INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil (2015) promoveu mudanças significativas no regramento processual pátrio e, no que se refere aos honorários advocatícios, palmilha igual caminho. Sobre a referida matéria, merece destaque o que a doutrina tem comumente denominado de “honorários recursais”, previsto no art. 85, § 11, que estabelece:
§11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
Em relação ao referido dispositivo, a controvérsia reside em saber quais provimentos jurisdicionais dos tribunais teriam aptidão para dispor acerca da majoração dos honorários advocatícios, questão essa que será abordada neste artigo, com especial enfoque no tocante às decisões proferidas pela presidência ou vice-presidência dos tribunais em juízo de admissibilidade de recursos excepcionais (art. 1.030 do CPC).
De fato, o CPC/2015 não especificou em quais “decisões” seria possível a aplicação dos honorários sucumbenciais, embora mencione que “o tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente[...]” (art. 85, § 11, do CPC).
Assim, o que se vê é que alguns tribunais têm conferido ao verbo “julgar” uma interpretação restritiva, não admitindo a fixação de honorários recursais em juízo de admissibilidade negativo de recursos excepcionais. Nesse sentido, há precedentes do TJRS, por exemplo[1].
Todavia, com a devida vênia, entende-se aqui que a referida interpretação não é a que mais se amolda à finalidade da norma, de modo a ser plenamente possível o aumento dos honorários em juízo de admissibilidade. Para fundamentar a tese aqui encampada, necessário se faz uma digressão acerca da natureza das decisões proferidas pelos tribunais no tema vertente.
1. DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DE RECURSOS ESPECIAIS E EXTRAORDINÁRIOS PROFERIDO PELOS TRIBUNAIS DE 2ª INSTÂNCIA
Em sua redação primeira, aprovada em 16-03-2015, o Código de Processo Civil havia abolido o juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais pelos tribunais de 2º grau, prevendo que, decorrido o prazo para apresentação das contrarrazões, o recurso seria imediatamente remetido ao respectivo Tribunal Superior para apreciação do recurso. Nessa sistemática, à Corte recorrida caberiam apenas os trabalhos de cartório, não havendo nenhum tipo de provimento jurisdicional a ser exarado.
Tal panorama suportou drástica mudança com o advento da Lei n. 13.256/2016, que modificou o atual CPC antes mesmo que este entrasse em vigor, dando nova redação ao art. 1.030 para incumbir aos presidentes ou vice-presidentes dos tribunais a competência para admitir, inadmitir e sobrestar recursos.
Segundo Teresa Wambier e Bruno Dantas, a aludida competência, especialmente quando da negativa de seguimento de recursos, tem como fito a “manutenção da estabilidade da jurisprudência” dos tribunais superiores[2]. É dizer que, quando se nega seguimento a recurso contrário à tese firmada em recurso repetitivo, ou cuja discussão foi reconhecida como carente de repercussão geral, se está (re)afirmando a necessidade de respeito aos precedentes exarados pelos tribunais que as prolataram.
Pode-se visualizar, então, que o juízo de admissibilidade pelos tribunais de 2º grau, antes de ser considerado “usurpação” da competência do STJ ou do STF, constitui verdadeira afirmação do poder decisório destes, atribuindo-lhes relevante eficácia prática e obstando que esses tribunais tenham que analisar, por vezes diversas, a mesma matéria de direito.
Não se descuida, também, que a opção do legislador pelo juízo prévio de admissibilidade agasalhou, por fundamento, a “relevante função de filtro preclusivo do exame de admissibilidade nos tribunais locais”, por impedir cerca de 48% dos recursos interpostos de serem remetidos ao STJ, conforme exposto na Justificação do Projeto de Lei 168/2015 (convertido na Lei 13.256/2016)[3].
Segundo lição de Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, os recursos excepcionais gozam de sistema de admissibilidade bipartido, no qual o presidente ou vice-presidente da Corte de origem exerce um juízo provisório de admissibilidade, cabendo ao tribunal superior um juízo definitivo de admissibilidade[4], este sem vinculação com seu antecessor (por exemplo, pode o tribunal superior inadmitir recurso anteriormente acolhido).
Sem embargo, não se pode negar que, ainda que o primeiro juízo de admissibilidade tenha inicialmente caráter precário, certo é que, não havendo recurso ou sendo este desprovido (na hipótese de interposição do Agravo Interno previsto no § 2º do art. 1.030 do CPC), a decisão, antes provisória, se tornará definitiva.
Aliás, como já ressaltado, é justamente esse o caso de quase a metade dos recursos especiais interpostos (48%), o que leva à conclusão de que, apesar de corretamente conceituado pela doutrina como uma decisão provisória, a práxis forense revela que o primeiro juízo de admissibilidade abriga grandes chances de ser também o último e, portanto, definitivo.
Por sua vez, o STJ, em voto da lavra do d. Min. Marco Aurélio Bellizze, já registrou posicionamento contrário à tese aqui defendida, assim afirmando:
“Se o recurso especial não ultrapassar o juízo de admissibilidade realizado pelo Tribunal a quo, ele não subirá a esta Corte de Justiça e, portanto, não iniciará o grau recursal especial. Nessa hipótese, ficará paralisado na instância a quo, podendo transitar em julgado, sem que lá se possa arbitrar a verba honorária na forma do § 11 do art. 85, do novo CPC”[5]
Inobstante, em razão de versar sobre matéria contida no voto a título de obiter dictum, visto que não guardava relação direta com a solução da causa sob análise, bem como pelo fato de se tratar de julgamento ainda isolado, permite-se aqui advogar em sentido contrário.
Isso porque a fixação de honorários recursais em juízo de admissibilidade se coaduna com as finalidades da norma contida no art. 85, § 11, do CPC, conforme se expõe a seguir.
2. DA DUPLA FINALIDADE DOS HONORÁRIOS RECURSAIS
À luz do que vêm discorrendo a doutrina e a jurisprudência, os honorários recursais encartam duas funções: a de remunerar o trabalho adicional do advogado do vencedor e a de desestimular a litigância protelatória.
A primeira delas é facilmente percebida pela leitura do atual Código, uma vez que o caput do artigo 85 prevê expressamente que “o vencido deverá pagar honorários ao advogado do vencedor”, e não que deverá pagá-los “ao vencedor”, como previa o Código anterior.
Tal redação, combinada com o § 14 do mesmo artigo, que reconhece a natureza alimentar dos honorários, permite concluir por sua finalidade remuneratória.
Assim, se a cada novo recurso se impuser o “dever” de o advogado do recorrido apresentar contrarrazões, é lícito entender que seu labor adicional deva ser remunerado com um acréscimo na verba honorária anteriormente arbitrada.
Por outro lado, também se tem reconhecido que os honorários recursais constituem verdadeira medida de desestímulo à interposição de recursos meramente protelatórios, impondo, ao potencial recorrente, o dever de considerar o custo-benefício de levar o processo a uma nova instância.
Dessa forma, entendendo o litigante que a interposição do recurso importará em provável majoração da condenação já imposta, acabaria por conformar-se com a decisão já proferida, deixando de provocar as instâncias superiores com teses absurdas, infundadas ou manifestamente contrárias à jurisprudência já consolidada das Cortes Superiores.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a possibilidade de majoração dos honorários advocatícios, até mesmo quando ausente a resposta ao recurso (contrarrazões ou contraminuta), compreendendo que a majoração do valor arbitrado também se impõe nessa situação, em razão de representar “medida de desestímulo à litigância procrastinatória” (ARE 973780 AgR / SP, ARE 985277 AgR / RS, ARE 977223 AgR / PR, ARE 947297 AgR / MG, ARE 956755 AgR / SE, entre outros).
Também já afirmou o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da lavra do d. Ministro Otávio Noronha, que “O § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015 tem dupla funcionalidade, devendo atender à justa remuneração do patrono pelo trabalho adicional na fase recursal e inibir recursos provenientes de decisões condenatórias antecedentes” (AgInt no AREsp 196.789/MS), cujo entendimento também foi replicado em outros julgados da mesma Turma.
Quanto às lições da doutrina, merecem destaque os fundamentos trazidos por Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:
"[...] a intenção do legislador, ao criar a verba honorária em sede recursal, foi a de evitar recursos abusivos (mesmo havendo já a multa em razão da litigância de má-fé e pela interposição de embargos de declaração protelatórios)."[6]
Também refletindo posicionamento semelhante, Teresa Wambier e Bruno Dantas lecionam: “A perspectiva da sucumbência recursal, somada à constatação de que a decisão que seria eventualmente impugnada está bem fundamentada, deve desestimular o ato de recorrer”[7].
É de assinalar, por oportuno, que a matéria foi objeto de discussão quando das audiências públicas realizadas antes da aprovação do atual Código, registrando posicionamento contrário aos honorários sucumbenciais como medida de desestímulo aos recursos protelatórios[8].
Entretanto, tal posição ficou superada ainda no âmbito legislativo, pois, em parecer exarado pela “Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei n. 6.025, de 2005, ao Projeto de Lei n. 8.046, de 2010, ambos do Senado Federal, e outros, que tratam do ‘Código de Processo Civil’”, pontuam, expressamente: “A instância recursal, por sua vez, também fixará nova verba advocatícia, seja a requerimento da parte ou de ofício. Tais exigências, evidentemente, são um desestímulo à tendência de perpetuação do processo”[9].
O d. Min. Luís Fux, presidente da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto do Código, também ponderou: “[...] admiração quanto à instituição de honorários de sucumbência na fase recursal, porquanto tal característica será um meio dissuasório de possíveis aventuras jurídicas que impedem a célere prestação jurisdicional”[10].
Por todo o exposto, pode-se afirmar que os honorários sucumbenciais, reconhecidamente, encampam função dúplice: a de remunerar o trabalho adicional expendido pelo advogado do vencedor e a de desestimular a interposição de recursos de caráter meramente protelatório.
CONCLUSÃO
Este artigo abre o ensejo de concluir que a fixação de honorários recursais em juízo de admissibilidade negativo de recursos excepcionais pelos tribunais pátrios consiste em medida consentânea com as normas informadoras do atual Código de Processo Civil.
Primeiro porque atende à finalidade remuneratória do instituto, uma vez que o patrono do vencedor gozará de aumento em sua verba honorária mesmo que o recurso do vencido seja barrado ainda no tribunal de origem, sendo desnecessário que este chegue até o conhecimento das instâncias superiores.
Em segundo lugar, por ser medida de desestímulo à interposição de recursos excepcionais de caráter protelatório, os quais, muitas vezes, nem sequer cumprem os requisitos básicos de admissibilidade, impõe, ao possível recorrente, uma análise não só da viabilidade jurídica do recurso, como de sua conveniência financeira.
Por fim, dotar a decisão proferida em juízo de admissibilidade de mecanismos que reforcem sua coercibilidade é, sobretudo, reforçar a eficácia das decisões do STJ e do STF, o que vai ao encontro do mandamento de estabilidade, integridade e coerência das decisões judiciais dos tribunais superiores (art. 926 do CPC).
BIBLIOGRAFIA
[1] TJRS – TERCEIRA VICE-PRESIDÊNCIA. DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS. Recurso Especial n. 70076170042. Comarca de Passo Fundo. DJE 21-02-2018.
[2] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a nova função dos Tribunais Superiores no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 407.
[3] Projeto de Lei da Câmara n° 168, de 2015. Iniciativa: Deputado Federal Carlos Manato (SD/ES). Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/123769.
[4] DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil – Volume 3, 8. Ed.
[5] EDcl no AgInt no REsp 1573573/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04-04-2017, DJe 08-05-2017.
[6] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2015, p. 437
[7] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a nova função dos Tribunais Superiores no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 473.
[8] 7ª Audiência Pública. Porto Alegre. Realizada em 15.04.2010, na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no auditório do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. – Anexo do Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Civil. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496296/000895477.pdf?sequence=1.
[9] CÂMARA DOS DEPUTADOS: COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A PROFERIR PARECER AO PROJETO DE LEI NO 6.025, DE 2005, AO PROJETO DE LEI NO 8.046, DE 2010, AMBOS DO SENADO FEDERAL, E OUTROS, QUE TRATAM DO “CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL” (REVOGAM A LEI NO 5.869, DE 1973). PROJETOS DE LEI NOS 6.025, DE 2005, E 8.046, DE 2010. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1026407. p. 18 e p. 55.
[10] CÂMARA DOS DEPUTADOS: COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A PROFERIR PARECER AO PROJETO DE LEI NO 6.025, DE 2005, AO PROJETO DE LEI NO 8.046, DE 2010, AMBOS DO SENADO FEDERAL, E OUTROS, QUE TRATAM DO “CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL” (REVOGAM A LEI NO 5.869, DE 1973). PROJETOS DE LEI NOS 6.025, DE 2005, E 8.046, DE 2010. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1026407. p. 129.