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Ao se omitir em sua responsabilidade, poder público a transfere indevidamente aos particulares

Agenda 31/03/2019 às 20:50

Shoppings têm sidos compelidos a cumprir obrigações indevidas e a limitar sua atividade econômica por conta da desídia do poder público em honrar com suas responsabilidades.

Observa-se nos últimos anos uma constante insistência do poder público em adotar condutas para tentar transferir à iniciativa privada responsabilidades que cabem àquele ou, em alguns casos, adoção de medidas que interferem na livre iniciativa e livre concorrência.

Para os fins deste artigo, limitaremos nossos apontamentos das condutas pelo poder público em face dos shoppings centers. Não temos a pretensão aqui de esgotar o assunto e as exemplificações, mas sim de evidenciar os absurdos mais comuns que têm sido praticados pelo poder público.


Gratuidade em estacionamento

O primeiro exemplo de como o Poder Público tem, absurdamente, interferido na atuação da Iniciativa Privada é a aprovação de lei objetivando a concessão de gratuidades em estacionamento de Shopping Center.

Verifica-se que em todas as regiões do País uma ou mais vezes se tentou aprovar ou foi aprovada lei que versasse sobre gratuidade no uso de estacionamento de Shoppings Center, pelas mais hipóteses, seja em decorrência do quantum consumido em lojas do empreendimento, seja pelo usuário ser idoso ou deficiente, ou por outro motivo.

As leis que objetivam conceder tal gratuidade têm sido propostas no âmbito dos municípios ou estados, o que já evidencia de imediato a inconstitucionalidade formal de tais leis, dado que sobre Direito Civil compete a União legislar e não aos Estados e Municípios, conforme art. 22, inciso I da Constituição Federal, além do que não se enquadra a matéria naquelas que competiria aos Estados (arts. 23, 24 e 25, §1º da CF) ou aos Municípios (art. 30 da CF) legislar.

Atualmente inexiste Lei Federal versando sobre o tema.

Além da inconstitucionalidade formal, lei que versa sobre a concessão de gratuidade em estacionamento de Shopping Center padece de constitucionalidade material, já que infringe o direito à propriedade, a livre iniciativa e a livre concorrência, princípios constitucionais previstos nos art. 1º, inciso IV, art. 5º, inciso XXII e art. 170, caput e inciso IV, da Constituição Federal.

Ora, atuando desta forma, o Poder Público desconsidera todo um planejamento empresarial, investimentos realizados, despesas, riscos e responsabilidades operacionais que o empreendedor tem em razão da atividade, em ato de total ingerência nas práticas da Iniciativa Privada. 

Ora, o que pretende o Poder Público, limitar a oferta e demanda? Limitar a atuação empresarial lícita? Querer quantificar ou limitar o resultado operacional da atividade do particular?

Felizmente o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou a respeito destas inconstitucionalidades, como abaixo exemplificamos alguns julgados:

a) A Lei n° 2.050/92, do Estado do Rio de Janeiro, que, após ter a sua eficácia suspensa por meio de liminar deferida pelo Plenário, foi confirmada por acórdão unânime, datado de 17.03.2011, proferido no julgamento da ADIn nº 1.623-7, relatada pelo Ministro Joaquim Barbosa:

“... não há dúvida de que é relevante a fundamentação jurídica do pedido, quer sob o aspecto da inconstitucionalidade material (ofensa ao artigo 5º, XXII, da Constituição Federal, por ocorrência de grave afronta ao exercício normal do direito de propriedade), quer sob o ângulo da inconstitucionalidade formal (ofensa ao artigo 22, I, da Carta Magna, por invasão de competência privativa da União para legislar sobre direito civil)”.

(b)   A Lei n° 4.711/92, do Estado do Espírito Santo, fulminada por inconstitucional por decisão definitiva unânime do Plenário do E. STF na ADIn n° 1.918-1, sendo relator o Ministro MAURÍCIO CORREIA:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 2º, CAPUT E §§ 1º E 2º, DA LEI Nº 4.711/92 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. ESTACIONAMENTO DE VEÍCULOS EM ÁREAS PARTICULARES. LEI ESTADUAL QUE LIMITA O VALOR DAS QUANTIAS COBRADAS PELO SEU USO. DIREITO CIVIL. INVASÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. 1. Hipótese de inconstitucionalidade formal por invasão de competência privativa da União para legislar sobre direito civil (CF, artigo 22, I). 2. Enquanto a União regula o direito de propriedade e estabelece as regras substantivas de intervenção no domínio econômico, os outros níveis de governo apenas exercem o policiamento administrativo do uso da propriedade e da atividade econômica dos particulares, tendo em vista, sempre, as normas substantivas editadas pela União. Ação julgada procedente.”

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(c)   A Lei n° 1.094/96, do Distrito Federal, cuja inconstitucionalidade foi decretada por decisão definitiva do Plenário do E. STF proferida na ADIn n° 1.472-2, sendo relator o Ministro ILMAR GALVÃO:

“Ao apreciar a medida cautelar, decidiu este Plenário que a norma distrital sob enfoque se imiscuíra no campo da disciplina do direito de propriedade, próprio do Direito Civil, que lhe era absolutamente vedado, porque reservado pela Constituição à competência privativa da União, conforme previsto no art. 22, I, da Carta de 1988 (fls. 106). Esse entendimento foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal em outros julgamentos liminares, como no da ADI 1.623, Rel. Min. Moreira Alves; e no da ADI 2.448, Rel. Min. Sidney Sanches. Em 23.08.2001, no julgamento de mérito da ADI 1.918, Rel. Min. Maurício Corrêa, esta Corte declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 4.711/92, do Estado do Espírito Santo, que limitava a cobrança por estacionamento em áreas particulares, uma vez que caracterizava evidente invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito civil, na forma do art. 22, I, da Carta da República. Do mesmo modo, como afirmado, a lei distrital ora impugnada padece de tal vício de inconstitucionalidade formal, já que igualmente dispõe sobre matéria de direito civil.”

Na mesma linha do STF, os Tribunais Estaduais também assim têm se posicionado:

“Inconstitucionalidade da Lei n. 2.620 de 27/03/98, do Município do Rio de Janeiro, esta reproduzindo matéria similar da Lei Estadual nº 2.050/92 e da Lei Complementar Municipal n. 33/94, com liminar concedida em extensão a outra já deferida na Representação por Inconstitucionalidade nº 64/97, todas regulamentadoras do estacionamento de veículos em parte integrante de edificações destinadas a atividades comerciais e serviços. Agravos Regimentais já decididos unanimemente por este órgão, mantendo as liminares. Lei invasora da esfera de competência exclusiva da União Federal para legislar sobre o direito de propriedade, além de violar o direito adquirido. Contrariedade às Constituições Estadual e Federal”. (TJRJ - Autos 1998.007.00032, da Representação de Inconstitucionalidade arguida pelo Sindicato das Atividades de Garagens, Estacionamento e Serviços do Estado do Rio de Janeiro)

“MANDADO DE SEGURANÇA - LEI ESTADUAL Nº 7.174/2011. PROIBIÇAO DE COBRANÇA DE VALORES PELA UTILIZAÇAO DE ESTACIONAMENTO EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO - PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇAO - SÚMULA 266 DO STF - INAPLICABILIDADE - LEI DE EFEITOS CONCRETOS - INCONSTITUCIONALIDADES MATERIAL E FORMAL - VIOLAÇAO DE DISPOSIÇÕES DA LEX LEGUM ; III - Concessão da segurança. Decisão unânime.” (TJSE - MS: 2011114691 SE, Relator: DESA. SUZANA MARIA CARVALHO OLIVEIRA, Data de Julgamento: 04/07/2012, TRIBUNAL PLENO)

Contudo, os agentes políticos continuam de forma irresponsável e populista propondo leis versando sobre a concessão de gratuidade de estacionamento em Shopping Center, o que gera despesas desnecessárias com a “máquina pública”, tais como sessões em plenário de Câmaras Municipais/Assembleias Legislativas, atuação do executivo para vetar ou sancionar, bem como do judiciário para afastamento dos efeitos de eventual lei neste sentido aprovada.

São leis que, já se sabe, não chegarão a ser aprovadas/sancionadas ou, se aprovadas/sancionadas, serão extirpadas do ordenamento jurídico pelo Judiciário.

O absurdo é tanto que em alguns casos, no mesmo Município, mais de uma lei versando sobre este tema já foi proposta na Câmara Municipal em legislaturas diferentes, a despeito da plena ciência dos agentes políticos de que a lei anterior for extirpada do ordenamento jurídico pela sua flagrante inconstitucionalidade formal e material.

Então, por qual motivo insistem em retornar com esta pauta? Só podemos ter uma conclusão, qual seja, populismo inconsequente e que gera gastos públicos desnecessários.


Instalação de Creches

A pauta mais recente do Poder Público envolvendo a tentativa de transferir ao particular (Shopping Center) responsabilidades que lhes caberiam é a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT), em várias regiões do Brasil, por meio de Ação Civil Pública, pela qual pretende obrigar a implantação em Shopping Center de creches para atendimento de filhos em fase de amamentação de empregadas de lojas e empresas terceirizadas, sob o argumento do art. 389, §1º, da CLT.

“Art. 389 - Toda empresa é obrigada:                           

(...)

§ 1º - Os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação.                            

 § 2º - A exigência do § 1º poderá ser suprida por meio de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de entidades sindicais.      

Por expressa previsão legal, o art. 389, §1º e §2º, da CLT obriga as empresas com mais de 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos a terem local apropriado para as empregadas guardarem seus filhos no período de amamentação.

Porém, mais uma vez o Poder Público, neste caso, por meio do MPT, desconsidera as características de um Shopping Center e a relação jurídica existente entre os lojistas e empresas terceirizadas com o empreendedor ou Condomínio do empreendimento.

Isto porque, seja o empreendedor ou o Condomínio, esses não têm qualquer relação contratual de trabalho com as empregadas dos lojistas ou empresas terceirizadas. Não são seus empregadores!

De forma bem simples, importante conceituar: o Shopping Center é um empreendimento imobiliário.

O empreendedor o constrói, planeja seu tenant mix e loca suas lojas e espaços para que terceiros possam explorar suas atividades.

A relação do empreendedor com os lojistas (locatários) é de locação, regida pelo direito civil e lei própria (Lei Federal nº. 8.245/91). O Condomínio existente no âmbito do Shopping Center possui mera atuação operacional na administração do espaço Shopping Center e a relação com as empresas prestadoras de serviços é contratual de natureza cível.

Em sendo assim, se o empreendedor ou o Condomínio não possuem no interior do Shopping Center número de empregadas nas condições previstas no art. 389, §1º, da CLT, porque então teriam a obrigação de instalarem creche? A resposta é, não existe a obrigação.

Ora, querer imputar esta obrigação de construção e manutenção de creche em Shopping Center em decorrência do número de empregadas dos lojistas e empresas terceirizadas que lá atuam é desvirtuar o disposto na CLT e querer mais uma vez imputar ao Shopping Center a solução dos problemas do Poder Público.

Não há em nosso ordenamento pátrio qualquer norma que atribua a terceiros estranhos à relação de emprego o cumprimento de obrigações trabalhistas de responsabilidade do empregador.

Seja o empreendedor ou seja o Condomínio do Shopping Center, estes não possuem a prerrogativa de controlar as empregadas dos lojistas que estão instalados no local, já que cada empresa possui sua própria dinâmica organizacional e dirige a prestação pessoal dos seus serviços (art. 2º, CLT).

Cada lojista (locatário) instalado em um Shopping Center é uma sociedade distinta, com existência e personalidade jurídica própria, funcionários próprios, autonomia financeira e administrativa.

A atuação do MPT de querer imputar tal responsabilidade ao Shopping Center fere de plano o princípio da legalidade, conforme art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, desse modo, não é justificável atribuir ao empreendedor ou Condomínio do Shopping Center a obrigação de cumprir norma direcionada exclusivamente ao empregador.

Se há necessidade de creches então que o Ministério Público cobre do Município suprir essa necessidade, mas não transferir ao Shopping Center tal obrigação, na figura de seu Condomínio ou empreendedor. A obrigação do Estado (lato sensu) em garantir e prover educação infantil provém do art. 208, inciso IV, da Constituição Federal.

Talvez o Poder Público se esqueça, propositalmente, que não se trata meramente de destinar um espaço para creche, mas vale lembrar que a existência do mesmo acarretará em custos de manutenção, de contratação de profissionais especializados, dentre outros custos operacionais, além de responsabilidades advindas da guarda dos filhos.

Felizmente o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem coibido estes abusos, como se vê na decisão da 8ª Turma do TST no processo nº. TST-RR-1686-10.2012.5.09.0041 (ID 82b1c37):

“I - AGRAVO DE INSTRUMENTO - OBRIGAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 389 DA CLT - SHOPPING CENTER Vislumbrada ofensa ao art. 389, § 1º, da CLT, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento para mandar processar o Recurso de Revista. II - RECURSO DE REVISTA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO [...]. OBRIGAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 389 DA CLT - SHOPPING CENTER Não é aplicável aos shoppings centers a obrigação prevista no art. 389, § 1º, da CLT, em relação aos empregados das lojas que nele operam suas atividades. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido”.

(RR - 1686-10.2012.5.09.0041 , Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 23/08/2017, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/08/2017)

Vale transcrever ainda trecho do brilhante Acórdão:

“De início, impõe-se o reconhecimento da complexidade da relação entre o shopping center e as lojas comerciais que nele exercem suas atividades empresariais. O shopping center constitui-se em um condomínio do qual participam as empresas nele situadas, fornecendo um ambiente que atrai potenciais clientes e promove a atividade comercial dos lojistas.

Conquanto haja alinhamento de interesses entre ambos, dessa comunhão não se extrai que o shopping center tenha obrigação legal específica quanto aos empregados dos estabelecimentos comerciais que nele realizem suas atividades. O shopping center assume tão-somente obrigações genéricas quanto à segurança dos trabalhadores, fornecimento de banheiros e locais para alimentação, mas as obrigações trabalhistas específicas decorrem do contrato de trabalho firmado entre os estabelecimentos comerciais individualmente considerados e seus trabalhadores.

Daí se segue que o shopping center não é responsável pela disponibilização de local destinado à assistência dos filhos das empregadas das lojas nele inseridas.

Tal obrigação é destinada exclusivamente à real empregadora, como se extrai da própria exegese do art. 389, §§ 1º e 2º da CLT.”


Conclusão

Considerando os dois temas que aqui exemplificamos para demonstrar os abusos e tentativa do Poder Público de transferir responsabilidade sua ao Shopping Center ou de interferir no funcionamento ou exploração econômica deste (gratuidade de estacionamento e instalação de creche), é fundamental que os empreendimentos do tipo Shopping Center, por meio de suas administrações e empreendedores, estejam alinhados na defesa de seus interesses. Uma atuação contundente, seja de forma associativa ou individual, é essencial para que os Shoppings Centers preservem os seus direitos e não sejam compelidos indevidamente, por pressão de agentes públicos, a limitações ou cumprimento de obrigações que não lhes seriam exigíveis.

Sobre o autor
Gustavo de Ávila Rajão

Advogado. Coordenador Nacional de Contratos do Portela, Lima, Lobato & Colen Advogados; Graduado pela Universidade Fumec; Pós-Graduado em Direito Imobiliário pela Universidade Gama Filho; Especializado em Direito Contratual pelo IPEC; Consultor Jurídico da Câmara do Mercado Imobiliário (CMI/SECOVI).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAJÃO, Gustavo Ávila. Ao se omitir em sua responsabilidade, poder público a transfere indevidamente aos particulares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5751, 31 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69253. Acesso em: 22 dez. 2024.

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