O contraditório e a ampla defesa no processo administrativo disciplinar

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18/04/2018 às 19:00
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Capítulo 3

O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS QUANTO AO EMPREGO DO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

O princípio da ampla defesa, previsto na Constituição no art.5, LV, foi visto de maneira genérica no capítulo anterior, no momento em que se abordava os princípios inerentes ao processo administrativo disciplinar. Neste capítulo abordar-se-á as questões que envolvem tal princípio no âmbito do processo administrativo disciplinar.

Para corroborar a importância dada ao princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar, será apresentada neste capítulo a visão dos tribunais acerca do tema, por meio de jurisprudências do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

Convém destacar, desde já, que é pacífico o entendimento dos tribunais acima referenciados, de que a observância da ampla defesa é obrigatória, sob pena de invalidação do processo administrativo disciplinar. Portanto não constitui objetivo deste trabalho verificar diferentes posições sobre o tema, apenas demonstrar a visão dos tribunais acerca da aplicação do princípio constitucional da ampla defesa no processo administrativo disciplinar.

As jurisprudências foram escolhidas aleatoriamente, através de consulta aos sites dos tribunais citados, não havendo nenhum intuito quantitativo ou qualitativo, apenas servindo para ilustrar na prática a devida observância, por parte dos tribunais, do preceito constitucional em destaque. Dentre os exemplos posteriormente citados, encontram-se decisões favoráveis tanto para a Administração Pública, quanto para o agente público, todavia, em todas elas o entendimento é o da obrigatoriedade na aplicação do princípio da ampla defesa.

O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Como já dito por diversas vezes, no decorrer desta monografia, a Constituição prevê no seu art. 5, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Para Bueno Filho apud Bacellar Filho (1998, p.264-265)

Bastaria que o texto exigisse o respeito ao devido processo legal para que o exercício do contraditório e da ampla defesa com todos os seus consectários estivesse afirmado. O constituinte de 1988, no entanto, como já ocorrera antes, preferiu adotar uma postura mais analítica e explicitou estes e tantos outros direitos, a fim de que dúvidas não pairassem a respeito da extensão e do carinho com o qual o indivíduo possa ser tratado.

A intenção do constituinte foi de por fim a uma interpretação que ocorria antes do advento da Constituição de 1988, “onde o próprio Supremo Tribunal Federal chegou a interpretar o termo “acusados”, como restrito ao processo penal” (BACELLAR FILHO, 1998, p.265).

Com a inclusão no texto de: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo [...]”, não existe a possibilidade de outra interpretação, em face da declaração expressa de que tanto em processo judicial ou administrativo deve ser assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Sobre o princípio da ampla defesa, Eliezer Pereira Martins apud Da Silva (1999, p.83), assim se expressa:

Na órbita judicial a ampla defesa e o contraditório plasmaram-se como frutos da inexorável civilização das coisas do direito. O direito a defesa que em certa medida contém o contraditório é uma inspiração de direito natural e divino, na medida em que contém a própria essência daquilo que é justo em si mesmo. Pode-se afirmar como expressão de filosofia jurídica que a ampla defesa e o contraditório são a materialização do mais decantado instituto produzido pela justiça dos homens: a igualdade perante a lei.

O direito à ampla defesa deve partir do princípio da presunção de inocência, art. 5, LVII, da Constituição onde “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O inciso fala em sentença penal condenatória, todavia deve ser aplicado também aos processos administrativos que terminem em sanção ao acusado.

Sobre a presunção de inocência no processo administrativo explica Bacellar Filho (1998, p.271):

A presunção de inocência indica que o servidor acusado não poderá ser considerado culpado até a decisão final da autoridade julgadora. Da acusação administrativa ou das decisões interlocutórias, no processo administrativo disciplinar, não podem advir conseqüências definitivas, compatíveis somente com decisões finais irrecorríveis.

Portanto, durante o processo administrativo o acusado deve ser tratado como inocente, e somente poderá sofrer punição definitiva ao final do processo, quando não houver mais possibilidade de recurso.

A Lei Federal n. 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Federal dispõe, no seu art. 3, os direitos dos administrados.

 Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:

I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;

II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;

III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;

IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei.

De acordo com Ferraz e Dallari (2002, p.72), o artigo referenciado apenas enumerou como direito dos administrados, quando respondem a processo administrativo, prerrogativas implícitas no princípio constitucional da ampla defesa.

A ciência da tramitação do feito, a vista dos autos, a possibilidade de obtenção de cópias dos documentos deles constantes, a ciência da decisão, a possibilidade de apresentar razões e provas antes da decisão, a efetiva consideração das razões produzidas e a assistência por advogado (FERRAZ E DALLARI, 2002, p.72).

Seguindo tais prerrogativas, decorrem-se três direitos inerentes a ampla defesa, quais sejam: direito de informação, direito de manifestação e direito de ter suas razões consideradas. Sobre esses direitos escreveu Alves (2001, p.222), entendendo que

Pelo direito de informação, o acusado tem acesso aos elementos dos autos e deve ser cientificado de todos os atos processuais; o direito de manifestação lhe assegura o pronunciamento em todas as fases, impugnando documentos, contraditando testemunhas, formulando quesitos em perícia; e, em face do direito de ter suas razões consideradas, a comissão tem a obrigação de examinar e enfrentar, uma a uma, as sustentações da defesa.

Seguindo esta linha de pensamento, encontra-se Bacellar Filho (1998, p.275), pois para ele o direito de informação, que chama de direito de ser ouvido

Integra a publicidade do procedimento e o leal conhecimento das atuações administrativas, considerado o segredo enquanto exceção; a oportunidade de expressar suas razões antes e depois da emissão do ato administrativo, interpondo recursos; o direito a se fazer patrocinar e representar profissionalmente (obrigatoriedade quando se coloquem questões jurídicas).

No tocante a este último quesito, ou seja, do direito a ser representado por advogado, apesar de não obrigatório, propicia uma defesa mais técnica, devendo ser utilizado pelo agente público.

Para Da Silva (1999, p.70-71) o direito a ampla defesa

Não deve ser exercido por pessoa leiga, porque a violação desse direito certamente constituirá nulidade insanável, que conseqüentemente irá determinar a restauração de todos os atos processuais, desde onde a defesa deveria ter atuado, e não atuou.

Em que pese não ser obrigatória a constituição de advogado na defesa do processo administrativo disciplinar, sua ausência poderá ser argüida quando ficar claro o erro cometido pelo agente público que estava sozinho realizando sua defesa, anulando os atos decorrentes de tal erro.

Apesar do advogado garantir maior qualidade na defesa, em virtude do conhecimento técnico que possui, algumas autoridades administrativas ainda resistem a sua atuação. Como explicam Ferraz e Dallari (2002, p.71):

Ainda existem autoridades administrativas que tomam a presença do advogado como uma provocação, um acinte, um constrangimento, chegando mesmo a entender que isso é um indício seguro de culpabilidade ou má-fé, pois quem age corretamente, ou efetivamente tem o direito que postula, não precisa de advogado.

Todavia esta posição é absurda, o advogado contribuirá para melhor apuração da verdade, e para que no processo administrativo disciplinar seja assegurado ao acusado, todos os direitos a ele inerentes.

Quanto ao direito de manifestação, consiste, segundo Roberto Dromi apud Bacellar Filho (1998, p.275) no

direito a que toda prova razoavelmente proposta seja produzida, à produção probatória antes da decisão, ao controle da prova produzida pela Administração.

Sobre este direito, acrescenta Da Costa (2002, p.137) que o acusado pode requerer

A realização de diligências, pedindo juntada de documentos, reinquirindo e contraditando testemunhas e apresentando outras alegativas plausíveis, estará o acusado, pessoalmente ou por intermédio de bastante procurador, agindo em prol de sua defesa e, ao mesmo tempo, contribuindo para o total esclarecimento das ocorrências.

Decorre deste direito a possibilidade que o acusado tem de averigüar todos os meios com os quais a Administração está comprovando a acusação que lhe imputa. Ao contrário do que normalmente ocorre, no processo administrativo disciplinar, a Administração deve provar e motivar suas decisões (BACELLAR FILHO, 1998, p.282). O controle sobre as provas produzidas pela Administração faz parte do direito de manifestação, já o de que as decisões sejam motivadas decorre do direito de ter suas razões consideradas.

O direito de ter suas razões consideradas, chamado também de direito a uma decisão fundamentada, para Roberto Dromi apud Bacellar Filho (1998, p.275)

Constitui tanto critério de eficácia política-administrativa, quanto requisito para a implementação do controle judiciário levado a cabo pelos Tribunais competentes.

Ainda acerca da consideração das razões da Administração Pública escreveu Da Costa (2002, p.139):

Não se reduz à mera peça escrita de declarações em que, não raro, se escudam perseguidores e atrabiliários chefes hierárquicos para infligir punições descabidas a subalternos indefesos e desprotegidos.

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Logo, as provas e fundamentos trazidos ao processo pelo agente público, devem realmente ser consideradas, não bastando a mera juntada do mesmo aos autos. Como prossegue Da Costa (2002, p.139),

Reduzir simplesmente a termo as declarações do indigitado autor de faltas não exaure o conteúdo da garantia em exame, a qual requer bem mais que isso, chegando a exigir que as procedentes ponderações do acusado sejam levadas em conta.

Vale ressaltar que todas as providências mencionadas, juntas, constituem o direito à ampla defesa e, possuem prazos para sua realização. A comissão estabelece um prazo para juntada de documentos, para a manifestação, acerca de uma prova juntada etc. Entretanto, o prazo estabelecido deve permitir o cumprimento da ação pretendida, não basta dar um prazo de 24 horas para que a parte se manifeste sobre o relatório final da comissão, por exemplo, pois nesse prazo não poderia ser analisado todo o relatório. De acordo com Figueiredo (2004, p.30)

De nada adianta estar consignado na norma jurídica o prazo, se na prática ele se mostra inadequado para a realização dos mencionados direitos. Aqui se aplica, portanto, o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade para que seja fixado ao administrado prazo suficiente para a realização da providência que se faz necessária. Cumpre-se, aí sim, o princípio do devido processo legal em toda a amplitude de sua abrangência (formal e material).

Decorrente do direito de ter suas razões fundamentadas está a obrigatoriedade da autoridade competente fundamentar sua decisão. Como visto anteriormente, ela até poderá decidir em desacordo ao relatório, mas desde que fundamente sua decisão.

No julgamento a autoridade administrativa competente, deverá sempre fundamentar a sua decisão, isto é, ou utilizando dos argumentos constantes do relatório da comissão, ou por convicções próprias, e isto serve tanto para os casos de absolvição como também para os casos de condenação (DA SILVA, 1999, p.90).

Observando à Administração tais direitos do acusado, estará garantido o princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar, atingindo-se assim o ao objetivo primordial deste processo.

Tais princípios, portanto, garantem seja proferida decisão justa e consentânea ao interesse público, atingindo, assim as finalidades do processo administrativo: de um lado garantir o cumprimento dos direitos dos administrados, e, de outro, legitimar a ação do estado em prol de uma utilidade pública (FIGUEIREDO, 2004, p.30).

Após a decisão da autoridade competente, e decorrido todo processo administrativo disciplinar com a devida observância ao princípio da ampla defesa, há que se falar do direito de recorrer da decisão. O direito de interpor recurso administrativo seria um prolongamento da ampla defesa, como ensina Bacellar Filho (1998, p.285):

Em sede de processo administrativo disciplinar, constitui tanto “recurso” inerente à ampla defesa como direito fundamental de petição, reforçando a garantia da revisibilidade das decisões processuais.

Interposto o recurso, cabe salientar a chamada reformatio in peius que “não pode ser admitida frente ao atual ordenamento jurídico constitucional” (BACELLAR FILHO, 1998, p.286). E prossegue o mesmo autor:

Com efeito, a garantia da ampla defesa não se compadece com essa atitude arbitrária que, no passado, quando consentida, atuava como fator de desestímulo às postulações recursais. Nos dias atuais, tratando-se de recurso, tolera-se “a reforma em prejuízo”, quando a autoridade, fazendo antever a sua intenção, faculta ao recorrente a oportunidade de nova manifestação sobre o agravamento pretendido.

Portanto, a reformatio in peius somente é permitida quando a Administração permite ao acusado manifestar-se sobre a nova decisão que será tomada, tendo em vista que a mesma, possivelmente, agravará sua punição.

O POSICIONAMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Da apelação cível número 2004.034051-1, de Videira, que teve como Relator o Desembargador Francisco Oliveira Filho, julgada no dia 10/05/2005, destaca-se:

Antônio Messias Ferreira, por seu procurador, deflagrou actio em face do Município de Iomerê, alegando ter sido exonerado através do Processo Administrativo Disciplinar n. 001/02, que considerou sua prisão em flagrante pelo crime de furto, capitulado no art.155 do Código Penal, como conduta escandalosa e incontinenti, ferindo a moralidade administrativa, segundo os arts. 118, IX e 134, V, ambos do Estatuto dos Servidores Públicos de Iomerê (Lei Complementar n. 05/00). Sustentou a nulidade do procedimento administrativo pelo fato de O presidente da Comissão Processante estar em cargo de confiança. Postulou, então, pela antecipação da tutela a fim de ser reintegrado na função exercida e sua confirmação ao final.

Como na sentença de primeiro grau a lide foi julgada improcedente, apelou o Autor, “afirmando que a ampla defesa restou prejudicada, pois o Presidente da Comissão Processante estar (sic) em cargo de confiança”. Mesmo argumento defendido em primeiro grau.

Para o relator tal alegação não prospera, em razão de constar nos autos documento comprovando que o Presidente da Comissão Processante é servidor público municipal com cargo efetivo e estável. O relator prossegue, “Outro requisito que os membros da Comissão Processante devem obedecer é o da superioridade hierárquica20”. Requisito devidamente comprovado, a exigência da hierarquia é fundamental para o processo administrativo disciplinar, segundo a doutrina de Meirelles (2003, p.667), citada no corpo do acórdão mencionado:

A comissão, especial ou permanente, há que ser constituída por funcionário efetivo, de categoria igual ou superior à do acusado, para que não se quebre o princípio hierárquico, que é o sustentáculo dessa espécie de processo administrativo.

Outro ponto relevante do acórdão é que o processo administrativo disciplinar seguiu o estabelecido no art. 5, LV, da Constituição, assegurando aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

A Comissão Processante efetivamente deu oportunidade de defesa ao servidor público municipal, o qual foi citado a fim de comparecer a audiência para interrogatório, constituindo advogado (fls. 74/75); apresentou rol de testemunhas, no total de cinco (fls. 79), que restaram intimadas para prestar depoimento em audiência (fl. 83); três das cinco testemunhas foram ouvidas (fls. 84/86), encerrando-se a instrução do procedimento administrativo (fl. 87); ofertou alegações finais (fls. 90/95); e, por fim, foi cientificado, através de seu procurador, da decisão final que entendeu por sua demissão (fl. 104).

Portanto, em todas as fases foi dada ao Autor, acusado no processo administrativo disciplinar, oportunidade de defesa, não cabendo alegar que a ampla defesa não foi assegurada. Cabe ressaltar que independente do cometido furto estar tipificado no código penal, sua apuração na esfera penal independentemente da administrativa. Como evidenciado no acórdão

A responsabilidade administrativa [...] não depende do resultado dos processos civil e criminal eventualmente instaurados em razão do mesmo fato. Portanto, apurada a infração administrativa, cabe à autoridade competente aplicar a pena, sem qualquer preocupação com o desfecho dos processos que tramitam nas demais esferas de responsabilidade.

Portanto, cabe à autoridade administrativa tratar sobre o processo administrativo, que é independente do processo civil, e do criminal, que deverão ser apurados nas esferas competentes.

O segundo caso referenciado, é o mandado de segurança de número 2004.019967-8, da Capital, Florianópolis, impetrado por Sílvia Maria Souza dos Santos, contra ato do Secretário de Estado da Articulação Nacional, que através de portaria aplicou pena de suspensão em razão de ato indisciplinar, porém sem observar o princípio da ampla defesa no processo administrativo.

A autoridade coatora alegou “ausência de direito líquido e certo porquanto a legislação estadual (Lei n. 6.745/85, parágrafo único do art. 161), permite a aplicação da pena de suspensão sem o processo administrativos nos casos inferiores a trinta dias”.

Para o relator, restou claro que a Lei citada fere o texto constitucional, não garantindo assim o contraditório e a ampla defesa. Tal Lei guarda semelhança com a verdade sabida, proibida pelo art. 5, LV, da Constituição. Sobre a verdade sabida assim se refere Eliezer Pereira Martins apud Edson Jacinto da Silva (1999, p.30):

De triste memória o princípio da verdade sabida. Princípio fascista, que alguns autores pretendem ver ressuscitado, agora que foi fulminado pela Constituição Federal. Consistia na possibilidade de aplicação de sanção administrativa com fundamento no conhecimento imediato, notório e evidencial da materialidade e da autoria da transgressão disciplinar.

No acórdão, o relator cita Odete Medauar, que vai ao encontro do ensinamento de Eliezer Pereira Martins:

Deve-se notar que, desde a Constituição Federal de 1998, não mais pode vigorar a aplicação de sanção disciplinar pelo critério da verdade sabida; por esse critério, podiam ser aplicadas, de imediato, penas leves, por exemplo, repreensão e suspensão até cinco dias, por autoridade que tivesse conhecimento da falta cometida. Tendo em vista que a Constituição Federal, art. 5, LV, assegura, aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, se torna inconstitucional a imposição imediata de punição, sem observância dessas garantias.

Em razão do exposto, que foi concedida a liminar para “afastar a aplicação da pena de suspensão até a conclusão do devido processo legal, observados o contraditório e a ampla defesa”.

O POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

No Superior Tribunal de Justiça analisa-se o Mandado de Segurança n 9.511, onde o Ministro Arnaldo Esteves Lima foi o relator.

Neste caso Carlos Alberto Ferreira Trindade impetrou Mandado de Segurança contra ato administrativo do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão que o demitiu por meio de portaria, do cargo de desenhista que ocupava.

Segundo ele, a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar concedeu apenas vinte e quatro horas para “tomar ciência, encontrar um advogado, contrata-lo, coloca-lo a par do ocorrido”. Não respeitando assim os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Requer, com isso, a declaração de nulidade do ato administrativo, e a reintegração ao cargo que ocupava.

Para o relator “assiste razão ao impetrante quando defende cerceamento de defesa por ter sido notificado a respeito da oitiva de testemunhas, no processo administrativo disciplinar, no dia anterior ao da realização das audiências”.

Fundamenta sua decisão citando o que dispõe a Lei 8.112/1990:

Art. 153. O inquérito administrativo obedecerá ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado a ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos admitidos em direito.

Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

A referida Lei não estipula prazo para tais atos, mas a Lei 9.784/1999, estabelece as regras de intimação nos processos administrativos no âmbito da Administração Federal:

Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.

No processo administrativo disciplinar, que culminou com a demissão do impetrante não foram seguidas as leis mencionadas. Para o relator “não basta apenas comunicar a realização de ato ao acusado, é indispensável que lhe seja conferido prazo razoável para o exercício da garantia da ampla defesa e do contraditório”.

Como explica o representante do Ministério Público Federal, Subprocurador-Geral da República Brasilino Pereira dos Santos em seu parecer:

Face à exigüidade do lapso temporal mencionado, fica evidente que não foi dado ao Impetrante o tempo necessário para que pudesse realizar os preparativos necessários para tal audiência, como, v.g., se inteirar previamente de todos os fatos, colher dados acerca das testemunhas, preparar eventuais questionamentos ou mesmo contactar, de modo eficiente, um defensor para acompanhá-lo durante a audiência.

E que não se venha falar que o comparecimento do Impetrante à audiência teria convalidado a ilegalidade perpetrada pela Administração.

É que, no caso, foi infringido o princípio da ampla defesa. Assim, como no processo penal, o prejuízo é presumido e a nulidade, absoluta.

Dessa forma, na há a necessidade de comprovação do suposto prejuízo ao Impetrante, até porque isso não seria possível na situação posta sob exame. A única certeza é que a presença de um defensor técnico, dotado de conhecimentos jurídicos e com formação universitária e profissional direcionada para o enfrentamento de situações como a tal seria fundamental para a preservação da garantia constitucional da ampla defesa.

Portanto, frente à não observância do princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar, é que a Terceira Seção do Tribunal Superior de Justiça, por decisão unânime, concedeu a segurança pleiteada pelo impetrante. Anulando a portaria que demitiu o impetrante, e determinando sua reintegração ao cargo que ocupava.

O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

No Supremo Tribunal Federal também é pacífico o entendimento da necessária observância do princípio da ampla defesa. A maioria das jurisprudências encontradas são de Mandados de Segurança contra autoridade que hora não atendeu ao princípio, hora este foi devidamente assegurado, sendo nestes casos negado a segurança pleiteada.

O primeiro caso escolhido trata de um "mandado de segurança [...] que ADAILZO AFONSO COEHN CORREA impetrou contra o Presidente da República, visando a anulação de seu ato de demissão, com retorno ao cargo antes ocupado".

Alega, para tanto, ofensa ao contraditório e a ampla defesa, a Comissão de Sindicância não teria dado oportunidade para inquirição de testemunhas, apresentação de defesa, contestação das acusações, acompanhamento dos atos de instrução, e nem permitiu a interposição de recurso.

Já a autoridade coatora argüiu que o impetrante "foi indiciado em regular Processo Administrativo Disciplinar, no qual lhe foi dada a oportunidade de apresentar sua defesa".

Em seu voto, o relator, Ministro Gilmar Mendes, salientou que a oportunidade de defesa na sindicância não é necessária, em virtude de que a sanção decorreu de posterior Processo Administrativo Disciplinar. E prossegue em seu voto:

A análise dos autos demonstra que no processo administrativo disciplinar em foco houve expedientes destinados a assegurar o exercício do direito de defesa.

O relator cita trecho de documento constante no Processo Administrativo Disciplinar:

Em consagração aos princípios do contraditório e da ampla defesa, insertos nos artigos 5, inciso LV da Constituição Federal [...] considerando que Vossa Senhoria participou das realizações constantes nos autos referidos, fica desde já lhe assegurado o direito de acompanhar todo o processo e mais, de comparecer às audiências pessoalmente ou por intermédio de procurador constituído, que serão realizadas mediante prévia comunicação, ocasiões em que lhe será facultado, através do presidente, a formulação de reperguntas.

Fica claro no trecho reproduzido pelo ministro que foi assegurado o direito a ampla defesa, que foi devidamente exercido. Portanto, foi negada a existência de lesão "uma vez que o impetrante não só teve a oportunidade mas exerceu plenamente esse direito no processo administrativo disciplinar".

A segunda jurisprudência diz respeito ao advogado do impetrante, que não conseguia ter acesso aos autos do processo administrativo disciplinar há mais de dois anos. Sendo assim, entrou com Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal alegando desrespeito ao direito de defesa.

Alega, também, ilegalidade e abusividade do ato preventivamente impugnado, em detrimento ao art. 41, § 1, II, da Constituição Federal.

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1 O servidor público estável só perderá o cargo:

[...]

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

Não bastasse a garantia expressa no art. 5, LV, da Constituição Federal, o artigo mencionado corrobora tal posição, quando repete a garantia da ampla defesa no processo administrativo, onde os servidores estáveis somente poderão perder o cargo após processo administrativos em que seja assegurado a ampla defesa.

Consta no acórdão parecer do Subprocurador-Geral Wallace de Oliveira Bastos sobre o caso em tela:

Nesse passo, percebe-se que, embora tenha apresentado defesa escrita, não se pode concluir que a Administração garantiu a ampla defesa na condução do processo, tendo em vista que até o presente momento - segundo as informações dos autos - não foi possível ao impetrante ter acesso ao feito original, exceto por meio de cópias xerográficas.

No final do seu parecer, conclui pela confirmação do direito pleiteado, com a conseqüente concessão da segurança.

Na decisão o Tribunal "concedeu a segurança para que os autos do processo administrativo retornem à repartição de origem, nos termos do voto do relator".

Em todas as jurisprudências citadas é notório o entendimento da obrigatoriedade na observância do artigo 5, LV, da Constituição Federal. Independentemente da parte favorecida na sentença, resta claro que a decisão baseia-se neste ponto, se foi devidamente assegurado a ampla defesa no processo administrativo disciplinar. Somente nos casos em que à Administração Pública não cumpriu devidamente tal preceito constitucional é que foi parte vencida na lide.

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