Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A coisa julgada inconstitucional e seu controle por meio de ADPF

Exibindo página 2 de 2
Agenda 17/04/2005 às 00:00

5. Conclusões.

Restaria apenas afastar um argumento que certamente se apresentará contra a tese aqui defendida do cabimento da ADPF como meio de controle de coisa julgada inconstitucional violadora de preceito fundamental, qual seja, o de que tal uso configuraria violação ao princípio da segurança jurídica decorrente da coisa julgada e do papel de pacificação social que a mesma em tese exerce.

Na verdade, a problemática não seria contra a tese do presente trabalho, mas sim contra a própria tese da coisa julgada inconstitucional, porque a alegação pura e simples de segurança jurídica acima de qualquer outro valor acabaria por inviabilizar a tese da invalidade da coisa julgada formada com vício de constitucionalidade.

O fato é que a coisa julgada formada em contrariedade à Carta Política não cumpre sua função. Não gera pacificação social porque a pecha da inconstitucionalidade lhe atinge em ponto fundamental, gerando muitas vezes sim revolta e desprestígio ao Poder Judiciário.

Na prática, só tomando com exemplo a Administração Pública, o que se tem visto é que aquele detentor de um título inconstitucional é visto como um privilegiado, como alguém que espertamente conseguiu algo que outros não conseguiram, ou seja, alguém que fez valer a "lei de Gerson" e atingiu o seu fim e que fruto ou não da imaginação popular possui "um padrinho forte" por trás, como se diz usualmente.

Por vezes, dentro de uma mesma repartição pública, lado a lado executando o mesmo trabalho, têm-se servidores públicos com salários totalmente diferentes, em face de um ter conseguido um benefício por meio de sentença transitada em julgado.

Um exemplo é a questão do "teto remuneratório", na qual são incontáveis as injustiças e absurdos causados por sentenças, especialmente aquelas que asseguram "incorporações" ou que na prática acabam ocasionam um vedado "efeito repicão".

Data venia, o valor segurança jurídica e a conseqüente força de encerrar o litígio, não pode servir de pretexto para a eternizarem-se injustiças e ferir-se o princípio da isonomia, entre outros.

Mais uma vez, valemo-nos do magistério dos mestres que primeiro enfrentaram a problemática da coisa julgada inconstitucional e refutaram a invocação da segurança jurídica, entre eles, destacam-se os argumentos de José Augusto Delgado [23], quando leciona que "a injustiça, a imoralidade, o ataque à Constituição, a transformação da realidade das coisas quando presentes na sentença viciam a vontade jurisdicional de modo absoluto, pelo que, em época alguma, ela transita em julgado. Os valores absolutos da legalidade, moralidade e justiça estão acima do valor segurança jurídica. Aqueles são pilares, entre outros, que sustentam o regime democrático, de natureza constitucional, enquanto este é valor infraconstitucional oriundo de regramento processual."

Calha o registro, todavia, mais uma vez, de que não se quer aqui defender o uso indiscriminado de ADPF’s contra sentenças transitadas me julgado, como se fora a argüição uma última tentativa de modificação do acórdão, um recurso a mais. Não.

É preciso ficar claro que a coisa julgada com o vício da inconstitucionalidade não é a regra, muito pelo contrário, são situações pontuais.

Esse caráter extraordinário da desconstituição de coisa julgada marcada pela inconstitucionalidade é citado por doutrinadores como Cândido Rangel Dinamarco [24], com o qual encerramos o nosso trabalho:

"Propõe-se apenas um trato extraordinário destinado a situações extraordinárias com o objetivo de afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e infrações à Constituição – com a consciência de que providências destinadas a esse objetivo devem ser tão excepcionais quanto é a ocorrência desses graves inconvenientes. Não me move o intuito de propor uma insensata inversão, para que a garantia da coisa julgada passasse a operar em casos raros e a sua infringência se tornasse regra geral."

Enfim, a nossa juízo, mostra-se plenamente compatível como objeto e com os fins do §1.º do art. 102 da CF o utilização da argüição de preceito fundamental como meio para desconstituição de coisa julgada violadora de preceito fundamental.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Bibliografia.

1. Otero, Paulo Manoel Cunha da Costa. "Ensaio sobre Caso Julgado Inconstitucional, Lisboa: Lex, 1993;

2. Delgado, José Augusto. "Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais");

3. Oliveira Lima, Paulo Roberto. "Teoria da Coisa Julgada", Revista dos Tribunais, 199, pág. 112;

4. Dinamarco, Cândido Rangel. "Relativizar a Coisa Julgada Material" – Revista da AGU, do Centro de Estudos Victor Nunes Leal, Brasília: 2001;

5. Theodoro Júnior, Humberto. Revista da AGU, do Centro de Estudos Victor Nunes Leal. Brasília: 2001;

6. Nascimento, Carlos Valder do (organizador). "Coisa Julgada Inconstitucional", coordenada por Carlos Valder do Nascimento, com a colaboração de Humberto Theodoro Júnior, José Augusto Delgado, Juliana Cordeiro de Faria e Leonardo Faria Beraldo, ed. América Jurídica – 3ª. edição;

7. Simas, Fernando. A prova na investigação de paternidade, ed. Juruá, 6ª. edição;

8. Tavares, André Ramos. "Tratado da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental", ed. Saraiva, 2001;

9. Bulos, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada, ed. Saraiva, 4ª. edição;

10. Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional, 7ª. edição, ed. Atlas;

11. Mendes, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: demonstração de inexistência de outro meio eficaz. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 43, jul. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=236>. Acesso em: 18 set. 2004.


Notas

1 Frases relembradas por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, in "Relativizar a Coisa Julgada Material" – Revista da AGU, do Centro de Estudos Victor Nunes Leal, Brasília: 2001.

2 Constante da obra "Coisa Julgada Inconstitucional", coordenada por Carlos Valder do Nascimento, com a colaboração de Humberto Theodoro Júnior, José Augusto Delgado, Juliana Cordeiro de Faria e Leonardo Faria Beraldo, ed. América Jurídica – 3ª. edição.

3 FERNANDO SIMAS, in A prova na investigação de paternidade, ed. Juruá, 6ª. edição, págs. 69/70

4 Pág. 221, 3ª. edição.

5 Disponível em <www.stj.gov.br>. Acesso em 18 de setembro de 2004.

6 ADIn n.º 829-3/DF – Rel. Min. Moreira Alves; ADIn n.º 939-7/DF, entre outras

7"A Coisa Julgada Inconstitucional e os Instrumentos Processuais para seu Controle". Integrante da obra "Coisa Julgada Inconstitucional", coordenada por Carlos Valder do Nascimento, com a colaboração de Humberto Theodoro Júnior, José Augusto Delgado, Juliana Cordeiro de Faria e Leonardo Faria Beraldo, ed. América Jurídica – 3ª. edição.

8 OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex, 1993, p. 9.

9 No artigo "Coisa Julgada Inconstitucional" integrante da obra com o mesmo título, coordenada pelo citado autor, com a colaboração de Humberto Theodoro Júnior, José Augusto Delgado, Juliana Cordeiro de Faria e Leonardo Faria Beraldo, ed. América Jurídica – 3ª. edição.

10 Neste sentido, STF – ADIN n.º 1.247-9/PA – medida liminar – Rel. Min. Celso de Mello, Diario da Justiça, 8 de setembro d 1995, pág. 28354, citando a súmula 360.

11 Idem, pág. 108.

12 Neste sentido, é o ensinamento, entre outros, de LUIZ GUILHEME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART: "é irrelevante saber a categoria da regra jurídica em discussão (se constitucional ou infraconstitucional)", in Manual do Processo de Conhecimento, 3ª. edição, ed. RT, pág. 701.

13 Editora Saraiva, 2001.

14 Constituição Federal Anotada, ed. Saraiva, 4ª. edição, pág. 931.

15 Dados colhidos no site do STF, em <www.stf.gov.br>. Acesso em 18 de setembro de 2004.

16 Idem.

17 Curioso é o fato de que mais de 10% do número total das ADPF’s em tramitação no STF (exatamente 08 – ADPF’s 21, 22, 23, 25, 27, 28, 30 e 31) são de autoria de uma pessoa física, de nome Marcos Rogério Batista, cujas ações foram sistematicamente extintas, dada a evidente ilegitimidade ativa, já que os legitimados para a ADPF são os mesmos para a ADIN – art. 2.º, I da Lei n.º 9.882, de 3 de dezembro de 1999.

18In Direito Constitucional, 7ª. edição, ed. Atlas, pág. 614. (Destacamos)

19 Constituição Federal Anotada, ed. Saraiva, 4ª. edição, pág. 932.

20In Tratado da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ed. Saraiva, 2001, págs. 205 a 208.

21 MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: demonstração de inexistência de outro meio eficaz. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 43, jul. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=236>. Acesso em: 18 set. 2004.

22 Obra citada, pág. 938.

23 "Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais". In Revista Virtual do Centro de Estudos Victor Nunes Leal da AGU. <www.agu.gov.br>.

24 "Relativizar a Coisa Julgada Material", fonte já citada.

Sobre o autor
Fausto F. de França Júnior

procurador do Estado de Alagoas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA JÚNIOR, Fausto F.. A coisa julgada inconstitucional e seu controle por meio de ADPF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 648, 17 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6590. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!