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O estelionato privilegiado e a publicidade enganosa

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Agenda 16/04/2005 às 00:00

Conclusão

Todo o dia existe alguém querendo que nossa cultura seja mudada, ou seja, consumindo, e esse alguém se chama publicitário. Pela TV, outdoor, rádio, internet, etc, diariamente somos massacrados pela publicidade de bens ou serviços, nos massificando, nos levando ao consumo daquilo que precisamos ou não.

A publicidade é indispensável a qualquer economia, face o seu poder de convencimento, a sua capacidade de criar mercados, de criar desejos e necessidades no ser humano. Usando as ferramentas da psicologia, o publicitário consegue fazer milagres no mercado consumidor.

Pela inteligência criadora do publicitário, além do efeito direto da publicidade, que é o aumento no consumo de bens ou serviços, indiretamente, toda a economia se movimenta, pois se aumentam vendas, aumentam os empregos na indústria autora da publicidade bem como nas indústrias que lhe fornecem os insumos, no comércio, no setor de serviços, enfim, é uma cadeia positiva de crescimento da economia em razão de uma publicidade de sucesso, que atingiu seu objetivo.

Ocorre que houveram desvios na rota natural da publicidade, e um desses desvios é a publicidade enganosa, surgindo então a necessidade de sua regulamentação. O estatuto consumerista prevê a sanção civil, administrativa e penal. A intenção do legislador foi que houvesse uma mudança na mentalidade da sociedade, de um lado que o consumidor tenha consciência e faça valer seus direitos e de outro lado que as sanções nele previstas, desestimulassem a conduta que as tipificassem.

A publicidade enganosa gera sanções civis, administrativas e penais. A tutela civil e a administrativa estão corretas e adequadas. Já a tutela penal, prevista nos artigos 66 a 68 do CDC, deixa a desejar. Os delitos previstos nestes artigos são considerados pelo legislador como de menor intensidade. A pena prevista para o delito dos arts. 66 e 67 é de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa, e a do art. 67, é de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa. Nota-se que a intenção do legislador, que vedou a publicidade enganosa, na seara penal foi generoso ou mal intencionado, a favor do infrator. Levar a milhares de consumidores uma informação falsa ou parcialmente falsa, por ação ou omissão, capaz de induzi-los ao erro, sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço ou quaisquer outros dados sobre os produtos ou serviços veiculados é uma conduta sancionada com detenção de no mínimo de 3 (três) meses e no máximo de 2 (dois) anos e multa, devendo ser inicialmente cumprida no regime semi-aberto.

Raciocinando penalmente, causar dano a milhares de pessoas é punido com menos gravidade do que causar dano a uma pessoa, senão vejamos: no delito de furto simples, a pena prevista é de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, devendo ser inicialmente cumprida no regime fechado. Furtar a carteira de uma pessoa é considerado mais grave do que lesionar milhares de consumidores.

Ninguém pode falar que publicidade enganosa não é crime porque está expressamente previsto como tal, mas a tutela penal não é efetiva. O legislador resolveu por bem, privilegiar uma categoria de profissionais altamente preparados, que se utilizam recursos mercadológicos como pesquisa de mercado, etc e de instrumentos extraídos da psicologia para realizar a publicidade enganosa que é vedada pela lei, mas é punida com brandura.

Como toda criação humana, sujeita à falhas, o CDC pecou ao considerar o delito de publicidade enganosa como de menor intensidade. Se uma autoridade brasileira for convidada para proferir uma palestra no exterior e a mesma relatar que no Brasil, furtar uma carteira é mais grave que causar dano a milhares de consumidores, certamente será motivo de chacota.

No art. 37, § 1º, do CDC, temos o conceito de publicidade enganosa que é aquela que é capaz de induzir em erro (nosso grifo) o consumidor. Se o publicitário induzir o consumidor em erro, ele comete o delito de publicidade enganosa previsto no art. 67 do CDC, cuja pena é de detenção de três meses a um ano e multa.

Fazendo uma comparação com o art. 171 do Código Penal, delito de estelionato, temos que o mesmo núcleo do tipo, senão vejamos: "...induzindo ou mantendo alguém em erro..." (nosso grifo), cuja pena é de reclusão de um a cinco anos e multa. Não podemos chegar à outra conclusão: o legislador resolveu criar um "estelionato privilegiado" e o chamou de delito de publicidade enganosa, ou seja, se uma pessoa comum induzir alguém em erro, ela comete o delito de estelionato, já o publicitário que induzir em erro milhares de pessoas, comete o delito previsto no art. 67 do CDC, cuja sanção é bem mais suave.

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Referências bibliográficas

SANT’ANNA, Armando. Propaganda: Teoria, Técnica e Prática. 7ª ed. São Paulo, Pioneira, 1998.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. Obra coletiva. 7ª ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001.

Publicidade e propaganda: Existe diferença entre elas?, in www.jsiqueira.com.br/publicidade.htm

A disciplina civil da publicidade no Código de Defesa do Consumidor, in jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=703

Publicidade enganosa e abusiva, in: www.mp.pe.gov.br/procuradoria/caops/caop_consumidor/doutrina/publicidade_enganosa_abusiva.htm

A psicologia da publicidade e da propaganda. in www.crppr.org.br/artigos/05.htm

Textos de apoio didático. Disciplina: psicologia do consumidor. Professora Helenice Carvalho. Universidade Estácio de Sá.

Notas

1 Armando Sant’Anna, Propaganda: Teoria, técnica e prática, p. 75

2 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, p. 1414.

3Publicidade e propaganda: Existe diferença entre elas?, in www.jsiqueira.com.br/publicidade.htm, acesso em 28/11/2003, às 17:27.

4A disciplina civil da publicidade no Código de Defesa do Consumidor, in jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=703, acesso em 28/11/2003, às 17:27.

5A disciplina civil da publicidade no Código de Defesa do Consumidor, in jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=703, acesso em 28/11/2003, às 17:27.

6Publicidade e Propaganda. Existe diferença entre elas? in www.jsiqueira.com.br/publicidade.htm, acesso em 05/12/2003, às 16:30.

7 Ada Pelegrini Grinover..., Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 288.

8Publicidade enganosa e abusiva, in: www.mp.pe.gov.br/procuradoria/caops/caop_consumidor/doutrina/publicidade_enganosa_abusiva.htm, acesso em 05/12/2003, às 17:05.

9A publicidade enganosa e abusiva, in: www.mp.pe.gov.br/procuradoria/caops/caop_consumidor/doutrina/publicidade_enganosa_abusiva.htm, acesso em 05/12/2003, às 17:35.

11 Armando Sant’Anna, Propaganda: Teoria, técnica e prática, p. 85,86.

12 A psicologia da publicidade e da propaganda, in www.crppr.org.br/artigos/05.htm, acesso em 07/01/2004, às 10:20.

Sobre o autor
Roberto Angotti Ledier

Bacharel em Direito pela Universidade de Uberaba/MG, Servidor Público Federal/INSS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEDIER, Roberto Angotti. O estelionato privilegiado e a publicidade enganosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 647, 16 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6573. Acesso em: 24 nov. 2024.

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