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Responsabilidade Objetiva em Processo Administrativo Sancionador

Agenda 06/06/2018 às 13:05

A Lei Anticorrupção previu de maneira expressa a responsabilização objetiva da pessoa juridica que praticar ilícito previsto na lei. O tema é controverso pela natureza da norma e da sanção aplicada.

INTRODUÇÃO

A definição de Compliance provem da Economia e foi introduzido no Direito Empresarial para representar a observância e o cumprimento de normas de governança, pautados pela ética e pela boa pratica.

De forma pioneira, em 1977 foi editado o nos Estados Unidos o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), com a finalidade de aplicar sanções a pessoas físicas e jurídicas norte americanas que praticassem atos considerados de corrupção em território americano ou fora dele. Dessa forma, os Estados Unidos foram o celeiro dos programas de compliance através de uma corregulação estatal e privada que Sieber [1] denominava de “sistemas autorreferenciais de autorregulação”.

Segundo Petrelluzzi e Rizek Junior na obra “Lei Anticorrupção: origens, comentários e analise da legislação correlata” [2], a edição da legislação citada decorreu da preocupação norte americana de que o pagamento de propinas a agentes publicos seria algo que desvirtuaria a concorrência e violaria as leis do mercado, atingindo os fundamentos do regime capitalista.

O Brasil, apesar de afetado pela legislação e pelas orientações internacionais, em parte incorporadas ao ordenamento nacional, apenas em 2014 conseguiu concretizar o que Juliano Heinen [3] chamou de “sistema nacional de combate a corrupção ou sistema legal de defesa da moralidade”, com a edição da Lei 12.846/13, que se somou a 8429/92 alem de outras de menor relevância para o tema.

Para mensurar a importância da lei 12.846/13, em 2007 foi feita uma avaliação no ordenamento jurídico brasileiro, baseada na Convenção OCDE, onde os examinadores recomendaram que o Brasil aumentasse os esforços na prevenção do suborno estrangeiro bem como na responsabilização das pessoas jurídicas. Já em maio de 2014, os representantes da OCDE estiveram no Brasil novamente e concluíram que o Brasil evoluiu positivamente, destacando a aprovação da lei 12846/2013.

Com destaque para a imposição de graves sanções administrativas para as empresas infratoras, que podem alcançar 20% do faturamento bruto da mesma sem prejuízo do ressarcimento do dano apurado, a normativa Anticorrupção é um marco no combate a esse tipo de conduta.

Marco Vinicio Petrelluzzi e Rubens Rizek Junior [2] destacam que na lei 12.846/13 a responsabilidade civil e a responsabilidade administrativa são complementares, atingindo a conduta que implica dano por um lado, e afronta a princípios da administração publica por outro.

O professor Modesto Carvalhosa [4] é rígido na analise da lei ao destacar seu caráter sancionador:

“A presente lei tem nítida natureza penal. Com efeito, as condutas ilícitas tipificadas e os seus efeitos delituosos tem substancia penal, na medida em que se justapõem na esfera propriamente penal (...) Assim, a presente lei somente se distingue da Lei Penal quanto ao processo e não quanto a sua substancia. Em consequência, devem rigorosamente ser observadas as garantias penais, como tem sido reconhecido pelo STJ ao tratar dos processos administrativos sancionatórios.”.

PROCESSO ADMINISTRATIVO: RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Destaque da legislação em voga, no qual iremos nos debruçar, a forma como serão conduzidos os processos administrativos sancionadores, principalmente no que se refere à controversa responsabilidade objetiva da empresa pela conduta corrupta de seus funcionários é de suma importância para uma aplicação justa e incontestável.

Contextualizando, o ordenamento nacional tem por regra a responsabilidade subjetiva, ou seja, responsabilidade que depende da apuração da culpa por imprudência, negligencia ou imperícia. Já a responsabilidade objetiva, apesar de prevista em lei, decorre da Teoria do Risco, bastando que exista ação do agente, dano e nexo causal para configurar a responsabilização.

A responsabilidade objetiva foi incorporada ao ordenamento pela própria Constituição Federal, sendo regra para as relações envolvendo as pessoas jurídicas de direito publico, bem como as de direito privado quando prestadoras de serviços públicos, entre outras poucas situações devidamente especificadas em lei.

O art. 2º da Lei n. 12.846/2013 portanto inovou e introduziu no ordenamento jurídico expressamente a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica por atos que caracterizem ilícitos administrativos.

Importante destacar que o processo administrativo é independente do Judicial, sendo processado diretamente pelos órgãos da Administração Publica, com as garantias legais inerentes a todos os processos com finalidade sancionatória. Mesmo a independência sendo a regra, o artigo 18 da Lei Anticorrupção destaca que a responsabilidade administrativa não afastara a responsabilização judicial quando cabível.

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No plano do Direito Administrativo Sancionador, a culpabilidade da pessoa jurídica remete a evitabilidade do fato e aos deveres de cuidados objetivos que se apresentam encadeados na relação causal. Portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva basta que alguém pratique o ato lesivo, no interesse ou beneficio da pessoa jurídica, podendo esse alguém ser dirigente, gestor, preposto, empregado ou até terceiro que represente a pessoa jurídica.

Sidney Bittencourt [5] em seus “Comentarios à Lei Anticorrupção destaca:

“(...) para que a pessoa jurídica seja responsabilizada, não sera necessário que tenha agido com culpa. Bastaria que fique evidenciado que seus administradores ou dirigentes praticaram, no interesse ou beneficio da mesma, as condutas ilícitas elencadas na lei e que delas decorreram danos ao erário. (...) Evidentemente, a responsabilização da pessoa jurídica dar-se-á, quase sempre, após a identificação dos prepostos envolvidos (pessoas físicas).(...) Para fins de responsabilização, é suficiente, portanto, a comprovação do ato de corrupção e o nexo de causalidade entre ele e a pessoa jurídica”.

Caso esse nexo não fique comprovado, seja porque não há qualquer vinculo de representação do agente acusado com a pessoa jurídica, seja porque o agente não agiu no interesse na empresa e sim em interesse próprio distinto das finalidades da pessoa jurídica, restara descaracterizada a responsabilidade. Isso porque, nesse caso, ficara demonstrado tratar-se de um ato de vontade exclusiva do agente, no interesse e beneficio do próprio.

“Essas circunstâncias demonstram, no entanto, que a instituição de responsabilidade objetiva para a pessoa jurídica não importa em “absolutização” de sua culpabilidade. Em verdade, ocorre uma “objetivização” do elemento subjetivo da culpabilidade em favor da ideia de causalidade entre conduta e dano, o que se revela como a proposta mais adequada de responsabilização desses entes fictícios, destituídos de consciência e vontade própria.”[6]

Em outro trabalho, Fabio Medina Osorio [7] se manifestou contrario a responsabilidade objetiva prevista na lei anticorrupção, advertindo que a lei ostenta natureza punitiva e deve submeter-se ao regime jurídico do direito administrativo sancionador e que, nesse sentido, não seria cabível falar em responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas para fins de imposição de penalidades administrativas, cabendo ao acusador o ônus da prova, que não pode ser invertido.

Como forma de atender aos requisitos legais, principalmente quanto a exigência de que os atos sejam praticados no interesse ou beneficio da pessoa juridica, o processo administrativo com o objetivo de apurar a responsabilidade objetiva da pessoa juridica deve ficar sobrestado ate que se comprove efetiva ocorrência dessa e das outras exigências legais. Assim, só se configurara a responsabilidade objetiva da pessoa juridica se seu preposto tiver efetivamente cometido alguma infração, e desde que a infração tenha revertido favoravelmente em seu interesse ou beneficio.

Nesse mesmo sentido o professor Carvalhosa [4] destaca com propriedade:

“Deve, assim, ser pressuposto da condenação o interesse da pessoa juridica no resultado de tais ilícitos. (...) Tanto assim que deve ficar demonstrado que a pessoa juridica: (i) conduziu proativamente na produção de tais delitos de corrupção, mesmo que essse tenham sido praticados por terceiros que não integre seus quadros; ou que (ii) instigado a pratica do delito corruptivo por iniciativa dos agentes públicos, nada fez para coibi-los, estabelecendo o concurso da pratica de ato corruptivo, tal como ocorre na hipótese de concussão.

Finalizando, e preparando o assunto para um artigo especifico, pode-se deduzir da analise dos elementos do artigo 7º da Lei 12.846/13, que a aplicação efetiva de mecanismos internos de integridade e compliance pode produzir a ruptura do nexo de causalidade da responsabilização desde que comprovada sua efetividade.

REFERENCIAS:

[1]SIEBER, Ulrich. Programas de Compliance no direito penal empresarial: u novo conceito para o controle de criminalidade econômica. Tradução por Eduardo Saad-Diniz, São Paulo: LiberAs, 2013

[2]PETRELLUZZI, M. V.; RIZEK JUNIOR, R. N. Lei Anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014.

[3]Heinen, Juliano. COMENTÁRIOS À LEI ANTICORRUPÇÃO LEI NQ 12.846/2013. Editora Forum. 2015

[4]CARVALHOSA, Modesto (Org.). Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: lei nº 12.846 de 2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015

[5]BITTENCOURT, Sidney. Comentários à Lei Anticorrupção: Lei n° 12.846/2013, 2 ed. rev. atua. ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015:

 [6] Ortolan, Marcelo. Revista Justiça e Sistema Criminal, v. 8, n. 14, p. 151-166, jan./jun. 2016

[7] MEDINA OSÓRIO, Fábio. Direito Administrativo Sancionador. 4. ed. São Paulo: RT, 2011; MEDINA OSÓRIO, Fábio. Direitos imanentes ao devido processo legal sancionador na constituição de 1988. In: MARTINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco (Org.). Constituição Federal: avanços, contribuições e modificações no processo democrático brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 149-166; MEDINA OSÓRIO, Fábio. Conceito e tipologia dos atos de improbidade administrativa. In: Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 50, out. 2012. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao050/Fabio_Osorio.html

Sobre o autor
Leonardo Henrique de Carvalho Ventura

Advogado. Especialista em Direito Ambiental e em Gestão Ambiental Municipal. Especialização em Direito Corporativo e Compliance. Extensão em Compliance na Lei Anticorrupção.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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