Recentemente, o Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública em face do Google Brasil Internet, tendo como objetivo a condenação da empresa a retirar dos meios públicos virtuais, da internet, conteúdos que veiculariam a intolerância e a discriminação religiosa às crenças de matrizes africanas.
A veiculação de vídeos potencialmente ofensivos e fomentadores do ódio e da intolerância contra tais religiões não corresponde ao legítimo exercício do direito à liberdade de expressão, o que levou o Poder Judiciário, através do Tribunal Federal da 2ª Região, a decidir pela imediata retirada dos vídeos listados pelo MPF da rede mundial de computadores.
A questão em debate remete à Declaração da UNESCO, de 1978, que determina que todos, inclusive os meios de comunicação e o Poder Público, têm a obrigação de promover a harmonia entre os povos e contribuir para erradicar todas as formas de discriminação. A Constituição Federal protege os direitos do indivíduo, sobretudo os relacionados à liberdade de pensamento, expressão, crença e culto. Também a Lei nº 12.966, de 24 de abril de 2014, trata, expressamente, da proteção à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos.
"(...) vale a pena buscar saber por que a UNESCO concedeu à tradição de IFÁ, prática filosófica e religiosa nascida no oeste africano, entre os sábios iorubas da atual Nigéria, antes do século VII a.C., o status de "patrimônio imaterial" do povo ioruba e de seus inúmeros descendentes religiosos, nas Américas e em todo o mundo atual." (NEI LOPES; Consciência negra e religiosidade, O Globo, 25/11/2017, p. 21)
Nunca é por demais lembrar que a glória da criação está em sua infinita diversidade (em todas as suas modalidades e naturezas) e na forma que nossas diferenças se combinam para criar significado e beleza.
As liberdades asseguradas na Constituição garantem não apenas a obrigação do Estado em respeitá-las, como também de cuidar para que sejam respeitadas por todos. São as diferenças e o respeito a elas que se constituem a expressão do Estado liberal laico, que nasceu e floresceu à resposta ao Estado totalitário. Logo, a doutrina cristã merece ser respeitada, como todas as demais, incluindo as religiões de matrizes africanas.
De particular relevância para a definição de limites à liberdade de expressão, por outro prisma, é a prática do denominado discurso do ódio ou de incitação ao ódio e de um conjunto de manifestações capazes de suscitar atos de violência, ódio e/ou discriminação racial, social ou religiosa em relação a determinados grupos, quase sempre minoritários, na tentativa de desqualificá-los como detentores de reconhecidos direitos.
É entendimento dominante, não apenas no Brasil, mas também no Direito Comparado, que a liberdade de expressão encontra limites na dignidade da pessoa humana de todos os indivíduos integrantes do grupo afetado por manifestações de teor discriminatório. Destarte, as liberdades públicas não são incondicionais, e por isto devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal, que garantem a prevalência dos direitos humanos.