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A limitação dos juros remuneratórios após a revogação do §3º do art. 192 da Constituição Federal

Agenda 27/05/2005 às 00:00

Os juros remuneratórios, também chamados compensatórios, têm por fim remunerar o mutuante pelo uso do capital emprestado. Sua natureza é distinta dos juros moratórios, estes devidos em caso de inadimplência, com o objetivo de ressarcir o mutuante pela mora no cumprimento da obrigação.

Inúmeras ações judiciais são distribuídas, diariamente, com o objetivo de rever os encargos incidentes sobre débitos bancários, sob o argumento de que a atual prática dos juros representa uma distorção econômica que merece correção jurídica. Essa correção, no entanto, não mais virá pela via constitucional, já que a Emenda nº 40, de 29 de maio de 2003, revogou o parágrafo 3º do art. 192, da Constituição Federal.

Diante disso, cai por terra o argumento expendido em 100% das ações ajuizadas até então, no sentido de que o dispositivo constitucional teria eficácia plena e aplicação imediata. Mesmo antes do advento da Emenda nº 40, o Pleno do Supremo Tribunal Federa já havia afirmado que a disposição detinha eficácia limitada, não dispensando regulamentação específica (ADIn n° 4-7/DF, julgada em 07 de março de 1991) e, portanto, inaplicável.

Outrossim, na esfera infraconstitucional, persistem, a amparar o pleito de limitação dos juros, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Usura, a Lei da Reforma Bancária, cumulada com a Súmula 596/STF, e a Lei dos Crimes Contra a Economia Popular.

O Decreto nº 22.626, de 07 de abril de 1933, a chamada Lei de Usura, estabeleceu, em seu art. 1°, que é vedado "estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. n. 1.062)". Ou seja, o decreto proibiu a fixação de taxas de juros superiores a 12% ao ano, sendo nula qualquer disposição contratual contrária à lei (art. 11).

A Lei n° 1.521, de 26 de dezembro de 1.951, nominada Lei dos Crimes Contra a Economia Popular, tipifica o crime de usura, definindo-o como o ato de cobrar juros extorsivos, superiores à taxa permitida em lei, ou auferir lucro maior do que 20% do valor da operação. Para tais infrações penais, estipula a Lei pena de detenção de seis meses a dois anos, além de multa. Com isso, o conceito de prática usurária não mais se limita à mera cobrança de juros, passando a assumir caráter de cobrança ilegal do encargo.

Posteriormente, a Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1.964, chamada Lei de Reforma Bancária, dispôs competir privativamente ao Conselho Monetário Nacional a limitação das taxas de juros (art. 4º). Autorizado pelo art. 9° dessa mesma Lei, o Banco Central do Brasil editou a Resolução n° 389, de 15 de setembro de 1.976, autorizando os bancos a utilizarem livremente as taxas de mercado.

Decisões conflitantes entre Tribunais Estaduais instigaram a edição da Súmula 596 pelo Supremo Tribunal Federal, concluindo que a Lei de Usura não se aplica às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, liberando as instituições financeiras do limite instituído pelo Decreto nº 22.626.

Não obstante, a delegação da fixação da taxa de juros ao Conselho Monetário Nacional, operada pela Lei 4.595/64, pode ser questionada com base na Constituição Federal de 1946, vigente à época, porquanto o § 2°, do seu art. 36, vedava, de modo expresso, a delegação de atribuições entre os Poderes.

Conclui-se, portanto, que o Conselho Monetário Nacional não dispõe de poderes legislativos para inovar a ordem jurídica, dispondo, tão-somente, do poder regulamentar referido no art. 49, inciso V da Constituição Federal atual. Conseqüentemente, inconstitucional a Súmula n. 596 do STF, prevalecendo a tese da limitação dos juros.

O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, no seu art. 6°, inciso V, declara o direito básico do consumidor à modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, no que se enquadram as taxas de juros praticadas no mercado financeiro. É vedado, ainda, ao fornecedor de serviços bancários e creditícios, práticas consideradas abusivas, tais como exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva (art. 39). Além disso, são consideradas nulas as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas abusivas (art. 51).

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Em que pese todo o arsenal de que dispõe o consumidor de crédito, o Superior Tribunal de Justiça tem-se mostrado inquebrantável, no sentido de manter hígido o entendimento de que as instituições financeiras não se submetem às disposições do Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura) quanto à taxa de juros, nos termos da Súmula nº 596. Nesse sentido, os Recursos Especiais nº 258682/RS, 399716/RS e 500011/PR.

A contrario sensu, o mesmo Pretório admite que a limitação imposta pela Lei de Usura se aplique em contratos regidos por leis específicas, tais como o Decreto-lei nº 167/67, Decreto-lei nº 413/69 e pela Lei nº 6.840/80, que regem os mútuos rural, industrial e comercial, respectivamente. Consoante a jurisprudência, à falta de regulamentação específica pelo Conselho Monetário Nacional, não podem as taxas de juros sujeitar-se à vontade unilateral das instituições de crédito, que buscam precipuamente o lucro. O entendimento visa a evitar que mútuos de tais naturezas deixem de atingir o fim social a que se destinam (Recursos Especiais nº 181.313/RS e n.º 181.843/RS). Não se pode olvidar, no entanto, que tal entendimento se restringe aos chamados créditos incentivados.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, recentemente, tem-se mostrado sensível, em alguns casos, à situação do devedor, sob o fundamento de que a livre contratação de juros não é absoluta e, por isso, há que ser examinada caso a caso. Nesse sentido, as Apelações Cíveis nº 70003948932 e 70007875438.

Disso se infere que, não obstante revogado o dispositivo constitucional, o ordenamento jurídico infraconstitucional apresenta, ainda assim, força suficiente para levar a cabo o ideal da limitação dos juros.

Sobre a autora
Daniela Pitrez Correa de Barros

Assessora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Daniela Pitrez Correa. A limitação dos juros remuneratórios após a revogação do §3º do art. 192 da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 691, 27 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6774. Acesso em: 17 nov. 2024.

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