3. HISTÓRICO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E SUA ATUAL SITUAÇÃO
3.1. Evolução histórica até sua decadência
Importante iniciar a explicação sobre a evolução histórica do sistema carcerário brasileiro relacionando-a com a evolução dos sistemas no mundo, desde seu aparecimento.
De acordo com Machado, Souza e Souza (2013, v.10, n.10, p.202-203):
A origem do conceito de prisão como pena teve seu início em mosteiros no período da Idade Média. Com o propósito de punir os monges e os clérigos que não cumpriam suas funções, estes que faltavam com suas obrigações eram coagidos a se recolherem em suas celas e se dedicarem a meditação e a busca do arrependimento por suas ações, ficando dessa forma mais próximos de Deus. Inspirados com a ideia, os ingleses construíram a primeira prisão destinada ao recolhimento de criminosos. A House os Correction foi erguida no período entre 1550 e 1552.
Até o século XVIII, “o encarceramento era o meio, não era o fim da punição” (D’ELIA apud CARVALHO FILHO, 2002, p.21), visto que tinha como finalidade impedir a fuga enquanto este era julgado e sentenciado a sua pena subsequente, que eram, geralmente, desumanas e cruéis, como tortura, morte, açoite, mutilação, queimaduras, confiscos de bens, humilhação pública e entre outros (D’ELIA, 2002).
A partir do século XVIII, de acordo com Foucault, com as modificações políticas da época, ascensão da burguesia e a deposição do regime antigo, as penas aplicadas anteriormente deixaram de ser uma contemplação pública, já que incitavam a violência. Desde então, a restrição da liberdade deixou de ser uma pena meio e passou a ser uma pena de fato, o que, de acordo com D’Elia (2012, p.146), “deixa de punir o corpo do condenado e passa-se a punir sua alma”.
No final do século, prediz D’Elia (2012), começam a surgir os primeiros esboços do que hoje são as penitenciárias. John Howard (1726 – 1790), foi o pioneiro, ao analisar as prisões de seu território, em Bedfordshire, Inglaterra, e propor mudanças na forma que eram realizadas as punições daqueles que agiriam de forma contrária as leis estabelecidas à época, através de sua obra, publicada em 1777, “The State of Prisons in England and Wales”. Outro importante autor, Jeremy Bentham (1748 – 1832), em sua obra “Panóptico”, defende que a subordinação nos presídios deveria ser rigorosa, com o intuito de que os presos pudessem pagar por seus crimes e mudar seu caráter. Para tanto, pregava que, na ‘penitenciária modelo”, como a chamava, um vigilante conseguiria vigiar todos os presos, através de uma estrutura elevada que ficaria no meio do estabelecimento, sem que os presos pudessem vê-lo (D’Elia, 2012).
Através das ideias e revoluções de diversos autores, surgiu, de acordo com o que prediz D’Elia (2012, p.146):
No final do século XVIII e início do século XIX, na Filadélfia, os primeiros presídios que seguiam o sistema celular, ou sistema da Filadélfia como também é conhecido. Era um sistema de reclusão total, no qual o preso ficava isolado do mundo externo e dos outros presos em sua cela, que além de repouso servia para trabalho e exercícios.
Mais tarde, em 1820, surge, nos Estados Unidos, um novo sistema chamado de “Auburn” ou “Sistema de Nova Iorque”, onde os presos ficavam reclusos e sem contato com outros detentos apenas durante o período noturno e durante o dia, as refeições e o trabalho eram coletivos, com a ressalva de que deveria haver silêncio total, não podendo os presos se comunicarem. (D’ELIA, 2012)
Porém, conforme D’Elia (2012), é somente na colônia de Norfolk, colônia da Inglaterra, que surgiu a progressão de pena, utilizada nos dias atuais, e que, posteriormente, foi aperfeiçoada na Irlanda, contendo quatro fases, sendo estas: Isolamento total do preso, como predizia o sistema celular; Isolamento noturno, de acordo com o sistema Auburn; Trabalho do preso em ambiente aberto e sem as restrições que continha o regime fechado; e por último, após conquistar um tipo de “vale”, o detendo conseguia um passe, semelhante a liberdade condicional utilizado nos dias atuais, até cumprir totalmente sua pena e conquistar sua liberdade em definitivo.
Após os presídios pioneiros e seus combinados métodos de aplicação de pena, foram surgindo, em outros países novos métodos, como inclusão de trabalho remunerado, por exemplo.
3.2. Surgimento das penitenciárias no Brasil
Ao esclarecer a origem das penitenciárias e a evolução de seus sistemas, cabe frisar a evolução do sistema carcerário em nosso país.
Até o ano de 1830, o Brasil, sem um Código Penal, era submetido as Ordenações Filipinas, que em seu Livro V continha o rol de crimes e penas previstas no país, semelhantes as penas cruéis e desumanas aplicadas em outros países em meados do século XVIII (D’ELIA, 2012). Conforme o autor:
Não existia a previsão do cerceamento e a privação de liberdade, posto que as ordenações são do século XVII e os movimentos reformistas penitenciários começaram só no fim do século seguinte, os estabelecimentos prisionais do Brasil seguiam o antigo entendimento de prisão como meio de evitar a fuga para a pena que viria e não como fim, como pena. (D’ELIA, 2012, p.148)
Contudo, com o surgimento da Constituição Federal de 1824, começam a surgir algumas mudanças na forma de país do Estado: Algumas das penas desumanas são banidas, como a tortura e açoite, e decreta-se que as prisões sejam limpas, seguras e bem arejadas, devendo, inclusive, haver separação dos réus pela natureza e gravidade de seus crimes. (D’ELIA, 2012).
Com a criação do Código criminal do Império, a pena de prisão é inserida no país da forma de prisão simples e de prisão com trabalho, sendo que esta última poderia ser perpétua, conforme prediz D’Elia (2012). Importante frisar que, mesmo com essa novidade no sistema carcerário brasileiro, as penas de morte e de galés, que forçava o indivíduo ao trabalho, não foram banidas e ainda estavam vigente na época.
Contudo, apesar das divisões feitas pelo Código, encontrou-se muita dificuldade em introduzir o trabalho na rotina dos presos, havendo, inclusive, previsão normativa caso não pudesse o detendo trabalhar.
Na cidade de São Paulo, em 1828, foram criadas comissões especiais a fim de que ocorresse a fiscalização dos presídios e que relatórios fossem produzidos descrevendo a situação dos estabelecimentos prisionais para que uma solução pudesse ser proposta. Contudo, mesmo com o trabalho árduo de tal grupo de pessoas, que sempre apontavam grandes falhas em relação a higiene, distribuição nas cadeias, falta de espaço e outros, o problema ainda se agravou. (D’ELIA, 2012).
Conforme D’Elia (2012) prediz, frente a esta crise, nos anos subsequentes, foi dado início a discussões no Brasil sobre a possibilidade de utilização dos sistemas estrangeiros, como o Sistema Celular e o Sistema Auburn, para a futura construção das Casas de Correção do Rio de Janeiro e de São Paulo, a fim de que se tornassem modelos de presídios no país. Mostrara-se grande preocupação em criar um ambiente favorável para o cumprimento de penas, sendo o sistema Auburn escolhido, frente as oportunidades de emprego e integração com outros detentos.
Com a inauguração de ambos os presídios, que se destacavam perante os demais, ficou claro que não houve nenhuma mudança significativa que pudesse influenciar nos demais estabelecimentos prisionais do Brasil, que continuou caótico. Além do mais, as novas Casas Correcionais abrigavam todos os tipos de detentos, começando, em 1870, as críticas sobre sua estrutura e sobre o sistema utilizado.
Finalmente, em 1890, foi consagrado o novo Código Penal e com ele a análise de se considerar a implantação do sistema Celular, apesar de ainda funcionar o antigo sistema. (D’ELIA, 2012).
De acordo com Machado, Souza e Souza (2013, v.10, n.10, p.203):
No Brasil, foi a partir do século XIX que se deu início ao surgimento de prisões com celas individuais e oficinas de trabalho, bem como arquitetura própria para pena de prisão. O Código Penal de 1890 possibilitou o estabelecimento de novas modalidades de prisão, considerando que não mais haveria penas perpétuas ou coletivas, limitando-se às penas restritivas de liberdade individual, com penalidade máxima de trinta anos, bem como prisão celular, reclusão, prisão com trabalho obrigatório e prisão disciplinar.
Em posição semelhante, D’Elia (2012, p.151) afirma:
O novo Código aboliu as penas de morte, penas perpétuas, açoite e galés e previa quatro tipos de prisão: a prisão celular, a maioria dos crimes previstos no Código tinha esse tipo de punição (art. 45); reclusão em “fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares” destinada para os crimes políticos contra a recém-formada República (art. 47 do Código); prisão com trabalho que era “cumprida em penitenciárias agrícolas, para esse fim destinadas, ou em presídios militares” (art. 48 do Código); prisão disciplinar “cumprida em estabelecimentos industriais especiais, onde serão recolhidos os menores até a idade de 21 anos” (art. 49), uma inovação do Código foi o limite de 30 anos para a pena.
Machado, Souza e Souza (2013, p.204), afirmam que “no início do século XX, a legitimidade social da prisão ganhou variações para um melhor controle da população carcerária”. Frente a isto, categorias prisionais como contraventores, menores, loucos, mulheres e processados surgiram no período citado. (MACHADO, SOUZA e SOUZA, 2013).
A progressão de pena também foi fator importante na modificação do sistema prisional, já que ficou em grande evidência.
Contudo, mesmo com as significativas mudanças, o quadro que estava presente no código de 1830, cujo sistema não aguentava a grande demanda de prisões com trabalho, se repetiu no código de 1890, havendo um déficit elevado de vagas. (D’Elia, 2012).
Para exemplificar, D’Elia (2012, p.125) cita Salla (Op. Cit., p.178) afirmando que:
Existia um grande abismo entre o que era previsto em lei com a realidade carcerária. Por exemplo, no ano de 1906, foram condenados 976 presos, no Estado de São Paulo, à prisão cautelar, existiam apenas 160 vagas para esse tipo de prisão no estado, portanto 816 presos (90,3%) cumpriam pena em condições diversas àquela prevista no Código Penal vigente.
Mesmo que projetos fossem criados e que metas fossem estabelecidas, nenhuma delas foi suficiente para mudar o quadro da situação prisional do país, que, como foi exposto, enfrenta este problema desde o surgimento de seus primeiros presídios.
3.3. Crise no sistema prisional
O Brasil enfrenta, hoje, uma de suas maiores crises no sistema carcerário. Nas palavras de Fernandes e Oliveira (2015, p.72):
O sistema carcerário prisional brasileiro, desde sua origem até os dias atuais, apresentou crescimento vertiginoso da população carcerária. Por outro lado, apesar da construção de novos presídios e, consequentemente, a construção de novas vagas, estas não foram suficientes para albergar os custodiados, uma vez que o número de vagas seguiu um ritmo inversamente proporcional ao de apenado. Como consequência desses fatos, o Brasil acaba sustentando um sistema prisional superlotado.
Figura 1- Pessoas privadas de liberdade no Brasil em junho de 2014.
(Fonte: Infopen, jun/2014; Depen, 2014).
De acordo com o DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional (2014, p.11), em levantamento de informações penitenciárias, o Brasil tem uma população carcerária de 607.731 presos, conforme dados de 2014, sendo que existem apenas 376.669 vagas disponíveis. Isso significa que existe um déficit de 231.062 vagas, ou seja, em um espaço concebido para custodia de 10 presos, existem por volta de 16 indivíduos encarcerados (DPEN, 2014, p. 11). A deficiência de vagas poderia ser muito maior se fossem cumpridos todos os mandados de prisão que foram expedidos. Em números exatos, 373.991 mandados.
O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, ficando atrás dos Estados Unidos (2.228.424 presos), da China (1.657.812 presos) e da Rússia (673.818 presos). Porém, apesar do quarto lugar entre esses países, o Brasil apresenta a maior taxa de ocupação, de 161%, ficando em quinto lugar no ranking mundial (DPEN, 2014, p. 13).
Sobre os dados apresentados, Zackseski, Machado e Azevedo (2017) afirmam que o país já teve duas Comissões Parlamentares de Inquérito sobre o sistema carcerário, onde os relatórios de ambas, entregues, respectivamente em 2008 e 2015, mostrou que o Brasil manteve sua posição no ranking mundial, tanto em números absolutos quanto em números relativos. “Essa situação é consequência de um movimento que tem sido chamado de “grande encarceramento”. (ZACKSESKI, MACHADO, AZEVEDO, 2017, p. 273 e 274)
Conforme informações do DPEN (2014), entre os anos de 1990 e 2014, o número de pessoas privadas de liberdade teve um aumento significativo de 575%, visto que em 1990 a população carcerária era de aproximadamente 90 mil presos e no ano de 2014 de 607 mil presos aproximadamente. Desde o ano de 2000, houve, em média, um crescimento de 7% ano, totalizando 161% de crescimento. Portanto, o aumento populacional carcerário é dez vezes maior que o aumento total da população brasileira, que é de apenas 16% no mesmo período.
O DPEN (2014) também informa que no ano de 2000 haviam 137 presos para cada 100.000 habitantes. Em 2014 esse número subiu para 299,7 encarcerados. Caso a proporção de aumento se mantenha, até o ano de 2075 haverá 1 preso para cada 10 habitantes do país.
Figura 2- População prisional no Brasil por unidade da Federação.
(Fonte: Infopen, jun/2014; Dpen, 2014).
De acordo com o DPEN (2014, p.17):
São Paulo, o estado com o maior número de presos, tem 219.053 pessoas privadas de liberdade, montante que corresponde a cerca de 36% da população prisional do país. Minas Gerais, com 61.286 presos e Rio de Janeiro com 39.321, ocupam, respectivamente, o segundo e terceiro lugar no ranking. Roraima, que tem 1.610 pessoas presas, é o estado com a menor população carcerária em números absolutos.
O quadro do sistema prisional do país está tão exacerbado que “cerca de 41% das pessoas privadas de liberdade são presos sem condenação, a mesma proporção de pessoas em regime fechado.” (DPEN, 2014, p.20). Além disso, de acordo com o mesmo departamento, “cerca de 60% dos presos provisórios do país estão custodiados há mais de 90 dias, aguardando julgamento.” (DPEN, 2014, p.22). Um exemplo a ser dado, afim de demonstrar os níveis alarmantes que a situação chegou é que no Estado do Ceará, de acordo com o DPEN (2014), 99% de seus presos provisórios estão há mais de 90 dias encarcerados. Sobre a referida situação, o Senado Federal se posiciona da seguinte maneira:
A prisão preventiva que exceder 90 dias será obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente, que deverá avaliar se persistem ou não os motivos determinantes da sua aplicação, podendo substituí-la, se for o caso, por outra medida cautelar.
Frente aos dados alarmantes apresentados, fica claro que o sistema punitivo brasileiro não cumpre com seu principal objetivo, que é a ressocialização do indivíduo, a fim de que este possa retomar com sua vida e se reinserir na vida coletiva e gozar das mesmas oportunidades que os demais cidadãos.
Porém, com a realidade bem distante do que está disposto nos textos de lei, Fernandes e Oliveira (2015, p.73) citam Assis (2007, p.75), que dispõe:
A superlotação das celas, sua precariedade e insalubridade tornam as prisões um ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças. Todos esses fatores estruturais, como também a má alimentação dos presos, seu sedentarismo, o uso de drogas, a falta de higiene e toda a lugubridade da prisão fazem com que o preso que ali adentrou numa condição sadia de lá não saia sem ser acometido por uma doença ou com sua resistência física e à saúde fragilizada. [...] Desta forma, acaba ocorrendo a dupla penalização do condenado: a pena de prisão propriamente dita e o lamentável estado de saúde que ele adquire durante a sua permanência no cárcere.
Na mesma linha de pensamento, Fernandes e Oliveira (2015, p.73) afirmam:
[...]Os custodiados são obrigados a viver em celas superlotadas, úmidas e escuras, dando margem a proliferação de doenças altamente contagiosas. Além disso, a falta de condições básicas de higiene e o sedentarismo, aliados ao uso de drogas, afetam a resistência física dos sentenciados e gera um cenário de desrespeito à dignidade da pessoa humama.
A Lei de Execução Penal – LEP (BRASIL, 1984), prevê em seu artigo 14 que “a assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico”. Em seu parágrafo segundo, ainda apresenta solução para caso o estabelecimento prisional não oferecer suporte: “Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.” (BRASIL, 1984).
Dados apresentados pelo DPEN (2014) demonstram o quanto os cuidados com a saúde no interior dos presídios são precários. Na totalidade de estabelecimentos prisionais no Brasil, apenas 37% possuem módulo de saúde para atender os detentos.
Contudo, a saúde precária é apenas uma parcela de todos os problemas que os encarcerados enfrentam diariamente enquanto cumprem sua pena. CAMPOS (2016, p.265), através de pesquisas na Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados (2007-2009) e do Conselho Nacional de Justiça, cita algumas dessas dificuldades:
Superlotação, tortura, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, falta de água potável e de produtos higiênicos básicos, corrupção, deficiência no acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle estatal sobre o cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual.
Com o déficit prisional, delegacias e presídios não apresentam a menor condição de instalação. As estruturas hidráulicas, elétricas e sanitárias precárias, as celas imundas, sem nenhuma ventilação, a área reservada ao banho de sol é exposta ao esgoto aberto, o não acesso a água, para hidratação e higiene, a péssima qualidade dos alimentos, que por muitas vezes são servidos estragados, e da forma de consumi-los são apenas parte do constrangimento ao qual os detentos são expostos. (BRASIL. STF, 2015)
A falta de trabalho e de estudo ou outras ocupações, causam o ócio entre os detentos, que acabam por preencher seu tempo de forma criminosa. (BRASIL. STF, 2015)
No caso de prisões femininas, as mulheres sofrem com o descaso do poder público em relação a suas necessidades básicas, como o não fornecimento de matérias de higiene, absorvente íntimos, local e tratamento adequado para as parturientes, antes, durante e depois do parto e entre outros. Em muitas instituições penitenciárias, já foi constatado o uso de miolo de pão para estancar o fluxo menstrual feminino.
Os vulneráveis, como idosos e homossexuais, são constantemente expostos a situações vexatórias. Os travestis são forçados à prostituição e, por tal motivo, contraem doenças imuno infecciosas, como AIDS e hepatite, por exemplo. (BRASIL. STF, 2015)
Importante frisar o elevado nível de violência dentro dos presídios, onde, de acordo com CAMPOS (2016, p.267):
São constantes os massacres, homicídios, estupros, decapitação, estripamento e esquartejamento. A tortura policial também se faz muito presente, com espancamentos, estrangulamentos, choques elétricos, tiros com bala de borracha. A situação é ainda mais grave contra idosos, mulheres, deficientes físicos e homossexuais.
O grave quadro instalado no sistema prisional não atinge apenas os condenados e sim toda a população, que fica desacreditada na implantação de quaisquer políticas públicas e na capacidade do Estado de protegê-los.
Conforme o voto do Ministro Marco Aurélio (BRASIL. STF, 2015, p. 26) na ADPF 347:
Os cárceres brasileiros não servem à ressocialização do preso. É incontestável que implicam o aumento da criminalidade, transformando pequenos delitos em “monstros do crime”. A prova da ineficiência do sistema como política de segurança pública está nas altas taxas de reincidência. E o que é pior: o reincidente passa a cometer crimes ainda mais graves.”
Frente ao que foi apresentado, Campos (2016, p.264 e 265) discorre:
[...] Talvez, seja o sistema carcerário brasileiro o que produz o maior grau de violação generalizada de direitos humanos de decorrente de omissões e falhas estruturais e agravada pela sistemática inércia e incapacidade das autoridades públicas em superar tal quadro.
Nesse contexto, os princípios básicos, inerentes a qualquer cidadão, contidos na Constituição Federal, como o princípio da dignidade da pessoa humana, proibição à tortura e tratamento desumano ou degradante de seres humanos, vedação da aplicação de penas cruéis, a segurança dos presos à integridade física e moral, entre outros, são claramente violados. (BRASIL. STF, 201)
Campos (2016, p. 265) diz ainda:
Trata-se de graves deficiências e violações de direitos presentes em todas as unidades da Federação brasileira, que podem ser imputadas à responsabilidade dos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Significa dizer: são problemas de agenda política, de formulação e de implementação de políticas públicas, como de aplicação de lei penal.
Portanto, concluindo, nas palavras do Ministro Marco Aurélio (BRASIL. STF, 2016, p.24):
Diante de tais relatos, a conclusão deve ser única: no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se “lixo digno do pior tratamento possível”, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre.