11. DA PERSECUÇÃO PENAL DOS NOVOS CRIMES FALIMENTARES.
Historicamente, a persecução criminal se dá em duas fases, a primeira é a extra-judicial, através do inquérito policial que é um procedimento instaurado para apurar a prática de infração penal, visando apontar a autoria, as circunstancias do crime e a materialidade. Com base nas informações colhidas no inquérito policial, é que o Ministério Público, oferece denúncia ou não, sendo pacífico na jurisprudencia e doutrina que o inquérito policial é procedimento dispensável para o oferecimento de denúncia ou queixa-crime, podendo o Ministério Público ou o querelante utilizar-se de outros meios de provas para dar inicio à ação penal.
A segunda fase da persecução criminal, ocorre com o recebimento da denúncia ou queixa-crime, o que enseja o inicio da ação penal.
Na antiga lei de falência, existia a figura do inquérito judicial, que era muito criticado pela doutrina, procedimento de caráter administrativo presidido pelo juiz da falência, não sujeito ao contraditório, instaurado a pedido do síndico, ou de qualquer credor, destinado à apuração da existência de crimes falimentares, visando subsidiar o Ministério Público, no caso de uma futura ação penal.
A nova lei não repetiu a figura do inquérito judicial, ao contrário previu em seu artigo 187, que o Ministério Público ao ser intimado da sentença que decretar a falência ou conceder a recuperação judicial, e verificando a existencia de crime falimentar, promoverá imediatamente a competente ação penal ou, se entender necessário, requisitará a abertura (instauração) de inquérito policial.
Com essa previsão legal, verifica-se a necessidade das Polícias dos Estados e do Distrito Federal, se especializarem nessa nova modalidade de crimes. Deixei de mencionar a Polícia Federal, face a excecão do Art. 109, da Constituição Federal, que exclui da compentecia da Justiça Federal nas causas falenciais, não havendo motivos para atuação da Polícia Federal.
Verifica-se que o legislador mais uma vez, vem se inclinando pela manutenção do inquérito policial, bem como a investigação ser realizada pela polícia, pois do contrário, poderia ter autorizado o Ministério Público realizar as suas próprias investigações para formar a sua opinio delict.
Para aqueles que são contra o inquérito policial, isto com certeza seria um retrocesso na legislação, entretanto do meu ponto de vista, penso que o legislador foi muito feliz em acabar com o inquérito judicial, sob o seguinte enfoque: a) àquele que investiga se torna suspeito para julgar e no caso da lei anterior, o mesmo juiz falencial é quem era competente para julgar os crimes falimentares (exceto em alguns Estados); b) o só fato das Policias Estaduais ou do Distrito Federal não estarem preparadas para investigar crimes falimentares, não justifica a manutenção do inquérito judicial no caso dos crimes falimentares, pois na vigencia da lei revogada, pode-se contar nos dedos quantas pessoas foram condenadas no país por crime falimentar; c) não dispõem o judiciário de pessoal especializado para investigar, bem como de perícia técnica, e sempre que necessitava, requisitava que as perícias fossem realizadas pela instituição policial, o que atrasava o andamento do processo.
No art. 186, previu que o Administrador Judicial apresentará ao juiz da falência exposição circunstanciada, considerando as causas da falência, o procedimento (conduta) do devedor, antes e depois da sentença, e outras informações detalhadas a respeito da conduta do devedor e de outros responsáveis, se houver, por atos que possam constituir crime falimentar, bem como outro delito conexo. Não significa dizer que existe aqui a figura do inquérito judicial, apenas que o Administrador de posse dessas informações, deverá repassá-las ao juiz falencial que por sua vez, deverá encaminhá-las ao Ministério Público, para oferecer denúncia ou requisitar, caso entenda, instauração de Inquérito Policial.
A denúncia (segunda fase da persecução penal) será oferecida nos mesmos prazos previsto pelo Código de Processo Penal, ou seja, 5(cinco) dias no caso de réu preso e 15 (dias) no caso de réu solto (§ 1°, do art. 187). Em qualquer fase processual, surgindo indícios da prática de crimes falimentares, o juiz da falencia ou da recuperação judicial ou extrajudicial, cientificará o Ministério Público (§ 2° do Art. 187).
A competencia para julgamento do processo crime falimentar é do juiz criminal (não do juiz falimentar) do lugar onde ocorreu a decretação da falência, a concessão judicial ou homologação do plano de recuperação extrajudicial (art. 183), ou seja, se houver mais de um juiz criminal na comarca, segue a regra da distribuição ou àquele que primeiro se manifestar no processo nos casos de medidas cautelares, como a prisão preventiva ou busca e apreensão.
Dispõe a lei em seu art. 184, que os crimes falimentares são de ação penal pública incondicionada, disposição esta desnecessária, pois sabemos que por força do art. 100, do Código Penal, toda a ação é pública, salvo quando a lei expressamente a declare privativa do ofendido. Significa dizer que bastava o legislador se omitir quanto à ação penal, que saberiamos tratar-se de ação penal pública incondicionada.
O legislador estabeleceu ainda, no mesmo dispositivo legal, que decorrido o prazo para o Ministério Público (titular da ação penal) oferecer denúncia, poderá, no prazo de seis meses (decadencial), qualquer credor habilitado ou o administrador judicial ofercer ação penal privada subsidiária da pública (parágrafo único do art. 184). Veja que o legislador seguiu o mandamento constitucional, previsto no art. 5°, inc. LIX: "será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal". Contudo cabe lembrar que não é qualquer pessoa que poderá oferecer queixa-crime subsidiária da denúncia, pois a lei legitima apenas os credores habilitados ou o administrador judicial. Além disso esse prazo decadencial não corre para o Ministério Público que poderá oferecer denúncia enquanto não houver a prescrição ou qualquer outra causa de extinção de punibilidade (art. 107 do CP).
O juiz competente para julgamento dos crimes falimentares é o juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, por determinhação expressa do art. 183, ou seja, na antiga lei, procedia-se ao inquérito judicial no juízo da falência para apurar os crimes falimentares e em caso positivo, em alguns Estado, como o de São Paulo, o proprio juiz falencial é quem era competente para receber e julgar ação penal por crime de falencia, conforme previa a Lei estadual n° 3.947/83, em seu art. 15. No Distrito Federal por força do art. 33, da Lei federal n° 8.185/91, que trata da Organização Judiciária do Distrito Federal, a competência para julgar crimes falimentares é do juiz da Vara de Falências e Concordadas. Daí que esses diplomas legais encontram-se imcompatíveis com a nova lei, fazendo-se necessário que os Estados e o Distrito Federal adequem, cada qual, a sua Lei de Organização Judiciária à nova lei.
A nova lei foi omissa em relação ao órgão do Ministério Público que irá atuar no processo crime falimentar, provavelmente isso irá se pacificar pela atuação do Ministério Público que tiver oficiando junto ao juízo criminal a quem for distribuído o processo crime falimentar.
A opção do legislador em retirar do juiz falimentar a possibilidade de julgar os crimes falimentares, visa resgardar a imparcialidade do juiz, pois com certeza aquele que atuou no processo falimentar, irá inclinar-se pelo pré-julgamento. Por outro lado, o juiz criminal competente para julgar, terá todo um trabalho analisar o processo, que normalmente são volumosos.
E finalizando prevê a nova lei a revogação dos arts. 503 a 512 do Código de Processo Penal, que tratava do procedimento especial para julgamento dos crimes falimentares (art. 200), estabelecendo expressamente em seu art. Art. 185, que recebida a denúncia ou a queixa, o procedimento a ser adotado é o previsto no art. 531 a 540 no CPP, ou seja, a aplicação do procedimento sumário (apesar da maioria dos delitos serem punidos com pena de reclusão) e ainda em seu Art. 188, a aplicação do Código de Processo Penal, subsidiariamente nos casos em que não forem icompatíveis com a nova lei.
12.CONCLUSÃO
Diante do que foi exposto e sem esgotar o assunto sobre o tema, verifica-se que mesmo o legislador tendo endurecido quanto às penas, bem como a criação de novos delitos falimentares, dificilmente um empresário em situação de falência ou recuperação judicial ou extrajudicial, que venha praticar os crimes aqui mencionados, será preso ou condenado pela pratica desses delitos, pois embora a norma jurídica esteja presente, há inúmeros subterfúgios que o falido através de uma boa acessória jurídica, poderá se valer para evitar a prisão ou até mesmo descaracterizar a conduta praticada, fazendo-se necessária, uma apuração rígida e criteriosa por parte da Autoridade Policial que presidir o inquérito policial, para não levar à impunidade.
Verifica-se ainda que as condutas típicas poderão ser cometidas antes ou depois da decretação da falência ou concessão da recuperação judicial ou extrajudicial, mas só poderão ser consideradas como crime falimentar, se houver decretação da falência ou concessão da recuperação judicial ou extrajudicial, caso contrário, ou serão atípicas ou caracterizarão outros crimes que não os falenciais.
A mudança das regras quanto aos prazos prescricionais, determinando a aplicação das regras do Código Penal, foi uma opção muito boa do legislador, pois na lei anterior, aliada à jurisprudência do STF, o prazo máximo para a prescrição da pretensão punitiva era de quatro anos, após a sentença de quebra, e a prescrição executória era de dois anos, qualquer que fosse a pena aplicada, o que sempre levava à impunidade do falido que cometia crime falimentar. Hoje, a maior prescrição da pretensão punitiva é de 12 anos, no caso da fraude falencial, cuja pena máxima em abstrato é de seis anos, isso se não existir nenhuma causa de aumento de pena.
O presente trabalho demonstra ainda a necessidade de um aprofundamento maior no tema, especialmente na parte não criminal da lei, pois para melhor se entender os crimes elencados, faz-se necessário uma analise melhor de toda e seus institutos extrapenais.
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ALMEIDA, Amador Paes de, 1930 – Curso de falência e concordata. 20 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002, pg. 459.2
Gomes, Luiz Flávio, www.ielf.com.br, texto consultado em 03/11/2004-14:003
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BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal: parte geral, v. 1, 8ª ed. rev e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. pág. 457.7
FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda: Dicionário Aurélio Eletrônico séc. XXI, Lexikon Informática LTDA, 1999, versão 3.0.8
BETANHO, Luiz Carlos. Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial. Editora Revista dos Tribunais, vol. 1. pág. 1124.