3. A PENSÃO POR MORTE E AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA MENTAL OU INTELECTUAL COMO BENEFICIÁRIOS
Até o momento a presente pesquisa cuidou, primeiramente, das pessoas com deficiência mental ou intelectual e as políticas públicas adotadas pelo Estado, face aos princípios e normas voltados para estes cidadãos. No tempo seguinte foi analisada a previdência social, como instrumento garantidor de direitos de seus assegurados e dependentes, bem como do benefício de pensão por morte.
Assim, cabe a este tópico do estudo abordar a interação entre os dois temas e, por conseguinte, estabelecer as características e particularidades do benefício previdenciário da pensão por morte e os dependentes beneficiários considerados como pessoas com deficiência mental ou intelectual.
O art. 6º do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, ao dispor sobre Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, estabelece as seguintes diretrizes:
Art. 6º São diretrizes da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência:
I - estabelecer mecanismos que acelerem e favoreçam a inclusão socialda pessoa portadora de deficiência;
II - adotar estratégias de articulação com órgãos e entidades públicos e privados, bem assim com organismos internacionais e estrangeiros para a implantação desta Política;
III - incluir a pessoa portadora de deficiência, respeitadas as suas peculiaridades, em todas as iniciativas governamentais relacionadas à educação, à saúde, ao trabalho, à edificação pública, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à habitação, à cultura, ao esporte e ao lazer;
IV - viabilizar a participação da pessoa portadora de deficiência em todas as fases de implementação dessa Política, por intermédio de suas entidades representativas;
V - ampliar as alternativas de inserção econômica da pessoa portadora de deficiência, proporcionando a ela qualificação profissional e incorporação no mercado de trabalho; e
VI - garantir o efetivo atendimento das necessidades da pessoa portadora de deficiência, sem o cunho assistencialista (grifo nosso) (BRASIL, 2013, on line).
Nota-se que há uma grande preocupação da norma com a inclusão social da pessoa com deficiência. A integração na sociedade, que dá nome à própria Política em análise, deve ser composta de instrumentos que venham a proteger a pessoa com deficiência com respeito às suas particularidades.
Os indivíduos tutelados pela Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência são objetos de ação afirmativa do Estado por justamente não apresentarem características consideradas dentro do padrão normal para o ser humano, conforme o inciso I, do art. 3º do Decreto nº 3.298 de 1999. Tais diferenças são aquelas que geram uma incapacidade para o desenvolvimento de atividades, nos mais diferentes âmbitos, conforme o tipo e o grau da deficiência.
Assim, o próprio conjunto normativo, a partir da Constituição, busca criar ferramentas que assegurem à pessoa com deficiência condições que venham propiciar o pleno exercício de seus direitos, inclusive quanto ao incentivo ao trabalho, ao bem-estar social e o acesso à previdência social. Por conseguinte, de maneira alguma hão de ser adotadas medidas que divirjam das diretrizes estabelecidas.
Ao disponibilizar o benefício da pensão por morte aos dependentes com deficiência mental ou intelectual de assegurado da previdência social, o Estado leva em conta as dificuldades que esses sujeitos de direitos se vinculam, acertando com as diretrizes da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
No entanto, o § 4º, do artigo 77 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao dispor sobre o benefício da pensão por morte, determina a redução do valor estabelecido para as pessoas com deficiência mental ou intelectual favorecidas:
Art. 77 (...)
§ 4º A parte individual da pensão do dependente com deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente, que exerça atividade remunerada, será reduzida em 30% (trinta por cento), devendo ser integralmente restabelecida em face da extinção da relação de trabalho ou da atividade empreendedora (BRASIL, 2013, on line).
O dispositivo em análise visa à redução em 30% do valor do benefício aos dependentes com deficiência mental que exerça ou venha exercer atividade remunerada, ou seja, adentrem no mercado de trabalho. Pode-se afirmar que tal medida é contrária às diretrizes da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência instituída a partir do fato que não leva em consideração nem mesmo o valor que constitui a remuneração pela atividade remunerada, causa da redução. Isso significa a plena desproporcionalidade da medida.
Ressalta-se ainda, que a determinação em questão alude no que poderia ser um ‘desincentivo’ às pessoas com deficiência mental ou intelectual de buscarem uma posição no mercado de trabalho, o que representaria, de maneira significativa, a inserção social destes indivíduos em diversos aspectos de influência. Essa afirmação se fundamenta na ideia de que o trabalho pressupõe uma função social que vai além do objetivo remuneratório.
Nesse contexto, cabe demonstrar o artigo 26, 1., do Decreto nº 6.949, de 25 de Agosto de 2009, que possui status de emenda constitucional:
1. Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas, inclusive mediante apoio dos pares, para possibilitar que as pessoas com deficiência conquistem e conservem o máximo de autonomia e plena capacidade física, mental, social e profissional, bem como plena inclusão e participação em todos os aspectos da vida. Para tanto, os Estados Partes organizarão, fortalecerão e ampliarão serviços e programas completos de habilitação e reabilitação, particularmente nas áreas de saúde, emprego, educação e serviços sociais, de modo que esses serviços e programas:
[...] (BRASIL, 2013, on line).
Nota-se que as medidas a serem adotadas pelo Estado devem efetivas e apropriadas, ou seja, medidas que sejam convergentes com as determinações estabelecidas pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de modo a incentivar a inclusão social desses sujeitos, e não o contrário.
Esse entendimento busca o máximo de autonomia e capacidade física, mental, social e profissional, assim como plena a inclusão e participação em todos os aspectos da vida das pessoas com deficiência, através das atividades laborais. Destaca-se que tudo isso deriva do princípio e fundamento do Estado da dignidade humana, cujo objetivo é contemplar a integridade das pessoas em todos os aspectos.
Além disso, outra discrepância da norma deve ser anotada. A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao fazer a previsão de quem são os dependentes do segurado da previdência social que poderão ser beneficiados pela pensão por morte, inclui o cônjuge ou companheiro do de cujus.
Esse beneficiário da pensão por morte tem sua dependência presumida, isto é, não necessita provar sua dependência econômica do parceiro falecido, basta comprovar a relação para que faça jus a esse direito previdenciário, sem respaldo na realidade histórica, econômica, sociológica e social.
Nesse diapasão, Martinez (2010, p. 900) assevera sobre a concessão da pensão por morte com relação à dependência econômica presumida do cônjuge ou companheiro do segurado pela previdência social:
Carece ser inteiramente revista em seus termos, definição do rol de dependentes e, provavelmente, estribada na mútua dependência. Deveria ser de direito de quem não tem como obter os meios necessários para a subsistência, descabendo para percipiente de outros benefícios e rendas.
De acordo com as considerações apresentadas, há desconexão entre a norma e as efetivas necessidades dos dependentes aludidos no rol da Lei nº 8.213 de 1991. A presunção absoluta da dependência do cônjuge ou companheiro pode não corresponder à realidade fática dos beneficiários do sistema, que deveria privilegiar apenas aqueles que realmente necessitam do instituto para a sua sobrevivência.
Portanto, não restam dúvidas sobre a desproporcionalidade da norma que rege os termos do beneficio previdenciário da pensão por morte. Há uma séria discrepância entre a Lei e as diretrizes da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, com violação aos preceitos da dignidade da pessoa humana e ao princípio da isonomia, face ao dever de ponderar as desigualdades entre as pessoas com deficiência para adoção de medidas adequadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado brasileiro, fundado no princípio da dignidade da pessoa humana e, por consequência, sob o manto do princípio da isonomia, adotou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, inclusive com status de emenda constitucional. Em convergência com este instrumento normativo, diversas outras normas forma elaboradas, como o Decreto nº 914 de 06 de Setembro de 1993 e o Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999, que tratam da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
Tais instrumentos legais buscam assegurar às pessoas com deficiência, inclusive quanto à deficiência mental e intelectual, o pleno e efetivo exercício dos direitos fundamentais básicos e outros deles advindos. É com base nessa ideia que se cria condições plausíveis para a inserção social dos tutelados, propiciando o direito ao trabalho, aos benefícios previdenciários necessários, entre outros.
No entanto, a previdência social, instituto público, de caráter assecuratório e contributivo obrigatório, ao disponibilizar o benefício da pensão por morte e estabelecer as regras sobre os considerados dependentes econômicos, apresenta desproporcionalidade e incongruência com as diretrizes da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
Pode-se afirmar que os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana não são honrados pela Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ocasionando uma série discrepância com as bases do Estado no que tange ao benefício da pensão por morte e seus beneficiários. As pessoas com deficiência mental ou intelectual, listadas entre os dependentes dos segurados pela previdência social, chegam a sofrer prejuízos nos seus direitos diante da desproporção legal que determina a redução do benefício previdenciário da pensão por morte em 30%, quando do exercício de atividades laborativas.
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