INTRODUÇÃO
Compliance é um “conceito que provem da economia e que foi introduzido no direito empresarial, significando a posição, observância e cumprimento das normas, não necessariamente de natureza jurídica.” [1]
O setor de compliance deve ter uma visão ampla e sistêmica, com a função de assessorar e orientar as áreas de negócios, atuando de forma preventiva na orientação sobre procedimentos, operações e produtos, e de forma reativa na adequação de procedimentos assegurando a correta remediação quando constatado o risco ou a pratica ilegítima.
A corrupção nas organizações privadas é um fenômeno sistêmico, e sob a visão da ética empresarial, o compliance é entendido como a reflexão sobre as causas e a mitigação e prevenção da fraude e da corrupção organizacional, bem como a promoção de ambientes éticos.
Assim, vemos que a percepção ética individual dos colaboradores reflete diretamente na gestão das organizações, devido a existência de dilemas éticos que, de forma rotineira, devem ser solucionados, e cujas decisões geram diversas consequências não só para os indivíduos que as tomam, mas para a imagem da empresa, para seus clientes e para a sociedade em geral.
Por essa razão, as empresas são orientadas a adotar mecanismos de controle interno e de divulgação de temas relacionados à ética, sendo o compliance indispensável na prevenção à corrupção organizacional.
De forma pioneira em 1977 foi editado nos Estados Unidos o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) com a finalidade de aplicar sanções a pessoas físicas e jurídicas norte americanas que praticassem atos considerados de corrupção em território americano ou fora dele. Dessa forma, os Estados Unidos foram o celeiro dos programas de compliance atraves de uma corregulação estatal e privada que Sieber [2] denominava de “sistemas autorreferenciais de autorregulação”.
Segundo Petrelluzzi e Rizek Junior [3] na obra “Lei Anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata”, a edição da legislação citada decorreu da preocupação norte americana de que o pagamento de propinas a agentes publicos seria algo que desvirtuaria a concorrência e violaria as leis do mercado, atingindo os fundamentos do regime capitalista.
Com a edição da Lei Anticorrupção e sua Regulamentação no Brasil, cresceu a importância dos programas de compliance nas empresas. Mais do que isso, cresceu a importância de programas de compliance efetivos, já que temos visto no âmbito da Operaçao Lava Jato empresas que apresentavam programas de fachada ou inefetivos, resultando na imposição de vultuosas sanções.
Wormser, citado por Marlon Tomazete [4] acentua que “a pessoa juridica deve ser usada para propósitos legítimos e não deve ser pervertida”. Nesses casos, prevê a legislação que poderá a autoridade competente decretar a desconsideração da personalidade juridica para que os efeitos do ilícito ultrapassem aquela personalidade que pode ser fraudulenta.
PROCESSO ADMINISTRATIVO: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURIDICA.
A doutrina especializada entende que os princípios da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos são as bases para que a administração publica possa decretar a desconsideração da personalidade juridica de sociedades constituídas com abuso de forma e fraude a lei, devendo essa sanção ser estendida para as demais pessoas jurídicas criadas para essa finalidade.
O principio da moralidade indica que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, alem de estar em consonância com a lei, deve respeitar a moral, as regras de boa administração, alem dos ideias de justiça e honestidade.
Já o principio da indisponibilidade do interesse publico representa a garantia de que os interesses próprios da coletividade não são disponíveis por quem os administra, sendo vedado à autoridade administrativa deixar de tomar as providencias relevantes ao interesse publico.
Apesar do impacto e das inovações trazidas com a edição da Lei Anticorrupção, desde outrora temos dispositivos legais que autorizam a aplicação da teoria da desconsideração da pessoa juridica como a Consolidação das Leis do Trabalho; o Codigo Tributario Nacional; a Lei dos crimes de sonegação fiscal; a Lei de Repressão ao Abuso de Poder Econômico; a Lei das Sociedades Anônimas, entre outras.
O grande diferencial da Lei 12.846/2013 é que previu expressamente em seu artigo 14, inaugurando no ordenamento jurídico brasileiro, a possibilidade expressa e positivada de desconsideração administrativa da personalidade juridica.
Petreluzzi e Rizek Junior [3] destacam bem essa inovação:
“A nota distintiva da previsão do art 14 da lei 12846/2013 é a de que, aqui, trata-se de desconsideração da personalidade juridica ainda em âmbito do processo administrativo, portanto, independentemente de previa analise judicial, para a aplicação das sanções previstas no art 6 do estatuto.”
Dessa forma, fica expressa a possibilidade da desconsideração administrativa, independentemente da manifestação judicial, graças a chamada auto executoriedade dos atos administrativos, garantida à sociedade acusada o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo.
Torna-se assim indispensável a constatação e comprovação do abuso e da fraude da entidade acusada para a decretação do instituto em tela.
Nesse sentido Marçal Justen Filho [5]:
“Nada impede sua aplicação no âmbito do Direito Administrativo desde que adotadas as cautelas cabíveis e adequadas. Não se admite que se pretenda ignorar a barreira da personalidade juridica sempre que tal se revele inconveniente para a administração. (...) E a desconsideração deve ser precedida de processo administrativo especifico em que sejam assegurados a ampla defesa e o contraditório a todos os interessados.
Importante destacar que nosso ordenamento jurídico em varias situações institui e regula a responsabilização direta dos sócios, situações que não podem ser confundidas com a desconsideração da personalidade juridica. Nesses casos a lei prescreve a sujeição dos sócios, sem a necessidade da desconsideração da pessoa juridica da qual são membros.
Ana Caroline Santos Ceolin [6] faz importante observação a respeito:
“Malgrado a igualdade finalística, os institutos da desconsideração da pessoa juridica e da responsabilidade pessoal dos administradores não se confundem e devem ser amplamente diferenciados.”
O instituto da desconsideração tem dupla funcionalidade pratica, por um lado quando desestimula as fraudes e abusos de direito, e de outro quando prestigia a pessoa juridica honesta reafirmando a independência entre as personalidades, da pessoa e de seus sócios. Na aplicação do instituto, confunde-se a pessoa juridica com a de seus membros, de sorte que estes respondem pelos comportamentos daquela.
Não adiantará aos sócios de pessoa juridica punida criarem outra sociedade para contornar a punição já que esta responderá como se fosse aquela, restando ela impedida de participar do procedimento especifico. Destarte, se aquela estava impedida de licitar, esta também estará, pois com a desconsideração, a punição seguirá os sócios originais.
Destaque-se que a desconsideração da pessoa juridica é momentânea e unicamente para o caso que lhe deu origem, não estendendo para outras situações e fins. Novamente, não se trata de despersonalização, mas sim de desconsideração.
O Superior Tribunal de Justiça [7] se manifestou sobre o tema no seguinte sentido:
“A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administraça, com o objetivo de burlar a aplicação de sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude a lei de licitações, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade juridica para estenderem-se os efeitos da sanção administratia a nova sociedade constituída”
Os efeitos, em suma, impedem a nova sociedade, a sociedade de fachada, de participar de certa licitação ou de determinada contratação direta ou de inscrever-se nos cadastros dos órgãos públicos.
Finalizando, apesar de não ter aplicação especifica na Lei Anticorrupção, uma inovação que tem ganhado força junto as cortes superiores é a chamada desconsideração inversa, que imputa à sociedade responsabilidade por obrigações não cumpridas pelos sócios.
Pela desconsideração inversa é afastado o principio da autonomia patrimonial da pessoa juridica para responsabilizar a empresa por divida contraída pelo sócio, quando esse claramente se utiliza daquela para furtar-se de suas obrigações.
Fábio Ulhôa Coelho [8] destaca que, “desconsideração inversa é o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio”
O Superior Tribunal de Justiça [9], em sede de Recurso Especial se manifestou sobre o tema:
(...) a desconsideração inversa da personalidade juridica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente ao que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir, então, o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa juridica por obrigações de seus sócios ou administradores.
CONCLUSÃO
Concluindo, podemos constatar que o ato administrativo de desconsideração da personalidade juridica de sociedade empresaria, quando essa age com comprovado abuso de direito e fraude, não gera qualquer supressão de direito da empresa investigada e sim, na verdade, apenas o restabelecimento da ordem normal da relação, com a garantia de que sera garantida a justiça e honestidade na relação viciada.
REFERENCIAS:
[1] Joachim Vogel - Ludwig-Maximilians-Universität - Munique
[2]SIEBER, Ulrich. Programas de Compliance no direito penal empresarial: u novo conceito para o controle de criminalidade econômica. Tradução por Eduardo Saad-Diniz, São Paulo: LiberAs, 2013
[3]PETRELLUZZI, M. V.; RIZEK JUNIOR, R. N. Lei Anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014.
[4]TOMAZETTE, Marlon (A Desconsideração da Personalidade Jurídica: a Teoria, o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil ,in RT 794:76)
[5]JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16a ed. São Paulo: RT, 2014.
[6]CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na Aplicação da Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica. Belo Horizonte. Ed. Del Rey. 2002
[7]BRASIL, STJ, RMS 15.166/BA, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2003, DJ 08/09/2003
[8]COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1999.
[9]BRASIL, STJ, REsp 948.117 MS STJ 2010