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A inteligência artificial no direito e os equívocos da OAB

Agenda 30/08/2018 às 15:00

A inteligência artificial é uma tecnologia muito incipiente e não disseminada em larga escala, mas com capacidade de crescimento iminente, sendo adotada em várias áreas da economia. Por que não usá-la no direito?

Não há como negar: a Inteligência Artificial chegou para ficar em todas as áreas da sociedade. E no mundo jurídico não é diferente. Há pelo menos cinco anos, dezenas de novas tecnologias estão transformando a forma de prestação do serviço jurídico dentro do balcão do Judiciário e na advocacia em geral intensamente.

Há quem resista, há quem critique e há até quem defenda a criação de mecanismos de proibição. Mas o fato é que a sociedade evolui e a inteligência artificial já faz parte do dia a dia das pessoas.  Dados da Internet Trends 2018 revelam que 50% da população mundial está online, sendo que 36% em redes sociais. E como o Direito vai ficar de fora dessa evolução?

Desde que o mundo é mundo que o Direito muda acompanhando as mudanças da sociedade. Foi assim com o direito de família, o direito homoafetivo, o direito trabalhista, o direito previdenciário, entre outras áreas. Por que agora ter tanta resistência para o uso de novas tecnologias?

É válido regulamentar para otimizar o mercado de trabalho, os direitos trabalhistas e adaptar os advogados a mudança, mas proibir ou limitar é inviável. Até o Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou recentemente que vai utilizar Inteligência Artificial, movimento que se espalha em diversos tribunais.  A verdade é que o uso da inteligência artificial no mundo jurídico vem provocando reduções drásticas no custo de manutenção de processos judiciais, mas apenas para grandes corporações e para o governo. Estes benefícios precisam ser ampliados para a população, a fim de ampliar o acesso à justiça.

A inteligência artificial, além de aliada da redução de mão-de-obra pouco qualificada e automação da produção em massa de peças processuais prontas conjugadas com o excesso de advogados jovens no mercado, provocou uma queda de até 1.700% no custo do processo.

Inteligência Artificial é uma área da ciência da computação que avança em todos os países, que trabalha na construção e elaboração de sistemas que simulam as capacidades de raciocínio humano, como perceber, desenvolver um pensamento e tomar decisões. Enfim, é responsável por gerar novas ideias úteis a partir de informações que foi submetida.

Ainda é uma tecnologia muito incipiente e não disseminada em larga escala, mas está com capacidade de crescimento iminente, sendo adotada em inúmeras áreas da economia e por que não usá-la no Direito?

Futuramente, a Inteligência Artificial poderá auxiliar fortemente os advogados na tomada de decisões, assimilando problemas práticos e processando informações rapidamente, gerando sugestões de solução para que os advogados possam decidir o que fazer.

A priori a Inteligência Artificial será uma ferramenta auxiliar do advogado.

No mundo todo as empresas e escritórios contratam muita tecnologia. O Brasil ainda está longe do patamar inglês em que 50% dos escritórios de advocacia já usam Inteligência Artificial. Pelo contrário, por aqui, 80% das bancas brasileiras não possuem sequer uma pessoa responsável para cuidar do tema inovação.

Polêmica da Valentina

Há alguns dias, a polêmica gerada pelo lançamento de marketing da Valentina - a robô do trabalhador -  causou frenesi imenso para a classe jurídica, mas qual o real motivo?

Primeiramente, cabe salientar que a Valentina não é dotada de inteligência artificial alguma. Ela é um simples chat bot (robô de chat) que inúmeras empresas e escritórios de advocacia já utilizam. Escritórios de advocacia que atendem bancos e companhias telefônicas, por exemplo, e realizam cobranças e renegociações, já utilizam chat bots até mesmo no telefone há pelo menos 10 anos.

Chat bot é um robô, mas não possui inteligência artificial nenhuma, apenas permite a construção de uma árvore de diálogo com perguntas em sequência, seja com alternativas pré-determinadas, seja com campos abertos. Em última análise, ele serve como um formulário animado, nada mais.

Há no mercado empresas que utilizam chat bots e robôs de envios automáticos de SMS e e-mails para automação de atendimento que já estão na carteira de clientes dos advogados. Também são utilizados robôs na advocacia para a extração automatizada de dados dos tribunais, sejam movimentações processuais e intimações judiciais em mais de 280 páginas de sites de consulta processual de tribunais do país, facilitando imensamente a vida dos advogados.

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O gerenciamento de escritórios também é apoiado pelos robôs no controle interno de cumprimento de prazos processuais e no registro automatizado de contas financeiras recorrentes e lançamentos financeiros de honorários recorrentes, inclusive com o envio automáticos dos boletos ou cobranças por cartões de crédito para clientes.

A polêmica gerada pela Valentina não tem, em última análise, relação nenhuma com a tecnologia, mas sim com publicidade ilegal contrário ao que prevê o Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Não é permitido pelo Código de Ética (que é uma Lei Federal) que empresas ou pessoas, sendo advogados ou não, ofereçam serviços jurídicos massivamente.

Criar a Valentina para geração de oportunidades de contratos advocatícios é uma jogada de marketing indevida e realmente neste ponto deve ser coibida pela OAB. Criar empresas ou artifícios para prospecção de clientes é contra o Código de Ética, pois o cliente precisa saber com qual advogado está contatando e qual a sua experiência e conhecimento no assunto.

O fechamento de contratos precisa ser personalíssimo, mesmo que se utilize de meios digitais e não tenha contato presencial, mas deve ser um contrato firmado diretamente com um advogado e não com auxiliares, sejam assistentes humanos ou robôs.

Assim, só podemos concluir que a tecnologia não é o problema, mas a captação indevida de clientes sim.

Tendência

Os maiores interessados em impedir a utilização da tecnologia para conectar cidadãos e advogados no Brasil para defesa dos direitos do consumidor, por exemplo, são as empresas de telecomunicações, pois são elas as principais fontes de litígios judiciais.

Recentemente, a OAB anunciou a criação de um grupo para fazer o trabalho de autorregulamentação do uso da inteligência artificial no exercício do Direito.

“É importante que a OAB possa regulamentar o assunto aproveitando que o tema ainda é incipiente e que boas diretrizes podem traçar um caminho harmônico entre os profissionais da advocacia e o desenvolvimento tecnológico. Não somos contra o desenvolvimento tecnológico e temos consciência de que ele é inexorável. Isso não quer dizer, no entanto, que vamos tolerar oportunistas que querem colocar a advocacia num papel marginal e subalterno através da massificação desordenada e desregrada dessas ferramentas”, declarou o presidente da OAB, Claudio Lamachia.

O recado passado pelo presidente da OAB -  que é nitidamente contrário à disseminação da tecnologia entre os advogados que defendem causas mais populares -  fica ainda mais claro quando nomeia o advogado José Américo Leite Filho como coordenador do grupo de Inteligência Artificial, que é também diretor jurídico da Federação Brasileira das Empresas de Telecomunicações (FEBRATEL).

Ora, as companhias telefônicas juntamente com os bancos são os maiores usuários de Chat bots do país, e usam ostensivamente essa tecnologia para deixar os usuários passando horas pendurados nas linhas telefônicas de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) enquanto demitiram massivamente milhares de trabalhadores de telemarketing com a adoção desta tecnologia.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou ao final de 2017 os dados sobre essas situações, afirmando que:

No campo do direito consumerista, a pesquisa constatou repetir-se uma conclusão obtida em estudos anteriores do próprio CNJ. Grande parte da litigância no Poder Judiciário envolve um número restrito de instituições – notadamente o Poder Público – quando se considera o conjunto da movimentação processual no Judiciário. Delimitada a abrangência da avaliação ao conjunto de processos movidos por consumidores, ficou comprovada a hipótese inicial dos pesquisadores. 

As demandas estão concentradas em torno de poucas empresas: os 30 maiores litigantes foram acionados em mais da metade dos 4,7 milhões de processos analisados no estudo. Em quatro dos sete tribunais pesquisados pela ABJ, dez empresas concentravam em 2015 metade dos processos movidos por consumidores insatisfeitos – um banco em especial aparece em todas as sete listas. 

Além dos bancos e das telefônicas, alguns setores se destacam nas listas de maiores litigantes. Concessionárias de serviços básicos (energia elétrica e água) e companhias de seguro figuram entre os três setores mais acionados em pelo menos dois rankings estaduais.  

Porém, o que a OAB faz?

Em vez de provocar o debate, a OAB vem atacando advogados e empresas que visam defender os cidadãos e coloca o representante do maior segmento que usa abusivamente a tecnologia contra os Direitos do Trabalhador e do Consumidor a “regulamentar” a questão para “prevenir o Direito brasileiro de oportunistas” (1).

Talvez a pressão dos departamentos jurídicos destas empresas intimamente interessadas nessa tecnologia surgem neste sentido, porém a reflexão se faz necessária. Vale lembrar que este ano tem eleição na OAB e quem pretende se eleger - ou reeleger -  deve dialogar com a classe, entender melhor os problemas enfrentados pela categoria e, principalmente, ajudar a criar mecanismos que facilitem a vida dos advogados e os ajudem na prospecção, não o contrário. A inadimplência nas OABs nunca esteve tão alta e a defesa das prerrogativas tão em segundo plano. Creio que os candidatos que utilizarem como bandeira a criação de barreiras para uso de ferramentas tecnológicas na advocacia podem estar dando um tiro no pé, sem contar que estão na contramão da evolução da sociedade. A melhor saída é o debate.

Nossa classe precisa compreender o movimento econômico e social que significa a transformação digital e impor restrições sim ao uso para redução da valorização dos advogados. Inteligência artificial vem para facilitar o trabalho técnico e viabilizar mais tempo para o advogado fazer o que mais importa: atender o cliente e fazer acontecer a paz social, por meio de uma compreensão mais adequada do Direito passado aos litigantes.

Por isso, se faz necessário ouvir os advogados e não só “alguns advogados”. É preciso lutar para que este grupo criado pela OAB tenha condão de garantir direitos, permitir e incentivar o acesso do advogado que atende a população às tecnologias mais de ponta que existem no mundo. Afinal de contas, o papel da OAB é trabalhar para a sociedade encontrar o equilíbrio social e econômico.

Só assim teremos um equilíbrio social no meio jurídico e não um atropelamento de direitos pelo governo, corporações e, principalmente, pela OAB.

A utilização imatura, porém significativa das novas tecnologias, que eventualmente não chegam ainda no nível de inteligência artificial, mas apenas de outras tecnologias mais simples, parece incomodar uma boa parte dos advogados conservadores.

Respeitando estes preceitos éticos, o uso da internet e da tecnologia deve ser disseminado, e acessível à toda sociedade, e a todos os cidadãos, especialmente os que tiveram seus direitos de consumidor ou trabalhistas atacados. Se há sobrecarga do Judiciário não é porque os advogados estão fazendo um bom trabalho, mas porque as grandes empresas e Governos estão desrespeitando os direitos dos cidadãos.

Fica claro que a tecnologia já contribuiu e contribui muito para a advocacia e todo o mundo jurídico.

Sobre o autor
Eduardo Koetz

Professor e Advogado. Especialista em Direito Previdenciário e Gestão e Marketing Jurídico Digital. Pós-graduado em Direito Trabalhista pela UFRGS e em Direito Tributário ESMAFE/RS. CEO da ADVBOX.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KOETZ, Eduardo. A inteligência artificial no direito e os equívocos da OAB. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5538, 30 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68169. Acesso em: 27 nov. 2024.

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