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A terceirização de presídios a partir do estudo de uma penitenciária do Ceará

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Resumo: O enfoque da presente pesquisa está direcionado para a observação da nova forma de gerenciamento do sistema prisional denominada terceirização de presídios. Sistema adotado já há algum tempo em muitos países e aplicado ainda em fase experimental no Brasil, se coaduna com a nova forma de prestação de serviços públicos denominada parceria público-privada. Dando uma contribuição preliminar sobre o estudo dos efeitos positivos e negativos desse modelo de gestão prisional, busca-se examinar seus reflexos tanto em ralação ao Estado, quanto em relação à sociedade. Para isto, almeja-se fomentar o debate doutrinário acerca da constitucionalidade do sistema, estabelecendo-se parâmetros para a aferição de seu grau de eficiência em relação à pessoa do preso no que pertine a sua reabilitação e reinserção no meio social após o cumprimento da pena, bem como firmando-se uma contribuição preliminar para os estudo dos reflexos positivos e negativos gerado pela Penitenciária Industrial Regional do Cariri – PIRC, no aspecto relacionado com a recuperação dos presos da região caririense.


INTRODUÇÃO

Afigura-se unânime, tanto pela opinião pública, quanto pelos estudiosos, a concepção de que a situação atual do sistema carcerário brasileiro se apresenta como um dos mais relevantes complexos problemas sociais contemporâneos. Tal problemática, todavia, não é exclusividade dos brasileiros nem dos países do terceiro mundo, haja vista que o colapso do sistema prisional assola até mesmo as grandes potências mundiais.

Com a afirmação definitiva, no século XIX, da pena privativa de liberdade como espinha dorsal do sistema penal hodierno, ocorreu o crescimento avassalador do número de criminosos, sem a correspondente criação de estabelecimentos prisionais suficientes e adequados. É dentro deste contexto que elaboramos a presente pesquisa científica sobre a temática do sistema penitenciário brasileiro, voltando o foco para as medidas de política penitenciária apresentadas pelo governo, com vistas a sanar, ou talvez minorar, tão profunda problemática.

Na primeira parte da pesquisa, são abordados os conceitos gerais sobre o sistema penitenciário, os órgãos que o compõem com suas respectivas atribuições, e a base legal sobre que se fundamenta.

Em seguida são destacadas as medidas governamentais mais comumente defendidas pelos especialistas no assunto, enfocando-se os pontos mais importantes.

Na terceira e última parte é dada uma ênfase especial ao estudo da novíssima medida de política de governo aplicada para a solução do problema: a terceirização do serviço penitenciário. Nesta oportunidade, são abordados os pontos positivos e negativos até agora levantados pelos estudiosos, analisando-se as teses dos especialistas que se mostram contra e a favor da medida. Por fim, são apresentados dados concretos coletados na Penitenciária Industrial Regional do Cariri –PIRC, em Juazeiro do Norte, Ceará, onde tal sistema está sendo aplicado, oportunidade em que expomos nossa conclusão sobre o assunto.


1. SISTEMA PENITENCIÁRIO: CONCEITO, ORIGEM E TIPOS

Ao conjunto de recursos e normas que regulam a execução das penas privativas de liberdade dá-se o nome de sistemas penitenciário. O ramo do direito penal que estabelece os fundamentos e a razão de ser da pena e determina a atuação que devem ter aqueles que são incumbidos de aplicá-la é o direito penitenciário, que se fundamenta em duas grandes correntes ideológicas: a que considera a pena como expiação e retribuição do crime, por imposição da justiça; e a que vê a pena como instrumento de defesa social e forma de pressão para que o criminoso se emende.

É preciso destacar que essa idéia de que se tem sobre o sistema penitenciário sofreu constantes transformações. Nesse processo histórico, notar-se-á que a pena de prisão, de caráter vingativo na origem, evoluiu e adquiriu, no direito moderno, a finalidade de proteger a sociedade e recuperar o transgressor da lei.

A prática de confinar os criminosos, infratores, suspeitos ou inimigos em prisões é muito antiga, mas raramente destinada ao cumprimento de pena.

Sabe-se que, "[...] na Grécia, era costume encarcerar os devedores até que se saldassem suas dívidas" (LEAL, 2001, p.33). Assim, a custódia impedia – ou pelo menos dificultava – que eles fugissem, assegurando a presença deles nos tribunais.

Na Idade Média, a Igreja castigava os monges rebeldes com o enclausuramento em celas, a fim de que tais transgressores, através do retiro e da oração, pudessem obter o perdão de Deus.

"No século XVI, começaram a aparecer na Europa prisões leigas, destinadas a recolher mendigos, vagabundos, prostitutas e jovens delinqüentes, os quais se multiplicaram principalmente nas cidades, mercê de uma série de problemas na agricultura e de uma acentuada crise na vida feudal" (Ibid., p. 33).

Por estas razões, várias prisões foram construídas com o escopo de reduzir os índices de criminalidade, isolando-os por um determinado tempo, pelo qual ficavam submetidos a uma severa disciplina.

Mas ainda não se podia falar em sistema penitenciário. As mudanças efetivas no sistema de reclusão começaram somente no século XVIII, a partir da contribuição de um grupo de estudiosos. Surge, então, o expoente maior, o italiano Cesare Bonesaria, marquês de Beccaria, com a obra "Dos delitos e das penas", que despertou a discussão quanto a eficácia daquelas punições. Para Beccaria, "a aplicação das penas não deve traduzir vingança coletiva, mas, antes, ter em mira a justiça, a prevenção do crime, e a recuperação do criminoso" (2000, p.126). Já em 1977, impressionado com as deficiências apresentadas pelas prisões da época, John Howard, sheriff do condado de Belfast, denunciou as condições de miséria a que estavam submetidos os condenados em todas as cadeias, divulgando suas idéias no livro "The state of prision in England and Walles". Em 1818, veio a influência também poderosa na mudança de concepção dos sistemas penitenciários, com a obra de Jeremias Bentham, "Teoria das penas e das recompensas". Essas três obras tiveram decisiva influência na revolução do tratamento penal nas prisões.

Em conseqüência das correntes reformistas no século XVIII, surgiram diversos sistemas penitenciários, entre os quais se destacam: o sistema de Filadélfia (celular), o sistema de Auburn (misto) e o sistema Irlandês (progressivo).

O sistema celular foi posto em prática pela primeira vez em Filadélfia, Estados Unidos, em 1790. Neste sistema, o preso cumpria pena em absoluto segregamento, "com passeio isolado do sentenciado em um pátio circular, sem trabalho ou visitas" (MIRABETE, 2001, p.249), para evitar influências nocivas recíprocas entre os detentos e estimular neles a meditação regeneradora.

O sistema misto foi adotado pela primeira vez numa prisão construída na cidade americana de Auburn, em 1825. Impunha o isolamento celular noturno e o trabalho em comum durante o dia." Características desse sistema penitenciário era a exigência do absoluto silêncio entre os condenados, mesmo quando em grupos" (Ibid., p.250), para manter a disciplina e evitar a corrupção de culpados de delitos mais leves.

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No sistema progressivo, o preso consegue maior liberdade ou volta para reclusão mais severa, dependendo do seu comportamento. O sistema considera três estágios. "O primeiro deles, período de prova, constava de isolamento celular absoluto; o outro se iniciava com a permissão do trabalho em comum, em silêncio, passando-se a outros benefícios; e o último permitia o livramento condicional" (Ibid., p.250).

Os modernos sistemas penitenciários combinam a reclusão de indivíduos perigosos para a sociedade com procedimentos destinados a reabilitá-los. Para isso, criaram-se estabelecimentos penitenciários abertos, nos quais o condenado assume a responsabilidade por seu regime de semiliberdade em troca da possibilidade de manter contatos familiares, sexuais ou de trabalho.

Porém, mesmo nos países de maior desenvolvimento social, nem sempre têm êxito as tentativas de resolver ou atenuar os problemas causados pela aplicação das penas privativas de liberdade.


2. SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Em linhas gerais, o código penitenciário brasileiro adota o sistema irlandês, que protege os condenados de situações degradantes e concede favores graduais. Os avanços teóricos do direito, porém, não se traduziram na realidade da vida penitenciária brasileira.

A seguir, abordar-se-ão as principais leis brasileiras que regem a caótica pena de prisão.

2.1. Normas legais nacionais

Exibem-se aqui, as mais importantes legislações brasileiras que trazem consigo instruções ou dispositivos legais concernentes ao tema.

2.1.1. A Constituição da República Federativa do Brasil

A Constituição de 1988 contém garantias explícitas para proteção da população encarcerada, assegurando-se aos presos a dignidade humana que, pelo fato da condenação, jamais pode ser perdida.

Em seguida, serão analisados alguns dispositivos constitucionais que defendem a pessoa do preso:

"Art.5º, III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

(...)

Art.5º, XLVII – não haverá penas:

a)de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.84, XIX;

b)de caráter perpétuo;

(...)

e) cruéis;

Art. 5º, XLVIII – A pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

Art. 5º, XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral"

A tortura é qualquer prática de cunho físico ou moral que ofende, acentuadamente, a integridade humana. Já o tratamento desumano ou degradante é aquele que avilta a pessoa, rebaixando-a física ou moralmente.

No tocante à proibição de penas de morte, perpétuas ou cruéis, o que se vê, quase sempre no Brasil, respectivamente, são: assassinatos e mais assassinatos dentro das prisões; o não retorno do preso à liberdade, chegando o mesmo a cumprir pena superior ao tempo declarado na sentença, devido à ineficácia ou inexistência da assistência jurídica e social; penas cada vez mais perversas, pois sujeitam os detentos à violência, a maus tratos, configurando punições draconianas.

O motivo que exige o cumprimento da pena em estabelecimento distintos reside na preocupação de se coibir o convívio de ladrões de galinha com assaltantes ou estupradores, evitando, assim, que a prisão se transforme numa escola do crime.

2.1.2. A Lei de Execução Penal

A descrição mais detalhada sobre as normas prisionais brasileiras – ou pelo menos, as principais aspirações do sistema prisional – pode ser encontrada na Lei nº 7.210 de 1984, que instituiu a Lei de Execução Penal (LEP).

É uma obra extremamente moderna de legislação: reconhece os direitos humanos dos presos; ordena tratamento individualizado; protege os direitos substantivos e processuais dos detentos; e garante assistência médica, jurídica, educacional, social, religiosa e material.

Dispõe o art.1º da Lei nº 7.210/84: "A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado". Desta forma, se vista como um todo, perceber-se-á que o foco desta lei não é a punição, mas, ao invés disso, a "ressocialização das pessoas condenadas".

2.1.3. As Regras Mínimas para o Tratamento do Preso

As Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, que data de 1994, é um documento de aspirações.

Constituindo-se de sessenta e cinco artigos, as regras abrangem tópicos, tais como: classificação, alimentação, assistência médica, disciplina, contato dos presos com o mundo exterior, educação, trabalho e direito ao voto.

As regras basearam-se amplamente no modelo das Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros das Nações Unidas e foram oficialmente descritas como um "guia essencial para aqueles que militam na administração de prisões".


3. AGENTES RESPONSÁVEIS

É um absurdo o que a grande maioria das autoridades competentes e responsáveis pelo melhoramento do sistema prisional fazem. Constantemente, se vê o jogo de atribuições, um querendo colocar a culpa da problemática do sistema no outro.

Fala o juiz do processo de conhecimento: Esse fato não é tão relevante, mas é típico, antijurídico. O réu cometeu o crime (pelo menos confessou na polícia) e é reincidente. Disse que foi torturado, mas não há prova. Vou condenar e mandar recolher. Os presídios estão superlotados, não têm condições; o condenado vai conviver com outros presos muito piores que ele; se sair, vai sair escolado. Mas o problema não é meu, é do juiz da execução. E o juiz da execução: o fato é quase irrelevante, acho que o réu não deveria ter sido condenado, pelo menos à pena de reclusão em regime fechado, diante da situação dos presídios. Mas o problema não é meu. A condenação foi imposta por outro juiz. Tenho é de fazer cumprir a sentença. Depois, o Poder Executivo, que administra os presídios, não os deixa em condições. E o Poder Executivo, por sua vez: Mandaram prender esse sujeito. O fato não é tão relevante, já não há espaço, os motins se sucedem. Será que vai sair vivo? Não sei, mas o problema não é meu. Foi o Judiciário que o mandou para cá e se os presídios não têm condições é porque nos faltam recursos. A LEP é inexeqüível (SCAPINI, 2001, p.54).

3.1. Juízes

A Vara de Execuções Penais sempre foi muito rejeitada, principalmente, pela sociedade, talvez pelo sentimento equivocado de que o réu, depois de condenado, deverá ser submetido a condições degradantes e para isto se faz necessária a existência de um sistema penitenciário esquecido.

Os juízes de execuções penais, contudo, dão razões suficientes, através de suas práticas, para o fortalecimento de tal mentalidade. Muitos benefícios como: saída temporária, livramento condicional, progressão de regime, remição, entre outros, já se encontram formulados, mudando apenas o nome do detento e o número do processo, o que desrespeita o direito do preso de ter sua situação jurídica detalhadamente analisada.

Mas a problemática não pára por aí. Enorme é a quantidade de fatores que impedem os juízes de aplicar, firmemente, a Lei de Execução Penal.

Contudo, sabe-se que "o papel fundamental do juiz da execução penal é zelar pelo fiel cumprimento da lei de execuções penais, implicando uma atuação decisiva no controle e fiscalização de todo o processo ressocializante a que é submetido o condenado, analisando seu comportamento e, a partir dessa análise, estabelecer o momento certo para devolvê-lo ao convívio da comunidade" (LEITE, 2001, p.59).

3.2. Governo

É um dos maiores culpados pela crise do sistema penitenciário brasileiro, sob dois aspectos. De forma indireta, à medida que não cumpre com seu compromisso social, na disponibilização de recursos que garantam educação, saúde, moradia, emprego, entre outras necessidades. Enquanto isto não for oferecido ao povo, satisfatoriamente, o Governo não poderá assegurar a segurança nacional. E diretamente, pelo fato ser inerte quanto à criação de uma eficiente política criminal, capaz de combater a corrupção dentro dos presídios, recuperar os presos, destinar verbas para a construção de novas unidades penais, entre outras melhorias.

O último aspecto é o mais alarmante, uma vez que revela à população brasileira a real descredibilidade das instituições nacionais e por que não dizer, a falência do Estado.

3.3. Sociedade

A população brasileira costuma enaltecer apenas uma das finalidades da pena – a punição – e ignorar as outras duas, a repressão e a reintegração social do preso. Por esta razão, a sociedade considera correto, legítimo e legal o preso passar fome, sofrer torturas, ser assassinado, enfim, ter sua pena transformada em suplício, contrariando, assim, muitos dos dispositivos da Magna Carta.

Mas a sociedade deve procurar saber qual é o seu verdadeiro papel na redução dos males que afetam o sistema prisional brasileiro, criando, para isto, um espírito lutador, ávido de justiça, combatedor das impunidades, destemido, mas sobretudo, solidário.


4. POR QUE O SISTEMA PENITENCIÁRIO É TÃO FALHO?

Como se sabe, a pena de prisão busca a ressocialização do indivíduo, para que este encontre-se em condições de ser inserido na sociedade, não voltando a delinqüir. Para alcançar esse objetivo, é necessário que a permanência no estabelecimento carcerário seja adequada à esta reabilitação. Porém, as condições políticas, econômicas, sociais e culturais do nosso País dificultam a transmissão de recurso para estas instituições.

A superlotação das unidades prisionais, as subumanas condições de vida dos presos, o crescimento de organizações criminosas e da corrupção dentro das prisões, aliado à falta de segurança, não permitem que os estabelecimentos carcerários cumpram sua função.

Doravante, serão analisadas cada uma destas causas apontadas.

4.1. A população carcerária

Tendo em vista que as instituições carcerárias brasileiras são insuficientes para abrigar todos os presos de forma adequada, foram construídas 96 unidades prisionais entre os anos de 2000 e 2001, abrindo cerca de 11.583 vagas.

Contudo, embora alguns esforços tenham sido feitos para resolver o problema, a disparidade entre a capacidade instalada e o número atual de presos tem apenas piorado. Para se ter uma idéia, o número de pessoas encarceradas no Brasil cresce a um ritmo superior ao da população do país. "Em abril de 2001, há 223.220 indivíduos presos, o que representa um aumento de 2,97% em relação a julho de 2000 e de 50,05% em relação a 1995. A quantidade de presos por 100 mil habitantes aumenta de 95 em 1995 para 131 em 2000 e 133 em 2001" (FERREIRA; SAVOY, 2002, p.89).

"Entre os estados brasileiros, São Paulo ocupa, novamente, o primeiro lugar com 256 presos por 100 mil habitantes, seguido do Distrito Federal (215), do Rio de Janeiro (164) e do Rio Grande do Sul (133)" (LEMGRUBER, 2001, p.175).

Mas não resta dúvida de que quase todos os estabelecimentos prisionais brasileiros encontram-se superlotados. E os administradores prisionais sabem que prisões repletas de detentos aumentam as tensões, ocasionando a violência entre os mesmos, as tentativas de fuga e os ataques aos guardas.

Não é surpresa que uma parcela significativa dos incidentes de rebeliões, greves de fome e outras formas de protesto nos estabelecimentos prisionais do país, sejam diretamente atribuídas à superlotação.

A Lei n. 7.210/84, que institui a Lei de Execução Penal (LEP), prevê que os detentos sejam mantidos em celas individuais de pelo menos seis metros quadrados (art.88, parágrafo único, b). Todavia, em muitos estabelecimentos penais, grande parte das celas tem de duas a cinco vezes mais ocupação do que a capacidade prevista pelos projetos. Constantemente, pode-se observar nos programas televisivos, revistas e jornais, presos amontoados uns sobre os outros ou, ainda, amarrados às janelas para aliviar a demanda por espaço no chão.

Se os números dos últimos anos servirem como indicação, a população carcerária do Brasil continuará a crescer e, provavelmente, superará "os limites" da capacidade prisional.

4.1.1. O mercado imobiliário interno da prisão

Em alguns presídios, a distribuição do espaço não segue regras, o que significa que o pior da superlotação recai de forma desigual sobre certos presos. Ou seja, algumas celas ficam completamente lotadas enquanto outras têm uma ocupação mais equilibrada.

No geral, presos que são mais pobres, mais fracos ou menos influentes tendem a viver em dependências com condições menos humanas.

Isto se explica da seguinte forma: internos de algumas instalações, em geral as mais superlotadas, têm que pagar a outros internos para utilizar uma cela. Segundo José Carlos Félix da Silva, ex-promotor da Vara de Execuções Criminais de Juazeiro do Norte, "...na Casa de Detenção de São Paulo, os presos pagam entre R$ 180 e R$ 800 reais para dividir uma cela, dependendo de sua qualidade e localização. Neste local, prisioneiros poderosos possuem [grifo é nosso] ou controlam dez ou mais celas".

4.1.2. O perfil do preso

Como no resto do mundo, a população carcerária no Brasil é formada basicamente por jovens, pessoas pobres e indivíduos com baixo nível de escolaridade.

Segundo o censo da Penitencia de Segurança Máxima Professor Barreto Campêlo, em Pernambuco, em 1998, dentre os 978 presos até outubro deste ano [1999], 55% encontram-se na faixa etária entre 18 e 30 anos de idade. A renda familiar de 90% deles é de um salário mínimo e apenas 0,4% possuem nível superior de escolaridade. Dentre os delitos praticados com mais freqüência encontram-se: o roubo (art.157 – CPB), em 40,7% dos casos; o homicídio (art. 121 – CPB), em 39,8%; e o tráfico de entorpecentes (art. 12 da Lei 6.368/76), em 23,1% dos casos" (MELO, 1999, p.299).

Através destes significativos dados, percebe-se o perfil do criminoso brasileiro, estando as condições sócio-econômicas como a grande determinante da prática de delitos.

4.2. As degradantes condições de vida dos presos

Organizações nacionais e internacionais, freqüentemente, denunciam o tratamento desumano, degradante e violento a que estão submetidos os presos.

Nos estabelecimentos penais, os detentos, forçosamente, convivem com o medo de serem vítimas de uma agressão física, de serem violentados sexualmente, entre outras barbáries carcerárias, já que estão sujeitos a um regime no qual, praticamente, inexiste uma adequada assistência – seja, matéria, laboral, educacional, espiritual, médica, jurídica, ou social – e uma separação entre o pequeno infrator e os presos altamente periculosos.

4.2.1. O estado físico das celas

Geralmente, concreto, pintura e piso, bem como os sistemas hidráulicos e elétricos encontram-se seriamente danificados.

As palestras apresentadas ao 2º Encontro do Ministério Público no Cariri, realizado em Juazeiro do Norte, em 2002, mostraram que:

Em muitas unidades prisionais, as celas possuem várias goteiras, produzidas por infiltrações espalhadas pelo teto, que acabam molhando os presos, deixando o ambiente úmido e repleto de musgos. Nas paredes, há fios descobertos, o que evidencia um claro risco de incêndio. Os chuveiros consistem apenas de um cano que sai da parede. Nem sempre se tem água corrente. Os vasos sanitários não possuem descarga, impregnando os banheiros com um odor terrível" (ENCONTRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO CARIRI, 2002).

A Lei n. 7.210/84 indica um outro requisito básico da unidade celular, a salubridade do ambiente pela presença dos fatores de ventilação, luz e temperatura adequada à existência humana (art. 88, parágrafo único, a).

Devido ao clima tropical, a maioria dos presídios no Brasil possui celas com janelas de barras, que permitem a entrada de luz e ar. Porém, quando as celas estão superlotadas, tornam-se insalubres, em razão da falta de ar e da abundância de odores nocivos.

Depois destas minuciosas descrições, fica evidente a precariedade das instalações.

4.2.2. Alimentação

A Lei n. 7.210/84 reza que o preso tem direito a uma alimentação suficiente (art. 41, I, 1ª parte). Pura ficção! Presos no Brasil, geralmente, recebem refeições mínimas, dependendo dos familiares para levar quase toda sua comida.

Freqüentemente, ouvem-se denúncias envolvendo corrupção, distribuição desigual do alimento, assim como inúmeras queixas quanto à qualidade da comida servida. Para agravar ainda mais a situação, "as áreas onde as comidas são estocadas quase sempre estão sujas e, segundo declarações de presos, infestadas de insetos e ratos" (ENCONTRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO CARIRI, 2002).

4.2.3. Vestuário

Conforme o art. 41, I, 2ª parte, da Lei 7.210/84, o preso tem direito a vestuário. Mas, invariavelmente, os estabelecimentos penais do Brasil descumprem esta determinação.

De acordo com José Carlos Félix da Silva, "os presos brasileiros usam suas próprias roupas: o que eles estiverem vestindo quando foram presos e, depois, o que suas famílias trouxerem ou o que eles comprarem. Dificilmente é oferecido vestuário por parte do governo".

4.2.4. Trabalho

De acordo com a LEP, todos os presos condenados devem trabalhar (art.28). É preciso notar, porém, que as obrigações legais com relação ao trabalho prisional são recíprocas: os detentos têm o direito de trabalhar e as autoridades carcerárias, o dever de fornecer o trabalho.

Não obstante, apenas uma minoria trabalha. Diante desta constatação, deve-se ressaltar que o reduzido número de detentos ocupando postos laborais é resultado de escassez de oportunidade de trabalho e não de falta de interesse dos presos. Até porque, segundo o art.126, § 1º, da Lei n.7.210/84, para cada três dias de trabalho, um dia deve ser debitado na sentença do detento. Ansiosos para sair da prisão o mais rápido possível, quase todos os detentos estão dispostos a trabalhar, mesmo sem receber remuneração.

O tipo de trabalho oferecido aos detentos varia da manutenção, limpeza e reparos – oferecidos na maioria das prisões – ao emprego em companhias particulares, que os contratam para fabricar itens como bolas, carteiras e bijuterias.

O salário dos detentos, varia, consideravelmente, de prisão para prisão. A LEP determina que os detentos recebam ao menos três quartos do salário mínimo (art. 29).

4.2.5. Educação

Como vimos, o nível educacional das pessoas que entram no sistema penitenciário é geralmente baixo. Isto sugere que programas educacionais possam ser um caminho importante para um retorno bem-sucedido dos detentos à sociedade. Reconhecendo esta possibilidade, a LEP determina que os detentos recebam oportunidades de estudo, garantindo-lhes, em especial, educação escolar primária (art. 18).

Contudo, as oportunidades de educação também são escassas, oferecendo aos detentos poucas válvulas de escape construtivas para suas mentes.

4.2.6. Assistência médica

Contempla a LEP que os presos tenham acesso à assistência médica (art.14). Na prática, este benefício é oferecido em níveis mínimos na maior parte das prisões. Resultado: várias doenças infecto-contagiosas – tais como tuberculose e Aids – chegam a atingir níveis epidêmicos entre a população carcerária brasileira.

Negando o tratamento adequado aos presos, o sistema prisional não apenas ameaça a vida dos detentos, como também facilita a transmissão dessas doenças à população em geral, por meio das visitas conjugais e do livramento dos presidiários. Muitos destes morrem das doenças mencionadas, após terem recebido tratamento médico insuficiente ou nenhum.

Dentre os fatores que favorecem a alta incidência de problemas de saúde entre os presos está: o estresse, pelo fato de seu encarceramento; condições insalubres; celas superlotadas, com presos em contato físico contínuo; violência; e o abuso físico.

Como as unidades prisionais do Brasil geralmente não prestam serviços de assistência médica, sua ausência torna-se a principal fonte de reclamações entre os presos.

4.2.7. Assistência jurídica

Uma das razões, pela qual muitos presos não obtêm os benefícios disponíveis previstos na LEP, é a escassez de assistência jurídica. Os defensores públicos pouco aparecem em muitos dos estabelecimentos do país.

Para compensar – em parte – a falta de assistência jurídica, muitos estabelecimentos prisionais estaduais promovem mutirões, através dos quais grupos de advogados e estudantes de Direito visitam os presídios e avaliam a condição legal dos presos, determinando se eles se qualificam para benefícios de livramento condicional ou outros. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), assim como faculdades de Direito locais, normalmente, promovem tais eventos.

4.2.8. Assistência social

Para receberem o livramento condicional ou outros benefícios, os presos devem ser avaliados por assistentes sociais que analisam se eles preenchem os requisitos ou não. Neste caso também, a demanda por tais serviços, em muitos presídios, supera a oferta, causando inúmeras reclamações dos presos sobre o assunto.

Sobre os autores
Cosmo Sobral da Silva

bacharelando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA), técnico judiciário do TRT da 7ª Região

Everaldo Batista Bezerra

bacharelando em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA), servidor público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Cosmo Sobral; BEZERRA, Everaldo Batista. A terceirização de presídios a partir do estudo de uma penitenciária do Ceará. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 652, 14 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6541. Acesso em: 28 dez. 2024.

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