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O modelo sindical brasileiro

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Agenda 02/05/2005 às 00:00

CAPÍTULO IV

4 - O Modelo Brasileiro de Sindicalização

4.1 – Considerações preliminares:

Vimos no capítulo anterior, que a partir do posicionamento do Estado em relação as entidades sindicais, encontramos dois modelos de sindicalização no mundo: um sob controle estatal e outro com liberdade. Neste momento, interessa–nos saber em que modelo podemos enquadrar o sistema brasileiro e de que forma o mesmo está estruturado, do ponto de vista organizacional.

Desse modo, neste capítulo iremos, em primeiro lugar, analisar as características de nosso modelo, a partir do regramento constitucional, e assim, se for possível, enquadrá–lo, e depois, no próximo capítulo, iremos abordar as várias propostas que visam modificar nossa organização sindical.

4.2 – Matriz constitucional

A Constituição Federal de 1988 tratou a questão sindical em seu artigo 8º. Seus dispositivos refletem, como já dissemos, quando falamos da evolução histórica do sindicalismo no Brasil, os anseios e pretensões do movimento sindical. Sobre esses dispositivos, assim escrevem Orlando Gomes e Elson Gottschalk :

" Finalmente, com o advento da Constituição de 5 de outubro de 1988, após vinte anos de ditadura militar, veio a declaração de liberdade de associação profissional, não podendo a lei exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvando, apenas, o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical. Estabelece a regra do monossindicalismo, ou unidade sindical, e o quadro territorial da representação, que não poderá ser inferior ao Município." [61]

Ary Brandão Oliveira, por sua vez critica o sistema adotado pela nova Carta Magna:

" O texto constitucional de 1988 muito pouco avançou em comparação com os ditames anteriores.

Adotou o modelo de unicidade sindical por categoria, ou seja, não permite a lei mais de um sindicato da mesma categoria, profissional ou econômica, na mesma base territorial. Segue, portanto, o mesmo paradigma adotado no país desde 1937, com a reafirmação do Decreto – lei n.º 1.402, de 1939 e legislação posterior.

Apesar da unicidade de 1988 resultar do consenso, da discussão democrática no âmbito interno dos sindicatos e destes com a classe política, divergindo do sistema de 1937, derivado de imposição autoritária, no fundo, dá – se o mesmo: a exclusão da possibilidade de mais de um sindicato atuar em determinada esfera. No Brasil, seguimos a unicidade de base ou categoria, com que se pretende evitar sindicatos múltiplos na mesma categoria, como igualmente os sindicatos por empresa." [62]

Iremos neste momento transcrever o referido artigo 8º, in verbis, para posterior análise:

" Art.8.º - É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;

II - é vedada a criação de mais de uma categoria sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independente da contribuição prevista em lei;

V - ninguém será obrigado a filiar – se ou a manter – se filiado a sindicato;

VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas;

VII – o aposentado filiado tem direito de votar e ser votado nas organizações sindicais;

VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam – se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer."

A conclusão que chegamos, após leitura atenta do artigo em estudo, é de que nosso modelo sindical é completamente contraditório. Sim, porque de um lado, encontramos preceitos próprios de um sistema baseado na liberdade sindical, como as garantias de liberdade de associação e administração das entidades sindicais, e liberdades de filiação, desfiliação e não–filiação contidas respectivamente, no caput, inciso I, e inciso V do artigo 8º; mas, por outro lado, encontramos disposições próprias de modelo de controle estatal, do tipo corporativista, como a presença dos institutos da unicidade sindical, representação por categoria, base territorial mínima, contidas no inciso II, da contribuição compulsória prevista no inciso IV e pela obrigação dos sindicatos participarem das negociações coletivas, conforme o inciso VI.

Mascaro, também entende que o modelo sindical previsto pela Carta de 1988 é de conteúdo contraditório:

" Reconheça – se, no entanto, que o sistema de organização sindical que acolheu é contraditório; tenta combinar a liberdade sindical com a unicidade sindical imposta por lei e a contribuição sindical oficial. Estabelece o direito de criar sindicatos sem autorização prévia do Estado, mas mantém o sistema confederativo que define rigidamente bases territoriais, representação por categorias e tipos de entidades sindicais." [63]

Assim, pelo exposto, nosso modelo de sindicalização pode ser considerado misto, ou semi – livre, ou ainda semi- corporativista, visto não ser possível enquadra – lo entre os dois modelos existentes no mundo, em razão do caráter contraditório de sua matriz constitucional.

4.3 - Características do modelo brasileiro

Vamos neste momento analisar com um pouco mais de profundidade os pontos marcantes de nosso modelo sindical, mas para isso, é necessário recordarmos de algo que foi dito no capítulo anterior. Dissemos, com base nas lições de Mascaro, que a liberdade sindical apresenta cinco dimensões: liberdade de associação; liberdade de organização; liberdade de administração; liberdade de exercício das funções e liberdade de filiação sindical. Pois bem, confrontando essas cinco dimensões com os dispositivos do artigo 8º da Constituição Federal, podemos afirmar que no Brasil, realmente, existem as liberdades de associação, de administração e de filiação sindicais; agora, no que tange à liberdade de organização, especialmente esta, e à liberdade de exercício das funções, encontramos sérias restrições. Desse modo, iremos dividir esse item didaticamente em características liberalizantes e restritivas.

4.3.1 – Características liberalizantes

Estas características referem–se à presença, no Brasil, das liberdades de associação, de administração e de filiação sindicais. A primeira, é consagrada no caput e no inciso I do art.8º, já transcrito na parte relativa à matriz constitucional, e significa o direito de trabalhadores e empregadores de poderem criar entidades sindicais, sem necessidade de autorização por parte do Estado, apenas fazendo o registro no órgão competente, que no Brasil é o Ministério do Trabalho e Emprego. Antes da Constituição de 1988, porém, a Consolidação das Leis do Trabalho ( CLT), em seus artigos 515 a 521 dava pleno poderes ao Ministro do Trabalho para conceder ou não o registro sindical para as associações solicitantes. Portanto, não tínhamos liberdade alguma para a criação de entidades sindicais.

A liberdade de administração refere-se ao fato de as entidades sindicais brasileiras estarem imunes a qualquer tipo de intervenção ou interferência externa, quer da parte do Estado, quer da parte de terceiros. É chamada autonomia sindical. Encontramos esta garantia na parte final do inciso I, do artigo 8º. Mascaro entende que essa liberdade de administração consiste em dois aspectos: democracia interna e autarquia externa. [64]O primeiro significa que é o sindicato quem deve redigir seus estatutos, estabelecer seu regramento interno. A autarquia externa significa a garantia de não interferência externa, quer da parte do Estado, quer de terceiros.

Roberto Barreto Prado leciona, sobre a liberdade de administração :

" Veda a Constituição de 1988, expressamente, a interferência e a intervenção do Poder Público na organização sindical. Não pode a Administração Pública ir além da fiscalização do cumprimento das leis sociais. Os abusos cometidos pelo sindicato no exercício de suas atividades não podem deixar de ser repelidos. Os privilégios que amparam os sindicalizados devem constar de lei expressa. " [65]

A terceira destas características é a liberdade de filiação sindical, que realmente foi consagrada no inciso V do artigo 8º da CF/88. Significa que ninguém pode ser obrigado a se filiar ou continuar filiado a sindicato. Este tipo de liberdade não leva em conta o grupo, e sim, as pessoas individualmente consideradas. Ela pode ser dividida também em liberdade de filiação, de não – filiação e desfiliação. Quer dizer, existe no Brasil a possibilidade de entrar, de não entrar e de sair de uma entidade sindical.

Vale ressaltar porém que, em virtude das restrições constitucionais, a seguir comentadas, estas liberdades tornam – se quase que impossíveis de serem desfrutadas em sua plenitude. Isto, porque se, por um lado é assegurada a liberdade de filiação sindical, por outro não se dá opção de escolha, devido à regra da unicidade. Pode – se não ser filiado, mas se é obrigado a pagar a contribuição confederativa. Ora, num modelo sindical contraditório como o nosso, às vezes não é nem importante ter liberdade, mas sim que ao menos a vontade das pessoas seja respeitada.

4.3.2 – Características restritivas

Chegou o momento de trazermos à baila as questões mais polêmicas a respeito de nosso modelo sindical. Trata–se das restrições à liberdade sindical contidas na CF/88, nos incisos II, IV e VI do artigo 8.º, que já foram devidamente transcritos e comentados no item 3.2. São, na realidade, verdadeiros empecilhos ao desenvolvimento das relações coletivas de trabalho. Assim, iremos dividir esse item, primeiramente, vendo as restrições à liberdade de organização e, depois, as restrições à liberdade de exercício das funções, conforme a proposta de Mascaro.

a) Liberdade de organização sindical

No Brasil não temos este tipo de liberdade. Os interessados não podem se organizar livremente em entidades sindicais. Não há opções de escolha. Devem se submeter à regras próprias de um regime corporativo. Os empecilhos a esta liberdade são basicamente quatro: unicidade sindical, base territorial mínima, representação por categoria e o sistema confederativo. Vamos discorrer sobre cada um deles.

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1 - Unicidade sindical

Um dos temas que mais tem despertado controvérsias no sindicalismo brasileiro é a unicidade sindical, até no meio da doutrina, o que será devidamente mostrado. Primeiramente, iremos conceituar esse instituto, mostrar outras opções para o Brasil, apresentar quem é a favor e quem é contra, e por fim nos posicionar.

Desse modo, unicidade sindical, ou monismo sindical, ou ainda monossindicalismo, significa a exigência legal de somente existir uma única entidade sindical, representativa de um grupo, num mesmo espaço geográfico. No caso brasileiro, esse espaço não pode ser inferior a um município ( art. 8.º,II, da CF/88), o que aniquila de vez a existência de sindicatos distritais e de empresas.

Para Wilson de Souza Batalha, unicidade sindical implica a existência de uma única entidade representativa da mesma categoria em determinada área territorial. Só um sindicato representa a categoria na área territorial, naturalmente permitindo – se os desmembramentos, as cisões com os desmembramentos e as cisões das categorias, que são definidos no ato de constituição da entidade sindical. [66]

Já Mascaro define unicidade sindical como a proibição, por lei, da existência de mais de um sindicato na mesma unidade de atuação. Pode haver unicidade total ou apenas em alguns níveis, como, por exemplo, o de empresa. Esta ocorrerá quando a lei determinar que na mesma empresa não pode existir mais de um sindicato. Será em nível de categoria quando a referência legal se fizer nesse âmbito. As mesmas observações são pertinentes quanto ao nível da profissão [67].

O oposto da unicidade é a pluralidade, ou pluralismo sindical ou ainda, plurissindicalismo. Significa a possibilidade de existência de mais de uma entidade sindical, representativa de um grupo, na mesma base territorial. O pluralismo sindical é o modelo adotado na França, na Espanha e na Itália, como nos informa Mascaro. [68]

Batalha define a pluralidade da seguinte forma:

" A pluralidade sindical consiste na permissão de várias entidades, na mesma base territorial, exercerem a representação da mesma categoria, disputando – se qual sindicato mais representativo, ou as condições para uma participação proporcional na representação da categoria."

Para Evaristo de Moraes Filho temos pluralidade sindical quando mais de um sindicato representa a mesma profissão, pois para o autor a profissão é o critério de agrupamento ou de enquadramento sindical comumente adotado pela maioria das legislações mundiais. [69]

Um outro conceito que merece ser apresentado vem a ser o da unidade sindical. Esta significa a existência de somente uma entidade sindical, representativa de um grupo, na mesma base territorial, mas não por imposição do Estado, e sim, decorrente da vontade das pessoas.

José Carlos Arouca afirma que a unidade sindical, como ideal, seria conquistada pela conscientização dos trabalhadores, sem que fosse imposta por lei. [70]

Para Mascaro a unidade não contraria o princípio da liberdade sindical. A liberdade pode ser usada para a unidade. É o que ocorre na Inglaterra e na Suécia. [71]Esta unidade, segundo o mesmo autor, pode desdobrar-se em diferentes níveis, dos quais o mais expressivo é o de cúpula, quando o movimento sindical voluntariamente se une em torno de uma só central sindical. Pode ocorrer, ainda a unidade em grandes sindicatos nacionais. [72]

Mas, sem dúvida alguma, as maiores divergências doutrinárias ocorrem quando o assunto é a conveniência ou não de se manter a unicidade sindical, prevista no inciso II, do artigo 8º, constitucional.

Um defensor histórico da unicidade é Evaristo de Morais Filho, que assim se posiciona :

"E, entre ficar a meio do caminho, fracionando, enfraquecendo os sindicatos, lançando a confusão na organização social, é bem preferível delinear–se desde logo o sindicato único, que sem prejudicar a liberdade dos interessados, desfaz desde logo todas as dúvidas." [73]

Sobre a pluralidade Evaristo se manifesta de forma, até certo ponto, exagerada ao dizer :

" Com a pluralidade, fomentaríamos a criação de pequenos sindicalóides oriundos de desavenças doutrinárias, ideológicas, políticas, confessionais, de interesses talvez desonestos de uma minoria de trabalhadores ou mesmo de parte do patronato. De qualquer maneira, a multiplicidade sindical enfraquece sempre a força da representação dos interesses profissionais, que passam a ter vários pequenos mandatários desavisados, ao invés de um único, grande e fortalecido pela confiança de todos. Qualquer pretexto pode servir para o separatismo sindical – vaidade ferida, desejos contrariados, intolerância confessional ou política – desunindo, como instituição, aquilo que como grupo social espontâneo, é um só: a profissão. Os sindicatos que nascem dessa desunião representam, em geral, de pontos de vista particulares do cisma, mas nunca os interesses gerais e abstratos de toda a classe. " [74]

José Carlos Arouca, também segue essa linha de pensamento, ao afirmar que a pluralidade, como exacerbação do individualismo, da liberdade e da democracia, quase sempre é um mal, necessário, pois fácil é perceber que desagrega os trabalhadores, enfraquecendo – os e por conseqüência lógica, inviabilizando sua ascensão como classe. [75]

Dos autores que combatem à unicidade, podemos citar Délio Maranhão, defensor da pluralidade, que assim leciona:

" Em uma sociedade democrática, a unidade do movimento sindical não deve ser legalmente imposta pelo Estado, mas resultar da unidade mesma do grupo profissional, principalmente, através de órgãos de cúpula, superando, por instrumentos, próprios, os conflitos de interesses que inevitavelmente existirão dentro dele. É o caso típico da unidade inglesa." [76]

Délio Maranhão entende, também, que a unicidade gera na classe operária um desinteresse natural pelo sindicato e que a pluralidade é uma conseqüência do próprio princípio da liberdade sindical. [77]

Roberto Barreto Prado, também declara-se defensor da pluralidade e apresenta seu ponto de vista da seguinte forma:

" Pluralismo não significa dispersão e desorganização dos sindicatos, mas sua distribuição nos locais mais carentes e que ofereçam possibilidades efetivas de êxito, de conformidade com os reclamos dos próprios moradores." [78]

O mesmo autor assim prossegue:

" O pluralismo sindical sempre tem como objetivo a prestação de serviços, ao passo que o monismo sindical fatalmente se transforma em poderosa alavanca político – partidária, como conseqüência do anacrônico sistema eleitoral do sufrágio universal direto, ainda vigente no Brasil, fomentador do governo demagógico das massas. A reforma do sindicalismo brasileiro é de urgência, devendo ser efetuado sem maiores delongas. " [79]

Apesar de ser defensor da liberdade sindical plena, Mascaro apresenta três mecanismos legais, que já existiam antes da Constituição Federal de 1988, e que podem flexibilizar o princípio da unicidade sindical [80]. O primeiro é a criação de categorias diferenciadas prevista pelo artigo 511, § 3º, da CLT, entendendo – se como tal a categoria constituída por pessoas que exercem uma mesma profissão. Por exemplo, os engenheiros.

O segundo mecanismo é a dissociação ou desmembramento de categorias ecléticas, assim caracterizadas porque são constituídas de atividades ou profissões específicas, mas também conexas ou similares. Nada impede que uma das atividades conexas ou similares se desmembre, passando a constituir uma categoria própria, específica. O art. 571 da CLT dá respaldo à dissociação.

O terceiro e último mecanismo é a divisão de base territoriais, nada obstando que uma base territorial nacional venha a ser dividida para que passe a existir, por exemplo, um sindicato estadual onde antes havia um sindicato nacional. Encontra fundamento na CLT, art.517, e na CF/88, art.8.º, II, segundo a qual a base territorial é definida pelos trabalhadores e empregadores.

Entendemos que o melhor caminho não seja a flexibilização da unicidade, e sim a sua supressão, através de reforma constitucional que venha a implantar no país o modelo baseado na pluralidade, que sem sombra de dúvida, é expressão do próprio principio da liberdade sindical. A melhor opção para o Brasil é a pluralidade. Não acreditamos que com a pluralidade os sindicatos de trabalhadores venham a se enfraquecer. Pelo contrário, abrindo a possibilidade de se criar mais sindicatos para a defesa dos interesses de um determinado grupo, em uma mesma base geográfica, será permitido ao trabalhador, ou empregador, se filiar ao sindicato que quiser. A liberdade de escolha favorece a liberdade de associação. Nada impede, também, que com a pluralidade venhamos a atingir a unidade sindical, que realmente, seria o ideal. Na realidade, somos favoráveis a implantação da liberdade sindical plena no Brasil, com a ratificação, inclusive, da Convenção n. 87 da OIT, para que trabalhadores e empregadores, especialmente os primeiros, venham a decidir pela forma mais conveniente de sua organização.

2 – Base territorial mínima

A segunda restrição à liberdade sindical de organização é a base territorial mínima ( inc.II, art.8.º), que não pode inferior a um município. Com esta regra fica inviabilizada a criação de sindicatos em distritos, bairros e empresas. Mas, diferentemente do que ocorria antes de 1988, onde quem definia a base territorial era o Ministro do Trabalho, os trabalhadores e empregadores é que passaram a eleger a base. O problema é que essa escolha não pode ser inferior a área de um município.

Roberto Barreto Prado critica esse regramento, afirmando :

" Em uma cidade grande há muitas categorias profissionais e empresariais, comportando grande número de correspondentes sindicatos. O que se quer é a aproximação do sindicato ao ambiente de trabalho. É por essa razão que nossa preferencia recai sobre os sindicatos distritais, a fim de que possam eles exercer suas importantes atividades com maior eficiência. " [81]

José Carlos Arouca entende que num regime de unicidade sindical como o nosso, a especificação da base territorial assume importância extraordinária, até porque define não só o âmbito de atuação, mas, também, a extensão da representatividade. Deste modo, a base territorial do sindicato tem como área mínima o limite de um município, ficando vedada, assim, a associação distrital, que, aliás, não teve significado prático. Mas, poderá ser intermunicipal, interestadual e até nacional sem depender de licença do Ministro do Trabalho. [82]

Com relação ao assunto podemos mencionar também uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, baseada no no inciso II, do art.8.º da CF/88 :

" Sindicato – Base territorial - Desmembramento – Anulação de Registro – Suspensão de Atividade. A vigente Constituição Federal assegurou liberdade sindical muito ampla, vedou ao Poder Público qualquer interferência ou intervenção na instituição e organização sindical, cabendo aos próprios interessados definir a base territorial. Ninguém é obrigado a filiar – se a sindicato ou nele permanecer, podendo qualquer categoria profissional desmembrar – se e instituir um novo que represente melhor seus interesses. Não se anula registro de sindicato que não padece de ilegalidade e não se suspende o direito do sindicato de continuar a exercer suas funções próprias em nome da categoria que, legalmente representa. " ( Rec. Especial n. 54.660 – 5, Rel. min. Garcia Vieira, julgamento de 26.10.94.)

O fato de os interessados poderem definir livremente sua base de atuação sindical, não quer dizer muita coisa, visto que, com a unicidade, não poderão criar mais de uma entidade representativa do grupo na mesma base geográfica. Também não se poderão organizar a partir das empresas, o que seria para nós bom caminho para fortalecer a classe operária.

3 – Representação por categoria

A terceira restrição à liberdade sindical de organização, prevista no inciso II, do art. 8º, é a chamada representação por categoria. Para entendermos melhor, vamos primeiro conceituar alguns termos. Representação significa o ato de representar, ou seja, de agir em nome de outrem, visando a defesa de seus interesses. Categoria significa um vínculo social básico que, de acordo com Mascaro, agrupa atividades ou profissões. "Profissão é o lado trabalhista, e atividade é o lado empresarial. Categoria econômica é o conjunto de atividades empresariais. Categoria profissional é o conjunto de atividades trabalhistas, de empregados ou outro tipo de trabalhadores. Há categorias trabalhistas de autônomos, agentes e profissionais liberais. As atividades que são reunidas numa categoria podem ser idênticas, similares ou conexas. Idênticas são as atividades iguais. Similares são as atividades que se assemelham, com o que numa categoria podem ser agrupadas empresas que não são do mesmo ramo, mas de ramos que se parecem como hotéis e restaurantes. Conexas são as atividades que, não sendo semelhantes complementam –se, como as atividades múltiplas destinadas à construção de uma casa. Categoria diferenciada é o grupo de trabalhadores de uma mesma profissão, por exemplo, engenheiros. Formarão um sindicato de profissão" [83], diz o autor ( Grifo nosso).

Wilson de Souza Batalha, afirma que o sindicato é constituído por categorias definidas em seus estatutos e que essas categorias devem ter um elemento de aglutinação, que pode ser constituída pela identidade dos trabalhos exercidos ou pela similaridade nas atividades empresariais em sentido vertical, ou finalmente, pela conexidade dos trabalhos exercidos ou pela conexidade das atividades empresariais em sentido horizontal ou vertical. [84]

No Brasil, os sindicatos somente podem representar categorias, por isso dizemos que a sindicalização no Brasil se dá de forma homogênea, e não heterogênea, como nos Estados Unidos, onde a união das pessoas em sindicatos é totalmente livre, ocorrendo por critérios estabelecidos pelos próprios interessados.

Os sindicatos podem ser horizontais, quando representam profissões, ou verticais quando representam pessoas de uma determinada atividade, seja por indústria ou por empresa. Na primeira, por indústria, leva – se em conta tanto trabalhadores quanto os patrões, já na segunda, somente trabalhadores, conforme nos ensina Brito Filho [85].

No setor privado, as regras referentes à sindicalização estão presentes no artigo 511 e parágrafos da Consolidação das Leis do Trabalho. Analisando o texto legal verificamos que o Brasil adota o modelo de sindicalização homogênea vertical por atividade, e não é prevista aqui a sindicalização por empresa, isto é, a união de trabalhadores de uma única empresa, como é tão comum nos Estados Unidos.

No setor público as regras são praticamente as mesmas, visto que o artigo 8.º da CF/88 deve ser aplicado de forma igualitária. Assim, os servidores públicos sindicalizam–se por atividade, levando – se em conta que seu empregador é o Estado. Podem, no entanto, formar diversas categorias, sempre considerando a atividade desenvolvida, o que acarreta a criação de diversos sindicatos, desde que respeitem a unicidade sindical e a base territorial mínima.

Entendemos que a sindicalizaçao por categoria é mais um resquício do corporativismo, pois impede a organização espontânea das entidades sindicais, além de impedir que trabalhadores possam se organizar a partir de seus locais de trabalho. Desse modo, fazemos nossas as palavras de Barreto Prado :

" A organização sindical brasileira não prevê sindicato de empregados de uma só empresa. Tais entidades sindicais seriam, naturalmente, as propulsoras de melhor colaboração dos empregados com seus empresários, eis que ambos exerceriam suas atividades na mesma organização. No sistema do pluralismo sindical não haveria nenhuma dificuldade para que se constituírem sindicatos deste tipo. " [86]

4.- O Sistema confederativo

Finalmente, a quarta restrição à liberdade de organização sindical refere- se à existência de um sistema rígido e inflexível de estruturação e representação sindical denominado de "sistema confederativo", cuja manutenção é prevista pelo inciso IV, do artigo 8.º da CF/88, e se dá por meio de contribuição sindical. Para uma melhor compreensão, a fim de tornar esta exposição mais didática, iremos, primeiramente, explicar como funciona a estrutura confederativa de nossa organização sindical, para após sim, falarmos acerca da contribuição sindical, contida no texto constitucional.

Esse sistema confederativo da representação sindical pode ser exemplificado como uma pirâmide, onde na base temos os sindicatos, acima destes, as federações, e acima destas, as confederações. As famosas centrais sindicais não possuem natureza de entidades sindicais; são, apenas, associações de natureza civil.

O termo sindicato, neste momento, deve ser entendido em sentido estrito, como a entidade que reúne trabalhadores ou empregadores numa determinada base, e que constitue o primeiro degrau do referido sistema.

As federações e as confederações são chamadas pela CLT, conforme o artigo 533, de associações sindicais de grau superior. As primeiras, são constituídas pela reunião de no mínimo cinco sindicatos ( art. 534, CLT), e têm base de atuação, via de regra, estadual. Já as confederações organizam – se a partir da união de três federações, e possuem alcance nacional, conforme o artigo 535.

Para Octávio Bueno Magano é incompatível com o artigo 5º da Convenção n.87 a legislação que exija um número mínimo de sindicatos e federações para a constituição de federações e confederações compostas de pessoas com diferentes atividades numa mesma localidade ou região. [87]

A competência das federações é coordenar os interesses dos sindicatos a ela filiados, não tendo, porém, direito de representá–los, como dispõe o § 3º do art. 534 da CLT. Da mesma forma, as confederações coordenam os interesses das federações filiadas, fazendo o agrupamento das atividades e das profissões em nível nacional.

A manutenção do sistema confederativo pela Constituição de 1988 é mais uma restrição à liberdade de organização sindical porque as entidades pertencentes ao sistema não podem criar vínculos entre si de forma livre. Devem, portanto, agrupar-se de forma homogênea, como vimos quando tratamos da representação por categoria. Em um regime de liberdade sindical plena, os sindicatos poderiam filiar–se à federação que bem entendessem, representante ou não da mesma categoria, e assim por diante.

O inciso IV, do artigo 8º, trata da contribuição sindical, na verdade, sua existência é que custeia financeiramente o sistema confederativo. Neste instante, vamos falar acerca dessa contribuição.

Primeiramente, voltaremos a transcrever o supracitado inciso, para um melhor entendimento:

" IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independente da contribuição prevista em lei; "

Numa atenta leitura do supracitado dispositivo verificamos que a Constituição de 1988 faz menção a duas formas de contribuição destinadas a manter o já combalido sistema confederativo. A primeira é a contribuição confederativa, prevista pela primeira parte do inciso, já a outra é a contribuição sindical, regida pela CLT (artigos 578 a 610), e que a Constituição manteve a cobrança. Vamos falar, em linhas gerais apenas, dessas duas modalidades de arrecadação.

A contribuição confederativa não pode ser considerada violação ao principio da liberdade sindical, visto que é devida somente pelos associados dos sindicatos, sendo fruto de deliberação interna da assembléia geral, órgão máximo das entidades sindicais de 1º grau. Quem contribui é o filiado ao sindicato. O não -filiado não é obrigado a contribuir. Esse entendimento é encontrado em diversas decisões do Supremo Tribunal Federal, como esta que citamos abaixo, no processo RE 302513, em que foi o Relator o Ministro Carlos Velloso e que apresenta a seguinte ementa :

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: JULGAMENTO PELO RELATOR. CPC, art. 557, § 1º-A. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO IMEDIATO DE OUTRAS CAUSAS, EM QUE VERSADO O MESMO TEMA, PELOS RELATORES OU PELAS TURMAS. SINDICATO. CONTRIBUIÇÃO INSTITUÍDA PELA ASSEMBLÉIA GERAL: CARÁTER NÃO TRIBUTÁRIO. NÃO COMPULSORIEDADE. EMPREGADOS NÃO SINDICALIZADOS: IMPOSSIBILIDADE DO DESCONTO. C.F., art. 8º, IV. I. - Legitimidade constitucional da atribuição conferida ao Relator para arquivar, negar seguimento a pedido ou recurso e a dar provimento a este - RI/STF, art. 21, § 1º; Lei 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557, caput, e § 1º-A - desde que, mediante recurso, possam as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado. Precedentes do STF. II. - A contribuição confederativa, instituída pela Assembléia Geral - C.F., art. 8º, IV - distingue-se da contribuição sindical, instituída por lei, com caráter tributário - C.F., art. 149 - assim compulsória. A primeira é compulsória apenas para os filiados do sindicato. III. - Agravo não provido." [88]

O próprio Supremo Tribunal Federal, já firmou esse entendimento, através da súmula 666, que dispõe :

" A contribuição confederativa de que trata o art. 8.º, IV, da Constituição, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo."

Sobre a contribuição sindical, temos a dizer, primeiramente, que ela é compulsória. Isto significa dizer que todos os membros da categoria, seja esta profissional ou econômica, são obrigados a contribuir. Todos os empregados e todos os patrões são obrigados a contribuir. Por isso, podemos afirmar que sua existência é mais uma contradição de nosso modelo sindical, pois de um lado garante a liberdade de filiação, desfiliação e não- filiação ( inciso V, artigo 8º), mas de outro não garante a liberdade de não – contribuição. Revela–se, portanto, como mais uma afronta ao princípio da liberdade sindical, apregoado pela Convenção n.87 da OIT.

Roberto Barreto Prado entende que a contribuição sindical existente no Brasil, centralizada e exageradamente sujeita a fiscalização e direção do Ministro do Trabalho, se adapta, perfeitamente, ao sistema da unicidade sindical, em vigor no país. [89] " Praticamente impede que as associações profissionais regularmente registradas postulem a investidura sindical. Favorece a constituição do monopólio sindical, com todas as suas conseqüências, a serviço dos interesses coletivos das categorias representadas, " [90] diz o autor.

Orlando Gomes e Elson Gottschalk afirmam que a contribuição sindical representa, no fundo, uma deformação legal do poder representativo do sindicato. [91] "Baseado numa fictícia representação legal dos interesses gerais da categoria profissional ( artigo 158, da Carta de 1937 ) atribuiu – se, por lei, ao sindicato, os recursos tributários impostos pelo próprio Estado, à guisa de estar legislando em nome do sindicato. Daí dizer – se que o mesmo tem poderes de impor contribuições a todos os que pertencem às categorias econômicas e profissionais ( letra e, art. 513, CLT)" [92], dizem os autores.

Por tudo o que foi mostrado, principalmente pela opinião dos doutrinadores e da jurisprudência, a manutenção do sistema confederativo e da contribuição sindical compulsória constituem resquícios de um sistema corporativista, totalmente incompatível com um sistema baseado na liberdade, que se pretende um dia alcançarmos neste país.

b) Liberdade de exercício das funções

Esta liberdade refere – se ao fato de as entidades sindicais, em sentido amplo, poderem eleger livremente a melhor forma de cumprirem suas funções institucionais, visando a defesa da categoria representada. O modelo sindical previsto na Constituição de 1988 apresenta uma restrição a esta liberdade quando, no inciso VI, dispõe que é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho. Segundo Brito Filho [93], a competência normativa da Justiça do trabalho, prevista pelo artigo 114 da Constituição, também pode ser considerada como uma restrição a esta liberdade.

Vamos falar primeiro da restrição contida no inciso VI, do artigo 8,º constitucional. Sobre o assunto Roberto Barreto Prado, assim leciona :

" Embora tenha expressamente reconhecido as convenções e acordos coletivos ( alínea XXVI, do artigo 7º), precipitou – se o legislador constituinte desnecessariamente em tornar obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho ( alínea VI do art. 8.º). Uma vez que se admite, com apoio em lei expressa, a celebração de acordo ou convenção coletiva efetuada diretamente pela empresa com seus empregados. Torna – se inócua a exigência legal.

Os sindicatos tem o direito de representar os membros de sua categoria profissional nas convenções e dissídios coletivos, mas não com exclusividade. A prerrogativa que se reconhece às empresas não pode deixar de ser respeitada. Trata – se de faculdade conferida ao sindicato, mas nunca de monopólio que atentaria contra direitos de terceiros." [94]

No modelo sindical brasileiro o sindicato possui, na realidade, o monopólio da negociação coletiva, conforme mostramos acima, o que impede que outras entidades sindicais, como federações, confederações e até mesmo centrais sindicais, possam participar do processo de negociação e assim, conseguir melhores resultados para seus representados, especialmente os trabalhadores.

Sobre a outra restrição, a competência normativa da Justiça do Trabalho, o problema que surge, segundo Brito Filho, é que ela desestimula a solução de conflitos pelos meios autocompositivos; interfere no livre exercício do direito de greve; ajuda a perpetuar um modelo de sindicalização ultrapassado e, por fim, nada soluciona. [95]

Pelo exposto, cremos que ficou claro porque nosso modelo é contraditório. No próximo capítulo iremos discorrer sobre as diversas propostas de mudança do modelo e procurar apontar a melhor para o Brasil.

Sobre o autor
Márcio de Almeida Farias

bacharel em Direito no Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS, Márcio Almeida. O modelo sindical brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 665, 2 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6665. Acesso em: 23 dez. 2024.

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