Capítulo 2
O PROCESSO DISCIPLINAR NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O princípio do devido processo legal, previsto na Constituição, no art. 5º, LIV, onde “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, é aplicado ao Poder Judiciário.
No entanto, se subtraí deste princípio constitucional as garantias asseguradas a todos os envolvidos em processos judiciais, para aplicá-las em todos os tipos de processos existentes, dentre eles o processo administrativo disciplinar, tema deste estudo.
Tais garantias segundo Marques apud Silva (2005, p.432) são: “do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais”. Essas garantias, portanto, devem ser aplicadas ao processo administrativo disciplinar. Devendo ser assegurado aos acusados o pleno exercício destas garantias durante suas defesas.
Vale a lição de Roza (2002, p.105):
O devido processo legal é princípio matriz de todos os demais princípios processuais constitucionais. Tanto a aplicação das garantias do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural [...].
Medauar (2001, p.200) no entanto, esclarece uma fundamental diferença entre o processo judicial, e o processo administrativo, no que diz respeito as garantias que lhe são asseguradas, ao destacar que
No âmbito administrativo [...] o devido processo legal não se restringe às situações de possibilidade de privação de liberdade e de bens. O devido processo legal, desdobra-se, sobretudo, nas garantias do contraditório e ampla defesa, aplicadas ao processo administrativo.
Como no processo administrativo não há possibilidade de privação de liberdade e bens, como no caso do processo judicial, deve-se dar especial atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Apesar de suas especificidades e diferenças do processo judicial, o processo administrativo deve obedecer aos princípios constitucionais inerentes a todos os processos, sendo o enfoque especial deste estudo, o princípio constitucional da ampla defesa, aplicada aos processos administrativos disciplinares.
PROCESSO E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Para Bacellar Filho (1998, p.45) “O procedimento configura requisito essencial da atividade estatal, pois é a forma de explicitação de competência”. Portanto procedimento administrativo seria todo e qualquer ato administrativo objetivando a explicitação de sua competência. Prossegue o mesmo autor, “Mesmo os atos administrativos relativamente simples envolvem uma seqüência de atos direcionados a um ato final”.
Acerca da discussão existente sobre a denominação correta, se processo administrativo ou procedimento administrativo, esclarece Carvalho Filho (2005, p.778) que
Como na via administrativa as autoridades não desempenham função jurisdicional, poderia supor-se não ser muito técnica a denominação processo administrativo. Contudo, tanto quanto o processo judicial, que visa a uma decisão, o processo administrativo tem igualmente objetivo certo, no caso a prática de ato administrativo final. Não bastasse esse fator de identificação, a expressão está consagrada, é reconhecida pelas mais diversas camadas da população e a esta altura não há qualquer razão para ser alterada.
Todo processo administrativo segue, e possui, seus procedimentos. Isso não significa que todos os procedimentos administrativos importam em processos administrativos. Não estando qualquer procedimento, obrigado a atender os princípios aplicáveis aos processos administrativos.
Necessário se faz identificar o significado da expressão “processo administrativo”, face sua constante utilização no decorrer deste trabalho acadêmico.
Em acepção ampla, “processo administrativo” refere-se ao conjunto sistemático de atos dos órgãos da Administração que, em matéria administrativa, objetiva a concretização das relações jurídicas reguladas, anteriormente, pelo direito substantivo (CRETELLA JÚNIOR, 1998, p.16).
O processo administrativo é o meio utilizado pela Administração Pública para cumprir o ordenamento contido no direito administrativo material. Da mesma forma que o processo civil, e o processo penal, fazem tal papel para o direito civil e penal, respectivamente.
Em outros ramos do direito, a parte processual é de incumbência do Poder Judiciário; já no processo administrativo, essa função é da Administração Pública. Somente em caso de alguma falha no exercício desta função é que o processo administrativo será transferido para esfera judicial.
Como é de sua alçada, a Administração Pública deve valer-se do processo administrativo, que segundo Cretella Júnior (1998, p.32-33) é
O conjunto de documentos que formam a peça administrativa; processo administrativo, em sentido amplo, é a série ordenada de atividades da Administração que prepara a edição doa to administrativo; processo administrativo é o conjunto de atos praticados na esfera administrativa quer apenas pela Administração, quer pela autoridade competente e pelo administrado, até a decisão final da autoridade competente, nessa esfera.
Para Meirelles (2003, p.656), importante se faz ainda
[...] distinguir os processos administrativos propriamente ditos, ou seja, aqueles que encerram um litígio entre a Administração e o administrado ou servidor, dos impropriamente ditos, isto é, dos simples expedientes que tramitam pelos órgãos administrativos, sem qualquer controvérsia entre os interessados.
O processo administrativo está regulamentado, na esfera federal, pela Lei nº 9.784, de 29/01/99. Estabelecendo as normas sobre o processo administrativo no que diz respeito à Administração Federal direta e indireta. O artigo primeiro desta Lei define seu objetivo principal, ou seja: “estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração”.
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO: CLASSIFICAÇÃO
Dentro do processo administrativo encontramos diversos procedimentos. Fato que possibilitou a classificação do processo administrativo em algumas espécies, que segundo Cretella Júnior (1998, p.46), “não se excluem, ao contrário, interpenetram-se, consistindo em maneiras ou ângulos de apreciar a mesma realidade”.
Destacar-se-á a classificação de Cretella Júnior (1998, p.46), que divide o processo administrativo em cinco espécies: quanto ao raio de ação (externo e interno); quanto ao objeto (disciplinar ou penal); quanto à juridicidade (contencioso ou gracioso); quanto ao desfecho (condenatório ou absolutório); e quanto à forma (sumário ou integral).
No entanto, frente ao objetivo da pesquisa, tratar-se-á da classificação que se refere ao objeto e, nesta, especificamente do objeto disciplinar.
2.3 O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
Entre os processos administrativos temos o processo administrativo disciplinar, devendo-se destacar para Silva (1999, p.42) que
O objetivo do processo administrativo disciplinar é a tutela da hierarquia através da apuração imediata da falta cometida e, em seguida, da aplicação justa da pena cominada no estatuto do Funcionário, na sua respectiva esfera (União, Estado ou Município).
Serve o processo administrativo disciplinar, portanto, para apurar a infração cometida pelo funcionário, e a conseqüente punição. Seguindo a mesma linha, temos a definição dada por Cretella Júnior (1998, p.63):
Processo administrativo disciplinar ou simplesmente processo disciplinar é o capítulo do direito administrativo, extraordinariamente vasto e importante, que consiste no conjunto ordenado de formalidades a que a Administração submete o servidor público (ou o universitário) que cometeu falta grave atentatória à hierarquia administrativa.
Ocorre processo administrativo quando os procedimentos realizados pela Administração Pública visam a realização de um ato administrativo, e processo administrativo disciplinar quando o objetivo for à aplicação de uma pena disciplinar. Para Costa apud Roza (2002, p.75) o Direito Processual Disciplinar é o conjunto de normas e princípios sedimentados em Leis, regulamentos, pareceres de órgãos oficiais, jurisprudência e doutrina, que informam e orientam a dinamização dos procedimentos apuratórios de faltas disciplinares, objetivando fornecer sustentação à legítima lavratura do correspondente ato punitivo.
O processo administrativo é utilizado como meio para apuração de infrações na esfera Administração Pública, pois toda falta deve ser apurada quando ocorrida na Administração Pública.
Quando uma infração é praticada no âmbito da Administração, é absolutamente necessário apura-la, como garantia para o servidor e também da Administração. O procedimento tem que ser formal para permitir ao autor do fato o exercício do direito de ampla defesa, procurando eximir-se da acusação a ele oferecida (CARVALHO FILHO, 2005, p.788).
Assim, apurar toda a infração cometida é dever da Administração, exercida pelo superior hierárquico a quem o agente público14 estiver subordinado.
hierarquia no processo disciplinar
A hierarquia é ponto fundamental no processo disciplinar, podendo ser definida como “particular sistema de distribuição ou partilha de competência pelos agentes dos serviços públicos, dentro do qual eles estão ligados por relações de subordinação” (VALENTE apud CRETELLA JUNIOR, 1998, p.61).
Esta subordinação serve para possibilitar o controle dos agentes, onde ao superior cabe verificar qualquer tipo de infração cometida pelo seu subordinado. No entanto, o exercício da hierarquia deve ser feito de maneira legal, em virtude da prerrogativa de perda da função hierárquica por meio de processo. Como explica Roza (2002, p.78):
A verdade é que a existência do poder hierárquico, de uma autoridade administrativa que exerce o seu poder sobre aqueles que lhe estão subordinados na escala administrativa, não exclui a aplicação de processos que tirem à função hierárquica o seu caráter rígido e discricionário.
Entretanto, no que pese este detalhe, a hierarquia tem fundamental importância no direito administrativo e no processo disciplinar, devendo ser exercida para manutenção da estrutura administrativa.
Para Cretella Junior (1998, p.62),
Hierarquia, disciplina, ordem, obediência e administração constituem um mesmo bloco de idéias afins sem as quais o direito administrativo e o direito disciplinar perderiam sua razão de ser.
Portanto a hierarquia é um meio de controle da Administração como um todo, onde cada agente público está sendo controlado pelo seu superior, que, em contrapartida está subordinado a outro superior, e assim sucessivamente, até o mais alto grau desta pirâmide estrutural.
As fases do procedimento disciplinar
No que tange às fases do procedimento disciplinar, os autores divergem um pouco no momento de identifica-las. Alguns, como Lúcia Valle Figueiredo e Celso Antônio Bandeira de Mello, entendem que são três as fases do procedimento disciplinar: deflagratória ou propulsiva, instrutória e decisória ou dispositiva.
Para fim deste estudo acadêmico, seguir-se-á as fases citadas por Di Pietro (2004, p.544): instauração, instrução, defesa, relatório e decisão. Tal divisão é majoritária na doutrina brasileira, sendo utilizada também por Meirelles (2003, p.661), razão pela qual será esta a classificação utilizada, como asseverado anteriormente.
Entendimento idêntico é o de Braz apud Silva (1999, p.41):
Em regra, deve o processo começar pela Instauração, que é o ato que discrimina a falta, onde se define, também, quem será responsável pelo seu andamento; a instrução, que são os atos de apuração dos fatos através da produção de provas, incluindo-se nela a defesa e, finalmente o relatório no qual vem narrado o resultado do processo, com a indicação ou com as recomendações finais destinadas ao julgamento da autoridade, a quem caberá acatar ou não o resultado final do processo.
Para Medauar (2001, p.206) a fase de instauração, ou como ela denomina, fase introdutória ou inicial é
Integrada por atos que desencadeiam o procedimento; o processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou por iniciativa de interessados (particulares, individualmente ou em grupo e servidores para pleitear direitos, por exemplo).
Nesta fase, a autoridade administrativa competente age ex officio15, devido ao princípio da oficialidade16, e do poder-dever-de-agir17, no momento em que toma conhecimento de alguma irregularidade determina instauração do processo a fim de apurar o ocorrido.
Para Figueiredo (2004, p.448), a fase de instauração “como o próprio nome está a indicar, consiste na provocação inicial, na instauração quer de processo ou procedimento”.
Seguindo o curso do processo administrativo, acontece a fase de instrução, “na qual a Administração deve colher os elementos que servirão de subsídio para a decisão que tomará” (MELLO, 2004, p.460).
Meirelles (2003, p.662) esclarece que
A instrução é a fase de elucidação dos fatos, com a produção de provas da acusação no processo punitivo, ou de complementação das iniciais no processo de controle e de outorga, provas, essas, que vão desde o depoimento da parte, as inquirições de testemunhas, as inspeções pessoais, as perícias técnicas, até a juntada de documentos pertinentes. Nos processos punitivos as providências instrutórias competem à autoridade ou comissão processante e nos demais cabem aos próprios interessados na decisão de seu objeto, mediante apresentação direta das provas ou solicitação de sua produção na forma regulamentar. Os defeitos da instrução, tal seja sua influência na apuração da verdade, podem conduzir à invalidação do processo ou do julgamento.
Na fase de instrução, a autoridade competente, ou a comissão processante, deve trabalhar com o intuito de produzir as provas de acusação do processo administrativo disciplinar. Utilizando todos os meios possíveis para atingir este fim. Como o depoimento da parte, as inquirições de testemunhas, as inspeções pessoais, as perícias técnicas, e os documentos que poderão servir na elucidação do caso.
Segundo Pereira apud Cretella Júnior (1998, p.65) esta fase é de suma importância pois
nela se colhem os elementos que possibilitem o esclarecimento das faltas apontadas. É o momento de maior trabalho. Dificuldades de toda a sorte podem tomar grande parte do prazo dado à Comissão para cumprir sua missão. Realizam-se as inquisições do denunciante, se houver, as testemunhas presenciais e informantes, e do acusado, reduzindo o Secretário a termo tais depoimentos.
Após a fase de instrução ocorre a fase de defesa, que “é o conjunto de argumentos que o indiciado reúne a seu favor, complementados por documentos e testemunhas” (CRETELLA JÚNIOR, 1998, p.65).
É nesta fase que o indiciado poderá valer-se do princípio constitucional da ampla defesa, tema que será tratado a seguir, que para Meirelles (2003, p.662) compreende
A ciência da acusação, a vista dos autos na repartição, a oportunidade para oferecimento de contestação e provas, a inquirição e reperguntas de testemunhas e a observância do devido processo legal (due process of law).
Ao final da defesa, vem a fase seguinte, onde é apresentado o relatório pela comissão, “no qual deve concluir com proposta de absolvição ou de aplicação de determinada penalidade, indicando as provas em que baseia a sua conclusão” (DI PIETRO, 2004, p.544).
Cretella Júnior (1998, p.66) ensina:
Relatório é a peça elaborada pela comissão processante e que, juntamente com o processo administrativo, é remetida à autoridade competente.
A importante peça, em questão, constará da exposição pormenorizada dos fatos desde o início e concluirá pela inocência ou responsabilidade do acusado, indicando, se a hipótese for esta última, a disposição legal transgredida.
Analisando todos os itens da instrução e da defesa, será feito o relatório, onde a autoridade competente deve concluir sobre o processo, fundamentando sua decisão com os elementos que o levaram a punição do acusado, ou a sua absolvição.
Todavia, não é o relatório que decidirá o processo, ele possui caráter informativo, “não obrigando a autoridade julgadora, que poderá, analisando os autos, apresentar conclusão diversa” (DI PIETRO, 2004, p.545).
Ao final, temos a fase da decisão, que segundo Medauar (2001, p.207)
É o momento em que a autoridade competente (unipessoal ou colegiado) fixa o teor do ato que emite a decisão e o formaliza; nesta fase se incluem os elementos necessários à eficácia da decisão, tais como notificação, publicação e eventualmente homologação ou aprovação, pois todos são ínsitos à própria decisão.
Como já dito anteriormente, não é o relatório que decide o caso, esta função é de competência da autoridade incumbida de decidir o caso. Como bem orienta Meirelles (2003, p.662):
O julgamento é a decisão proferida pela autoridade ou órgão competente sobre o objeto do processo. Essa decisão normalmente baseia-se nas conclusões do relatório, mas pode despreza-las ou contrariá-las, por interpretação diversa das normas legais aplicáveis ao caso, ou por chegar o julgador a conclusões fáticas diferentes das da comissão processante ou de quem individualmente realizou o processo.
Na mesma linha entende Cretella Júnior (1998, p.66):
Decisão ou sentença é o pronunciamento final da autoridade administrativa competente, dizendo que irregularidade houve e quem é o autor, caso em que é fixada a sanção do indiciado. Em caso contrário, ocorre a absolvição. Para isso terá o julgador determinado prazo, findo o qual, o acusado reassumirá, automaticamente, cargo ou função, aí aguardando o julgamento.
Portanto na fase decisória, o julgador ou órgão competente, faz a decisão final do processo. Baseando-se no relatório, que somente opina acerca da decisão a ser tomada, confirma a conclusão do mesmo, ou obtendo entendimento diverso, profere decisão diversa da concedida no relatório.
PRINCÍPIOS INERENTES AO PROCESSO DISCIPLINAR
No capítulo anterior viu-se os princípios constitucionais inerentes a Administração Pública, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência. Neste capítulo tratar-se-á dos princípios que se aplicam especificamente ao processo administrativo disciplinar. Como o objetivo principal é tratar da ampla defesa no processo administrativo disciplinar, apenas serão mencionados os demais princípios, dando-se mais evidência ao princípio da ampla defesa.
Para fins deste estudo, serão utilizados, neste trabalho acadêmico, os princípios elencados por Romeu Felipe Bacellar Filho (1998, p.155), são eles: legalidade, oficialidade, formalismo moderado, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, contraditório e ampla defesa.
Princípio da legalidade
Princípio inerente a qualquer ato administrativo, a legalidade, tratada também no primeiro capítulo, deve ser respeitada no processo disciplinar, sob pena de invalidade.
Meirelles (2003, p.658) destaca que o processo administrativo
[...] seja instaurado com base e para preservação da lei. Daí sustentar Giannini que o processo, como o recurso administrativo, ao mesmo tempo em que ampara o particular, serve também ao interesse público na defesa da norma jurídica objetiva, visando a manter o império da legalidade e da justiça no funcionamento da Administração. Todo processo administrativo há que embasar-se, portanto, numa norma legal específica para apresentar-se com legalidade objetiva, sob pena de invalidade.
A legalidade tem que estar presente em todo o processo disciplinar devendo servir como base para justificar sua instauração, e demais fases do processo.
No entanto, o princípio da legalidade “é bem mais amplo do que a mera sujeição do administrador à lei, pois obriga, necessariamente, também a submissão ao Direito, ao ordenamento jurídico, às normas e princípios constitucionais” (FIGUEIREDO, 2004, p. 429).
Princípio da oficialidade
Segundo Medauar (2001, p.203) o princípio da oficialidade “significa o dever, atribuído à Administração, de tomar todas as providências para chegar, sem delongas, à decisão final”.
É o dever da Administração em dar prosseguimento ao processo. Seria para o processo disciplinar, o mesmo que o princípio do impulso oficial nos processos judiciais.
Bacellar Filho (1998, p.174) assim o define:
O princípio da oficialidade compreende tanto a impulsão de ofício como a instrução de ofício, que pressupõe a participação do acusado. O princípio não significa que a Administração tenha possibilidade de levar a cabo a instrução sem o contraditório ou a ampla defesa, mas que a instrução é competência administrativa a ser exercida nos moldes legais e constitucionais.
Medauar (2001, p.204) cita algumas decorrências desse princípio:
a) A atuação da Administração no processo tem caráter abrangente, não se limitando aos aspectos suscitados pelos sujeitos.
b) A obtenção de provas e de dados para esclarecimentos de fatos e situações deve também ser efetuada de ofício, além do pedido dos sujeitos.
c) A inércia dos sujeitos (particulares, servidores e órgãos públicos interessados) não acarreta paralisação do processo, salvo o caso de providências pedidas pelo particular e que dependam de documentos que deve juntar; em tais casos a Administração deverá conceder prazo para a juntada, encerrando o processo se tal não ocorrer.
O princípio da oficialidade serve para o perfeito seguimento do processo disciplinar, com a Administração cumprindo os atos necessários para o prosseguimento do processo, e estipulando prazos para as partes efetuarem os atos suscitados.
Princípio do formalismo moderado
Para Mello (2004, p.464) este princípio significa “que a Administração não poderá ater-se a rigorismos formais ao considerar as manifestações do administrado”.
Na verdade, o princípio do formalismo moderado consiste, em primeiro lugar, na previsão de ritos e formas simples, suficientes para propiciar um grau de certeza, segurança, respeito aos direitos dos sujeitos, o contraditório e a ampla defesa; em segundo lugar, se traduz na exigência de interpretação flexível e razoável quanto às formas, para evitar que estas sejam vistas como um fim em si mesmas, desligadas das verdadeiras finalidades do processo (MEDAUAR, 2000, p.122-123).
O formalismo moderado assegura à Administração a possibilidade de tornar os ritos processuais adequados ao processo em caso, abrindo mão de atos que não terão serventia a solução do processo. Poderá, assim a Administração, agir dessa maneira, mas sempre observando os demais princípios do processo administrativo disciplinar.
Nessa linha, temos o ensinamento de Carvalho Filho (2005, p.785):
O princípio do informalismo significa que, no silêncio da lei ou de atos regulamentares, não há para o administrador a obrigação de adotar excessivo rigor na tramitação dos processos administrativos, tal como ocorre, por exemplo, nos processos judiciais. Ao administrador caberá seguir um procedimento que seja adequado ao objeto específico a que se destinar o processo.
Portanto, pelo princípio do formalismo moderado, a Administração poderá conduzir o processo de acordo com suas exigências, observando apenas o cumprimento daqueles atos que a levarão ao objeto do processo.
Princípio da impessoalidade
O princípio da impessoalidade se assemelha, e provém do art. 5 da Constituição Federal, que diz “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade...”.
Para Silva (2005, p.667)
O princípio ou regra da impessoalidade da Administração Pública significa que os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário. Este é um mero agente da Administração Pública, de sorte que não é ele o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal. Por conseguinte, o administrado não se confronta com o funcionário X ou Y que expediu o ato, mas com a entidade cuja vontade foi manifesta por ele.
Mello (2004, p.73) defende a tese de que a Administração “não pode desenvolver qualquer espécie de favoritismo ou desvalia em proveito ou detrimento de alguém. Há de agir com obediência ao princípio da impessoalidade”.
Para Roza (2003, p.109)
O princípio da igualdade é importante para o exercício da garantia da ampla defesa, pois significa que, graças a ele, nem a Lei nem seu aplicador podem privilegiar tratamento diferenciado às partes, sem que haja uma razão justificadora do discrímen18.
Tema central desta monografia, o princípio da ampla defesa fica subordinado a observância do princípio da impessoalidade, ou como chama Cláudio da Roza da igualdade. Devendo possibilitar todas as oportunidades para defesa, independente de quem seja o acusado.
Princípio da moralidade
A Constituição Federal fala que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa [...]” (grife-se). Todo ato que não atender o princípio da moralidade pode, e deve ser anulado.
Para Bacellar Filho (1998, p.181)
O princípio da moralidade, aplicada ao campo da processualidade administrativa disciplinar, incide justamente na esfera do anseio de certeza e segurança jurídica, mediante a garantia da lealdade e boa-fé tanto da Administração Pública que acusa, instrui e decide, quanto do servidor público acusado ou litigante.
Meirelles (2003, p.89) assim ensina:
O inegável é que a moralidade administrativa integra o Direito como elemento indissociável na sua aplicação e na sua finalidade, erigindo-se em fator de legalidade. Daí por que o TJSP decidiu, com inegável acerto, que “o controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo; mas por legalidade ou legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo.
Inerente a todo ato da Administração Pública, o princípio da moralidade deve nortear também o processo administrativo disciplinar, sob pena de anulação do ato praticado sem atender tal princípio.
Princípio da publicidade
O princípio da publicidade está assegurado na Constituição, art. 37, e vale para todo ato da Administração Pública, inclusive para que os mesmos tenham efeito, como explica Meirelles (2003 p.92):
Publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos. Daí por que as leis, atos e contratos administrativos que produzem conseqüências jurídicas fora dos órgãos que os emitem exigem publicidade para adquirirem validade universal, isto é, perante as partes e terceiros.
Para Bacellar Filho (1998, p.186)
A publicidade dimensiona-se, em matéria de competência disciplinar pelo processo administrativo. Em um primeiro sentido, a publicidade dos atos processuais visa garantir a informação, através da obtenção de certidões, vista dos autos e intimação dos atos processuais.
A publicidade é o princípio que assegura a parte o conhecimento dos atos do processo disciplinar. Propiciando obter certidões, vista dos autos, bem como de ser intimada dos atos processuais.
Princípio da eficiência
Já tratado no capítulo anterior, em razão de sua obrigatoriedade dentro da Administração Pública, o princípio da eficiência incide no processo administrativo disciplinar.
O princípio da eficiência da Administração (caput, do art. 37, inserido pela Emenda Constitucional n. 19, 1998) deve sofrer o influxo de interpretação conforme a Constituição, já que produto da competência reformadora. Incide sobre o processo administrativo disciplinar i) na fixação de um sistema coerente de competências. ii) no estabelecimento de procedimentos sumários, desenvolvidos em prol da tutela diferenciada (BACELLAR FILHO, 1998, p.347).
Bem lembrado por Bacellar Filho (1998, p.347), que o princípio da eficiência foi inserido pela emenda constitucional n. 19 de 1998, sendo, portanto, um dos mais modernos princípios da Administração Pública.
O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros (MEIRELLES, 2003, p.94).
A eficiência então, deverá ser aplicada no processo administrativo disciplinar para a devida apuração do ocorrido. Atuando com extrema eficiência no cumprimento do seu papel durante o processo, agindo de tal maneira impedirá o cometimento de atos inadequados, e não condizentes no âmbito da Administração Pública.
Princípio do contraditório
Para Medauar (2001, p.200) o princípio do contraditório, previsto na Constituição Federal19, seria “a faculdade de manifestar o próprio ponto de vista ou argumentos próprios, ante fatos documentos ou ponto de vista apresentados por outrem”.
Sem essa oportunidade não estaria sendo respeitado o contraditório. Mas o contraditório não é somente a oportunidade da parte adversa apresentar sua visão do caso, possui um objetivo, que segundo Bacellar Filho (1998, p.203)
[...] pressupõe uma maneira peculiar de compreensão das decisões processuais: resultam de construção humana levada a cabo a partir do desenvolvimento normativo das normas jurídicas e da comprovação autônoma de sua aplicabilidade ao caso concreto.
Interpretando-se a afirmativa deste autor, tem-se que a decisão do processo disciplinar seria feita com a participação das partes. Não cabendo somente a uma das partes decidir livremente, sem o contraditório.
Fato vedado por constituir a autotutela, como ensina Dinamarco apud Roza (2002, p.107)
Vedada a autotutela, inclusive ao próprio Estado, as pessoas em conflito são obrigadas a canalizar pelas vias do processo as suas pretensões antagônicas e a comportar-se, no processo, segundo as normas do procedimento.
E o que seria o contraditório? Para Carvalho Filho (2005, p.784) “é o direito de contestação, de redargüição a acusações, de impugnação de atos e atividades”.
Complementa com sua lição Bacellar Filho (1998, p.347), ao destacar que
O princípio do contraditório (art. 5, inc. LV), compreendido como efetiva possibilidade de influir no iter de formação do convencimento do julgador, incide sobre a estrutura lógica e prática do processo administrativo disciplinar, exigindo um contraditório efetivo e equilibrado em face dos interesses em jogo e alcançando todas as fases processuais: de construção, instrução e decisão.
O princípio do contraditório, em síntese, seria o direito a contestar todos os atos do processo. Previsto na Constituição é inerente ao princípio da ampla defesa, constituindo uma de suas garantias.
Princípio da ampla defesa
De todos os princípios do processo administrativo disciplinar destaca-se a ampla defesa, previsto na Constituição Federal, no seu art. 5, LV, segundo o qual “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”(grife-se).
Para Edson Jacinto da Silva (1999, p.70) trata-se de
Princípio sagrado e constitucionalmente assegurado, o direito de defesa, deve ser amplo, porque decorre do princípio de que ninguém deve ser julgado, isto é, condenado sem ter o direito amplo de defender-se.
Para garantia da ampla defesa deve-se propiciar o direito ao contraditório, como visto no item anterior, bem como outros meios processuais, que de acordo com Carvalho Filho (2005, p.784) são:
Produção de prova, do acompanhamento dos atos processuais, da vista do processo, da interposição de recursos e, afinal, de toda a intervenção que a parte entender necessária para provar suas alegações.
Portanto, toda oportunidade de defesa deve ser dada à parte, não diferindo no processo administrativo disciplinar, como argumenta Bacellar Filho (1998, p.347):
O princípio da ampla defesa, aplicado ao processo administrativo disciplinar, é compreendido de forma conjugada com o princípio do contraditório, desdobrando-se i) no estabelecimento da oportunidade da defesa, que deve ser prévia a toda decisão capaz de influir no convencimento do julgador; ii) na exigência de defesa técnica; iii) no direito à instrução probatória que, se de um lado, impõe à Administração a obrigatoriedade de provar as suas alegações, de outro, assegura ao servidor a possibilidade de produção probatória compatível; iv) na previsão de recursos administrativos, garantindo o duplo grau de exame do processo.
Todavia, embora seja assegurada ao acusado toda a oportunidade de defesa, deve ser observado “a utilização de meios procrastinatórios ou ilícitos que, pretextando buscar a verdade dos fatos, tenham por fim desviar o objetivo do processo” (CARVALHO FILHO, 2005, p.784). Assim, na utilização do direito a ampla defesa deve-se verificar se a parte fez uso do mesmo em seu sentido real, ou utiliza-se do mesmo como meio procrastinatório, ou ainda, outros diversos de sua finalidade precípua.
O direito à ampla defesa, previsto na Constituição, deve ser assegurado em qualquer processo, judicial ou administrativo, em que haja litígio entre as partes, possibilitando o contraditório e bem como todos os meios de defesa para o acusado.
Tema central desta monografia, o princípio da ampla defesa foi tratado neste capítulo de maneira genérica. No próximo capítulo, onde será apresentada a visão dos tribunais acerca de tal princípio, dar-se-á maior ênfase a sua aplicação especificamente no processo administrativo disciplinar.