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Os direitos humanos das pessoas portadoras de necessidades especiais

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O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição da República inaugurou, em 5 de outubro de 1998, um Estado Democrático de Direito (art. 1º). Na lição de Guilherme José Purvin de Figueiredo (1997), a Constituição elegeu, isto é certo, como fundamentos e objetivos, metas e métodos que se distanciam radicalmente de modelos autoritários ou totalitários. Nesse sentido, dispõe que a Republica Federativa do Brasil tem a dignidade da pessoa humana como um de seus cinco fundamentos (art. 1º, II); que a promoção do bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação, é um de seus quatro objetivos fundamentais (art. 3º, IV); e que a prevalência dos direitos humanos é um de seus dez princípios na ordem internacional (art. 4º, II). 

A Constituição de 1988 trata de temas envolvendo a pessoa portadora de necessidade especial em diversas passagens: proíbe a distinção no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador “portador de deficiência” (art. 7º, XXXI); determina que a lei deverá reservar percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas “com deficiência”, definido os critérios de sua admissão (art. 37, VIII); dispõe que a Assistência Social tem por objetivo a habilitação e reabilitação das pessoas “portadoras de deficiência” e a promoção de sua integração à vida comunitária (art.203, II); estabelece que o Estado deverá criar programas de integração social do adolescente portador de deficiência mediante treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, como a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos (art. 227,II); e remete à lei as disposições sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes, a fim de garantir o acesso adequado às pessoas com deficiência (art. 244).

Manuel Gonçalves Ferreira Filho (2001) preceitua que a intenção dos constituintes foi de tentar impedir que os direitos permaneçam como letra morta, mas sim ganhem efetividade. Ensina, ainda, que “a leitura dos vários incisos do art. 5º facilmente demonstra a existência de normas definidoras de direitos bastantes em si, ao lado de muitas outras normas não bastantes em si”.

3.1 A LEI FEDERAL N. 7.853/89

Conforme já dito outrora, no Brasil, até a Carta de 1969, inclusive, não havia uma preocupação do legislador constitucional com a pessoa portadora de necessidade especial. Foi a Emenda Constitucional n. 12, de 17/10/78, que assegurou as primeiras garantias às pessoas portadoras de necessidades especiais; já na Constituição vigente, inúmeros dispositivos esparsos foram dedicados à sua proteção, outrossim, sobreveio a Lei Federal n. 7.853/89, de 24/10/89, que dispôs sobre as normas de proteção às pessoas com deficiência. 

Assim, a edição da Lei n. 7.853/89, constitui um marco histórico na luta pela implementação do princípio da igualdade de oportunidades. Já no início do texto legal, é estabelecido que sua aplicação e interpretação orientar-se-ão pela observância dos valores da isonomia de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade humana e do bem estar. A seguir, a lei determina que compete ao Poder Público assegurar às pessoas portadoras de necessidades especiais o pleno exercício dos direitos sociais elencados no art. 6º da Constituição da República.

Contornando o óbice trazido pelo veto ao art. 1º, IV, da Lei n. 7.347/85 e antecipando-se à Lei n. 8.078, de 11/09/90, a Lei n. 7.853/89 consagrou a ação civil pública como meio processual de adequação à proteção dos interesses difusos ou coletivos das pessoas com deficiência, pelo Ministério Público e pelas pessoas jurídicas de Direitos Públicos; bem como por associações, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista (desde que incluam, entre suas finalidades institucionais, a proteção das pessoas portadoras de deficiência).

No âmbito do Direito do Trabalho, com base na Lei n. 7.853/89, a partir de 1989 tornou-se possível a propositura de ação civil pública (ou coletiva) em defesa de trabalhadores portadores de necessidades especiais, objetivando, por exemplo, a construção de rampas para acesso de trabalhadores paraplégicos ao local de trabalho.

Da maior importância à implementação do princípio da igualdade de oportunidade entre os trabalhadores foi o art.8º, II, desta lei, que tipificou como crime, punível com reclusão de um a quatro anos, e multa, obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público, por motivo derivados de sua necessidade especial.


A DEFINIÇÃO DE PESSOA PORTADORA DE NECESSIDADE ESPECIAL APRESENTADA PELO DIREITO

Conforme o Juiz Adriano Mesquita Dantas (2005), a Convenção da OIT n. 159, de 1983, ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo n. 51, de 28 de agosto de 1989, conceitua pessoa “com deficiência” em seu art. 11, da seguinte forma: “Para efeitos da presente Convenção, entende-se por “pessoa deficiente todo indivíduo cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente reconhecida”.

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O conceito em questão ressalta o caráter funcional das deficiências físicas ou sensoriais, estabelecendo a Convenção do dever dos países signatários de se engajarem em atividades de integração e de fornecerem instrumentos que viabilizem o exercício das atividades profissionais para as pessoas que necessitem. Nesse diapasão, o recente Decreto n. 3.298/99 conceitua a pessoa portadora de necessidade especial, em seu artigo 3º.

Define “deficiência” como “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”.

Incapacidade, por sua vez, é conceituada pelo inciso III como “uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa com deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida”.

O art. 4º do Decreto n. 3.298/99 especifica a conceituação técnica, sob o ponto de vista médico, das deficiências física, auditiva, visual, mental e múltipla.

Percebe-se, portanto, que o espírito do decreto em comento, ao definir a pessoa “com deficiência”, é o de suplementar a Lei n. 7.853/89, que não definira as “deficiências” hábeis a gerar a proteção jurídica por ela traçada.

Outro aspecto relevante é o de que as pessoas portadoras de necessidades especiais são tidas como limitações de caráter instrumental, cientificamente quantificados, balizados, de acordo com critérios médicos internacionais, senão vejamos:

Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que Regulamenta a Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências:

Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; (Redação dada pelo Decreto n. 5.296, de 2004)

II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto n. 5.296, de 2004)

III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo Decreto n. 5.296, de 2004)

IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: 

a) comunicação;

b) cuidado pessoal;

c) habilidades sociais; 

d) utilização dos recursos da comunidade; (Redação dada pelo  Decreto n. 5.296, de 2004)

e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas;

g) lazer; e

h) trabalho; 

V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

Dessa forma, é possível a aferição da matéria a ser tutelada pelo Direito e os limites físicos, fisiológicos, sensoriais, ou mentais que deverão merecer suplementação por intermédio de instrumentos, próteses, adaptações físicas do meio e procedimentos que possibilitem a devida integração da pessoa portadora de necessidade especial.


CONCLUSÃO

O estudo nos mostra o marco inicial na luta pelos direitos humanos, e a luta das várias nações para inserir conceitos humanísticos em seus ordenamentos jurídicos. Fazendo com que os indivíduos, outrora eram julgados de forma desmedida, possam dispor dos aparatos inerentes à manutenção da dignidade humana.

Com este trabalho, foi possível concluir que houve muitos avanços legislativos em nosso país. Também é possível constatar, na prática, alguns avanços culturais e sociais no trato do problema das pessoas portadoras de necessidades especiais. Mas todas as conquistas, sem dúvida, representam ainda pouco na luta pela integração da pessoa portadoras de necessidades especiais na sociedade. 

Há muito a ser feito, pois milhares de pessoas continuam à margem da vida, escondidas atrás de dificuldades e barreiras, que são mínimas e imperceptíveis para alguns, mas que se constituem em obstáculos intransponíveis nas atividades do cotidiano das pessoas portadoras de necessidades especiais.

Como bem observou a Profª Walküre Lopes Ribeiro da Silva (1997), "o problema que enfrenta o portador de deficiência não é a ausência de leis. Sob o ponto de vista da validade, temos leis que seriam perfeitamente aplicáveis aos casos concretos. O grande problema é o da eficácia das normas existentes".

Estamos plenamente de acordo com essa lúcida e esclarecida opinião. De fato, alcançamos um nível razoável de proteção legal para as pessoas portadoras de necessidades especiais e, como se notou no decorrer da exposição, poucas alterações e inovações legislativas se fazem necessárias. Todavia, a concreção dos programas estabelecidos, a transformação das ideias em realidade, continua a ser um grande desafio de nossa sociedade.

Não basta que tenhamos belas leis securitárias e trabalhistas, um exemplar sistema de compensação das desigualdades, de programas de integração da pessoa portadora de necessidades especiais à sociedade. É preciso que tudo isso seja efetivamente implementado por meio da participação ativa da sociedade civil e do Poder Público.


BIBLIOGRAFIA

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. - São Paulo: Saraiva, 2014.

PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 12. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012. - (Coleção Sinopses Jurídicas; v.17).

CASTILHO, Ricardo. Direitos Humanos. 2. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012. - (Coleção Sinopses Jurídicas; v.30).

CASADO FILHO, Napoleão. Direitos Humanos e Fundamentais. - São Paulo: Saraiva, 2012. - (Coleção Saberes do Direito; v.57).

NETO, João Gomes Dutra - Evolução Histórica do Tratamento Conferido às Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro - Disponível em <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,evolucao-historica-do-tratamento-conferido-as-pessoas-portadoras-de-necessidades-especiais-pelo-ordenamento-ju,48641.html>

Sobre os autores
Alberto Jose da Silva

Atuante em toda área cível.

Francisco Gilton Borges Carvalho

Cursando Bacharelado em Direito pela Faculdade Campo Limpo Paulista

Informações sobre o texto

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