O Código Civil brasileiro de 1916 recebeu forte influência da legislação francesa. Foi inspirado no liberalismo, valorizando o indivíduo, a liberdade e a propriedade.
A base contratual que se pautou o diploma civil de 1916 também possuía características individualistas, observando apenas uma igualdade formal, no sentido em que o contrato era entendido como lei entre as partes, em conformidade com a doutrina do pacta sunt servanda. Segundo tal diploma legal, ficava assegurada a imutabilidade contratual e os contraentes celebravam livremente um acordo que deveria ser absolutamente respeitado.
Todavia, a aplicabilidade do pacta sunt servanda começou a ser relativizada e a observar a cláusula rebus sic stantibus, como uma própria cobrança das necessidades sociais que não suportaram mais a predominância de relações contratuais com desequilíbrios.
Com o advento do Código de 2002, houve um rompimento do aspecto individualista que até então predominava, principalmente na seara contratual. Os novos dispositivos legais deste código passam a disciplinar um conjunto de interesses estruturados no princípio da socialidade, em que, por exemplo, a força obrigatória dos contratos é mitigada para proteger o bem comum e a função social do contrato.
Anteriormente ao Código de 2002, o ser humano era considerado apenas como o titular de um crédito ou vinculado a um débito, sem questionamento das relações sociais em que está inserido.
A diretriz da socialidade norteou o Código Civil de 2002 e trata da colocação das regras jurídicas num plano de vivência social pelo qual o princípio constitucional da função social é transformado em instrumento de ação no plano da lei civil.
Miguel Reale, ao comentar o Projeto do Código Civil de 2002, menciona que o princípio do socialismo norteou o novo diploma legal:
O sentido social é uma das características mais marcantes do Projeto, em contraste com o sentido individualista que condiciona o Código Civil ainda em vigor (...)
Se não houve vitória do socialismo, houve o triunfo da socialidade, fazendo prevalecer os valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundante da pessoa humana. Por outro lado, o Projeto se distingue por maior aderência à realidade contemporânea, com a necessária revisão dos direitos e deveres dos cinco principais personagens do Direito Civil tradicional: o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador.
Diante da perspectiva de socialidade, percebe-se que o direito contratual precisou se adaptar e ganhar a função de realizar a justiça e o equilíbrio contratual. A socialização se efetiva no intervencionismo do Estado nos contratos, o que acabará por levar a maior utilização dos princípios da boa-fé e da revisão contratual na formação e execução das obrigações. A boa-fé acolhe um princípio ético, fundado na lealdade, confiança e probidade. Caberá ao juiz constituir a conduta que deveria ter sido tomada pelo contratante levando em conta ainda os usos e costumes A efetividade do princípio da boa-fé deve acompanhar a execução dos contratos, quando configurado o enriquecimento ilícito ou a onerosidade excessiva. A modificação de tal situação deverá obedecer ao juízo de equidade.
O art. 317 do Código Civil trata da consagração legislativa da revisão judicial das prestações em virtude de desequilíbrio ou desproporção superveniente à formação da relação obrigacional. Não prevista no Código Civil de 1916, e até mesmo rejeitada por princípios dele dedutíveis, a revisão já vinha sendo acolhida pela doutrina e jurisprudência, inclusive para reequilibrar o contrato em virtude de atos de intervenção estatal no domínio econômico por meio de planos econômicos. Para interpretar o art. 317, necessário utilizar o princípio do solidarismo traduzido na boa-fé, no equilíbrio contratual.
Em um contrato, a parte certamente poderia fundamentar a pretensão de revisão contratual no art. 317 do Código Civil. Embora este artigo volte-se ao objetivo de se mostrar como uma exceção ao princípio nominalista insculpido no art. 315 do Código Civil, ele vai além, positivando o princípio da preservação dos negócios jurídicos. O dispositivo é claro em permitir a manutenção do equilíbrio contratual pelo juiz quando houver desproporção por causa imprevisível.
A inclusão da revisibilidade dos contratos por desequilíbrio superveniente no Código de Defesa do Consumidor influenciou a modificação do ordenamento jurídico e extrapolou o limite das relações de consumo, estendendo a regra da revisão para o próprio domínio das relações de direito comum.
Para aplicação da revisão dos contratos, cabe ainda a ação de resolução contratual na forma do art. 478, podendo esta ser evitada se o réu se oferecer a modificar, equitativamente, as condições do contrato, como consta no art. 479.
Se tratar de contrato em que as obrigações couberem apenas a uma das partes, esta poderá pleitear a redução da prestação ou a alteração do modo de sua execução, para evitar a onerosidade excessiva, de acordo com o disposto no art. 480.
Os artigos 479 e 480 coadunam com a noção de aproveitamento do negócio jurídico ao invés de simplesmente descartá-lo em respeito ao princípio da conservação dos contratos que busca preservar o negócio quando há a possibilidade de seu rompimento. Em regra, é mais adequada a revisão do contrato para adaptá-lo as novas condições, mas em caráter facultativo para o credor. Isto porque, se não é justo que o devedor seja excessivamente onerado por acontecimentos imprevisto, também não é justo que o credor seja privado dos ganhos razoáveis que receberia.
O princípio da preservação dos contratos determina que, na medida do possível, os contratos devem ser mantidos porque criam riqueza e a fazem circular e, com isso, criam condições favoráveis para o desenvolvimento econômico e social e, em última análise, favorecem a promoção do ser humano. O princípio da preservação do contrato deriva do princípio da dignidade humana constitucionalmente consagrado.
Por isto o legislador não agiu da forma mais adequada ao inserir o clausula de revisionismo no capítulo referente a extinção do contrato, visto que é possível pedir a resolução ou a revisão do contrato.
A solução mais coerente parece ser a análise do julgador em cada caso concreto, ou seja, optar por permanecer com a contratação, proporcionando apenas a correção mais justa em determinadas situações, e, em outras, optar pela resolução contratual, em razão dos prejuízos serem maiores, tornando-se insubsistente a possibilidade de manter a relação jurídica obrigacional.
Para possibilitar a revisão dos contratos, o seu conteúdo será submetido à apreciação judicial, onde se vislumbra o dirigismo da vontade pelo Estado. Sob a ótica do dirigismo, admite-se a modificação das condições estipuladas pelos contratantes, com o fim de possibilitar o cumprimento do acordado.
O parâmetro entre a revisão e a extinção contratual deve ser a utilidade e a inutilidade da prestação, e também o interesse das partes na manutenção do negócio. No primeiro caso, para privilegiar a prestação em espécie e, no segundo caso, para preservar a segurança das relações e das expectativas de direitos contratuais gerados.
A parte prejudicada pela ocorrência de situação superveniente no contrato poderá pedir a sua resolução, como acatado no art. 478 e 480 do Código Civil, que coloca algumas condições para haver resolução ou revisão contratual.
No panorama do Código Civil de 2002, é necessário que o contrato seja de execução futura, continuada ou diferida. Contratos de duração continuada que são aqueles que se prolongam no tempo, isto é, são contratos de execução sucessiva, ao contrário dos contratos de execução instantânea, que são aqueles em que a prestação é realizada em um só ato. Já os contratos de execução diferida são aqueles que possuem o cumprimento da obrigação num momento futuro, previamente acordado entre as partes.
Também é preciso que ocorra um fato imprevisível e extraordinário após a conclusão do ajuste. Eventos extraordinários e imprevisíveis aqueles que são totalmente considerados como impossíveis de previsibilidade pelos contratantes, isto é, eventos que se afastam do curso ordinário das coisas, como a variação abrupta do dólar norte-americano em razão da desvalorização ocorrida no Brasil, no ano de 1999, nas obrigações que envolviam entrega de produtos importados.
Há divergência jurisprudencial acerca da aplicação da teoria da imprevisão fundada nas alterações da economia (planos econômicos). Enquanto alguns entendem que as alterações da economia são previsíveis, outros entendem que não o são.
Necessário ainda que o fato cause ônus excessivo para uma das partes, podendo haver ou não vantagem para outro. A onerosidade excessiva significa um fato que torna difícil o cumprimento da obrigação na forma ajustada, pois impõe uma desproporção entre a prestação e a contraprestação que, por conseqüência, acabará por provocar uma desvantagem exagerada para um dos contratantes e comprometerá a execução equânime do contrato.
O Código Civil, no capítulo que trata da extinção do contrato, prevê também uma espécie de finalização contratual, por meio da alegação por uma das partes da onerosidade excessiva, como consta no artigo 478. No entanto, a onerosidade pode ou não ensejar a extinção do contrato, como menciona o artigo 479 ao dispor que “a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato”.
Interpretando o art. 478 do CC de forma conjunta com o princípio da conservação dos negócios jurídicos (arts. 317, 157 e 170 do Código Civil), é possível obter a revisão contratual em caso de onerosidade excessiva, possibilitando ao devedor pleitear a revisão do contrato. A Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem apoiado esta interpretação:
“(...)- Não obstante a literalidade do art. 478 do CC/02 - que indica apenas a possibilidade de rescisão contratual - é possível reconhecer onerosidade excessiva também para revisar a avença, como determina o CDC, desde que respeitados, obviamente, os requisitos específicos estipulados na Lei civil. Há que se dar valor ao princípio da conservação dos negócios jurídicos que foi expressamente adotado em diversos outros dispositivos do CC/02, como no parágrafo único (sic) do art. 157 e no art. 170.” (REsp 977.007/GO, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, 3ª turma, julg. 24/11/2009, DJe 02/12/2009)
“INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE DO PERCENTUAL AVENÇADO ENTRE AS PARTES EM RELAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE E REVISÃO, PELO PODER JUDICIÁRIO, EM CADA CASO, DE EVENTUAL ABUSIVIDADE, ONEROSIDADE EXCESSIVA OU OUTRAS DISTORÇÕES NA COMPOSIÇÃO CONTRATUAL DA TAXA DE JUROS, NOS TERMOS DO CÓDIGO CIVIL.” (AgRg no REsp 1064156/RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 02/02/2009)
Direito civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de soja verde atrelados à cédulas de produto rural. Cláusula de variação cambial. Autorização para o pacto. Lei 8.880/94. Conselho Monetário Nacional. Resoluções nº. 2148/95 e nº. 2483/98. Validade do ajuste. Excessiva onerosidade. Janeiro de 1999. Distribuição eqüitativa. (...) Dada a abrupta variação cambial da moeda americana frente ao Real, verificada em janeiro de 1999, deve ser reconhecida a onerosidade excessiva das prestações tomadas pelo devedor que pactuou cédula de produto rural com cláusula de indexação pela variação cambial. Nessa hipótese, deve a cláusula ser revisada para se distribuir entre devedor e credor, eqüitativamente, a variação cambial observada. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 579.107/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julg. 07/12/04, DJ 01/02/05 p. 544)
Necessário não confundir a teoria da imprevisão com a ocorrência da força maior e do caso fortuito. A força maior e o caso fortuito referem-se ao fato de que a prestação ajustada no negócio jurídico não poderá ser cumprida e o devedor não responderá pelos prejuízos daí resultante, por se tratar de uma hipótese de excludente de responsabilidade. Por outro lado, para os casos do artigo 317 aí sim se aplica a teoria da imprevisão, nos acordos exeqüíveis a médio ou longo prazo, se uma das partes ficar em nítida desvantagem econômica.
O art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor menciona que é direito do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Assim, esta norma não se relaciona com a teoria rebus sic stantibus e às suas variantes, visto que não se baseia na imprevisibilidade da ocorrência de situações novas que modifiquem a situação preexistente no momento do contrato. Inclusive, além de rejeitar a imprevisibilidade, ainda admite a alteração do contrato mesmo se nenhum fato novo ocorrer. Basta ao Código de Defesa do Consumidor a ocorrência de onerosidade para que o contrato seja revisto.
Faz-se imprescindível uma releitura das posições jurídicas ocupadas pelos contratantes antes do advento do Código Civil de 2002. O contrato não pode mais ser visto como um instrumento que ignora a realidade social em que se insere a pessoa, apenas considerando-o como um titular de direitos e sujeito de obrigações.
Ocorreu uma renovação teórica do contrato que inseriu em seu cerne o conceito de socialização da teoria contratual. Partindo do princípio da socialidade, aliado ao princípio da conservação do contrato, necessário aventar soluções plausíveis a serem adotadas pelos contratantes para modificar equitativamente o contrato superando as condições fáticas que romperam o seu equilíbrio.
Enfim, nos contratos de duração continuada ou de execução diferida poderá ser aplicada a teoria da imprevisão, com a conseqüente relativização do princípio do pacta sunt servanda. Isso porque, em razão da mudança de paradigma do Código Civil de 2002 em relação ao Código Civil brasileiro de 1916, aplica-se ao contrato o princípio da socialidade.
Conclui-se, portanto, que os contratos são ajustes obrigatórios firmados entre partes livres e capazes. Ocorre que o fundamento da obrigatoriedade contratual foi alvo de constantes divergências. Grande parte dos juristas, ao longo do tempo, afirmou que a vontade das partes é o fundamento primordial do caráter obrigatório dos contratos, ou seja, se a parte aceitou obrigar-se livremente, deve ser compelida a cumprir o pactuado.
Contudo, o novo paradigma do contrato celebrado nos moldes da atualidade modificou bastante o fundamento desta obrigatoriedade e a possibilidade do contrato poder ser modificado após ter sido ajustado. Diante da celebração de contratos de execução futura ou diferida, somada às rápidas e constantes modificações do meio fático em que o contrato foi firmado, verifica-se que há a possibilidade de o mesmo revelar-se injusto.
Ou seja, se as condições fáticas que compunham o cenário contratual existente à época em que o acordo foi celebrado se modificam, esta alteração irá provocar distorções no equilíbrio contratual, podendo onerar uma das partes.
Se o objetivo do contrato é constituir-se em um acordo que satisfaça ambas as partes, é certo que as alterações futuras do meio desconstituem este escopo. Justamente diante desta possibilidade surgiu a teoria da imprevisão, que busca resguardar os contratantes de situações imprevisíveis que modifiquem as condições contratuais trazendo onerosidade excessiva para um deles.
O motivo que vincula os contratantes não é apenas a sua vontade livre e irrevogável, que faz lei entre as partes. Por isto o contrato pode ser revisto quando houver alterações imprevisíveis no status quo. Embora as partes tenham se obrigado livremente, o que fundamenta a obrigação é o interesse social; e não deseja a sociedade que o contrato possa ser instrumento que cause a ruína de uma das partes. A sociedade busca resguardar a justiça contratual, a equidade, a igualdade de prestações no contrato.
Desta forma, extrai-se que o fundamento da obrigatoriedade dos contratos deixou de ser, pura e simplesmente, a vontade livre dos contratantes, sendo que a nova noção do contrato prioriza o seu aspecto como elemento social, e isto pode ser vislumbrado na aplicação da Teoria da Imprevisão, que ameniza o caráter obrigatório do contrato, possibilitando a sua revisão ou extinção em caso de haver fato objetivo e imprevisível que modifique as condições originais do pacto.
O fundamento da obrigação contratual, em sua concepção mais moderna alia a autonomia da vontade ao interesse social, com prevalência deste último, em consonância com a teoria da socialidade dos contratos.