CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se que a figura tipo em análise originou-se do direito antigo e era considerada injuria Atrox (gravíssima). No direito romano, buscava-se proteger a figura do magistrado e quando ocorria, era considerada como uma ofensa ao próprio príncipe sendo punível até mesmo com a morte.
No Código penal brasileiro, encontra-se inserta no Art. 331, ao qual estipula que desacatar funcionário público no exercício da função constitui crime punível com pena de detenção de 6 meses a dois anos ou multa.
A objetividade jurídica tutelada pelo Estado ao estipular esta conduta é a dignidade e o prestigio do funcionário público, que está vinculada à autoridade de um estado. O sujeito ativo deste crime pode ser qualquer pessoa, inclusive um funcionário público, embora seja controverso esse posicionamento. Já o sujeito passivo, é apenas o Estado, representado pela União, Estado e Município. Igualmente, ainda que em plano secundário, o funcionário público.
Têm-se também a diferenciação do funcionário público do servidor público. Para o doutrinador Carvalho Filho, a figura funcionário público fica restrito ao código penal, sendo considerado uma figura ultrapassada. O termo certo seria servidor público pois, com isso, abrange-se uma classe que presta serviços públicos seja na categoria de concursados ou de assemelhados. Desse modo, a proteção ao exercício da função pública seria utilizada de maneira ampla e não apenas restrita.
No que tange ao Controle de Constitucionalidade e Convencionalidade viu-se a diferença entre ambas ferramentas de controle. Enquanto aquele cuida da adequação das normas domésticas com a Constituição federal, este cuida da adequação das normas internas no plano internacional por meios dos tratados ao qual o Estado seja signatário, sobretudo os de Direitos Humanos.
Quanto à Abolitio Criminis, obteve-se que é uma figura existente no Código Penal brasileiro, por intermédio do Art. 107, III que aduz que ocorre a extinção da punibilidade quando Lei posterior revogar lei anterior, retirando do ordenamento jurídica determinada conduta tida como crime.
No julgamento do Recurso Especial analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, obteve-se posicionamento de descriminalizar a conduta de desacato. Aqui, utilizou-se como fundamento o Art. 13 do Pacto de San José da Costa Rica ao qual preleciona que toda pessoa tem liberdade de pensamento e de expressão. Fundamentou-se para a abolição desta conduta, no argumento de que o crime de desacato não trata como iguais os funcionários estatais e o particular. Também, que a existência deste crime no ordenamento jurídico pátrio era uma violação à dignidade da pessoa humana, pois feria o direito à liberdade de expressão do cidadão. Também que esta figura de crime, serviria apenas para esconder os abusos do estado em detrimento do particular.
Em contrapartida, o julgamento do Habeas corpus pela mesma corte optou por manter a conduta crime de desacato no ordenamento jurídica. Para o relator, o Pacto de San José da Costa rica possui caráter meramente instrutório ou cooperativo, não possuindo caráter decisório e nem função jurisdicional. Conclui, que a aplicação domestica deste crime não viola a garantia dos direitos humanos, até porque a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Este ato é inerente à soberania interna do Estado.
Por fim, obteve-se que no julgamento do Recurso especial em comento não houve a figura da Abolitio Criminis. Por interpretação literal, apenas uma Lei federal pode retirar determinada conduta do ordenamento jurídico pátrio. Com isso, a decisão exarada pela 5ª Câmara no julgamento deste recurso, possuiu efeito apenas inter partes não possuindo efeito vinculante sobre a seara jurídica doméstica. Ou seja, aplicabilidade apenas para o casum em análise sede do recurso.
A decisão pacificada pelo STJ por meio da análise do Habeas Corpus oriundo da defensoria pública do Mato Grosso foi acertada. A proteção do servidor público em detrimento do particular não busca cercear o direito à liberdade de expressão deste. Busca, apenas, proteger aqueles que laboram nas inúmeras funções públicas existentes contra os que extrapolam seu direito de liberdade. Todos podem expressar-se livremente, desde que seja nos moldes da civilidade e da educação.
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Notas
[3] RECURSO ESPECIAL Nº 1.640.084 - SP (2016/0032106-0). Disponivel em: < http://www. stj. jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/RECURSO%20ESPECIAL%20N%C2%BA%201640084.pdf>. Acesso em 25 de outubro de 2017.m 11/02
[4] STJ. Habeas Corpus Nº 379269/MS (2016/0303542-3 de 30/06/2017). Disponivel em:< https:// stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22036841/habeas-corpus-hc-190067-ms-2010-0207390-0-stj/inteiro -teor-22036842#>. Acesso em 25 de outubro de 2017.
[5] PIERANGELI aduz que a ação está no verbo desacatar, que exprime a ação de ofender, humilhar, denegrir, espezinhar, agredir, achincalhar, afrontar, menoscabar, menosprezar o funcionário, condutas que ofendem a dignidade, o prestígio e o decoro da função. A função constitutiva do desacato é qualquer palavra ou ato que redunde em vexame, humilhação desprestigio ou irreverencia ao funcionário. É a grosseria, falta de acatamento, podendo consistir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos, gritos agudos, etc. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal.: Parte Especial (Arts.121 a 361). 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
[6] SOARES, Claudio Leal. O crime de desacato e a honra funcional como bem jurídico. 2005. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2157/O-crime-de-desacato-e-a-hon ra-funcional-como-bem-juridico>. Acesso em: 16 abril 2017.
[7] Como exemplo, cite-se aquele cidadão que vai retirar uma carteira de identidade civil e, descontente com a demora começa a proferir os seguintes dizeres contra os funcionários ali existentes: “Bando de inútil”, “parasitas do governo”, ou palavras de baixo calão contra os mesmos, visando ofender a dignidade profissional daqueles servidores.
[8] RUSSOWSKY, Iris Saraiva. O Controle de Convencionalidade das Leis: Uma análise na esfera internacional e interna. 2012. Disponível em: <https://www2.direito.ufmg.br/revistado caap/index. php/revista/article/viewFile/305/294>. Acesso em: 16 abril 2017.
[9] MACHADO, Mariana de Moura A. A. Controle de Constitucionalidade: Abordagem Sistemática no tocante aos temas centrais do controle de constitucionalidade: conceitos, modalidades, legitimidades e tipos de controle por via incidental e direta. 2005. Disponível em: <http://www.direitonet.com. br/artigos/exibir/1924/Controle-de-constitucionalidade>. Acesso em 17 setembro 2017.
[10] MACHADO, Mariana de Moura A. A. Controle de Constitucionalidade: Abordagem Sistemática no tocante aos temas centrais do controle de constitucionalidade: conceitos, modalidades, legitimidades e tipos de controle por via incidental e direta. 2005. Disponível em: <http:// www.direitonet.com.br/artigos/ exibir/1924/Controle-de-constitucionalidade>. Acesso em 17 setembro de 2017.
[11] MEDEIROS, Orione Dantas de. O controle de constitucionalidade na Constituição brasileira de 1988: Do modelo híbrido à tentativa de alteração para um sistema misto complexo. 2013. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/502943/000991834.pdf?sequen ce=1>. Acesso em 03 outubro 2017;
[12] MACHADO, Mariana de Moura A. A. Controle de Constitucionalidade: Abordagem Sistemática no tocante aos temas centrais do controle de constitucionalidade: conceitos, modalidades, legitimidades e tipos de controle por via incidental e direta. 2005. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/ exibir/1924/Controle-de-constitucionalidade>. Acesso em 17 setembro 2017.
[13] Por exemplo, deixaram de ser consideradas condutas criminosas o adultério, a sedução e o rapto consensual, em face da edição da Lei 11.106/2005.