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O STF e o poder de requisição de informação pelo vereador.

Agenda 11/05/2018 às 11:15

É possível ao vereador requisitar informações e documentos sem necessidade de aprovação pelo plenário da Câmara Municipal? Segundo o STF, sim. Entenda quais os termos e as repercussões disso.

RESUMO: O presente trabalho traz uma análise sobre a possibilidade de requisição de informações e documentos pelo Vereador sem necessidade de aprovação de requerimento pelo plenário da Câmara Municipal, à luz da Teoria dos Poderes Implícitos e dos princípios constitucionais da Publicidade, da Transparência e da Simetria, com análise da jurisprudência dos Tribunais pátrios e do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e da Assembleia Legislativa de Pernambuco. Trata, ainda, dos mecanismos disponibilizados no ordenamento jurídico para o exercício da atribuição fiscalizatória do parlamentar no caso do Regimento Interno da Câmara Municipal não assegurar as prerrogativas necessárias para a implementação do seu poder-dever. Por fim, analisam-se as consequências jurídicas do eventual descumprimento da requisição parlamentar.

PALAVRAS-CHAVE: Município. Vereador. Poder de Requisição de Informações e Documentos. Reserva de Plenário. Desnecessidade. Descumprimento. Consequências.


1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, apesar de prever dentre as atribuições das Câmaras Municipais o poder de julgar as contas do Prefeito, não dispôs sobre os limites do poder-dever imposto ao Vereador, prevendo apenas que “a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo”, o que será “exercido com o auxílio do Tribunal de Contas” (Art. 31, § 1º).

Compete ainda a Câmara Municipal o julgamento das contas do Prefeito (Art. 31, § 2º, da CF) e o julgamento deste por infrações político-administrativas (Decreto-Lei 201/67), o que demanda a necessidade indiscutível de prerrogativa ao parlamentar municipal de poderes de fiscalização e de instrução para a efetiva realização de sua missão constitucional.

Por sua vez, a Teoria dos Poderes Implícitos, já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (MS 26.547-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 23/05/2007, DJ de 29/05/2007), ensina que “a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos.”

Por outro lado, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, ao regulamentar o art. 50, § 2º, da Constituição Federal, norma de reprodução obrigatória pelas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais, em razão da adequação obrigatória do processo legislativo dos demais entes federados às linhas básicas do processo legislativo previsto na Carta Magna, dispensa a aprovação pelo plenário para requisição de informações e documentos pelos Deputados Federais.

Nesse sentido, o Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco dispõe também que o requerimento de informações do parlamentar estadual dar-se-á mediante encaminhamento do Presidente da Casa Legislativa, dispensando-se a aprovação do Plenário ou de Comissão.

Além disso, a Publicidade elevada à categoria de princípio expresso da Constituição Federal, constitui forma de controle da administração pública, tendo a Constituição Federal garantido o direito à informação no art. 5º, inciso XXXIII, inciso XXXIV, “b”, dentre outros, a qualquer cidadão e, com muito mais fundamento, ao Vereador, responsável por fiscalizar os atos da gestão municipal.

Outrossim, num Estado Democrático de Direito, os assuntos da Administração Pública são de interesse de todos os cidadãos, não se admitindo ocultação de informações, ressalvadas exceções legais.

Dessa forma, o Edil tem ainda outros mecanismos à sua disposição para o efetivo controle da Administração e efetivo acesso a documentos públicos, tais como a Lei de Acesso à Informação, a Lei de Licitações e a Lei de Responsabilidade Fiscal, já reconhecidos pelo Judiciário como instrumentos do Vereador no desempenho de sua missão constitucional.

Por fim, destaca-se que a conduta de agentes públicos que viole princípios constitucionais é considerada ilícita e deve ser punida na forma do art. 11 da Lei 8.429/1992 e, no caso específico do descumprimento de requisição de Vereador, pode configurar ainda crime de responsabilidade, nos termos do Decreto-Lei 201/67.

2. DA REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES POR PARLAMENTAR NO REGIMENTO INTERNO DAS CASAS DO CONGRESSO NACIONAL E DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE PERNAMBUCO.

Com a redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão 2/94, ao § 2º do art. 50, da Constituição Federal, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal passaram a poder requisitar informações por escrito aos Ministros de Estados e aos demais integrantes da Administração Pública Federal:

Art. 50. [...]

§ 2º As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal poderão encaminhar pedidos escritos de informações a Ministros de Estado ou a qualquer das pessoas referidas no caput deste artigo, importando em crime de responsabilidade a recusa, ou o não - atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 2, de 1994)

Regulamentando o referido dispositivo, o Regimento Interno do Senado Federal atribuiu o status de prerrogativa de Senador, nos termos do seu art. 8º, II, a solicitação de “informações às autoridades sobre fatos relativos ao serviço público ou úteis à elaboração legislativa”.

Com efeito, a solicitação depende apenas de apreciação da Mesa Diretora para verificação dos requisitos do art. 216 e a resposta, quando recebida, é informada, em particular, ao Senador solicitante, sendo desnecessária sua leitura em plenário, o que confirma a tese de que não se trata de requerimento da Casa Legislativa como um todo, mas de um parlamentar como membro do Poder Legislativo.

Já o Regimento Interno da Câmara dos Deputados tratou o assunto de maneira mais detalhada e embora também seja atribuição da Mesa a apreciação dos pedidos escritos de informações (art. 15, XIII) e despacho apenas do Presidente na requisição de documentos (art. 114, XII), descreve os requisitos da solicitação parlamentar no art. 116, que, sendo cumpridos, somente pode ser indeferida se formulada de “modo inconveniente”.

Em Pernambuco, o Regimento Interno da Assembleia Legislativa, por meio do seu art. 216, I, atribui ao Presidente o despacho do requerimento de informações ao Poder Executivo, feito a partir de simples solicitação de Deputado, dispensando-se também aprovação plenária (art. 9º, XX), sendo tal norma reprodução fiel ao disposto na Constituição Estadual:

Art. 14. Compete exclusivamente à Assembleia Legislativa:

XXII - requisitar, por solicitação de qualquer deputado, informações e cópias autenticadas de documentos referentes às despesas realizadas por órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, do Estado, do Poder Judiciário, do Tribunal de Contas e de sua Mesa Diretora;

Da mesma forma que previsto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o despacho do Presidente tem a finalidade apenas de verificar a adequação do Requerimento do Deputado Estadual ao disposto no art. 214, parágrafo único, isto é, verificar se o esclarecimento diz respeito à matéria legislativa em tramitação ou a fatos sujeitos à fiscalização da Assembleia Legislativa.

Com isso, eventual previsão regimental ou em Lei Orgânica Municipal no âmbito do Estado de Pernambuco da necessidade de aprovação em Plenário (reserva de plenário) para simples pedido de informações ou de documentos por Vereador fere a prerrogativa constitucional de atuação parlamentar.

Ademais, cabe ressaltar que as Leis Orgânicas Municipais não devem destoar do previsto na Constituição Estadual, que, por sua vez, não pode afrontar o previsto na Constituição Federal nas regras atinentes ao processo legislativo em obediência ao Princípio da Simetria.

Desse modo, não pode a legislação municipal limitar a atuação parlamentar, sobretudo no exercício da função de fiscalização, estabelecendo limitação ao Vereador, sobretudo quando integrante de bloco minoritário, quando a cláusula de reserva de plenário para requerimento de informações retira, indiretamente, uma das suas atribuições constitucionais, qual seja, a de fiscal da coisa pública.

3. DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA. NORMAS DE REPRODUÇÃO OBRIGATÓRIA PELAS LEIS ORGÂNICAS MUNICIPAIS. 

De acordo com o disposto no Art. 11, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias “promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara Municipal, no prazo de 6 meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em dois turno de discussão e votação, respeitado o disposto na Constituição Federal e na Constituição Estadual”. (Destacamos).

Por sua vez, o art. 25, da Constituição Federal estabelece que os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios da Constituição Federal.

Com isso, a Constituição Federal possui normas de reprodução obrigatórias pelos Estados-Membros e, consequentemente, pelos Municípios. Tais normas, chamadas por Raul Machado Horta, citado por Pedro Lenza1, de centrais, podem ser descritas

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[…] como um conjunto de normas constitucionais vinculadas à organização da forma federal de Estado, com missão de manter e preservar a homogeneidade dentro da pluralidade das pessoas jurídicas, dos entes dotados de soberania na União e de autonomia nos Estados-Membros e nos Municípios, que compõem a figura complexa do Estado Federal.

De acordo com o constitucionalista, destacam-se como normas de reprodução compulsória, dentre outras, as que tratam da repartição de competência e da preordenação dos poderes do Estado-Membro.

No entender do Ministro Dias Toffoli, pelos princípios da simetria e do paralelismo das formas, num país federativo, a aplicação dos princípios “há de dar sentido à unidade nacional, a fim de que os membros federados possam ser submetidos a regras que guardem coerência sistêmica e orgânica.” (STF. RE 865.401)

Desse modo, não há como afastar a obrigatoriedade das Leis Orgânicas Municipais, preverem a possibilidade de requisição de informações e documentos na forma prevista na Constituição Federal e na Constituição Estadual, sob pena de se possuir uma norma local de preordenação dos poderes, com limitação não prevista na Lei Maior, mediante a supressão de uma prerrogativa atribuída ao Legislativo, ainda que por meio de apenas um de seus membros.

4. DOS PODERES IMPLÍCITOS DO VEREADOR NO CONTROLE EXTERNO.

Conforme dispõe o art. 86, da Constituição do Estado de Pernambuco, “a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo” o que será feito “com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado” (art. 86, § 1º).

De acordo com Pedro Lenza, in Direito Constitucional Esquematizado, 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 689 “a fiscalização em si, no caso do controle externo, é realizada pelo Legislativo. O Tribunal de Contas, como órgão auxiliar, apenas emite pareceres técnicos nessa hipótese.”

Verifica-se, portanto, neste aspecto, que o Tribunal de Contas é órgão instrumental à missão constitucional da Câmara Municipal. Outrossim, é ainda atribuição da Câmara Municipal o julgamento das contas do Prefeito (Art. 31, § 2º, da CF) e o julgamento deste por infrações político-administrativas (Decreto-Lei 201/67).

No entender do decano do STF, Ministro Celso de Mello, o Tribunal de Contas pode ser classificado como um órgão coadjuvante da Câmara Municipal, esta sim, considerada um órgão de soberania do Estado:

As contas públicas dos chefes do Executivo devem sofrer o julgamento – final e definitivo – da instituição parlamentar, cuja atuação, no plano do controle externo da legalidade e regularidade da atividade financeira do presidente da República, dos governadores e dos prefeitos municipais, é desempenhada com a intervenção ad coadjuvandum do tribunal de contas. A apreciação das contas prestadas pelo chefe do Poder Executivo – que é a expressão visível da unidade institucional desse órgão da soberania do Estado – constitui prerrogativa intransferível do Legislativo, que não pode ser substituído pelo tribunal de contas, no desempenho dessa magna competência, que possui extração nitidamente constitucional.

[Rcl 14.155 MC-AgR, rel. min. Celso de Mello, dec. monocrática, j. 20-8-2012, DJE de 22-8-2012.] (Destaquei).

Isso, ademais, fica evidente pela simples leitura dos artigos 16 e 17 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas de Pernambuco, o qual prevê nas hipóteses de verificação de ilegalidade ou no caso da sonegação de processo, documento ou informação referentes a contratos em suas inspeções ou auditorias que o fato será comunicado à Câmara Municipal, a quem compete sustar o ato:

Art. 16. [...]

§ 2º No caso de contrato, o Tribunal, se não atendido, comunicará o fato à Assembleia Legislativa ou à Câmara Municipal, a quem compete adotar o ato de sustação e solicitar, de imediato, ao Poder Executivo, as medidas cabíveis.

Art. 17. [...]

§ 2º No caso de contrato, o Tribunal, se não atendido, comunicará o fato à Assembleia Legislativa ou à Câmara Municipal, a quem compete adotar o ato de sustação e solicitar, de imediato, ao Poder Executivo, as medidas cabíveis.

Ora, se a princípio somente a Câmara Municipal pode sustar um contrato que um órgão auxiliar (TCE) não teve acesso e se é vedado ao Poder Executivo negar acesso ao TCE como órgão auxiliar, como se pode afirmar que é possível a negativa de acesso de um vereador a processo administrativo diretamente se, a ele como membro do Poder Legislativo, é direcionado o que a Corte de Contas coletar?

Assim, se qualquer cidadão pode provocar o TCE e, com muito mais razão o Vereador, e, estando aquele tribunal agindo na produção de subsídios para a atuação do parlamento, como afirmar que ao Vereador existe limitação na requisição de informações?

De acordo com o art. 46 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco,

Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas do Estado, obedecidas as formalidades previstas no seu Regimento Interno.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, já consolidou a teoria dos poderes implícitos, segundo a qual uma vez estabelecidas as competências e atribuições de um órgão estatal, este está implicitamente autorizado a utilizar os meios necessários para poder exercer essas competências (RE 593.727, j. 14/05/2015).

Dito de outra forma, não é preciso que exista norma explícita estabelecendo os meios que um órgão público pode utilizar para cumprir atribuições explicitamente determinadas pela Constituição.

Assim, se a Câmara Municipal compete julgar as contas do Chefe do Poder Executivo Municipal, implicitamente possui autorização para utilizar os meios necessários para acessar tais contas de forma ampla. Ademais, nos termos do art. 31, § 3º, da CF/88 “as contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.” (Destaquei).

Assim, se um cidadão pode questionar a legitimidade de contas apresentadas pelo Prefeito, como muito mais razão o pode o parlamentar, eleito para tanto e representante do povo.

Se isso não bastasse, a Constituição do Estado de Pernambuco dispõe de poderes explícitos aos Vereadores, isto é, não necessitam de apoio do Tribunal de Contas, inclusive com pena de cassação de mandato do Prefeito, caso haja impedimento do poder fiscalizatório do Legislativo. Vejamos:

Art. 94. São infrações político-administrativas dos Prefeitos, sujeitas ao julgamento pela Câmara de Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato pelo voto de, dois terços, pelo menos, de seus membros:

II - impedir o exame de livros, folhas de pagamento e demais documentos que devam constar dos arquivos da Prefeitura;

Nesse sentido, verifica-se ainda que a Constituição Estadual atribui ao Legislativo o poder de determinar inspeções e auditorias a serem realizadas pelo TCE2. Por consequência, se pode determinar a um órgão auxiliar, pode também fazer diretamente, conforme se observa do citado art. 94, II.

Por derradeiro, confira-se precedente do Egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco, para quem a requisição de informações por vereador diretamente, não extrapola os poderes que lhe foram conferidos e considera tal solicitação como direito líquido e certo do parlamentar municipal:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO LEGAL. DIREITO À INFORMAÇÃO. ARTIGO 5º, XXXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO VIOLADO.

[...]

3. O pleito formulado pelo vereador municipal para apresentação da documentação solicitada, não se mostra desarrazoado, uma vez que a publicidade de tais atos se mostra imperativo por força de norma constitucional, além do que tal fiscalização não extrapola os poderes que foram conferidos ao impetrante e que ainda poderiam ser deferidos a qualquer cidadão, por não serem sigilosas as informações buscadas.

[...]

5. Sendo a função do vereador a de aprovar os gastos e fiscalizar as ações da prefeitura municipal em que atua, não há motivo para o não fornecimento das informações requeridas.

6. Recurso improvido. Decisão unânime.

(TJ-PE - AGV: 3225101 PE, Relator: Jorge Américo Pereira de Lira, Data de Julgamento: 28/04/2015, 1ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 06/05/2015)

5. PODER DE REQUISIÇÃO DO CIDADÃO. VEREADOR COMO UM CIDADÃO QUALIFICADO. NOVO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Antes mesmo da publicação da Constituição Federal de 1988, o cidadão brasileiro já possuía meio legal de acesso a documentos em poder da administração pública. Trata-se da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, que em seu art. 8º, § 2º, dispôs que “somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los”.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o direito do cidadão de ter acesso a documentos e informações da administração pública tornou-se direito fundamental e é uma das cláusulas pétreas, não podendo ser retirada do texto constitucional:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado [...];

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;

Decorre, ainda, do texto da Constituição Federal, que o usuário do serviço público tem direito de acesso a atos de governo, sendo isso um desdobramento do princípio da publicidade:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:

[...]

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII.

Por fim, a CF de 1988 em seu art. 216, parágrafo 2º, também trata do tema:

Art. 216. [...]

§ 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

Para regulamentar os dispositivos constitucionais, leis foram promulgadas e que se aplicam indistintamente aos diversos entes federativos.

Inicialmente, a Lei Federal 8.666/93 dispõe de garantias de acesso aos processos administrativos e contratos administrativos, sendo um dos meios extensíveis aos Vereadores individualmente como cidadão:

Art. 4º. Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos.

Art. 7º. As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte sequência:

§ 8º  Qualquer cidadão poderá requerer à Administração Pública os quantitativos das obras e preços unitários de determinada obra executada. (Destaquei).

Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.

§ 1º Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação, devendo a Administração julgar e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista no § 1º do art. 113. (Destaquei).

Art. 63. É permitido a qualquer licitante o conhecimento dos termos do contrato e do respectivo processo licitatório e, a qualquer interessado, a obtenção de cópia autenticada, mediante o pagamento dos emolumentos devidos. (Sem destaques no original).

O Superior Tribunal de Justiça, por meio da sua Segunda Turma, já decidiu pela possibilidade do Vereador solicitar informações sobre processos licitatórios, sem necessidade de aprovação pela Câmara Municipal:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. LICITAÇÃO. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. EXEGESE DO ART. 63 DA LEI N. 8.666/93. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FORNECIMENTO DE CÓPIA DO PROCESSO LICITATÓRIO A QUALQUER INTERESSADO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO.

[…]

2. O impetrante, vereador, solicitou uma cópia de processo licitatório da administração pública estadual com menção explícita ao art. 63 da Lei de Licitações e Contratos (Lei n. 8.666/93), cujo teor franqueia a qualquer interessado tal direito; logo, não há como acatar a tese de que tal pedido ensejaria a violação da autonomia entre os entes federados.

3. [...]

4. A Primeira Seção julgou impetração que tratou de situação similar: pedido de informações sobre a contratação e a execução de serviços por ente estatal; ficou consignado que o marco constitucional é bastante e suficiente para garantir o acesso às informações públicas, desde que não haja sigilo. Precedente: MS 16.903/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 19.12.2012. Recurso ordinário provido.

(BRASIL: Superior Tribunal de Justiça (Segunda Turma). Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 33.040/PB, Rel. Ministro Humberto Martins, julgado em 19 mar. 2013, publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 26 mar. 2013).

Posteriormente, foi publicada a Lei de Responsabilidade Fiscal a LC 101/2000, a qual defere o acesso, à qualquer pessoa, a informações sobre receitas e despesas da administração pública, inclusive pagamentos realizados, inclusive atribuindo a qualquer cidadão a legitimidade para denunciar o descumprimento da referida Lei ao Tribunal de Contas:

Art. 48-A.  Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a:(Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários. (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

Art. 73-A.  Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar ao respectivo Tribunal de Contas e ao órgão competente do Ministério Público o descumprimento das prescrições estabelecidas nesta Lei Complementar.  (Destaquei).

Por fim, regulamentando explicitamente o previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216, ambos da Constituição Federal, foi publicada em 2011, a Lei 12.527, denominada Lei de Acesso à Informação, a qual prevê inclusive a possibilidade de responsabilização por ato de improbidade em caso de recusa no fornecimento de informações por gestores públicos:

Art. 32.  Constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público ou militar: 

I - recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa; 

[...}

§ 2o  Pelas condutas descritas no caput, poderá o militar ou agente público responder, também, por improbidade administrativa, conforme o disposto nas Leis nos 1.079, de 10 de abril de 1950, e 8.429, de 2 de junho de 1992. 

A jurisprudência pátria já consolidou o entendimento da possibilidade de requisição de informações por vereadores, independentemente de decisão colegiada da Câmara, nos termos da legislação supramencionada:

APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO E DEPÓSITO. NEGATIVA DO MUNICÍPIO DE FORNECIMENTO DE MICROFILMAGEM DE CHEQUES EMITIDOS PELA PREFEITURA. REQUERIDO FIRMADO POR VEREADOR. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PERDA DO OBJETO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. PRELIMINAR QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO DA DEMANDA. ART. 5º, INCISOS XXXIII E XXXIV, ALÍNEA “A”, E ART. 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIREITO À INFORMAÇÃO. DIREITO DE PETIÇÃO. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. INFORMAÇÕES DE INTERESSE COLETIVO. DIREITO DE TODO CIDADÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO EM 20% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. NECESSIDADE DE CORREÇÃO. SENTENÇA QUE NÃO CONDENOU O MUNICÍPIO EM VALORES MONETÁRIOS. NECESSIDADE DE ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM 20% SOBRE O VALOR DA CAUSA. APELO E REEXAME CONHECIDOS. APELO IMPROVIDO. REEXAME PARCIALMENTE CONHECIDO.

[...]

4. O requerimento das cópias listadas pelo apelado tem supedâneo jurídico a alicerçá-lo, já que, em reverência ao Estado Democrático de Direito, nos exatos termos do retro reproduzido art. 5º, inc. XXXIII, da Constituição da República, todo cidadão tem direito de obter do município informações de interesse coletivo, como no caso dos autos, em que o requerente/apelado pretende ter acesso a documentos relacionados aos gastos públicos, que denotam necessidade de controle, haja vista a possibilidade de ocorrência de lesão ao erário público. (Destaquei).

[...]

(TJ-PI - AC: 00007003020088180030 PI 201200010003842, Relator: Des. Fernando Carvalho Mendes, Data de Julgamento: 02/06/2015, 1ª Câmara Especializada Cível, Data de Publicação: 10/06/2015,10/06/2015)

PROCESSUAL CÍVEL. APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE INFORMAÇÕES FORMULADA POR VEREADOR AO MUNICÍPIO. ATENDIMENTO. OBRIGATORIEDADE.

I - O fornecimento de documentos relativos a exercício financeiro da administração pública municipal constitui dever da entidade pública nos termos da Constituição Federal, excetuado os casos concernentes a assuntos sigilosos, e a negativa, sem motivos ou amparo legal, deve ser sanada via mandado de segurança, notadamente quando o interessado é vereador que exerce papel fiscalizador dos atos do executivo e nesta condição, qualifica-se a legitimidade do pleito por ele lançado.

II - Recurso conhecido e improvido.(Destaquei).

(TJ-MA - AC: 253602001 MA, Relator: MARIA DULCE SOARES CLEMENTINO, Data de Julgamento: 12/03/2003, SAO JOAO BATISTA)

REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE MIRAGUAÍ/RS. PEDIDO DE INFORMAÇÕES AO PODER EXECUTIVO. PUBLICIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. DIREITO DE MATRIZ CONSTITUCIONAL. PRESENTE O DIREITO LÍQUIDO E CERTO A AMPARAR A IMPETRAÇÃO. DEVER DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DO LEGISLATIVO. NECESSIDADE DE ACESSO À INFORMAÇÃO. O princípio da publicidade é dever que se impõe à Administração, por força do que dispõe o art. 37 da CF, obrigando-a à ampla divulgação de seus atos em virtude do manejo da coisa pública. Por isso, ao cidadão, indistintamente, o art. 5º, inc. XXXIII, da Constituição Federal, assegura o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, de interesse coletivo ou geral. Ora, se o acesso à informação é direito subjetivo assegurado constitucionalmente a qualquer cidadão, com maior razão deve ser observado quando o pedido é formulado pelo Poder Legislativo municipal. Como é sabido, a Câmara Municipal de Vereadores possui função fiscalizadora, conforme os arts. 29, inc. XI e 31, ambos da Constituição Federal. Neste passo, o acesso aos documentos requeridos ao Poder Executivo do Município de Miraguaí/RS era medida que se impunha, notadamente por que ausentes as ressalvas da parte final do artigo 5º, inc. XXXIII, da Constituição Federal, referentes às informações cujo sigilo é imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME. (Reexame Necessário Nº 70071457923, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 18/11/2016). (Grifei)

Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal em julgamento sob a ótica da Repercussão Geral, definiu que o Vereador antes de tudo é um cidadão e, como tal, tem acesso a informações sobre a coisa pública e que “não há como se autorizar seja o parlamentar transformado em cidadão de segunda categoria.”

Nas palavras do Ministro Dias Toffoli, relator do Recurso Extraordinário 865.401, julgado em 25/04/2018, “um parlamentar não é menos cidadão, até porque para ser parlamentar e elegível ele há de ser um cidadão brasileiro”, tendo o Supremo Tribunal Federal decido, com aplicação imediata em todo o País, que

O parlamentar, na condição de cidadão, pode exercer plenamente seu direito fundamental de acesso a informações de interesse pessoal ou coletivo, nos termos do art. 5º, inciso XXXIII, da CF e das normas de regência desse direito.

Para a Suprema Corte, impedir o reconhecimento desse direito importaria em violação direta da Constituição da República porque impediria, inclusive, o cidadão legitimado constitucionalmente de promover ação popular, prevista no art. 5º, inciso LXXII, da Constituição.

6. CONCLUSÃO

Por todo o exposto, inclusive em razão do que foi decidido pelo STF, em 25 de abril de 2018, em Repercussão Geral, com obrigatoriedade de cumprimento pelos demais Tribunais, entende-se que o Vereador pode requisitar diretamente as informações sobre a gestão municipal, independentemente de decisão do Plenário da Câmara Municipal, o fazendo por meio do Presidente ou da Mesa Diretora da Câmara Municipal, desde que em matéria afeta ao poder de fiscalização da Câmara Municipal.

Da mesma forma, pode o Vereador, como cidadão, solicitar as informações ou documentos diretamente, com fundamento na Constituição Federal (direito de petição), na Lei 7.347/85, na Lei 8.666/93, na LC 101/2000 e na Lei 12.527/2011, sem necessidade de tramitação pela Câmara Municipal.

Quando o pedido for realizado via Mesa Diretora ou Presidência do Legislativo Municipal, conforme dispuser o Regimento Interno da Câmara, sujeitará o Chefe do Poder Executivo que sonegar as informações a infração político-administrativa em julgamento pela Câmara Municipal. No caso de o Vereador solicitar diretamente com base na Lei de Acesso à Informação, sujeitará o Chefe do Poder Executivo ou outra autoridade do Município às sanções da Lei de Improbidade Administrativa.

Por manifesta incompatibilidade com o disposto na Constituição do Estado de Pernambuco, os regimentos internos das Câmaras Municipais que dispuserem de procedimento mais rigoroso para o requerimento de informações e/ou documentos por vereador padece de vício, devendo ser imediatamente alterados por afronta as prerrogativas parlamentares.

Assim, o Regimento Interno da Câmara Municipal deve prever dispositivo que submeta o requerimento do Vereador a despacho da Mesa Diretora ou Gabinete do Presidente, apenas com a finalidade de impedir solicitações que não atendam ao interesse público.

De todo modo, resta assegurado ao Vereador, independentemente de previsão regimental, a possibilidade de requisição diretamente ao Chefe do Poder Executivo ou outra autoridade municipal, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal sedimentado no julgamento do RE 865.401, com aplicação imediata para todos os Tribunais.


1  Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 436.

2 . Art. 30. O controle externo, a cargo da Assembleia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:

IV - a realização, por iniciativa própria, da Assembleia Legislativa ou de comissão técnica ou de inquérito, de inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e demais entidades referidas no inciso II; (Grifei).

Sobre o autor
Leandro da Conceição Benício

Advogado. Bel. em Direito pela UNICAP. Especialista em Direito Eleitoral. Ex-Assessor Jurídico do Consórcio Intermunicipal do Sertão do Araripe Pernambucano. Ex-Controlador Interno da Prefeitura Municipal de Santa Filomena/PE. Aprovado nos concursos públicos para: Procurador Jurídico do Município de Picos/PI - 2º lugar, Analista Judiciário do TJPE - 2º lugar, Controlador Interno da Prefeitura de Dormentes/PE - 1º lugar, Controlador Interno da Câmara de Bodocó/PE - 2º lugar, Analista Judiciário do TRF 1 - São Raimundo Nonato/PI - 5º lugar. Ex-Secretário Municipal de Educação Santa Filomena/PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BENÍCIO, Leandro Conceição. O STF e o poder de requisição de informação pelo vereador.: O RE 865.401 (repercussão geral) e o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5427, 11 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65706. Acesso em: 25 nov. 2024.

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