissão, é mérito, não requisito de admissibilidade de recurso. Além do mais, o artigo 1.026 do CPC estabelece que os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso, sem estipular qualquer condição relativa a seu recebimento ou não.
Contra decisões dessa espécie, não obstante declararem a perda do prazo para outro recurso e decretarem o trânsito em julgado, cabe recurso especial alegando, além de outras eventuais violações específicas do caso concreto, contrariedade ao artigo 619 do CPP (por negar o direito aos embargos declaratórios), e por violação do artigo 1.026 do CPC (por negar a interrupção do prazo processual). Cabível, também, recurso extraordinário com fundamento em negativa de prestação jurisdicional (artigo 5º, inciso XXXV, da CF).
Conforme expomos, melhor que se adote para o processo criminal os critérios objetivos do CPC de 2015 para lidar com o problema dos embargos declaratórios protelatórios: “não serão admitidos novos embargos de declaração se os dois anteriores houverem sido considerados protelatórios” (artigo 1.026, parágrafo 4º. do CPC). Há ocasiões, no entanto, que o processo penal, exige mais celeridade em relação ao processo civil. Como se está empregando analogia, não há o que impeça que a analogia (semelhança) seja empregada “semelhantemente”, e não, “identicamente”. Em outras palavras, nada obsta ao magistrado que, diante dos primeiros embargos declaratórios manifestamente protelatórios, lance decisão em que torne claro, expresso, transparente e imperativo, que não receberá novos embargos declaratórios, e que a eventual apresentação desses importará na perda de prazo para os demais recursos e no trânsito em julgado do processo. É isso. O processo precisa funcionar de maneira clara. As partes não podem ser surpreendidas. De qualquer maneira é preciso deixar claro, essa opção só seria cabível no caso de: (1) embargos manifestamente protelatórios; (2) especial e justificável necessidade de celeridade do processo.
Com a solução que apresentamos, resolve-se, assim, creio, dois problemas: (1) evita-se que a parte seja surpreendida com a perda de prazo para recorrer quando da repetição de embargos; (2) a repetição de embargos deixa de representar um elemento a prejudicar a celeridade do processo.