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Prisão em flagrante nos crimes de ação penal privada

Agenda 23/05/2005 às 00:00

            Após o episódio ocorrido no dia 13 de abril último, quando, no decorrer de uma partida de futebol, um jogador argentino teria ofendido a honra subjetiva de um jogador brasileiro, resultando na sua prisão, várias questões jurídicas foram discutidas, dentre elas, a possibilidade ou não da prisão em flagrante em crimes de ação penal privada.

            No caso citado, encerrada a partida, uma autoridade policial adentrou ao gramado do estádio do Morumbi, identificando o suposto autor das ofensas, dando-lhe voz de prisão e conduzindo-o até uma delegacia de polícia, onde fora indiciado e autuado em flagrante delito por crime de injúria qualificada pelo emprego de elemento referente à raça, artigo 140, § 2º do Código Penal. Uma vez que o tipo penal em questão prevê uma pena de reclusão, a autoridade policial não pôde arbitrar fiança, o que fora concedida posteriormente pela autoridade judiciária.

            O ocorrido acendeu uma velha rivalidade esportiva envolvendo os países da Argentina e do Brasil. Sem querer analisar o mérito dos fatos, uma vez que referida ação será decidida pelo Poder Judiciário, pretendo, aqui, discutir a respeito da possibilidade ou não de prisão em flagrante em crimes de ação penal privada.

            Em que pese entendimentos controvertidos, não vislumbro na legislação brasileira vigente qualquer dispositivo que impossibilidade a lavratura do ato coercitivo pela autoridade policial judiciária. Ora, analisando o atual Código de Processo Penal, é possível afirmar que a prisão em flagrante tanto pode ocorrer nos crimes de ação penal pública como nos de ação penal privada.

            Nos delitos de ação penal pública incondicionada, apresentada a notícia do crime coercitiva, a autoridade policial competente após adotar as providências pertinentes, decidindo pela prisão, deverá elaborar o auto de prisão em flagrante. Entretanto, nos crimes de ação penal pública condicionada, será necessário que o ofendido, ou seu representante legal, manifeste-se pela elaboração da peça coercitiva no próprio auto, para possibilitar à autoridade policial a formalização da peça coercitiva, uma vez que a representação é uma condição específica de procedibilidade, o mesmo ocorrendo nas hipóteses de requerimento do Ministro da Justiça.

            Com relação aos crimes de ação penal privada, do mesmo modo, nada impede que ocorra a prisão em flagrante. O artigo 301 do Código de Processo Penal, ao prever a hipótese desta medida cautelar coercitiva, não fez qualquer distinção entre crimes de ação penal pública ou privada. Fica claro que ocorrendo qualquer delito onde a autoridade policial decida pela ordem de prisão, não existe na lei qualquer impedimento ou exceção em relação aos crimes de ação penal privada, ou seja, pública ou privada, a prisão em flagrante poderá ser formalizada. Entretanto, quando se tratar de um delito de ação penal privada, a prisão do acusado somente poderá ocorrer se o ofendido, ou seu representante legal, requerer no próprio auto de prisão em flagrante a efetivação da segregação. Não se trata de representação, pois neste caso estaríamos diante de um crime de ação penal pública condicionada a ela.

            Sobre o assunto, o Tribunal de Justiça de Goiás decidiu em julgamento de "habeas corpus" que "a legislação pátria não veda a prisão em flagrante em qualquer espécie de infração, pois o artigo 301 do CPP não o distingue, referindo-se genericamente a todos que se encontrem em flagrante delito. Capturado, entretanto o autor da infração penal, deve ser ouvida a vítima ou seu representante legal para que se cumpram as formalidades legais." (1)

            A exigência da representação ou do requerimento do ofendido ou seu representante legal é necessária, uma vez que, sendo o auto de prisão em flagrante a peça inaugural do inquérito policial, os parágrafos 4º e 5º do artigo 5º do Código de Processo Penal exigem-na para que possa a autoridade policial instaurar o inquérito policial. Com isso, é razoável considerar que tais condições de procedibilidade devem ser exigidas na lavratura da peça coercitiva.

            Com efeito, Hélio Tornaghi definiu que "o flagrante é também ato inicial do inquérito, e se esse não pode sequer começar sem precedente requerimento ou representação do ofendido, segue-se que nos crimes de ação privada ou nos de ação pública dependente de representação a prisão em flagrante e a lavratura do respectivo auto dependem do consentimento anterior do ofendido. O mesmo acontece com a requisição do Ministro da Justiça ou de quem de direito, quando a lei penal a exige. (2)

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            No direito argentino, a legislação local conclui expressamente sobre a necessidade da manifestação do ofendido nos crimes que dependam de sua iniciativa para a apuração. O artigo 329 do Código Penal argentino dispõe que "Cuando se trata de delicto cuya acción depienda de instancia privada, la aprehensión procederá si el que pueda promover la acción declara ante el oficial o agente, presente en el lugar, su voluntad de denunciar" (Código Penal argentino, artigo 329). A mesma regra se encontra no artigo 380 do atual Código de Processo Penal italiano. (3)

            Porém, como nos crimes de ação penal privada a titularidade para propor a ação é do querelante, este "deverá oferecer queixa-crime dentro do prazo de cinco dias, após a conclusão do inquérito policial, que deverá estar concluído em dez dias, a partir da lavratura do auto." (4) Assim, a participação do Ministério Público ficará condicionada, a princípio, à fiscalização da lei, já que a ação penal será proposta e conduzida pelo querelante, através de seu procurador com capacidade postulatória.

            Com isso, podemos concluir que em qualquer crime de ação penal privada a fase inquisitiva será conduzida pela polícia judiciária, podendo ocorrer, inclusive, prisão em flagrante, enquanto que a ação penal somente poderá ser proposta pelo querelante.


Notas

            1

BRASIL. Tribunal de Justiça de Goiás. Prisão em Flagrante. Habeas corpus n. 11.599-3/217. Relator: Desembargador Juarez Távora de A. Coutinho, Goiânia, GO, 8 de junho de 1993. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 700, p. 375, fev. 1994.

            2

TORNAGHI Curso de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. v 2., p. 61, nota 12.

            3

TOURINHO FILHO, Processo penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. v 4, p. 430, nota 13.

            4

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 219.
Sobre o autor
Paulo Henrique de Godoy Sumariva

delegado de Polícia, professor universitário, especialista em Direito pela UNIRP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SUMARIVA, Paulo Henrique Godoy. Prisão em flagrante nos crimes de ação penal privada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 687, 23 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6759. Acesso em: 24 nov. 2024.

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