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A força vinculante dos precedentes judiciais como forma de efetivação dos princípios constitucionais da isonomia e segurança jurídica

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Agenda 01/09/2018 às 16:02

Demonstra-se a necessidade de respeito aos precedentes judiciais como forma de efetivação dos princípios constitucionalmente consagrados da isonomia e segurança jurídica, à luz do CPC/15.

RESUMO:O presente trabalho visa demostrar a necessidade de respeito aos precedentes judiciais como forma de efetivação dos princípios constitucionalmente consagrados da isonomia e segurança jurídica. Para tanto, observou-se a evolução do sistema jurídico adotado no Brasil, o civil law, em comparação ao common law americano, o qual atribui força vinculante ao precedente. No decorrer do estudo verificou-se que apesar de existirem mecanismos com o objetivo de uniformizar decisões, ainda prevalece o desrespeito a decisões de tribunais superiores e principalmente a irregularidade de decisões proferidas pelo mesmo tribunal, o que provoca descrença no judiciário. Aliado a isso, o desenvolvimento das técnicas legislativas levou à criação e aumento das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, no intuito de moldar a lei ao caso concreto, o que acaba por ampliar o poder criativo do juiz, contribuindo, também, para a proliferação de decisões díspares. Por fim, constata-se que o Novo Código de Processo Civil visa a solução deste impasse, destinando um capítulo exclusivo sobre precedentes judiciais, além de outros artigos esparsos.

Palavras chave: Civil Law. Common Law. Precedente Judicial. Eficácia vinculante. Princípio da Isonomia. Princípio da Segurança Jurídica. Estado Democrático de Direito. Cláusulas gerais. Conceitos jurídicos indeterminados.

ABSTRACT:The present work aims to demonstrate the need for respect for judicial precedent as a means of effecting constitutionally enshrined principles of equality and legal certainty . For this, we observed the evolution of the legal system adopted in Brazil , the civil law , against the common American law , which gives binding force to precedent . During the study it was found that although there are mechanisms in order to standardize decisions , disregard the decisions of higher courts and particularly the irregularity of decisions rendered by the same court , which causes disbelief in the justice still prevails . Allied to this , we are developing legislative techniques led to the creation and increase in general terms and undefined legal concepts, in order to shape the law to the case , which ultimately extend the creative power of the court , also contributing to the proliferation of different decisions . Finally , it appears that the design of the New Code of Civil Procedure refers to the solution of this impasse , allocating a unique chapter on judicial precedents and other scattered items.

Keywords : Civil Law Common Law judicial precedent . Binding effect . Principle of Equality . Principle of Legal Certainty . Democratic state . General clauses . Indeterminate legal concepts .


1. INTRODUÇÃO

O presente estudo visa analisar de maneira breve os institutos jurídicos do Common Law e do Civil Law com ênfase ao tratamento dado ao precedente judicial nesses dois sistemas jurídicos, comparando-os, no intuito de buscar soluções à crise instalada no judiciário brasileiro ocasionada pelo aumento de decisões díspares, e consequente violação aos princípios da isonomia e segurança jurídica, acarretando o desprestígio do judiciário frente à sociedade.

Tal situação deve-se ao aumento do número de demandas em um regime jurídico que privilegia a lei como fonte formal e precípua do direito, e que, embora tenha adotado alguns institutos do Common Law, atribui ao precedente eficácia persuasiva sob a pretensa ideia de que o efeito vinculante violaria a independência jurisdicional.

Nesse sentido, é feito um comparativo entre o precedente tal como adotado no Common Law norte americano, e a utilização do precedente brasileiro, bem como dos seus institutos de uniformização de jurisprudência com influências daquele regime jurídico, apontando falhas e evidenciando-se a necessidade de mudança do sistema.

Por fim, procede-se a análise do Novo Código de Processo Civil, o qual busca solucionar este impasse através da reformulação de institutos vigentes e implementação de novos ainda mais próximos do efeito vinculante do precedente tal como adotado no Common Law. 

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2.  BREVE ANÁLISE DOS SISTEMAS JURÍDICOS DO CIVIL LAW E DO COMMON LAW

2.1. ANÁLISE DO COMMOn LAW

Contemporaneamente verifica-se a existência de cinco sistemas jurídicos, quais sejam: o Direito Romano-Germânico (Civil Law ou Continental Law), o Common Law, o Direito Consuetudinário, o Direito Muçulmano, e o Sistema Jurídico Misto (Common Law aliada ao Civil Law)[1]. No presente artigo, contudo, serão analisados apenas o Common Law e o Civil Law, suas semelhanças e diferenças, destacando-se a utilização dos precedentes em cada um desses sistemas.

Antes de tudo, é imprescindível a análise da origem do Common Law (também chamada de binding precedent), do qual se originou o estudo e a aplicação dos precedentes judiciais no julgamento de casos concretos como fonte do direito.

Resumidamente, destacam-se quatro períodos principais na formação desse sistema: antes da conquista normanda; da conquista normanda até a dinastia Tudor; o da Equity e a inauguração da Lei de Organização do Judiciário[2].

Durante a consolidação normanda, por volta de 1066, ocorreu o desenvolvimento do Common Law inglês, quando o direito era utilizado como instrumento de governo. Esse desenvolvimento só foi possível em razão da concentração do poder nas mãos do rei, na figura do sheriff, responsável pela efetividade e executoriedade das leis.

 A formação do Common Law, contudo, aconteceu, efetivamente, no segundo período, em que os juízes davam credibilidade às decisões anteriores, surgindo, então, a figura do precedente.

 No terceiro período temos a formação da Equity inglesa, que era um recurso destinado ao rei quando da ocorrência de injustiça no caso concreto (mal funcionamento das cortes reais na aplicação dos precedentes, por exemplo), despachado pelo chanceler, a quem incumbia orientá-lo em sua decisão. O desenvolvimento dessa outra forma de solução de conflitos deveu-se ao excesso de formalismo do Common Law, e tornou-se tão frequente que possibilitou a coexistência dos dois sistemas.

Por fim, o quarto período consagrou-se pelas influências democráticas de Jeremy Bentham e ficou marcado pela Lei de Organização Judiciária (Judicature Act de 1873), que uniu a Equity com o Common Law, abolindo os antigos tribunais centrais, e inaugurando, assim, a Supreme Court of Judicature.

Após essa fusão, surgiu a doutrina do Stare Decisis, quando foi imposta aos juízes ingleses a observância da eficácia vinculante dos precedentes, originada no caso Beaminh v. Beamish em 1861, referendado no caso London Street Tranways v. London County Council, quando a Câmara dos Lordes admitiu o caráter vinculativo de suas decisões, tendo o Lorde Halsbury decidido que

seria mais sensato para a sociedade que fossem estabilizados os litígios com uma solução por vezes, até mesmo, inadequada, do que eternizar as incertezas e inseguranças[3].

É importante ressaltar, ainda, que no presente estudo utiliza-se como parâmetro o Common Law adotado nos Estados Unidos, que apresenta peculiaridades em relação ao inglês, notadamente quanto à adoção do judicial review (que se consolidou a partir do caso Marbury v. Madison, de 1803) e da estrutura federal do país (ao contrário do Estado Unitário adotado na Inglaterra). Assim,

(...) deve-se relembrar que a doutrina americana demorou mais de um século a partir da consolidação da judicial review para adaptar e assentar a doutrina do Stare Decisis aos precedentes constitucionais. Foi apenas em 1958, com o caso Cooper vs. Aaron, que a Suprema Corte americana fixou a obrigatoriedade de observância de suas decisões por todos os órgãos da Administração Pública e Poder Judiciário (Stare Decisis em sentido vertical). Na ocasião decidiu-se que a interpretação as 14 emendas anunciadas por esta Corte no caso Brown é lei suprema do país, e o art. VI da Constituição faz com que esta decisão tenha efeito vinculante (binding effect) sobre os Estados”[4].

2.2. ANÁLISE DO CIVIL LAW

As origens do Civil Law remontam a Revolução Francesa, a qual rompeu a ordem jurídica e derrubou o absolutismo, a aristocracia feudal e os juízes ligados a ela. Nesse contexto, o parlamento assumiu a função de criar a lei e ao juiz restou aplicá-la ao caso concreto através da subsunção, declarando-a.

Segundo Andréia Costa Vieira[5],

O termo Civil Law refere-se ao sistema legal adotado pelos países da Europa Continental (com exceção dos países escandinavos) e por, praticamente, todos os outros países que sofreram em processo de colonização ou alguma outra grande influência deles – como os países da América Latina. O que todos esses países têm em comum é a influência do Direito Romano na elaboração de seus códigos, constituições e leis esparsas. É claro que cada qual recebeu grande influência também do direito local, mas é sabido que em grande parte desses países, principalmente os que são ex-colônias, o direito local cedeu passagem, quase que integralmente, aos princípios do Direito Romano. E, por isso, a expressão Civil Law, usada nos países de língua inglesa, refere-se ao sistema legal que tem origem ou raízes no Direito da Roma antigo e que, desde então, tem-se desenvolvido e se formado nas universidades e sistemas judiciários da Europa Continental, desde os tempos medievais; portanto, também denominados Romano-Germânico.

O Brasil é adepto deste sistema, e, portanto, tem a lei como fonte precípua do direito. Entretanto, assim como aconteceu com os Estados Unidos (o qual deu contornos próprios ao Common Law), o Civil Law aqui adotado evoluiu e mesclou institutos de outras tradições jurídicas, principalmente em razão da globalização, a qual possibilitou a comunicação e facilitou pesquisas, levando à “commonlawlização”[6] do direito brasileiro, perceptível através da importância que é dada à jurisprudência hoje no país, a exemplo do seu uso cada vez maior para embasar teses jurídicas e dos instrumentos de uniformização de jurisprudência expressos no Código de Processo Civil.

Nesse sentido, Freddie Didier Júnior[7] sustenta que o Brasil possui uma tradição jurídica própria:

O sistema brasileiro tem uma característica muito peculiar, que não deixa de ser curiosa: temos um direito constitucional de inspiração estadunidense (daí a consagração de uma série de garantias processuais, inclusive, expressamente, do devido processo legal) e um direito infraconstitucional (principalmente o direito privado) inspirado na família romano-germânica (França, Alemanha e Itália, basicamente). Há o controle de constitucionalidade difuso (inspirado no judicial review estadunidense) e concentrado (modelo austríaco). Há inúmeras codificações legislativas (Civil Law) e, ao mesmo tempo, constrói-se um sistema de valorização de precedentes judiciais extremamente complexo (súmula vinculante, súmula impeditiva de recurso, julgamento modelo para causas repetitivas, etc.) de óbvia inspiração no Common Law. Embora tenhamos um direito privado estruturado de acordo com o modelo de direito romano, de cunho individualista, temos um microssistema de tutela de direitos coletivos dos mais avançados e complexos do mundo; como se sabe, a tutela coletiva de direitos é uma marca da tradição jurídica da Common Law. (...) O direito brasileiro, como seu povo, é miscigenado. E isso não é necessariamente ruim. Não há preconceitos jurídicos no Brasil: busca-se inspiração nos mais variados modelos indistintamente.

Por fim, vislumbra-se que com o advento do Novo Código de Processo Civil, é cada vez mais evidente e concreta essa união entre famílias jurídicas, notadamente em razão da valorização dada ao precedente, através da tipificação da obrigatoriedade de sua observância em situações nas quais seu uso era meramente persuasivo.

2.3. COMPARAÇÃO ENTRE CIVIL LAW E COmmon LAW

De maneira geral, a diferença básica entre essas duas famílias reside no fato de que no Civil Law a fonte jurídica primária é a lei (sistema fechado, tendo em vista que o legislador já previu teoricamente todas as hipóteses e codificou-as, cabendo ao intérprete apenas o raciocínio dedutivo para solução da lide), enquanto no Common Law são as decisões judiciais proferidas (sistema aberto, possibilita a interpretação do magistrado), cujos fundamentos devem ser obrigatoriamente observados no julgamento de casos posteriores semelhantes.

Com efeito, a origem do Civil Law é pautada na valorização do direito romano na França, entre os séculos XIII e XVIII, quando as universidades ensinavam direito, que era requisito para exercício da advocacia e magistratura. Por outo lado, na Inglaterra, não era necessário frequentar a universidade para ser juiz ou advogado. Ou seja, o Civil Law tem origem científica, enquanto o Common Law estruturou-se na prática judiciária.

No Common Law o precedente é um antecedente de respeito obrigatório e vincula todos os julgamentos posteriores, constituindo-se no fundamento da decisão. Além disso, lá o magistrado cria a regra jurídica. Por outro lado, no Civil Law os precedentes apenas orientam e reforçam o julgamento de casos semelhantes, ou seja, o magistrado não pode introduzir regras de direito integralmente novas, não pode inovar no ordenamento jurídico. Assim, a depender da família, o precedente pode ter caráter vinculante ou persuasivo.

Dessa forma, a principal diferença entre esses dois sistemas é a utilização do precedente na solução de conflitos. Nessa perspectiva, Andréia Costa Vieira[8] destaca que no Common Law, a decisão judicial adota a seguinte sistemática:

a) os fatos narrados ou visualizados pelo juiz; b) os princípios do direito aplicados ao fato; c) o julgamento baseado numa combinação dos dois primeiros elementos (“a” e”b”). O que realmente vincula são princípios do direito aplicados ao fato (“b”) e não a decisão em si (“c”). A decisão em si interessa (“c”) interessa somente à parte que participou do processo; já os princípios de direito aplicáveis a determinados fatos (“b”) interessam a toda sociedade, porquanto representam a interpretação da justiça sobre aquela situação, vinculando o juiz para todos os casos idênticos posteriores.

Por outro lado, o Civil Law 

(...) caracteriza-se pelo primado do processo legislativo, com atribuição de valor secundário às demais fontes do direito. A tradição latina ou continental (Civil Law) acentuou-se especialmente após a revolução francesa, quando a lei passou a ser considerada a única expressão autêntica da nação, da vontade geral, tal como verificamos na obra de Jean Jacques Russeal, Du Contrat Social[9].

Deve-se ressaltar ainda que, embora o Common Law exista em todos os países de tradição anglo saxônica, isso não significa que neles não exista ordenamento jurídico organizado. Na verdade, o ordenamento codificado existe, mas não é considerado fonte principal do direto, como no Civil Law, posição esta ocupada pelo precedente em razão da própria evolução histórica desse sistema, que desde a conquista normanda confere importância à decisão dos juízes.

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