OS CRIME DE FURTO E DE ROUBO
O crime de furto cujo objeto de tutela jurídica é a propriedade e a posse, tem ação típica que consiste em subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel (artigo 155).
Em dispositivo censurável e heterotópico, o artigo 24, parágrafo único, do Anteprojeto de Código Penal prevê, contrariando jurisprudência do STJ, que a inversão da posse do bem não caracteriza, por si só, a consumação do delito. Discute‐se o momento consumativo do crime.
Sabe‐se que a consumação dos delitos de furto e de roubo é permeada por quatro diferentes teorias:
a) teoria da contrectatio, pelo qual a consumação se dá pelo simples contato entre o agente e a coisa alheia;
b) teoria da apprehensio ou amotio, segundo a qual se consuma esse crime quando a coisa passa para o poder do agente;
c) a teoria da ablatio, onde a consumação ocorre quando a coisa além de apreendida é transportada, mediante posse pacífica e segura de um lugar para outro;
d) a teoria da illatio exige, para ocorrer a consumação, que a coisa seja levada ao local desejado pelo ladrão para tê‐la a salvo.
A doutrina clássica da amotio, segundo o qual o furto se consuma com o deslocamento da coisa, do lugar em que estava situada, foi defendida por Carrara.
O Supremo Tribunal Federal (RTJ 155/194) já entendeu que se a coisa subtraída saiu da esfera de vigilância da vítima, está consumado o roubo próprio, pois este fato e a posse tranquila do objeto roubado, ainda que por breve tempo, dão a tônica entre o roubo consumado e o roubo tentado.
Para tanto, dizia Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume VIII, n. 23) que a doutrina clássica considerava que se após o emprego da violência pessoal não puder o agente, por circunstâncias alheias à sua vontade, executar a subtração, mesmo o ato de apreensão da coisa é simples tentativa. A consumação se dava com o deslocamento da coisa, mas de modo que esta se transfira para a posse exclusiva do ladrão.
Já se entendeu que há tentativa de furto no fato de o agente esconder em suas roupas a coisa que quer subtrair e é detido ao tentar passar pelo caixa de supermercado (RJDTACRIM 2/179, 6/78). Há tentativa se o agente não obtém a subtração uma vez que houve instalação de dispositivo antifurto no automóvel (RJDTACRIM 5/98).
Até meados de 1987, o Supremo Tribunal Federal adotava a teoria da ablatio, segundo a qual os requisitos para a consumação seriam: apreensão da coisa; afastamento da disponibilidade da vítima e posse tranquila do objeto.
Consoante o site meusitejurídico.com, entrou em vigor a Lei 13.654/18, que, em síntese, acrescenta no art. 155 do Código Penal duas qualificadoras relativas ao emprego e à subtração de explosivos e modifica dispositivos do art. 157. para estabelecer causas de aumento de pena para as situações que envolvam a subtração e o emprego de substâncias explosivas. Além disso, restringe a majorante relativa ao emprego de arma às situações nas quais seja utilizada uma arma de fogo e modifica a pena do crime de roubo qualificado pela lesão corporal grave.
A Lei 13.654/18 trouxe algumas alterações nos crimes contra o patrimônio previstos nos arts. 155. e 157 do Código Penal, entrando em vigor imediatamente.
Em relação ao furto (art. 155), foram acrescentados os parágrafos 4º-A e 7º:
§ 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
[…]
§ 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
Portanto, criou-se uma nova hipótese de furto qualificado (§ 4º-A) com uma pena altíssima de 4 a 10 anos. Nesse caso, essa pena mais elevada decorre da forma de execução (emprego de explosivo ou de artefato análogo) e do perigo criado. Essa evidentemente cria uma verdadeira desproporcionalidade na dosimetria da pena.
Por sua vez, o § 7º prevê uma figura qualificada que depende do objeto subtraído (e não da forma de execução), isto é, será aplicada a pena mais elevada se a subtração for de “substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego”.
Por sua vez dita o artigo 155, § 2º e § 3º:
2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
A expressão literal do parágrafo segundo já era objeto do Anteprojeto do Código Penal. Mas o que é pequeno valor da coisa furtada? É mais uma alternativa para diminuir a multidão de apenados que lota as Penitenciárias.
O parágrafo terceiro trata do chamado "gato" tão comum nas cidades.
Dita ainda o parágrafo terceiro do artigo 155 do CP:
§ 6º A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração (Incluído pela Lei nº 13.330, de 2016).
Tal é o caso do abigeato: trata-se de um tipo de crime de furto que envolve a subtração de animais de carga e animais para abate, no campo e fazendas.
Frequente nas regiões de fronteira, o abigeato gerou um prejuízo de um bilhão de reais só no Rio Grande do Sul, em 2014. No Mato Grosso do Sul, apenas em 2015, foram registradas cinquenta e uma ocorrências com mais de 1,5 mil animais furtados.
A matéria precisa de regulamentação em face do princípio da legalidade estrita.
O Código Penal de 1969, em seu artigo 164, § 6º, previa entre as qualificadoras do furto o abigeato, o furto de reses(cabeças de gado)deixadas em currais, campos ou retiros. O Código Penal de 1890 já previa, como espécie de furto agravado, a apropriação de animais de quaisquer espécies pertencentes à outrem, tirados dos pastos de fazenda de criação ou lavoura(artigo 331, 4º, § 1º), dispositivo alterado pela Lei 1221, de 11 de novembro de 1892, que alterou disposições daquele Código. Tal crime era severamente punido, observando-se que o Código Penal francês de 1971(artigo 270 previu a pena privativa de liberdade(de 4 a 6 anos de prisão). A palavra abigeato vem de ab e agere(mandar adiante), porque os ladrões em geral não carregam os animais, mas os tangem na direção que pretendem.
Quanto ao roubo o Código Penal de 1940 anota no artigo 157:
¨Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzindo a possibilidade de resistência.¨
Temos no roubo um crime complexo, sendo o objeto da tutela jurídica não só o patrimônio como ainda a liberdade individual e a integridade corporal, pois tais bens são atingidos pela ação delituosa.
Diversa a objetividade jurídica do crime de roubo com relação ao crime de furto(artigo 155 do código penal), onde a ação típica consiste em subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, que é tudo que pode ser transportado de um lugar para outro.
O roubo se distingue da extorsão. Existe no roubo a subtração, uma atividade do agente, enquanto que na extorsão há uma conduta da vítima em entregar a coisa; praticar um ato. Na extorsão deve haver para a vítima alguma possibilidade de opção; no roubo, tal não ocorre, pois a vítima é dominada pelos agentes e obrigada a entregar-lhes as coisas exigidas(RT 604/384). No roubo, o mal é a violência física iminente e o proveito é contemporâneo: na extorsão, que é um crime formal, Súmula 96 do STJ, o mal é de ordem moral, futuro e incerto, como futura é a vantagem a que se visa.
Fácil ver que não estamos diante da hipótese de aplicação do princípio da insignificância. No roubo, mais do que o valor apropriado, prevalece a extrema vilania da ação praticada pelo agente, a merecer a devida reprimenda. Nesse sentido, Recurso Especial 74.302, DJU de 20 de outubro de 1997, pág. 53.140.
Bem resumiu Júlio Fabbrini Mirabete(Manual de direito penal, parte especial, volume II, 25ª edição, São Paulo, Atlas, pág. 222.) que tratando-se de usos de meios que podem lesar seriamente bens jurídicos importantes, envolvendo a integridade física e a tranquilidade psíquica, não se pode considerar irrelevante tal fato para efeitos penais.
Questão controvertida surgia a partir do momento em que o agente usa uma arma de brinquedo para a consumação do crime de roubo.
Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, 7ª edição, 1983, pág. 267) critica jurisprudência, a seu ver incompreensível, segundo o qual o emprego de arma de um revólver de brinquedo é o bastante para configurar o crime de roubo qualificado (RT 411/282; 434/422; 455/434). Disse ele, em suas lições, que um revólver de plástico ou de papelão não é arma na realidade dos fatos, mas tão-somente uma errônea interpretação da vítima.
De toda sorte, é ônus processual da acusação trazer prova pericial que demonstre que arma usada no crime tinha potencial para causar lesão a integridade física.
Ademais, exigir-se-ia o efetivo emprego da arma, para poder intimidar, não caracterizando a qualificadora o simples porte (RT 685/336). Data vênia, basta, porém, que seja portada ostensivamente, como verdadeira ameaça implícita à vítima, configurando o crime de roubo qualificado (496:309).
A teoria objetiva defende que para o agravamento da pena é necessário que a arma utilizada tenha uma potencialidade objetiva de lesionar a integridade física da vítima, sendo mister demonstrar o perigo real proporcionado pela utilização da arma, que é um instrumento hábil a vulnerar a integridade física de alguém. Seria a arma de emprego tal instrumento?
Para os adeptos da teoria subjetiva, a qualificadora, como muitos penalistas a chamam, deveria ser aplicada em função do aumento do temor da vítima em relação ao objeto utilizado e que em virtude do desconhecimento por parte da vítima de sua natureza falsa, seria apta a ensejar a aplicação da causa de aumento da sanção. Ora, são conhecidos casos de diversas pessoas que sofrem essa agressão e passam a necessitar de cuidados psicológicos, após o crime, e, pela mera presença da arma, não importando se de brinquedo ou não, entregam seus pertences para salvar suas vidas. Assim o entendimento que se viu (JSTJ 36/407; 56/323, dentre outros).
Com esse entendimento foi editada a Súmula 174 do Superior Tribunal de Justiça, que veio a ser cancelada em 2001, após o julgamento do Recurso Especial 213.954 – SP.
Para os adeptos da teoria objetiva tal entendimento contrário contraria o princípio da proporcionalidade por tratar, de forma igual, o autor do roubo que utiliza arma de fogo e outro que se utiliza de um simulacro. Assim haverá apenas o crime de roubo sem haver o acréscimo da pena.
A isso se soma que com a vigência da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre o registro e porte de arma de fogo e define novos crimes não é mais incriminada a conduta de utilização de arma de brinquedo ou simulacro, que era antes prevista no artigo 10, § 1º, II, da Lei 9.437, já revogada.
Veja-se a lição aqui trazida de Luiz Flávio Gomes( STJ cancela Súmula 17 – arma de brinquedo não agrava o roubo) :
“Em primeira instância o réu foi condenado por roubo agravado (CP, art. 157, § 2º, inc. I) em razão do emprego de arma de brinquedo. O TACRIM-SP, com sabedoria, afastou a causa de aumento de pena entendendo que arma de brinquedo não é arma. O Ministério Público do Estado de São Paulo, com fundamento na Súmula 174 do STJ ("No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena"), interpôs Recurso Especial (213.054) visando à reforma do acórdão, com restabelecimento da decisão de primeira instância.
O relator do REsp, Min. José Arnaldo da Fonseca, negou provimento ao recurso. Na ocasião, por deliberação unânime da 5ª Turma do STJ, decidiu-se levar o caso para a 3ª Seção, para se discutir concomitantemente não só o caso concreto senão também a própria (in) subsistência da Súmula citada.
Em 26.09.01 o assunto entrou na pauta da 3ª Seção do STJ.
Votou nesse dia em primeiro lugar o Min. Edson Vidigal que, aliás, acabou ficando vencido e isolado. Inclinando-se pelo questionadíssimo Direito penal subjetivo que, historicamente, em detrimento da objetiva e concreta ofensa ao bem jurídico, faz preponderar o que o sujeito queria ou mesmo sua pura intenção (Willenstrafrechet) ou a simples impressão da vítima ou ainda o Direito que o juiz gostaria que fosse vigente, dava provimento ao recurso para restaurar a eficácia da sentença do magistrado "a quo".
Em sua prolongada, percuciente, arguta e, em certos momentos, espetacular (justice spectacle) argumentação, sem atentar, entretanto, para o fato de que o Direito penal de cunho eminentemente subjetivo foi sustentado no Brasil por uma diferente Escola de Direito penal (Hungria, Noronha etc.) e, no estrangeiro, pelo positivismo criminológico italiano, Escola de Kiel (nazismo), finalismo de Welzel, Armin Kaufmann, Zielinsky etc., sublinhou:
(a) que o importante é se a arma é capaz de intimidar não a sua efetiva potencialidade lesiva;
(b) que as armas de brinquedo são hoje extremamente sofisticadas (neste momento o Min. Vidigal abaixou-se e retirou de uma mala três armas de brinquedo que trazia consigo, empunhando-as com a mesma veemência da sua argumentação);
(c) que a onda de violência no país deve ser contida, controlada;
(d) citando Dias Trindade, enfatizou que as interpretações penais não podem ser favoráveis aos "facínoras" e "meliantes";
(e) que nas guerras do Oriente Médio podem estar fazendo uso dessas sofisticadas armas de brinquedo;
(f) que a violência no país tem mais relevância que os livros e os mercados editoriais etc.
Todos os demais Ministros que votaram em seguida, embora ressaltando o brilhantismo da sustentação do Min. Vidigal, o respeito que nutrem pela sua pessoa e doutrina, seguiram o relator e negaram provimento ao REsp.
A argumentação desenvolvida por essa corrente amplamente majoritária (Ministros Félix Fischer, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Jorge Scartezzini e Paulo Gallotti) foi a seguinte:
(a) o Direito penal representa um conjunto de princípios garantistas que não podem ser superados por argumentos supralegais;
(b) os argumentos supralegais podem abrir uma brecha perigosa para as liberdades fundamentais;
(c) o agravamento da pena pelo uso de arma de brinquedo fere o princípio elementar da reserva legal;
(d) esse agravamento da pena, ademais, constitui verdadeiro "bis in idem";
(e) a arma de brinquedo deve ser considerada como circunstância judicial no momento da fixação da pena;
(f) tratar o réu que usa arma de brinquedo de forma igual ao que usa arma verdadeira significa patente violação ao princípio da proporcionalidade;
(g) argumentos supralegais valem de lege ferenda, não de lege lata;
(h) os livros e os mercados editoriais são relevantes para a construção de um Direito penal previsível e seguro;
(i) que não deve existir Súmula sobre temas não pacificados na jurisprudência;
(j) que a arma de brinquedo serve tão-somente para intimidar a vítima e configurar o delito de roubo (não para agravar a pena);
(l) que o uso de arma de brinquedo está muito mais próximo da fraude que da violência;
(m) que o "caput" do art. 157. fala em "grave ameaça" enquanto o § 2º, inc. I, fala em emprego de arma;
(n) que está proibida a analogia in malam partem no Direito penal;
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(o) que arma, conceitualmente, é sempre objeto de ataque;
(p) que o juiz não pode em suas decisões adotar o mesmo simbolismo do legislador, que fabrica leis penais a cada momento par atender aos reclamos midiáticos ou sociais;
(q) que o cancelamento da Súmula 174 não significa um "salvo conduto" para a violência;
(r) que as súmulas não podem engessar eternamente o Direito;
(s) que o relevante é ter presente a incolumidade física não a psíquica da vítima para o efeito do agravamento da pena;
(t) que o conceito (histórico) de arma no § 2º, inc. I, já vinha dado pelo antigo art. 19. da LCP (arma verdadeira) etc.”
Depois que a Súmula 174 foi cancelada, varias decisões foram proferidas com o entendimento de que o uso de arma de brinquedo em roubo não justifica o aumento da pena nem o regime prisional mais gravoso.
A lamentar a revogação da Súmula 174, num Brasil cercado de violência e impunidade.
DAS QUALIFICADORAS RELATIVAS AO CRIME DE FURTO
Emprego de explosivo no crime de furto
Trago aqui as anotações de meusitejuridico. com somadas há algumas outras conclusões.
A nova lei insere no art. 155. duas novas circunstâncias qualificadoras, estabelecidas nos §§ 4º-A e 7º.
Não se está diante de um concurso material entre os crimes de furto e de explosão.
De acordo com o § 4º-A, a pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos – além da multa – se o furto é cometido com emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
A socieade assiste, já há alguns anos, a multiplicação de condutas nas quais criminosos – normalmente em grupos – utilizam artefatos explosivos para romper os cofres de caixas eletrônicos – instalados em bancos ou em estabelecimentos comerciais – e subtrair as cédulas neles depositadas. Além de causar vultosos prejuízos em virtude não só dos valores subtraídos, mas também dos danos materiais causados nos estabelecimentos e muitas vezes até em imóveis vizinhos, esta espécie de conduta é particularmente grave em razão da exposição da vida e da integridade física das pessoas a perigo. Com efeito, ainda que não se trate de uma forma de ameaça pessoal direta – pois, se assim fosse, caracterizar-se-ia o crime de roubo –, o furto praticado com o emprego de engenho explosivo pode causar danos que vão muito além da esfera financeira. Essa situação tem trazido pânico nas cidades diante de um aparelho policial que não mostra eficácia na elucidação desses crimes de gravidade cometidos contra o patrimônio.
Na lição de Fabbrini Mirabete, em seu Manual de Direito Penal com base no escólio de Magalhães Noronha(Direito Penal), é possível identificar o objeto material instrumental dessa qualificadora (explosivo ou artefato análogo que cause perigo comum) como sendo “o engenho (bomba, aparelho, máquina) de dinamite ou de substância de efeitos análogos”, sendo a dinamite “a nitroglicerina embebida em materiais sólidos”, e podendo-se citar como substâncias de efeitos análogos “a TNT, a benzina, o trotil, gelatinas explosivas”, explosivos plásticos, dentre outros.
É evidente a motivação da criação dessa qualificadora, qual seja, a disseminação de crimes de furto com rompimento de obstáculo em agências bancárias e caixas eletrônicos, mediante emprego de explosivos, ocasionando não somente as corriqueiras subtrações de numerários, mas grandes danos materiais às instituições financeiras e também a terceiros (vizinhos, pessoas com carros estacionados nas proximidades etc.) e, causando, obviamente, perigo comum.
FURTO QUALIFICADO(ARTIGO 155 DO CP) X CRIME DE EXPLOSÃO (ART. 251. DO CP)
Aos autores desta conduta vinham sendo imputados, normalmente, os crimes de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo e de explosão majorada pelo fato de o crime ter sido cometido com intuito de obter vantagem pecuniária. Além disso, imputavam-se – caso as circunstâncias o permitissem – os crimes de associação criminosa ou de organização criminosa.
Embora pudesse haver alguma divergência a respeito da possibilidade de imputar os crimes em concurso, era o que vinha prevalecendo. O Ministério Público de São Paulo, por exemplo, tem tese no sentido da aplicação do concurso formal impróprio (tese 383).
A partir de agora – independentemente da orientação antes adotada – o concurso entre os delitos de furto e de explosão deixa de existir para ceder lugar à qualificadora. E, neste ponto, se considerarmos que antes se aplicava o concurso formal impróprio, é possível apontar um deslize do legislador. Isto porque, antes, somando-se as penas do furto qualificado e da explosão majorada, resultava o mínimo de seis anos de reclusão (caso se tratasse, como normalmente ocorria, de dinamite ou de substância de efeitos análogos), mas a nova lei comina à qualificadora pena mínima de quatro anos, consideravelmente mais branda.
Conclui-se, portanto, que as novas disposições resultam numa punição menos severa em relação àquela que vinha sendo praticada, o que atrai as disposições do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, segundo as quais “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”. Dessa forma, o agente condenado pelo crime de furto qualificado em concurso formal impróprio com a explosão majorada pode ser beneficiado pela retroatividade benéfica da nova qualificadora.
Em alterações nos crimes de furto e roubo pela Lei nº 13.654/18, publicado por Eduardo Luiz Santos Cabette, temos:
“Prosseguindo em sua saga de criar qualificadoras especiais para determinados objetos materiais, na senda do que fez no artigo 155, § 5º., CP (furto de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior) e artigo 155, § 6º., CP (subtração de semovente domesticável de produção), cria a Lei 13.654/18 nova qualificadora ao acrescentar o § 7º., ao artigo 155, CP. Agora o objeto material eleito são “substâncias explosivas ou acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego”. A pena, quando o objeto material for este, será de reclusão de 4 a 10 anos e multa. Os explosivos já foram devidamente definidos neste texto, mas a lei também elege como objeto material qualificador todo produto ou acessório com o qual se possa “fabricar, montar ou empregar” os explosivos.
Neste caso há que fazer algumas distinções:
Em havendo a mera subtração de explosivos estará tipificado o crime de furto qualificado, nos termos do artigo 155, § 7º., CP. Se o explosivo for utilizado pelo mesmo autor do seu furto, na prática de outro furto, por exemplo, a uma instituição financeira, poderá surgir o entendimento pela aplicação do artigo 155, § 4º. – A, CP, com absorção do § 7º., do mesmo dispositivo, eis que conduta – meio para o furto qualificado. Observe-se que as penas são idênticas, tanto para quem furta os explosivos, quanto para quem os utiliza em prática de furto. Considerando, especialmente a situação acima exposta daquele que furta os explosivos e depois os utiliza, seria aconselhável, razoável e proporcional que a pena do emprego no furto fosse mais gravosa e não idêntica como é. No caso de um indivíduo furtar os explosivos e outro utilizar estes num furto, poderá também se aventar que o primeiro responderá no artigo 155, § 7º., CP e o segundo no artigo 155, § 4º. – A, CP, o que, novamente, não parece correto em termos de quantidade abstrata de pena, já que o emprego gera maior perigo do que a simples subtração do objeto. Não obstante, não havendo entre os indivíduos ajuste para a prática do furto, realmente parece que cada um deve responder por seu ato. Entretanto, a questão é tormentosa e Cunha, por exemplo, já defende que nada impede o concurso entre os crimes dos §§ 4º. – A e 7º., do artigo 155, CP, tratando-se de crimes distintos que atingem patrimônios distintos. Isso, certamente quando o mesmo autor pratica os dois atos ou quando há liame subjetivo entre autores diversos. E, considerando, como se considera, correta a posição de Rogério Sanches Cunha, esse concurso seria o material (artigo 69, CP), vez que seriam dois atos para a prática de dois crimes diversos. No segundo caso, quando um subtrai e o outro utiliza, há que verificar se há entre eles liame subjetivo para a prática do furto, quando então, será defensável a tese do concurso de crimes de Rogério Sanches Cunha. Em não havendo esse liame, será o caso de responder cada um pela sua qualificadora e os adquirentes dos explosivos furtados também deverão ser responsabilizados por crime de receptação previsto no artigo 180, CP, havendo ou não liame subjetivo para a prática do furto. O concurso entre os parágrafos depende do liame subjetivo, já a receptação sempre se fará presente quanto houver um adquirente. Contudo, no caso de existência de liame entre grupos de agentes, há ainda que levar em consideração eventual tipificação, conforme o caso e as características desses grupos delinqüentes, de crimes de Associação Criminosa (artigo 288, CP) ou de Formação de Organização Criminosa (artigo 1º. c/c artigo 2º., da Lei 12.850/13). Nessas situações se há um único grupo concatenado que comete furtos de explosivos para depois usá-los em furtos qualificados pela explosão, não há falar em receptação, eis que os autores ou partícipes do furto não podem ser, ao mesmo tempo receptadores, mas tão somente em eventual organização criminosa ou associação criminosa, no bojo da qual todos atuam em conjunto em ambos os delitos ou dividem tarefas com um fim comum. É claro que o concurso entre os furtos qualificados e os crimes de associação criminosa ou organização criminosa, será o material (artigo 69, CP).
Já foi visto que doravante não há cogitar do concurso entre o furto qualificado pelo emprego de explosivos com o crime de explosão majorado.
Por outro lado, discute-se sobre o conflito, no verbo “empregar”, entre os crimes de incêndio e explosão e o crime previsto no artigo 16, III, da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), que trata da posse, detenção, fabricação ou emprego de artefato explosivo ou incendiário de maneira irregular. Embora se cogite, no caso de explosão ou incêndio efetivos, quanto à aplicação do concurso de crimes devido ao verbo “empregar”, esse não parece ser o melhor caminho. Fato é que o crime do artigo 16, III, da Lei 10.826/03 é de “perigo abstrato”, enquanto que os crimes de incêndio (artigo 250, CP) e explosão (artigo 251, CP) são de “perigo concreto”. Portanto, em havendo efetivo incêndio ou explosão pelo emprego dos artefatos, gerando perigo concreto de dano, o artigo 16, III do Estatuto do Desarmamento deve ser afastado, prevalecendo os tipos penais do Código Penal. Dessa forma, também não há falar em concurso entre o furto qualificado pelo emprego de explosivo e o crime do Estatuto do Desarmamento. Entretanto, é bom frisar, que Rogério Sanches Cunha entende diversamente, apontando para a possibilidade do concurso entre os crimes de furto qualificado pelo emprego de explosivo e o artigo 16, III, da Lei 10.826/03, isso com base na convicção de que a Lei 13.497/17 teria tornado “crime hediondo” o dispositivo do Estatuto do Desarmamento em destaque, o que não admitiria a absorção de um “crime hediondo” por um mero furto qualificado. Ocorre que, com a devida “venia”, discorda-se que a Lei 13.497/17 tenha tornado hediondas as condutas equiparadas do Parágrafo Único do artigo 166 do Estatuto do Desarmamento, mas tão somente o crime previsto no artigo 166, “caput”, razão pela qual se entende que os crimes de explosão e incêndio (de perigo concreto) devem prevalecer no conflito, bem como não pode haver concurso com o crime de furto qualificado pelo emprego de explosivo, mas aplicação do Princípio da Consunção na solução do conflito ou concurso aparente de normas.
É perfeitamente possível que haja concomitância entre qualificadoras do § 4º do artigo 155, CP (destruição ou rompimento de obstáculo, concurso de agentes, escalada) e o emprego de explosivo no furto. Não haverá, porém, combinação entre os §§ 4º.e 4º. –A do mesmo dispositivo. Prevalecerá o § 4º–A (mais gravoso) e a presença de outras qualificadoras poderá ser apreciada como circunstância judicial na dosimetria da pena – base, nos termos do artigo 59, CP. Tal solução já era apontada pela doutrina para o caso de concomitância, por exemplo, com a qualificadora do§ 5º do artigo155 CP com as do § 4º, devendo prevalecer aquela de maior gravidade (§ 5º).
Cunha também lembra o importante aspecto de que normalmente esses furtos com emprego de explosivo se dão durante o repouso noturno, o que enseja a aplicação, nesses casos, do aumento de pena previsto no artigo 155 § 1º., CP (da ordem de um terço). É fato que há controvérsia, devido à topografia do § 1º., quanto à sua aplicabilidade somente aos furtos simples, ou também aos furtos qualificados. Ocorre que atualmente tanto STF quanto STJ vêm decidindo pela possibilidade de aplicação da majorante às figuras qualificadas, independentemente da posição dos parágrafos. Além disso, o fato de que esses furtos sejam normalmente perpetrados contra estabelecimentos bancários, não afasta o aumento pela exigência de que ocorra em casa habitada com moradores presentes e dormindo. Novamente é preciso alertar que STF e STJ têm dado destaque ao horário objetivo em que o furto ocorre e afastado demais exigências.”
FURTO QUALIFICADO (ART. 155. DO CP) x POSSE OU EMPREGO DE ARTEFATO EXPLOSIVO (ARTIGO 16, PARÁGRAFO ÚNICO, III, ESTATUTO DO DESARMAMENTO)
Prossigo ainda com as corretas ponderações do site meusitejurídico sobre a nova lei que se aborda.
Pune-se mais gravemente – como já observamos – o furto cometido com emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. Explosivo – cuja definição é dada pelo art. 3º, inciso LI, do Decreto 3.665/00 – é, no geral, de acordo com o que se vê na prática, o engenho de dinamite, composto por nitroglicerina e dotado de elevada sensibilidade, o que acaba facilitando seu emprego nas subtrações de que estamos tratando.
Ocorre que o art. 16, inciso III, da Lei 10.826/03 tipifica a posse, a detenção, a fabricação e o emprego de artefato explosivo ou incendiário sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, o que nos faz indagar a respeito da caracterização do concurso de delitos.
Imagine-se, com efeito, que um grupo criminoso tenha adquirido dinamite para em seguida empregá-la no furto de caixas eletrônicos em uma agência bancária. A posse da dinamite deve ser imputada em concurso com o furto qualificado pelo emprego do artefato, ou este último absorve o primeiro? A nosso ver, desde a edição da Lei 13.497/17 – que tornou hediondo o crime do art. 16. do Estatuto do Desarmamento –, é inadequado aplicar o princípio da consunção para que o crime patrimonial absorva o crime hediondo, razão pela qual devem ser aplicadas as regras relativas ao concurso de delitos.
COEXISTÊNCIA DE QUALIFICADORAS NO FURTO
O crime de furto no qual se utiliza um artefato explosivo traz em si, necessariamente, o rompimento de obstáculo. É a existência do obstáculo, afinal, que torna necessária – ou ao menos conveniente – a explosão que abre o caminho para a subtração. Neste caso, concorrem duas qualificadoras do furto: a do rompimento de obstáculo e a do emprego do artefato explosivo, mas apenas esta última deve ser considerada com a natureza de qualificadora, pois é a circunstância mais grave. O rompimento de obstáculo – assim como, eventualmente, a escalada e o concurso de pessoas – deve ser considerado na qualidade de circunstância judicial, no momento em que se aplica a pena-base, que parte da qualificadora mais grave.
O entendimento que apontava o concurso de crimes era inclusive objeto da Tese 383 do Ministério Público do Estado de São Paulo, nos seguintes termos:
“EXPLOSÃO-FINALIDADE DE OBTENÇÃO DE VANTAGEM - FURTO – CRIMES AUTÔNOMOS – PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO - INADMISSIBILIDADE. Os crimes de explosão majorada pela finalidade de obtenção de vantagem pecuniária (artigo 241, § 2º, do Código Penal) e de furto (artigo 155 do Código Penal) são autônomos, não admitindo, pois, a aplicação do princípio da consunção para a absorção do primeiro pelo segundo”.
Por outro lado, não é admissível e nunca o foi o concurso do furto qualificado por rompimento ou destruição de obstáculo com o crime de dano(tipo subsidiário) qualificado pelo emprego de substância inflamável ou explosiva (artigo 163, Parágrafo Único, II, CP), quando do uso de explosivos. Seja atualmente, com o advento da Lei 13.654/18, seja anteriormente a ela, o crime de dano é absorvido pelo furto qualificado por rompimento ou destruição de obstáculo à subtração. Essa nunca foi uma questão controversa. A uma porque o dano simples é certamente um meio para a consecução do furto por arrombamento; a duas porque o dano qualificado pelo emprego de substância inflamável ou explosiva é crime subsidiário expresso (o tipo penal claramente estabelece sua aplicabilidade somente “se o fato não constitui crime mais grave”, que seria tanto o furto qualificado, como a explosão ou incêndio qualificados, cujas penas são bem maiores). Além disso, o crime de dano também é patrimonial, de modo que não há distinção entre bens jurídicos como ocorre com o crime de explosão em relação ao furto qualificado. Portanto, a apenação por dano configuraria claro e evidente “bis in idem”.
FURTO QUALIFICADO X MAJORANTE DO REPOUSO NOTURNO
Aplica-se, ademais, a causa de aumento de pena relativa ao repouso noturno. A grande maioria dos furtos em agências bancárias mediante o uso de explosivos ocorre durante a noite, quando os estabelecimentos estão fechados e poucas pessoas circulam pelas ruas. É no período noturno, portanto, que os agentes aproveitam a falta de vigilância interna e externa para praticar o crime com mais facilidade, o que justifica o aumento, que, ademais, vem sendo já há algum tempo admitido pelos tribunais superiores sobre as qualificadoras do § 4º do art. 155:
“1. Segundo o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, a causa de aumento tipificada no § 1º do art. 155. do Código Penal, referente ao crime cometido durante o repouso noturno, é aplicável tanto na forma simples como na qualificada do delito de furto. 2. A causa de aumento prevista no § 1.° do art. 155. do Código Penal, que se refere à prática do crime durante o repouso noturno – em que há maior possibilidade de êxito na empreitada criminosa em razão da menor vigilância do bem, mais vulnerável à subtração –, é aplicável tanto na forma simples como na qualificada do delito de furto”
(STJ: AgRg no REsp 1.708.538/SC, DJe 12/04/2018).
“1. Não convence a tese de que a majorante do repouso noturno seria incompatível com a forma qualificada do furto, a considerar, para tanto, que sua inserção pelo legislador antes das qualificadoras (critério topográfico) teria sido feita com intenção de não submetê-la às modalidades qualificadas do tipo penal incriminador. 2. Se assim fosse, também estaria obstado, pela concepção topográfica do Código Penal, o reconhecimento do instituto do privilégio (CP, art. 155, § 2º) no furto qualificado (CP, art. 155, § 4º) -, como se sabe, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a compatibilidade desses dois institutos. 3. Inexistindo vedação legal e contradição lógica, nada obsta a convivência harmônica entre a causa de aumento de pena do repouso noturno (CP, art. 155, § 1º) e as qualificadoras do furto (CP, art. 155, § 4º) quando perfeitamente compatíveis com a situação fática”
(STF: HC 130.952/MG, DJe 20/02/2017).